RESUMO: As liberdades democráticas não são autossuficientes, muito menos ilimitadas. Por tais motivos, o Poder Constituinte Originário, ao dispor sobre a Ordem Social, elencou diversos parâmetros que devem ser respeitados, de forma a permitir o pluralismo em sua visão multiculturalista inserido no contexto do Estado Social de Direito. Deste modo, analisam-se as principais limitações estabelecidas no que atine à comunicação social, ao final demonstrando como seu exercício poderá refletir o grau de maturidade cívica da própria sociedade.
Palavras-chave: Liberdades Democráticas – Comunicação Social – Propaganda – Publicidade – Diferenças – Limitações Constitucionais – Tabaco – Criança e Adolescente – Direito de Antena – Lei de Imprensa – Censura Prévia – Intervenção Judicial – Outorga – Rádio e Televisão – Lobby – Multiculturalismo – Ponderação de Valores e Interesses – Maturidade Cívica – Estado Social de Direito.
As liberdades democráticas afetas ao direito de o indivíduo exercer os direitos tanto de se comunicar, quanto se informar e manifestar seu pensamento são asseguradas como direitos e garantias fundamentais pela Constituição Federal Brasileira, notadamente no art. 5º, incisos IX, XIV e IV, respectivamente, conforme transcrição in verbis:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
(...)
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
(...)
XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.
Nesse ponto, necessário dizer que as liberdades democráticas em testilha, para serem alcançadas efetivamente, não podem se apresentar de modo absoluto; ao contrário, urge estabelecer limites e critérios com o escopo de justamente proteger os mecanismos de difusão destas liberdades, notadamente no que atine aos meios de comunicação em massa.
Torna-se, pois, absolutamente essencial que o próprio texto constitucional diga, expressamente, quais seriam as limitações possíveis e adequadas ao exercício destas liberdades. E isto, conforme se pode observar da Constituição Federal de 1988, foi objeto de acurada descrição no Título VIII (Ordem Social), especificamente no Capítulo V (Da Comunicação Social), em seus artigos 220 a 224.
Mas há algo que precisa ser esclarecido logo à saída: o conceito de comunicação social. Não temos o menor receio em afirmar que o termo comunicação, por si só, em sentido amplo, significa toda forma de exteriorização do pensamento, seja escrito ou oral; já em sentido estrito, corresponde ao ato propriamente de emissão de ideias, por meio de jornais, revistas, rádio e televisão, mediante a transmissão do pensamento e difusão de informações. Quando a expressão comunicação restar acompanhada do adjetivo social implicará tudo o que antes foi dito, porém qualificada por atingir indeterminado e ilimitado número de pessoas, por meio da ferramenta dos meios de informação em massa.
Não quer isto dizer, em alinho ao inicialmente exposto, que a comunicação social não sofra restrições: estas somente serão permitidas quando decorrerem de disposição pedestre e rasa do próprio texto constitucional, asseguradas plena liberdade de informação jornalística; vedação da censura; regulação estatal sobre as diversões e espetáculos; regulação estatal em relação ao tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias; vedação de monopólio ou oligopólio na comunicação social; livre publicação de veículo impresso de comunicação, a independer de licença de autoridade; controle, por parte do Estado, da produção e programação das emissoras de rádio e televisão; limitação à propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons, de modo que seja privativa a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou a pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no país; e, por fim, a necessidade de outorga do Poder Público para outorga e renovação de concessão, permissão ou autorização para serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens.
Nessa perspectiva, oportuno aclarar que o conteúdo da comunicação social nem sempre consistirá em temas afetos à liberdade de expressão. Com efeito, imprescindível distinguir os conceitos de publicidade e de propaganda. Esta última expressão abriga conteúdo nitidamente ideológico, religioso, político-partidário, artístico, enfim, conteúdo de exteriorização da individualidade de indivíduos ou grupos como forma de realização de sua própria personalidade. Já a publicidade, por seu turno, possui nítido fim lucrativo (ausente na propaganda tomada em seu sentido técnico), buscando, para esse fim, estimular necessidade existente ou criar outra que ainda não existia.
