Resumo: Plena possibilidade de participação estatal na destruição ao meio ambiente. A participação estatal pode se dar na qualidade de Estado degradador-agente; Estado degradador-conivente e Estado degradador-omisso, conforme modelo proposto pelo Ministro do STJ, Antônio Herman Benjamin. A responsabilidade civil do Estado por omissão é subjetiva, carecendo a demonstração de culpa, e de execução subsidiária, pela qual a sua execução só poderá ser promovida em último caso, na hipótese do degradador direto não cumprir com a obrigação.
Palavras-Chave: Participação Estatal . Dano ao meio ambiente. Responsabilidade Civil Subjetiva. Responsabilidade Civil de Execução Subsidiária.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo tecer uma análise a cerca da participação estatal na destruição ao meio ambiente, que pode se dar por ação direta ou por sua omissão, apoiado na jurisprudência do nosso Superior Tribunal de Justiça.
O estudo mostrará a forma da participação dos Entes Estatais na prática de infrações administrativas e que a responsabilidade civil do Estado por omissão é subjetiva e de execução subsidiária.
DESENVOLVIMENTO
A tutela constitucional ao meio ambiente assegura que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, conforme prescrito no caput do art. 225 da Constituição Federal de 1988.
O §3° do art. 225 da CF/1988, por sua vez, dispõe que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
A legislação infraconstitucional traz no art. 3º da Lei 6.938/81, o conceito de poluidor, como a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental.
Já o §1° do art. 14 da referida Lei 6.938/81 prevê que sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.
Observa-se, portanto, que o bem jurídico ‘meio ambiente’ recebe grande e ampla proteção em nosso ordenamento jurídico, em que todos que concorrem para a pratica de um dano ao meio ambiente, estão sujeitos a responder civil, penal e administrativamente, inclusive as pessoas jurídicas, conforme expressamente previsto no §3° do art. 225 da Constituição Federal de 1988.
Nesse contexto, a jurisprudência tem sido categórica ao admitir a responsabilização de todos aqueles que concorrem para a prática de uma infração ao meio ambiente, senão vejamos:
“(...)
13. Para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano ambiental, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem.
14. Constatado o nexo causal entre a ação e a omissão das recorrentes com o dano ambiental em questão, surge, objetivamente, o dever de promover a recuperação da área afetada e indenizar eventuais danos remanescentes, na forma do art. 14, § 1°, da Lei 6.938/81.” (REsp 650728/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/10/2007, DJe 02/12/2009) (destaquei)
Desse modo, tem-se que é perfeitamente possível a participação e responsabilização do Ente Público na concretização de um dano ambiental.
O insigne Ministro do STJ, Antônio Herman Benjamin, explicita de forma magistral as diferentes formas pelas quais pode se dar a participação estatal na destruição ao meio ambiente, senão vejamos:
“Pelo menos três formas de participação estatal na destruição ambiental podem ser identificadas. De um lado, o Poder Público causa degradação direta do meio ambiente - é o Estado-empreendedor, ele próprio envolvido, sozinho ou em associação, na construção de empreendimentos degradadores, como hidrelétricas, hidrovias, rodovias, aeroportos, portos e assentamentos rurais (= degradador-agente). Mas na maioria dos casos o papel do Estado é de degradador indireto, ao, comissivamente, apoiar ou legitimar projetos privados, seja com incentivos tributários e crédito, seja com a expedição de autorizações e licenças para poluir (= degradador-conivente).
Uma terceira modalidade de degradação ambiental estatal, também enviesada e dissimulada, só que por omissão, aparece quando o Estado despreza ou cumpre) insatisfatoriamente suas obrigações de fiscalização e aplicação da legislação ambiental (= degradador-omisso), sejam os instrumentos preventivos (exigência de EPIA-RIMA, por exemplo), sejam os mecanismos sancionatórios e reparatórios. As razões para tanto , são as mais variadas, da cooptação ao estrangulamento por falta de recursos financeiros, técnicos e humanos, da incompetência técnica à debilidade de vontade política.” (grifei)
Quanto ao tema, cumpre trazer em destaque a Orientação Jurídica Normativa Nº 21/2010/PFE/IBAMA, que adotando a classificação feita pelo Minstro Herman Benjamin, explicita a forma da participação dos Entes Estatais na prática de infrações administrativas ao meio ambiente, senão vejamos:
“Quando se tratar de “Estado degradador-agente”, entende-se que a pessoa jurídica de direito público deve ser tratada como as demais pessoas físicas ou jurídicas degradadoras, ou seja, é a própria pessoa jurídica de direito público que deve ser autuada por sua conduta. Assim, sempre que o Estado for o próprio empreendedor é ele que deve ser autuado diretamente por sua conduta.
