Resumo: O presente trabalho visa identificar as alterações propostas pelo Poder Legislativo para regulamentar a guarda dos filhos em caso de dissolução da sociedade conjugal.
Palavras-chave: família; filhos; guarda compartilhada.
Sumário: Introdução; 1. Conceito de guarda compartilhada; 2. O início da guarda compartilhada no Código Civil; 3. A nova sistemática a ser implementada pelo projeto; Conclusão. Bibliografia.
INTRODUÇÃO
O senado aprovou, no dia 26 de novembro de 2014, o projeto de lei 117/2013, que altera o código civil no que tange à guarda dos filhos de pais separados (ou que nunca foram casados ou companheiros).
O texto aguarda a sanção da presidenta Dilma Rousseff e representa a obrigatoriedade da guarda compartilhada quando não houver consenso entre os pais.
Na realidade, tal instituto já estava presente em nosso ordenamento jurídico desde a introdução da lei 11.698/08. Contudo, estava sendo utilizado pela sociedade de forma muito tímida, sendo que poucos pais optavam pela guarda compartilhada na ocasião do divórcio.
1. CONCEITO DE GUARDA COMPARTILHADA
De acordo com o projeto de lei, na guarda compartilhada o tempo de custódia física dos filhos deve ser dividido de forma equilibrada entre a mãe e o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos (novo § 2º do art. 1583).
Trata-se de um instituto no qual se permite que os dois genitores, pai e mãe, separados, tenham os mesmos direitos e obrigações perante os filhos. Os pais definem, de forma conjunta, a respeito dos cuidados necessários em relação aos filhos.
Para Caio Mario
A guarda compartilhada é conveniente quando os pais revelam maturidade e possibilidades funcionais de compartilhar as rotinas dos filhos de maneira harmônica, respeitando seus horários e suas atividades escolares extracurriculares. (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. v.5.p. 469).
Ainda, cabe transcrever o bem ilustrado pensamento de Maria Berenice Dias a respeito do tema:
A dissolução dos vínculos afetivos não leva à cisão nem quanto aos direitos nem quanto aos deveres com relação aos filhos. O rompimento da vida conjugal dos genitores não deve comprometer a continuidade dos vínculos parentais, pois o exercício do poder familiar em nada é afetado pela separação. É necessário manter os laços de afetividade, minorando os efeitos que a separação acarreta nos filhos.(DIAS, Maria Berenice. Guarda Compartilhada. Revista jurídica consulex. Brasília, DF: Consulex, v.12, n.275, 30 jun 2008, p.26).
2. O INÍCIO DA GUARDA COMPARTILHADA NO CÓDIGO CIVIL
Embora já reconhecido pela doutrina e jurisprudência, foi em 2008 que o instituto foi positivado em nosso ordenamento jurídico, por intermédio da lei 11.698/08, que imprimiu nova redação ao art. 1583 do Código Civil:
Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada.
§ 1o Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5o) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.
No atual contexto legislativo, o juiz decreta a guarda compartilhada somente nos casos em que há harmonia entre os pais, como definem os artigos 1583 e seguintes do Código Civil Brasileiro, in verbis:
Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:
I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar;
II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe.
§ 1o Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas.
§ 2o Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada.
Ou seja, desde 2008 convivemos com o instituto da guarda compartilhada, que é uma opção para os pais que decidem conviver com seus filhos de forma harmônica e igualitária. Trata-se, com dito anteriormente, de uma opção. Ou seja, os genitores optam e o juiz homologa.
A partir do momento em que o projeto de lei 117/13 virar lei, a divisão de obrigações e deveres em relação aos filhos passará a ser uma regra que deverá ser observada pelas partes envolvidas, bem como pelo magistrado, prolator da decisão
Apenas a titulo de exemplificação, cumpre transcrever algumas situações ocorridas no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em que se denotam as dificuldades encontradas pelo Judiciário para impor o compartilhamento de responsabilidades:
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. GUARDA. BUSCA E APREENSÃO. GUARDA COMPARTILHADA. Mesmo reconhecendo a necessidade do contato da filha com o genitor, não é recomendável o deferimento, pelo menos por enquanto, da guarda compartilhada, modalidade sabidamente de dificílimo êxito na sua aplicação prática e somente viável quando fruto do consenso, o que não se verifica na presente demanda, cujo clima de litígio entre o ex-casal é intenso. A menina, atualmente com 2 anos de idade, sempre esteve na guarda materna, mantendo, no entanto, contato com o pai e a família paterna, o que deve ser preservado. DERAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Agravo de Instrumento Nº 70060973567, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 20/11/2014)
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. FAMÍLIA. AÇÃO DE DIVÓRCIO. ESTABELECIMENTO DA GUARDA COMPARTILHADA. DESCABIMENTO, POR ORA. MANUTENÇÃO DO ENCARGO CONCEDIDO EM FAVOR DA GENITORA. AMPLIAÇÃO DO REGIME DE VISITAS PATERNAS. ALTERAÇÃO DO ARRANJO NA ORIGEM. PERDA DO OBJETO. PREQUESTIONAMENTO. 1. O conjunto probatório carreado ao instrumento revela a inexistência de entendimento mínimo entre os genitores a respeito da guarda compartilhada, o que inviabiliza, por ora, seu estabelecimento. 2. Inexiste no instrumento qualquer adminículo de prova a indicar eventual inaptidão da genitora para o exercício da guarda ou de que os interesses dos filhos não estejam sendo atendidos a contento, devendo ser mantida a decisão que indeferiu o pedido de alteração do encargo em favor do genitor, mantendo-se o arranjo tal como se encontra, que perdura desde a desde a separação do casal. 3. Tendo sido ampliado na origem o regime de visitação paterna após a interposição do presente reclamo, resta prejudicado o exame da insurgência nesse ponto. 4. A apresentação de questões para fins de prequestionamento não induz à resposta de todos os artigos referidos pela parte. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA PARTE, DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70061508909, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado em 20/11/2014)
