Resumo: O presente estudo visa abordar, de maneira pontual, a improbidade administrativa, demonstrando seus relevantes aspectos, característica e contornos jurídicos, bem como os principais entendimentos da jurisprudência.
Palavras-chave: Direito Administrativo – Direito Processual Civil – Improbidade Administrativa – Questões Pontuais - Jurisprudência.
1 – INTRODUÇÃO:
A prática de atos de improbidade administrativa vem sendo objeto de inúmeras ações judiciais nos tribunais, incluindo os superiores, tendo estes – principalmente o Superior Tribunal de Justiça – proferido decisões importantes sobre o tema. Em razão dessa ocorrência prática na jurisprudência pátria, decidiu-se escrever o presente trabalho, no sentido de contribuir o leitor no entendimento legal, doutrinário e jurisprudencial sobre acerca do assunto.
2 – QUESTÕES PONTUAIS ACERCA DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA:
Ab initio, é pertinente trazer à baila que o termo “probidade” é, segundo alguns doutrinadores, diferente do termo “moralidade”. Para uns, a probidade é um subprincípio da moralidade, ou seja, todo ato ímprobo é necessariamente imoral[1]. Outros doutrinadores, porém, pensa de forma contrária, conceituando a probidade de forma mais ampla, haja vista que a própria Lei nº 8.429/1992 prevê que o ato de improbidade administrativa viola não apenas o princípio da moralidade, mas também outros princípios da Administração Pública, incluindo o princípio da moralidade[2]. Por fim, há estudiosos que tratam os dois termos indistintamente, vez que a Constituição Federal inclui a moralidade como um dos princípios da Administração Pública e a improbidade como sendo um tipo de violação ao aludido princípio da moralidade[3].
Deixando de lado essas divergências, é preciso informar que o ato de improbidade administrativa ocorre quando o agente público pratica qualquer ato previsto nos artigos 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/1992. Tais artigos trazem hipóteses de atos de improbidade que importam enriquecimento ilícito do agente público (art. 9º), que causam prejuízo ao erário (art. 10) e que atentam contra princípios da administração pública (art. 11). O tema possui, também, previsão no próprio texto constitucional, mais precisamente no art. 14, § 9º; art. 15, V; art. 37, § 4º; art. 85, V; e, ainda, no art. 97, § 10, III, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT.
Portanto, já se vê que a improbidade administrativa está disciplinada na Lei nº 8.429/1992, fruto da competência constitucional da União, haja vista tratar-se de sanções de natureza civil e regras de direito processual civil (Art. 22, I, CF). Assim, acerca de sua aplicação no tempo, a dita Lei só poderá alcançar fatos posteriores à sua vigência, mesmo que tenham sido ocorridos após a Constituição. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça decidiu:
“ADMINISTRATIVO. LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. APLICAÇÃO RETROATIVA A FATOS POSTERIORES À EDIÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. IMPOSSIBILIDADE.
1. A Lei de Improbidade Administrativa não pode ser aplicada retroativamente para alcançar fatos anteriores a sua vigência, ainda que ocorridos após a edição da Constituição Federal de 1988.
2. A observância da garantia constitucional da irretroatividade da lei mais gravosa, esteio da segurança jurídica e das garantias do cidadão, não impede a reparação do dano ao erário, tendo em vista que, de há muito, o princípio da responsabilidade subjetiva se acha incrustado em nosso sistema jurídico.
3. Consoante iterativa jurisprudência desta Corte, a condenação do Parquet ao pagamento de honorários advocatícios no âmbito de ação civil pública está condicionada à demonstração de inequívoca má-fé, o que não ocorreu no caso.
4. Recurso especial provido em parte, apenas para afastar a condenação do recorrente em honorários advocatícios.”[4] (DESTAQUEI)
É válido frisar que agente público, para os efeitos da mencionada lei, é “todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função (...)” (Art. 2º).
Como se pode perceber, a legislação conceitua agente público da forma mais ampla possível, o que inclui os contratados por tempo determinado, os jurados, os estagiários, entre outros. Aliás, com relação ao estagiário, o Superior Tribunal de Justiça já entendeu que o seu enquadramento no conceito de agente público, “para fins de sua submissão à Lei n. 8.429/1992, depende das funções que, de fato, estava a exercer, por ocasião do ilícito que praticou. É desinfluente, assim, o fato de, dentre suas atribuições, não haver possibilidade de tomar decisões”[5].
