1. INTRODUÇÃO
A Constituição Federal conferiu ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225 da CF/88).
Este estudo tem como objetivo destacar a importância dosprincípios da precaução e da prevenção do Direito Ambiental na promoção do meio ambiente ecologicamente equilibrado.
2. OS PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO E DA PRECAUÇÃO E AS SUAS DIFERENÇAS ONTOLÓGICAS
Assim como os demais ramos do Direito, o Direito Ambiental é regido por princípios gerais e específicos, e dentre esses últimos destacam-se os princípios da prevenção e da precaução.
A importância dos princípios da precaução e da prevenção revela-se em razão da natureza do direito ambiental, o qual tem por objetivo primordial a tutela de bens que, uma vez atingidos, poderão ser irreparáveis.[1] Nesse sentido, destaca Antônio Beltrão que “é bem mais eficiente e barato prevenir danos ambientais do que repará-los”.[2] Sobre a irreparabilidade dos danos ambientais, disserta Celso Antônio Pacheco Fiorillo que:
“...os danos ambientais, na maioria das vezes, são irreversíveis e irreparáveis. Para tanto, basta pensar: como recuperar uma espécie extinta? Como erradicar os efeitos de Chernobyl? Ou, de que forma restituir uma floresta milenar que fora devastada e abrigava milhares de ecossistemas diferentes, cada um com o seu essencial papel na natureza?
Diante da impotência do sistema jurídico, incapaz de restabelecer, em igualdade de condições, uma situação idêntica à anterior, adota-se o princípio da prevenção do dano ao meio ambiente como sustentáculo do direito ambiental, consubstanciando-se como seu objetivo fundamental.”[3]
Por isso, evitar a ocorrência de danos ambientais é melhor do que repará-los ante a dificuldade de “repristinação” do bem agredido ao status quo ante, pois a reparação do dano ambiental é sempre falha e insuficiente, razão pela qual a atividade ambiental deve ser regida por critérios preventivos.[4]
O licenciamento ambiental, instrumento da política nacional do meio ambiente previsto no art. 9º, IV, da Lei 6.938/81, constitui em exemplo de aplicação práticas dos princípios da prevenção e da precaução, possuindo efetividade na medida em que regido por esses princípios.
A Lei 6.938/81, ao prever a necessidade de compatibilizar o desenvolvimento econômico com a utilização racional dos recursos naturais (art. 4º, incisos I e IV), consagrou ambos os princípios no direito positivo brasileiro.
Em sede constitucional, a previsão do estudo prévio de impacto ambiental, exigência integrante do licenciamento ambiental (art. 225, §1º, inciso IV, CF), também manifesta a presença no direito brasileiro dos princípios ambientais da precaução e da prevenção. A preocupação preventiva na questão ambiental ganhou status constitucional com essa previsão do estudo prévio de impacto ambiental para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação ao meio ambiente.[5]
A tutela penal também se mostra como mecanismo para o combate aos riscos e danos ambientais, podendo-se identificar a presença dos princípios da prevenção e da precaução na Lei de Crimes Ambientais (art. 54, §3º, da Lei 9.605/98). No caso específico do licenciamento ambiental, quando este seja exigível para obras e atividades potencialmente poluidoras, a falta de autorização ou licença dos órgãos ambientais competentes constitui crime nos termos do art. 60 da Lei 9.605/98.
Os princípios da precaução e da prevenção têm em comum o fato de sustentarem ações de proteção ao meio ambiente destinadas a evitar danos ambientais. No entanto, na aplicação das normas de direito ambiental, a doutrina costuma distinguir os princípios da precaução e da prevenção.[6]
A função preventiva do Poder Público por meio do licenciamento ambiental não é uma faculdade, mas sim um dever-poder, eis que a nossa Constituição adotou o princípio da prevenção no caput do art. 225 ao preceituar o dever do Poder Público de proteger e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.[7]
Essa função preventiva atribuída aos Estados foi expressamente enunciada no Princípio 15 da Declaração de Princípios da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992. Veja-se o que diz o mencionado princípio:
“Para proteger o meio ambiente, medidas de precaução devem ser largamente aplicada pelos Estados, segundo as suas capacidades. Em caso de risco de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não deve servir de pretexto para procrastinar a adoção de medidas visando a prevenir a degradação do meio ambiente.”
