RESUMO: embora a legislação previdenciária não preveja, em regra, a qualidade de dependente do filho ou irmão maior de 21 anos por ser estudante, o tratamento da matéria em legislações específicas propiciou o surgimento da tese de que a dependência deveria ser estendida até os 24 anos de idade para o estudante universitário.
Palavras-chave: Previdência Social, qualidade de dependente, estudante universitário, pensão por morte.
1. Introdução
A legislação previdenciária concede a condição de dependentes (e o pagamento de pensão por morte) para filhos ou irmãos apenas até os 21 anos de idade, caso não sejam inválidos ou incapazes. Com efeito, a Lei 8.213/91, em seus arts. 16 e 77, §2º, determina:
Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente; (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
II - os pais;
III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente; (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
Art. 77. [...]
§ 2º A parte individual da pensão extingue-se:
[...]
II - para o filho, a pessoa a ele equiparada ou o irmão, de ambos os sexos, pela emancipação ou ao completar 21 (vinte e um) anos de idade, salvo se for inválido ou com deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente; (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
Com base na interpretação da legislação relacionada aos servidores públicos civis e militares e ao imposto de renda, além do direito à educação garantido pela Constituição Federal, entre outros argumentos, surgiu a tese de que a condição de dependente deveria ser estendida até os 24 anos de idade para os estudantes universitários.
Com fortes argumentos favoráveis e contrários, a tese acabou rechaçada na jurisprudência, embora ainda seja discutida alteração legislativa que determine a adoção do limite de 24 anos por ela proposto. Passamos a debater brevemente alguns dos argumentos que entendemos mais relevantes para o deslinde da controvérsia.
2. Argumentos favoráveis à prorrogação
São dois os mais importantes argumentos em favor da tese debatida: o direito à educação e a adoção da idade de 24 anos como limite da condição de dependente para outros ramos do Direito.
O direito à educação é previsto como direito social no art. 6º da Constituição Federal e detalhado no art. 205 e seguintes da Lei Maior, que determina o dever do Estado e da família. Sendo dever do Estado, caberia a este garantir, inclusive por meio da Previdência Social, a continuidade dos estudos do universitário. Sendo dever da família, é de se esperar que o estudante seja encarado como dependente dela para conclusão de seus estudos, razão pela qual seira cabível sua inclusão no conceito de dependente, ainda que tenha mais que 21 anos.
O reconhecimento da dependência do universitário até os 24 anos de idade é aceito em diversos ramos do direito. No direito de família, por exemplo, é pacífico o dever de prestar alimentos ao filho universitário até os 24 anos de idade. Nesse sentido:
AÇÃO DE EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS - FREQUÊNCIA ASSÍDUA A CURSO SUPERIOR DEVIDAMENTE COMPROVADA - DEPENDÊNCIA FINANCEIRA - CARACTERIZADA - DEVER DE PRESTAR ALIMENTOS AO FILHO UNIVERSITÁRIO - DECISÃO MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. Os pais, em virtude do poder familiar, têm a obrigação de alimentar os filhos enquanto perdurar a menoridade, sendo que esta se extingue com a maioridade civil do alimentando. Todavia, a obrigação de prestar alimentos persiste em razão do parentesco, quando devidamente comprovada a necessidade do alimentando. Havendo provas nos autos de que o alimentando está devidamente matriculado e freqüentando curso superior, aliado a dependência financeira desse, deve ser mantido o pagamento de pensão alimentícia.
(TJ-SC - AC: 469064 SC 2008.046906-4, Relator: Saul Steil, Data de Julgamento: 05/08/2009, Câmara Especial Regional de Chapecó, Data de Publicação: Apelação Cível n. , de Chapecó)
Tal situação também é reconhecida em diversas legislações. A Lei 9.250/95, que trata do imposto de renda, determina em seu art. 35:
Art. 35. Para efeito do disposto nos arts. 4º, inciso III, e 8º, inciso II, alínea c, poderão ser considerados como dependentes:
I - o cônjuge;
II - o companheiro ou a companheira, desde que haja vida em comum por mais de cinco anos, ou por período menor se da união resultou filho;
III - a filha, o filho, a enteada ou o enteado, até 21 anos, ou de qualquer idade quando incapacitado física ou mentalmente para o trabalho;
IV - o menor pobre, até 21 anos, que o contribuinte crie e eduque e do qual detenha a guarda judicial;
V - o irmão, o neto ou o bisneto, sem arrimo dos pais, até 21 anos, desde que o contribuinte detenha a guarda judicial, ou de qualquer idade quando incapacitado física ou mentalmente para o trabalho;
VI - os pais, os avós ou os bisavós, desde que não aufiram rendimentos, tributáveis ou não, superiores ao limite de isenção mensal;
VII - o absolutamente incapaz, do qual o contribuinte seja tutor ou curador.