No caso de “Estado degradador-conivente”, por ser também um ato comissivo, entende-se que a pessoa jurídica de direito público deve ser diretamente autuada por sua conduta. Não se deve, porém, substituir a sua conduta pela dos demais agentes, determinando-se expressamente qual o ato comissivo praticado no sentido de apoiar ou legitimar, seja com incentivos tributários e crédito, seja com a expedição de autorizações e licenças para poluir,
projetos privados que causem dano ambiental.
Já quanto ao “Estado degradador-omisso”, devemos ter em conta que o próprio IBAMA costuma alegar em sua defesa que, nesses casos, a responsabilização não prescinde da demonstração da culpa, ou seja, é subjetiva, ao contrário dos demais casos. Ainda que se reconheça a existência de divergência doutrinária sobre o tema, cabe destacar que não é adequado que o IBAMA mantenha uma postura quando é instado como réu em ações judiciais por omissão no seu dever de fiscalizar, e outra com relação aos demais órgãos públicos em situações que também se enquadrem na figura do Estado degradador-omisso. Ademais, como vimos acima, o STJ tem jurisprudência no sentido de reconhecer a necessidade de demonstração de culpa nos casos de responsabilidade do Estado por omissão, ainda que se trate de dano ambiental.”
No que tange a responsabilidade civil do Estado por omissão, cumpre trazer à baila entendimento pacificado do STJ, no sentido de que a mesma se caracteriza por ser subjetiva, devendo ser discutida a culpa estatal, senão vejamos:
(…)
4. A jurisprudência desta Corte tem se posicionado no sentido de que em se tratando de conduta omissiva do Estado a responsabilidade é subjetiva e, neste caso, deve ser discutida a culpa estatal. Este entendimento cinge-se no fato de que na hipótese de Responsabilidade Subjetiva do Estado, mais especificamente, por omissão do Poder Público o que depende é a comprovação da inércia na prestação do serviço público, sendo imprescindível a demonstração do mau funcionamento do serviço, para que seja configurada a responsabilidade. Diversa é a circunstância em que se configura a responsabilidade objetiva do Estado, em que o dever de indenizar decorre do nexo causal entre o ato administrativo e o prejuízo causado ao particular, que prescinde da apreciação dos elementos subjetivos (dolo e culpa estatal), posto que referidos vícios na manifestação da vontade dizem respeito, apenas, ao eventual direito de regresso. Precedentes: (REsp 721439/RJ; DJ 31.08.2007; REsp 471606/SP; DJ 14.08.2007; REsp 647.493/SC; DJ 22.10.2007; REsp 893.441/RJ, DJ 08.03.2007; REsp 549812/CE; DJ 31.05.2004) (...)[REsp 888420 / MG -T1 - PRIMEIRA TURMA-DJe 27/05/2009] (grifei)
Ademais, cumpre destacar que a responsabilidade ambiental dos Entes Públicos é de execução subsidiária no caso de omissão de dever de controle e fiscalização, conforme entendimento de nosso STJ, senão vejamos:
AMBIENTAL. UNIDADE DE CONSERVAÇÃO DE PROTEÇÃO INTEGRAL (LEI 9.985/00). OCUPAÇÃO E CONSTRUÇÃO ILEGAL POR PARTICULAR NO PARQUE ESTADUAL DE JACUPIRANGA. TURBAÇÃO E ESBULHO DE BEM PÚBLICO. DEVER-PODER DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL DO ESTADO. OMISSÃO. ART. 70, § 1º, DA LEI 9.605/1998. DESFORÇO IMEDIATO. ART. 1.210, § 1º, DO CÓDIGO CIVIL. ARTIGOS 2º, I E V, 3º, IV, 6º E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981 (LEI DA POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE). CONCEITO DE POLUIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DE NATUREZA SOLIDÁRIA, OBJETIVA, ILIMITADA E DE EXECUÇÃO SUBSIDIÁRIA. LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO.