Desse enunciado, pode-se extrair tanto a existência do princípio da prevenção como do princípio da precaução do direito ambiental. A prevenção se dá na adoção de medidas pelos Estados visando a prevenir a degradação do meio ambiente, enquanto que a precaução é mais específica e está presente quando essas mesmas medidas são adotadas diante da incerteza científica quanto à ocorrência da degradação.
Nesse sentido, passa-se ao escólio de Maria Luiza Machado Granziera quanto à distinção entre os princípios da prevenção e da precaução:
“Os vocábulos prevenção e precaução, na língua portuguesa, são sinônimos. Todavia, a doutrina jurídica do meio ambiente optou por distinguir o sentido desses termos, consistindo o princípio da precaução em um conceito mais restrito que o da prevenção. A precaução tende à não-autorização de determinado empreendimento, se não houver certeza de que ele não causará no futuro um dano irreversível. A prevenção versa sobre a busca da compatibilização entre a atividade a ser licenciada e a proteção ambiental, mediante a imposição de condicionantes ao projeto.”[8]
Enquanto a prevenção está ligada a riscos ou impactos ambientais já conhecidos pela ciência, a precaução destina-se especificamente a evitar riscos e impactos desconhecidos em razão da insuficiência do conhecimento científico sobre determinado assunto.
No ponto, importante mencionar o ensinamento de ÉdisMilaré acerca do princípio da prevenção:
“Aplica-se esse princípio, como se disse, quando o perigo é certo e quando se tem elementos seguros para afirmar que uma determinada atividade é efetivamente perigosa.
(...)
Na prática, o princípio da prevenção tem como objetivo impedir a ocorrência de danos ao meio ambiente, através da imposição de medidas acautelatórias, antes da implantação de empreendimentos e atividades consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras.”[9]
Paulo de Bessa Antunes também traz em seu conceito acerca do princípio da prevenção o elemento da certeza quanto aos danos decorrentes da atividade econômica a ser desenvolvida, ao dispor que:
“o princípio da prevenção aplica-se a impactos ambientais já conhecidos e dos quais se possa, com segurança, estabelecer um conjunto de nexos de causalidade que seja suficiente para a identificação dos impactos futuros mais prováveis.”
Assim, o princípio da prevenção está ligado a uma avaliação concreta dos riscos e impactos possíveis de uma determinada atividade, riscos e impactos previamente conhecidos e que por isso possibilitam a adoção de medidas pelo Estado suficientes ao seu combate, propiciando o desenvolvimento da atividade impactante sem a ocorrência da degradação ambiental. Dessa forma, garantem-se os benefícios econômicos da atividade sem a ocorrência de danos ao meio ambiente.
Já o princípio da precaução destina-se a evitar um perigo abstrato, ou seja, uma situação de risco ou um potencial dano desconhecido em razão da imprevisibilidade das conseqüências da atividade impactante. Relaciona-se sem sombra de dúvida à insuficiência do conhecimento científico sobre determinado assunto, preocupando-se com um risco incerto, possível de concretizar-se.
Esse princípio destina-se à proteção ambiental em face da incerteza dos saberes científicos, de modo que é freqüente a sua invocação quando se discutem assuntos relativos ao aquecimento global, à engenharia genética e à introdução de organismos geneticamente modificados, dentre outros.[10]
Para Maria Luiza Machado Granziera o princípio da precaução determina que não se licencie uma atividade toda vez que não se tenha certeza de que ela não causará danos irreversíveis ao meio ambiente, eis que, na dúvida, é melhor que se tomem providências drásticas para evitar danos futuros.[11]
A precaução atua também quando o dano ambiental já ocorreu, de modo a propiciar o surgimento de medidas que façam cessar esse dano ou pelo menos diminuir os seus efeitos.