Ao praticar o ato de improbidade, o sujeito estará sujeito a algumas penalidades previstas na própria Lei nº 8.429/1992, quais sejam:
1. Suspensão dos direitos políticos;
2. Perda da função pública;
3. Indisponibilidade dos bens; e
4. Ressarcimento ao erário.
A aplicação de cada uma dessas sanções vai depender de qual ato ímprobo o agente público praticou. É dizer, em outras palavras, que, se o agente praticar qualquer ato previsto nos incisos do art. 9º, ele estará sujeito às penas do inciso I do art. 12. Se, porém, o agente for enquadrado em qualquer hipótese dos incisos do art. 10, o mesmo estará sujeito às penas do inciso II do art. 12. Por fim, caso o agente pratique qualquer conduta prevista nos incisos do art. 11, ele sofrerá as consequências previstas no inciso III do art. 12.
É válido salientar que aquele que, mesmo não sendo enquadrado no conceito de agente público, induzir ou concorrer para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficiar sob qualquer forma direta ou indireta, pode responder pelos por tais atos. Não importa se for praticado por pessoa física ou por pessoa jurídica, sujeitando-se ambos à Lei de Improbidade[6]. Porém, não é admitido que apenas o terceiro seja responsabilizado pelo ato de improbidade administrativa, ou seja, só será admitida ação sobre esse tema quando houver a participação, também, de um agente público, sendo ambos, em tese, incluídos no polo passivo da demanda. Esse é o entendimento de Adriano Andrade, ipsis litteris:
“A responsabilização de terceiros está condicionada à prática de um ato de improbidade por um agente público. É dizer: não havendo participação do agente público, há que ser afastada a incidência da LIA, estando o terceiro sujeito a sanções previstas em outras disposições legais. Pelas mesmas razões, não poderá o particular figurar sozinho no polo passivo de uma ação de improbidade administrativa, nele tendo de participar, necessariamente, o agente público.
Vê-se, portanto, que o art. 3º encerra uma norma de extensão pessoal dos tipos de improbidade, a autorizar a ampliação do âmbito de incidência da LIA, que passa a alcançar não só o agente público que praticou o ato de improbidade, como também os terceiros que estão ao seu lado, isto é, aqueles que de qualquer modo concorreram para a prática da conduta ímproba, ou dele se beneficiaram”.[7]
No mesmo sentido, o Tribunal do Cidadão:
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LITISCONSÓRCIO PASSIVO. AUSÊNCIA DE INCLUSÃO DE AGENTE PÚBLICO NO PÓLO PASSIVO. IMPOSSIBILIDADE DE APENAS O PARTICULAR RESPONDER PELO ATO ÍMPROBO. PRECEDENTES.
1. Os particulares que induzam, concorram, ou se beneficiem de improbidade administrativa estão sujeitos aos ditames da Lei nº 8.429/1992, não sendo, portanto, o conceito de sujeito ativo do ato de improbidade restrito aos agentes públicos (inteligência do art.
3º da LIA).
2. Inviável, contudo, o manejo da ação civil de improbidade exclusivamente e apenas contra o particular, sem a concomitante presença de agente público no polo passivo da demanda.
3. Recursos especiais improvidos.”[8]
Saliente-se, por oportuno, que não há o que se falar em litisconsorte passivo necessário nesses casos, pois, segundo o Superior Tribunal de Justiça, não estão presentes as hipóteses previstas no art. 47 do Código de Processo Civil (disposição legal ou relação jurídica unitária)[9].
Demais disso, impedido de figurar sozinho no polo passivo de uma ação de improbidade administrativa, o terceiro poderá responder eventual ação civil pública comum para imposição de ressarcimento ao erário.
Noutro norte, a fim de garantir a eficácia das sanções previstas no § 4º, do art. 37, da Constituição Federal, há a previsão de que seja decretada a indisponibilidade dos bens e o sequestro dos bens da pessoa que cometeu o ato ímprobo, o que será deferido pelo juiz, a pedido do Ministério Público. Mesmo que a Lei nº 8.429/1992 não preveja, expressamente, essas garantias nos casos dos atos que impliquem violação dos princípios da administração pública (art. 7º e 17), a jurisprudência vem entendendo que, através de uma interpretação sistemática, o juiz poderá se utilizar do seu poder geral de cautela para deferir uma medida cautelar de indisponibilidade dos bens do agente em tais hipóteses[10].