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. FAMÍLIA. ESTABELECIMENTO DA GUARDA COMPARTILHADA DA FILHA MENOR. INVIABILIDADE. AMPLIAÇÃO DO HORÁRIO DE VISITAÇÃO. CABIMENTO. 1. Os elementos informativos carreados ao instrumento, especialmente o parecer social elaborado a partir de entrevistas com os genitores, são suficientes a revelar a inexistência de um perfeito entendimento entre eles, o que é necessário ao estabelecimento do compartilhamento do encargo da filha menor, que por ora deve continuar sendo exercido unilateralmente pela genitora. 2. Viável, no entanto, a fim de fortalecer os vínculos afetivos saudáveis entre pai e filha, ampliar o horário da visita a ser realizada aos sábados alternados, sem prejuízo da visita na quarta-feira que antecede o final de semana que a menina permanecerá com a genitora. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70061595971, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado em 20/11/2014)
Sendo assim, fica claro que, no atual contexto jurídico, a guarda compartilhada somente é decretada quando há consenso entre os genitores, como pode ser observado neste julgado:
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. DIVÓRCIO CONSENSUAL. GUARDA COMPARTILHADA. CABIMENTO. Havendo consenso entre os genitores, mostra-se possível a instituição da guarda compartilhada dos filhos menores. Apelação provida. (Apelação Cível Nº 70062115456, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Julgado em 26/11/2014)
Como conseqüência, tem-se que apenas 6,82% dos filhos de pais divorciados estão sob a guarda de ambos os genitores, de acordo com os dados das estatísticas de Registro do IBGE. Cenário que tende a ser modificado a partir do momento em que o projeto de lei 117/2013 passar a constar no corpo do Código Civil.
3. A NOVA SISTEMÁTICA A SER IMPLEMENTADA PELO PROJETO
Com a nova sistemática, a guarda compartilhada será a regra, independente de conflitos paternos.
É claro, o caso concreto deverá sempre ser considerado. As circunstâncias que envolvem a criança e os pais são de suma importância para a conclusão final do destino do menor. Ambos os genitores devem ter condições de assumir os cuidados com o filho, devendo prevalecer, sempre, os interesses do menor.
Eis o texto do projeto de lei que será introduzido no Código Civil, dependente apenas da sanção da Presidenta.
“Art. 1.584. ...........................
§ 2º Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.
§ 3º Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe.
§ 4º A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda unilateral ou compartilhada poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor.
§ 5º Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade.
Verifica-se que a regra da guarda compartilhada comporta exceção, no caso em que um dos genitores abre mão do poder familiar (§2º). Exceção que vem a confirmar o novo modelo inicial de guarda, afastando a regra geral da guarda unilateral até então vigente.
Somam-se à exceção legal os casos, ainda que não tipificados, de genitores sem condições psicológicas ou emocionais de cuidar do filho. Nesses casos, parece patente a impossibilidade de compartilhamento da guarda.
CONCLUSÃO
A guarda compartilhada surge como conseqüência das profundas alterações da unidade familiar brasileira, vivenciada nas últimas décadas. O modelo do Código Civil de 1916 representava uma estrutura familiar estanque, com divisões de trabalho bem definidas. Cabiam à mulher os afazeres domésticos, em especial o trato dos filhos e da casa. Quando muito, atuava em auxílio na agricultura, normalmente em tarefas de dependiam de menor esforço físico.
Ao homem, o trabalho exterior, seja na agricultura, com afazeres mais pesados, seja na indústria, comércio ou outros serviços.
Em caso de separação, a guarda passava a ser naturalmente da genitora, pessoa acostumada a conviver e a cuidar dos filhos.
Essa imagem da mulher cuidando apenas dos filhos e da residência não sobreviveu aos novos tempos. Em grande parte dos lares brasileiros cabe a ambos os genitores a responsabilidade pelo orçamento familiar, não sendo raros os casos em que é a própria esposa quem garante o sustento da casa. O pai, por sua vez, passa a ser exigido em novas tarefas, antes delegadas à mãe, em especial com os filhos.
Natural, portanto, em um novo modelo familiar de compartilhamento de tarefas e de despesas, que em caso de dissolução mantenham-se os mesmos princípios de cooperação. Atende-se, assim, aos anseios dos genitores que procuram uma presença mais ativa na vida dos seus filhos, independente da relação que tenham com os ex-cônjuges.
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997.
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2003.
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DIAS, Maria Berenice. Guarda Compartilhada. Revista jurídica consulex. Brasília, DF: Consulex, v.12, n.275, 30 jun 2008
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. v.5
Procuradora Federal. Formada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: REOLON, Carla Carolo Corrêa. A nova sistemática da guarda compartilhada Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 dez 2014, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42671/a-nova-sistematica-da-guarda-compartilhada. Acesso em: 23 dez 2024.
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