Os princípios da precaução e da prevenção representam a base de aplicação das normas de direito ambiental, eis que compreendem garantias para a sustentabilidade das políticas destinadas à prevenção da degradação ambiental.
Dessa forma, para a repressão do dano ambiental a Administração atua preventivamente, executando a política de licenciamento ambiental pautada nos princípios da precaução e da prevenção. Com efeito, esses princípios são o alicerce para aplicação das normas destinadas à atuação prévia à ocorrência dos danos ambientais, efetivando a execução dos deveres constitucionais de proteção do meio ambiente e combate à poluição (art. 23, VI, c/c art. 225 da CF/88).
Conforme os ensinamentos de ÉdisMilaré, “ambos são basilares em Direito Ambiental, concernindo à prioridade que deve ser dada às medidas que evitem o nascimento de agressões ao ambiente”, e dentre essas medidas sem dúvida pode-se citar o licenciamento ambiental.[12]
3. CONCLUSÃO
Logo, ante as considerações expostas, observa-se que os princípios da prevenção e da precaução do Direito Ambiental subsidiam a elaboração das normas ambientais, e em particular, das que dizem respeito ao licenciamento ambiental, de forma a viabilizá-lo como instrumento destinado à efetivação do dever constitucional de proteção e preservação do meio ambiente por parte do Poder Público e da coletividade.
Em tal mister, observa-se também, por via reflexa, que esses princípios são a base garantidora do direito fundamental de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ANTUNES, Paulo de Bessa. Política Nacional do Meio Ambiente: Comentários à Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2005.
_____ Direito Ambiental. 12. ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2009.
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GARCIA, Leonardo de Medeiros; THOMÉ, Romeu. Direito Ambiental. 2. ed. rev. atual. ampl. Salvador: Editora Jus Podivm, 2010.
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_____. Direito Constitucional Positivo. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 1992.
TRENNENPOHL, Curt; TRENNENPOHL, Terence. Licenciamento Ambiental. 2. ed. Niterói: Impetus, 2008.
[1] FERNANDES, Paulo Victor. Impacto Ambiental: Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 40.
[2] BELTRÃO, Antônio F. G. Curso de Direito Ambiental. São Paulo: Editora Método, 2009, p. 35.
[3] FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 11. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 111-112.
[4] ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 12. ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2009, p. 254.
[5]FINK, Daniel Roberto; ALONSO JÚNIOR, Hamilton; DAWALIBI, Marcelo. Aspectos Jurídicos do Licenciamento Ambiental. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 2004, p. 39.
[6] Como exemplos de doutrinadores que distinguem os princípios da prevenção e da precaução podemos citar: Antônio Beltrão, ÉdisMilaré, Marcelo Abelha Rodrigues, Paulo Affonso Leme Machado e Paulo de Bessa Antunes.
[7] FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 11. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 112.
[8] GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito Ambiental. São Paulo: Atlas, 2009, p. 55.
[9] MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: a gestão Ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 823-824.
[10]Ibis, Ibidem, 2009, p. 824.
[11] GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito Ambiental. São Paulo: Atlas, 2009, p. 55.
[12] MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: a gestão Ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 823.
Procurador Federal atuante na Procuradoria-Federal em Goiás, órgão de execução da Advocacia-Geral da União. Pós-graduado em Direito Público pela Universidade de Brasília - UnB. Pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás - UFG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Victor Nunes. Os princípios da prevenção e da precaução no Direito Ambiental Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 dez 2014, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42637/os-principios-da-prevencao-e-da-precaucao-no-direito-ambiental. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Medge Naeli Ribeiro Schonholzer
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