§ 1º Os dependentes a que se referem os incisos III e V deste artigo poderão ser assim considerados quando maiores até 24 anos de idade, se ainda estiverem cursando estabelecimento de ensino superior ou escola técnica de segundo grau.
Ainda mais relevantes são as leis que preveem o pagamento de pensão por morte ou salário-família aos dependentes dos servidores públicos civis e militares. Diz a Lei 3765/60, em sua redação atual:
Art. 7o A pensão militar é deferida em processo de habilitação, tomando-se por base a declaração de beneficiários preenchida em vida pelo contribuinte, na ordem de prioridade e condições a seguir: (Redação dada pela Medida provisória nº 2.215-10, de 31.8.2001)
[...]
d) filhos ou enteados até vinte e um anos de idade ou até vinte e quatro anos de idade, se estudantes universitários ou, se inválidos, enquanto durar a invalidez; e (Incluída pela Medida provisória nº 2.215-10, de 31.8.2001)
A lei 8.112/90, por sua vez, determina:
Art. 197. O salário-família é devido ao servidor ativo ou ao inativo, por dependente econômico.
Parágrafo único. Consideram-se dependentes econômicos para efeito de percepção do salário-família:
I - o cônjuge ou companheiro e os filhos, inclusive os enteados até 21 (vinte e um) anos de idade ou, se estudante, até 24 (vinte e quatro) anos ou, se inválido, de qualquer idade;
O estudo conjunto desses dispositivos legais indicaria que inexistem razões para o tratamento distinto do estudante universitário no Regime Geral de Previdência Social, uma vez que ele é considerado dependente em todas as demais situações.
3. Argumentos contrários à prorrogação
Entre os principais argumentos contrários à prorrogação da dependência podemos citar, em especial, o tratamento diferenciado dado pela Constituição Federal ao ensino superior, e os princípios específicos da seguridade social, tais como a seletividade e distributividade, além do princípio geral da legalidade, que é aplicável à Previdência Social na sua forma estrita.
A Constituição Federal, embora traga previsão expressa do direito à educação como direito fundamental, não trata de forma idêntica todos os níveis de educação. Ao contrário, há previsão específica e diferenciada para cada um deles. Determina a Constituição:
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009) (Vide Emenda Constitucional nº 59, de 2009)
II - progressiva universalização do ensino médio gratuito; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996)
[...]
IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;
Percebe-se, portanto, que enquanto a educação básica é obrigatória até os dezessete anos e disponível de forma gratuita até para os maiores de idade, o ensino superior não é obrigatório nem garantido a todos. Tampouco é o ensino superior requisito para uma existência digna [1].
Os princípios da seletividade e distributividade também são essenciais par ao estudo do tema. Tais princípios determinam que a Seguridade Social não tem por objetivo atender a todos de forma indistinta, mas proteger aqueles que dela mais necessitam, devendo ser garantido, ao menos, “os mínimos vitais à sobrevivência com dignidade” [2].
Como acima demonstrado, o ensino superior foge do mínimo vital e não é requisito indispensável para uma existência digna. Ao contrário, há quem afirme que a concessão de pensão até os 24 anos de idade apenas para os universitários tenderia a beneficiar as classes mais abastadas, com maior acesso ao ensino superior, em detrimento daquelas que se vêm obrigadas a trabalhar desde a maioridade (ou mesmo antes disso) por causa da ausência de recursos.
Por fim, a legalidade se mostra como um dos mais importantes argumentos contra a prorrogação. A pensão ao universitário maior de 21 anos não encontra previsão legal, cabendo ao legislador, como visto, a tarefa de selecionar as situações que serão abrangidas pela Previdência Social.
