Resumo: O presente trabalho pretende examinar a hipótese de contratação direta, por meio de inexigibilidade de licitação, com fundamento no art. 25, inciso III, da Lei nº 8.666/1993, estabelecendo-se como supedâneo a doutrina especializada na matéria e os requisitos impostos pela jurisprudência do Tribunal de Contas da União.
Palavras-chaves: Direito Administrativo. Licitação. Inexigibilidade. Inviabilidade de Competição. Profissional Consagrado. Empresário Exclusivo. Requisitos. Contrato. Registro em Cartório.
Introdução
1. A Constituição da República Federativa do Brasil preceitua que, nas oportunidades em que a Administração Pública desejar contratar obras e serviços, comprar ou alienar bens, a regra imposta será a da realização de procedimento licitatório, de acordo com o disposto no seu art. 37, XXI, ad litteram:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[...]
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. (Grifos nossos)
2. Entretanto, como se pode depreender da parte inicial do retromencionado inciso, a legislação infraconstitucional que regulamentou a matéria – a saber, a Lei nº 8.666/1993 – previu exceções à regra da licitação.
3. Algumas dessas exceções foram reguladas pelo art. 25, da Lei n.º 8.666/1993, o qual estabelece situações sobre as quais recairá presunção de que a competição será inviável, é o que se pode notar da leitura do referido comando legal, in verbis:
Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:
I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;
II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;
III - para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública. (Grifos nossos)
4. Neste trabalho, procurar-se-á analisar detidamente o regramento legal dado à espécie supramencionada, bem como expor os requisitos impostos pelo Tribunal de Contas da União para assegurar a higidez formal de contratação direta com fulcro nesta hipótese normativa.
Desenvolvimento
5. Sobre as situações em que a regra do procedimento licitatório poderá ser afastada, em razão da inviabilidade de competição, Marçal Justen Filho leciona o seguinte[1], verbis:
As causas de inviabilidade de competição podem ser agrupadas em dois grandes grupos, tendo por critério a sua natureza. Há uma primeira espécie que envolve inviabilidade de competição derivada de circunstâncias atinentes ao sujeito a ser contratado. A segunda espécie abrange os casos de inviabilidade de competição relacionada com a natureza do objeto a ser contratado.
Na primeira categoria, encontram-se os casos de inviabilidade de competição por ausência de pluralidade de sujeitos em condição de contratação. São as hipóteses em que é irrelevante a natureza do objeto, eis que a inviabilidade de competição não decorre diretamente disso. Não é possível a competição porque existe um único sujeito para ser contratado.
Na segunda categoria, podem existir inúmeros sujeitos desempenhando a atividade que satisfaz a necessidade estatal. O problema da inviabilidade de competição não é de natureza numérica, mas se relaciona com a natureza da atividade a ser desenvolvida ou de peculiaridade quanto à própria profissão desempenhada. Não é viável a competição porque características do objeto funcionam como causas impeditivas. (Grifos nossos)
6. Para o caso em tela - tomando-se como parâmetro, nesta ocasião, a lição do referido doutrinador -, entende-se que se aplicaria a primeira espécie acima citada, ou seja, considera-se inviável a competição em razão de peculiaridade referente ao sujeito a ser contratado, pois se trata de profissional consagrado pela crítica especializada e pela opinião pública, situação fática que justificaria a aplicação do multicitado inciso III, do art. 25, da Lei n.º 8.666/1993.
7. Nesse diapasão, a hipótese do inciso III, do art. 25 da Lei nº. 8.666/1993 é clara ao exigir a contratação direta do artista renomado ou, ainda, a celebração do ajuste por meio de empresário exclusivo.
8. É cediço que, na sistemática adotada pelo nosso Código Civil, há inteira distinção entre a pessoa natural e a pessoa jurídica.
9. Em linhas gerais, a pessoa natural é o ser humano, sujeito de direitos e deveres, biológica e psiquicamente constituído, figura que não se confunde, de maneira alguma, com a pessoa jurídica, a qual possui personalidade própria, podendo adquirir direitos e contrair obrigações independentes, razão pela qual representa ente diverso dos indivíduos que a constituem.
10. Assim, ainda que, por exemplo, o artista em questão seja sócio majoritário da pessoa jurídica a ser contratada, a exigência legal imposta pelo art. 25, III, da Lei nº. 8.666/1993 não restaria atendida, haja vista que esta refere-se à pessoa natural, ao artista individualmente considerado, pois sobre ele repousam as admiráveis e diferenciadas características que o fazem ser plenamente reconhecido pela crítica e pela opinião pública, não havendo possibilidade de se alargar tal conceito com a finalidade de se incluir pessoa jurídica, haja vista esta não possuir constituição biopsíquica, sendo indiscutivelmente incapaz de exteriorizar manifestações artísticas originais.