No que toca ao procedimento para essas medidas cautelares, o juiz poderá deferi-las mesmo antes do recebimento da ação, o que poderá se dar, inclusive, mesmo antes de ser concluído o procedimento administrativo para apurar o ato. Por se tratar de medida de natureza acautelatória, o deferimento da medida poderá ocorrer inaldita altera pars, ou seja, antes da manifestação do réu, exigindo apenas a comprovação do fumus boni juris, pois o periculum in mora, nesses casos, é presumido. Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça proferiu uma decisão, da qual se retira um trecho sobremodo ilustrativo:
“As medidas cautelares, em regra, como tutelas emergenciais, exigem, para a sua concessão, o cumprimento de dois requisitos: o fumus boni juris (plausibilidade do direito alegado) e o periculum in mora (fundado receio de que a outra parte, antes do julgamento da lide, cause ao seu direito lesão grave ou de difícil reparação).
[...]
No caso da medida cautelar de indisponibilidade, prevista no art. 7º da LIA, não se vislumbra uma típica tutela de urgência, como descrito acima, mas sim uma tutela de evidência, uma vez que o periculum in mora não é oriundo da intenção do agente dilapidar seu patrimônio e, sim, da gravidade dos fatos e do montante do prejuízo causado ao erário, o que atinge toda a coletividade. O próprio legislador dispensa a demonstração do perigo de dano, em vista da redação imperativa da Constituição Federal (art. 37, §4º) e da própria Lei de Improbidade (art. 7º)”.[11]
Resultado disso é que a decisão de decretação de indisponibilidade dos bens poderá ser deferida mesmo que o agente não esteja dilapidando seus bens, havendo decisões de Tribunal Superior admitindo a constrição dos bens adquiridos mesmo antes da prática do ato de improbidade administrativa.[12]
Noutra senda, considerando que a medida de constrição não implica necessariamente em expropriação do bem, a condição de bem de família não resulta no indeferimento do pedido.
Por fim, saliente-se que o pedido realizado pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica de direito público interessada, no que toca à indisponibilidade dos bens, não necessita de indicação individualizada dos bens do réu. Todavia, não se poder afirma o mesmo para a concessão do sequestro de bens.
3 – CONCLUSÃO:
Face o exposto, percebe-se que o tema da improbidade administrativa, em que pese haver a sua previsão no ordenamento jurídico, se encontra em notória evolução, tendo os tribunais superiores proferido decisões que esclarecem significativamente alguns pontos da matéria.
BIBLIOGRAFIA:
- ALVES, Rogério Pacheco; GARCIA, Emerson. Improbidade Administrativa. 8ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2014.
- BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, disponível em: www.stj.jus.br, acesso em: 17/12/2014.
- BRASIL, Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. DOU 05.10.1988.
- BRASIL, Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 27ª Edição. São Paulo: Atlas, 2014.
MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade Administrativa. 4ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2009.
[1] Essa posição é defendida por Wallace Paiva Martins Júnior.
[2] Entendimento de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves.
[3] Nesse sentido, José dos Santos Carvalho Filho.
[4] REsp 1129121/GO, Rel. Ministra ELIANA CALMON, Rel. p/ Acórdão Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/05/2012, DJe 15/03/2013.
[5] MC 21.122/CE, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/10/2013, DJe 13/03/2014.
[6] REsp 1122177/MT, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/08/2010, DJe 27/04/2011.
[7] ANDRADE, Adriano. et. al. , p. 656.
[8] REsp 1171017/PA, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/02/2014, DJe 06/03/2014.
[9] REsp 896.044/PA, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/09/2010, DJe 19/04/2011.
[10] AgRg no REsp 1311013/RO, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/12/2012, DJe 13/12/2012.
[11] REsp 1319515/ES, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/08/2012, DJe 21/09/2012.
[12] REsp 1204794/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/05/2013, DJe 24/05/2013.
Procurador Federal, ora de 1ª Categoria, cuja data de posse ocorrera em 03/03/2008, Matrícula Siape n. 1611995, Chefe da Seção da Matéria de Benefícios e Chefe-Substituto da Procuradoria Federal Especializada do INSS em Campina Grande/PB (PFE/INSS/CGE) no período entre 08/2012 a 12/2013.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Carlos Eduardo de Carvalho. Questões pontuais acerca da improbidade administrativa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 dez 2014, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42656/questoes-pontuais-acerca-da-improbidade-administrativa. Acesso em: 23 dez 2024.
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