É a tese que tem prevalecido na jurisprudência. Nesse sentido, tem decidido o Superior Tribunal de Justiça, com base na ausência de previsão legal:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENSÃO POR MORTE. FILHO NÃO-INVÁLIDO. ESTUDANTE UNIVERSITÁRIO. IMPOSSIBILIDADE DA PRORROGAÇÃO DO BENEFÍCIO ATÉ OS 24 ANOS DE IDADE. FALTA DE PREVISÃO LEGAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A jurisprudência do STJ já firmou o entendimento de que a pensão por morte é devida ao filho menor de 21 anos ou inválido, não sendo possível, em face da ausência de previsão legal, a prorrogação do recebimento desse benefício até os 24 anos, ainda que o beneficiário seja estudante universitário. 2. Agravo Regimental desprovido.
(STJ - AgRg no AREsp: 68457 DF 2011/0246690-6, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 13/08/2013, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/08/2013)
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. DEPENDENTE. FILHO. ESTUDANTE DE CURSO UNIVERSITÁRIO. PRORROGAÇÃO DO BENEFÍCIO ATÉ OS 24 ANOS DE IDADE. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTE. I - O pagamento de pensão por morte a filho de segurado deve restringir-se até os 21 (vinte e um) anos de idade, salvo se inválido, nos termos dos arts. 16, I, e 77, § 2º, II, ambos da Lei nº 8.213/91. II - Não há amparo legal para se prorrogar a manutenção do benefício a filho estudante de curso universitário até os 24 (vinte e quatro) anos de idade. Precedente. Recurso provido
(STJ - REsp: 638589 SC 2003/0239477-0, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento: 03/11/2005, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 12.12.2005 p. 412)
No mesmo sentido, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais editou a Súmula nº 37, que dispõe:
“A pensão por morte, devida ao filho até os 21 anos de idade, não se prorroga pela pendência do curso universitário.”
4. Conclusão
O estudante universitário é considerado como dependente até os 24 anos de idade em vários ramos do direito e legislações específicas, mas no que diz respeito ao Regime Geral de Previdência Social inexiste disposição à respeito, o que tem sido considerado pela jurisprudência como obstáculo incontornável para a concessão de benefício de pensão por morte nessas condições, uma vez que cabe ao legislador definir as situações que serão abrangidas pelo RGPS (respeitados, evidentemente, os dispositivos constitucionais relevantes).
Eventual prorrogação da qualidade de dependente ao maior de vinte e quatro anos depende da vontade do legislador, que vem discutindo, por meio do Projeto de Lei 6812/2010, a possibilidade de transformar tal hipótese em lei. Inexiste, no entanto, obrigação constitucional em um ou outro sentido, devendo a questão ser resolvida por meio de decisão de natureza política, com base nos princípios da seletividade distributividade.
NOTAS:
[1] BUZANELLO, Graziele Mariete. A ausência de fundamentos legais e constitucionais à prorrogação do benefício de pensão por morte ao filho universitário maior de 21 anos. Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 4118, 10 out. 2014. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/30692>. Acesso em: 17 dez. 2014.
[2] SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito previdenciário esquematizado / Marisa Ferreira dos Santos; coord. Pedro Lenza. – 1. edição – São Paulo : Saraiva, 2011. p. 40.
REFERÊNCIAS:
SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito previdenciário esquematizado / Marisa Ferreira dos Santos; coord. Pedro Lenza. – 1. edição – São Paulo : Saraiva, 2011.
KERTZMAN, Ivan. Curso Prático de Direito Previdenciário. – 7. edição – Salvador: JusPODIVM, 2010, p. 51.
ALENCAR, Hermes Arrais. Benefícios previdenciários. 3. ed. São Paulo: Livraria e
Editora Universitária de Direito, 2007.
BUZANELLO, Graziele Mariete. A ausência de fundamentos legais e constitucionais à prorrogação do benefício de pensão por morte ao filho universitário maior de 21 anos. Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 4118, 10 out. 2014. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/30692>. Acesso em: 17 dez. 2014.
CRUZ, Aline Késsia Gonçalves da. Pensão por Morte: Perda da qualidade de dependente aos 21 anos e seus reflexos prejudiciais aos universitários. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 nov. 2011. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.34496&seo=1>. Acesso em: 17 dez. 2014.
Procurador Federal em exercício na Procuradoria Geral Federal de Santos-SP, órgão da Advocacia-Geral da União (AGU)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AVIAN, Eduardo. Da prorrogação da qualidade de dependente do estudante universitário maior de 21 anos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 dez 2014, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42678/da-prorrogacao-da-qualidade-de-dependente-do-estudante-universitario-maior-de-21-anos. Acesso em: 23 dez 2024.
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