(...)
14. No caso de omissão de dever de controle e fiscalização, a responsabilidade ambiental solidária da Administração é de execução subsidiária (ou com ordem de preferência).
15. A responsabilidade solidária e de execução subsidiária significa que o Estado integra o título executivo sob a condição de, como devedor-reserva, só ser convocado a quitar a dívida se o degradador original, direto ou material (= devedor principal) não o fizer, seja por total ou parcial exaurimento patrimonial ou insolvência, seja por impossibilidade ou incapacidade, inclusive técnica, de cumprimento da prestação judicialmente imposta, assegurado, sempre, o direito de regresso (art. 934 do Código Civil), com a desconsideração da personalidade jurídica (art. 50 do Código Civil).
16. Ao acautelar a plena solvabilidade financeira e técnica do crédito ambiental, não se insere entre as aspirações da responsabilidade solidária e de execução subsidiária do Estado – sob pena de onerar duplamente a sociedade, romper a equação do princípio poluidor-pagador e inviabilizar a internalização das externalidades ambientais negativas – substituir, mitigar, postergar ou dificultar o dever, a cargo do degradador material ou principal, de recuperação integral do meio ambiente afetado e de indenização pelos prejuízos causados.
17. Como consequência da solidariedade e por se tratar de litisconsórcio facultativo, cabe ao autor da Ação optar por incluir ou não o ente público na petição inicial.
18. Recurso Especial provido. (REsp 1071741/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/03/2009, DJe 16/12/2010) (grifei)
“PROCESSUAL CIVIL, ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. ADOÇÃO COMO RAZÕES DE “DECIDIR DE PARECER EXARADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. ART. 2º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 4.771/65. DANO AO MEIO AMBIENTE. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO. ARTS. 3º, IV, C/C 14, § 1º, DA LEI 6.938/81. DEVER DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO.
1. A jurisprudência predominante no STJ é no sentido de que, em matéria de proteção ambiental, há responsabilidade civil do Estado quando a omissão de cumprimento adequado do seu dever de fiscalizar for determinante para a concretização ou o agravamento do dano causado pelo seu causador direto. Trata-se, todavia, de responsabilidade subsidiária, cuja execução poderá ser promovida caso o degradador direto não cumprir a obrigação, "seja por total ou parcial exaurimento patrimonial ou insolvência, seja por impossibilidade ou incapacidade, por qualquer razão, inclusive técnica, de cumprimento da prestação judicialmente imposta, assegurado, sempre, o direito de regresso (art. 934 do Código Civil), com a desconsideração da personalidade jurídica, conforme preceitua o art. 50 do Código Civil" (REsp 1.071.741/SP, 2ª T., Min. Herman Benjamin, DJe de 16/12/2010). (...)” [AgRg no REsp 1001780 / PR -T1 - PRIMEIRA TURMA- DJe 04/10/2011] (destaquei)
CONCLUSÃO
Diante de todas as considerações aqui trazidas, pode-se concluir que os Entes Estatais podem concorrer de forma direta ou indireta na prática de dano ao meio ambiente, em consonância com o nosso ordenamento jurídico vigente e jurisprudência de nosso Superior Tribunal de Justiça, sendo a sua responsabilidade por omissão subjetiva e de execução subsidiária.
Desse modo, a responsabilidade civil do Estado quando restar demonstrada a sua omissão carece da demonstração de culpa, sendo a sua execução subsidiária, na medida em que o Ente Estatal só poderá se chamado a 'quitar a dívida' se o degradador direto não puder fazê-lo.
Procuradora Federal. Especialista em Direito Público pela Unifacs-Universidade Salvador.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARRETO, Caroline Menezes. A participação estatal na degradação do meio ambiente Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 dez 2014, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42675/a-participacao-estatal-na-degradacao-do-meio-ambiente. Acesso em: 23 dez 2024.
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