11. A outra possibilidade prevista no multicitado inciso III é a de contratação por meio de empresário exclusivo.
12. Nestes termos, a princípio, não haveria nenhum óbice à contratação de pessoa jurídica, desde que fosse comprovada a sua condição de empresária exclusiva do artista renomado comprovadamente detentor dos direitos autorais sobre a peça de arte da qual se deseja dispor.
13. Cumpre destacar, a esta altura, que o Tribunal de Contas da União vem determinando a apresentação de cópia de contrato de exclusividade do artista com o empresário contratado, devidamente registrado em cartório, conforme se pode notar dos julgados abaixo colacionados:
Acórdão 96/2008 Plenário[2]
Quando da contratação de artistas consagrados, enquadrados na hipótese de inexigibilidade prevista no inciso III do art. 25 da Lei no 8.666/1993, por meio de intermediários ou representantes:
· deve ser apresentada cópia do contrato de exclusividade dos artistas com o empresário contratado, registrado em cartório. Deve ser ressaltado que o contrato de exclusividade difere da autorização que confere exclusividade apenas para os dias correspondentes a apresentação dos artistas e que é restrita a localidade do evento;
· o contrato deve ser publicado no Diário Oficial da União, no prazo de cinco dias, previsto no art. 26 da Lei de Licitações e Contratos Administrativos, sob pena de glosa dos valores envolvidos;
· os valores arrecadados com a cobrança de ingressos em shows e eventos ou com a venda de bens e serviços produzidos ou fornecidos em função dos projetos beneficiados com recursos dos convênios devem ser revertidos para a consecução do objeto conveniado ou recolhidos a conta do Tesouro Nacional. Adicionalmente, referidos valores devem integrar a prestação de contas. (Grifos nossos)
Acórdão 2.163/2011 2ª Câmara[3]
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão da 2ª Câmara, ante as razões expostas pelo Relator, em:
[...]
9.3.2.1. sejam observados os requisitos constantes do subitem 9.5.1 do Acórdão 96/2008-TCU-Plenário, não devendo ser aceitos contratos de exclusividade restritos às datas e às localidades das apresentações artísticas, ou que não tenham sido registrados em cartório;
Acórdão 642/2014 1ª Câmara[4]
[...]
18. Com relação à regularidade do processo de inexigibilidade de licitação, faz-se necessário averiguar a questão dos contratos de exclusividade firmados para o festival da Carne de Sol, à luz da jurisprudência desta Casa, cujo entendimento está esboçado no item 9.5 do Acórdão 96/2008-TCU-Plenário.
ACÓRDÃO 96/2008-TCU-Plenário
[...]
9.5.1. quando da contratação de artistas consagrados, enquadrados na hipótese de inexigibilidade prevista no inciso III do art. 25 da Lei nº 8.666/1992, por meio de intermediários ou representantes:
9.5.1.1. deve ser apresentada cópia do contrato de exclusividade dos artistas com o empresário contratado, registrado em cartório. Deve ser ressaltado que o contrato de exclusividade difere da autorização que confere exclusividade apenas para os dias correspondentes à apresentação dos artistas e que é restrita à localidade do evento;
14. Destarte, ainda que a legislação não preveja tal requisito, o TCU vem reiteradamente exigindo tal formalidade, a fim de evitar burlas à Lei de Licitações.
Conclusão
15. Em suma, a contratação direta com fulcro no art. 25, III, da Lei nº. 8.666/1993, exige que o ajuste seja celebrado diretamente com o artista consagrado ou por meio de empresário exclusivo que o represente, havendo de ser apresentado, nesta última hipótese, o contrato de exclusividade devidamente registrado em cartório, conforme se pode depreender dos julgados do Tribunal de Contas da União acima expostos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Presidência da República. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm
BRASIL. Presidência da República. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Jurisprudências. Disponível em: http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/jurisprudencia.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 15ª edição, São Paulo: Editora Dialética, 2012.
[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 15ª edição. São Paulo: Editora Dialética, 2012, p. 406.
[2] Tribunal de Contas da União, Acórdão nº 96/2008 - Plenário. Relator Ministro Benjamin Zymler, p.33. Data da sessão: 30.1.2008
[3] Tribunal de Contas da União, Acórdão nº 2.163/2011 - 2ª Câmara. Relator Ministro André Luís de Carvalho, p.19. Data da sessão: 5.4.2011
[4] Tribunal de Contas da União, Acórdão nº 642/2014 - 1ª Câmara. Relator Ministro Valmir Campelo, p.3. Data da sessão: 18.2.2014
Advogado da União, lotado na Consultoria Jurídica do Ministério da Pesca e Aquicultura, Pós-graduado em Direito do Estado pelo Juspodivm - Salvador/BA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Jefferson Oliveira. Da inexigibilidade de licitação com fulcro no inciso III, do Art. 25, da Lei nº 8.666/1993 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 dez 2014, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42649/da-inexigibilidade-de-licitacao-com-fulcro-no-inciso-iii-do-art-25-da-lei-no-8-666-1993. Acesso em: 23 dez 2024.
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