A partir daí e à evidência surge, portanto, o dever estatal de regular o exercício da publicidade quando passível de afetação interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, tais como a saúde pública, a proteção da infância e juventude, o meio ambiente, a ordem econômico-financeira, a proteção do consumidor, etc. Maior expressividade da atuação estatal, nessa perspectiva, decorre da expressa limitação da publicidade (embora o texto constitucional, equivocadamente, refira-se a propaganda comercial) de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias, conforme disposto no art. 220, §§ 3º e 4º, da Constituição Federal Brasileira, in verbis:
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
(...)
§3º - Compete à lei federal:
(...)
II- estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.
§4º - A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.
Mas nem só de publicidade e propaganda ocupa-se o tema da comunicação social. Em outra via, atendendo a outros e distintos critérios, situa-se a preocupação do constituinte originário com o famigerado direito de antena. Aqui não se analisa o conteúdo da informação propriamente, mas a quem é permitido captar ou transmitir informações por meio de ondas mecânicas (em que comunicação propaga-se diretamente pelo ar, e.g., alto-falantes colocados em centros comunitários) ou eletromagnéticas (uso conjunto de componentes elétricos e magnéticos para permitir a propagação da mensagem, como no rádio e na televisão).
A propósito e com bastante propriedade, PEDRO LENZA, em sua obra Direito Constitucional Esquematizado, 18ª edição, 2014, página 1321, expressamente aclara algumas das mais expressivas limitações ao direito de antena estabelecidas no texto constitucional (grifos no original):
Assim, exemplificando, o direito assegurado aos partidos políticos de acesso gratuito ao rádio e à televisão (art. 17, §3º) pode ser qualificado como uma das facetas do direito de antena, não importando o tamanho do partido político, seja grande ou pequeno, e, dessa forma, assegurando, como direito público subjetivo das minorias, o direito dos denominados partidos nanicos, tendo o STF declarado inconstitucional a cláusula de barreira instituída na Lei dos Partidos Políticos, bem como a exigência, para o rateio, de se ter representação na Câmara dos Deputados.
O zelo e preocupação do constituinte em deixar claro que eventuais limitações à comunicação social somente poderiam decorrer do quanto disposto no texto constitucional originário que nem mesmo a Lei de Imprensa (Lei Federal n.º 5.260/67) escapou ao atento olhar do Supremo Tribunal Federal, precipuamente no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.º 130-DF. Em relação ao tema, declarou-se a revogação do aludido diploma pela Constituição Federal de 1988, diante da máxima de que as liberdades de expressão e pensamento jamais poderiam sofrer limitações por quaisquer textos normativos anteriores(caso da Lei de Imprensa) ou posteriores (caso de emendas constitucionais) ao Texto Constitucional proclamado pelo Poder Constituinte Originário, único legitimado a se desincumbir de tal mister.
Acerca ainda da limitação ao exercício da comunicação social, não se olvide a discussão travada na Ação Declaratória de Inconstitucionalidade n.º 2.404, ao cuidar da classificação indicativa de programas de rádio, televisão de modo que só possam ser veiculados em horários previamente determinados pelo Poder Público, sob pena de infração administrativa, consoante disposto no art. 254 da Lei Federal n.º8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente):
Art. 254. Transmitir, através de rádio ou televisão, espetáculo em horário diverso do autorizado ou sem aviso de sua classificação:
Pena – multa de vinte a cem salários de referência; duplicada em caso de reincidência a autoridade judiciária poderá determinar a suspensão da programação da emissora por até dois dias.
Como se observar, há muito a ser discutido. Porém, inegável que somente em hipóteses absolutamente excepcionais são admissíveis restrições prévias ao exercício da liberdade de expressão. Nesse contexto, seria de rigor o reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente, haja vista a vedação, pela Constituição Federal Brasileira, da censura ou necessidade de autorização prévias para a exibição de programas em rádio ou televisão. A nosso aviso, eventuais abusos ou lesões a direitos tutelados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente autorizariam, apenas, a responsabilização dos órgãos de comunicação posteriormente, mesmo porque a outorga da concessão ou permissão para continuarem suas atividades estará, continuamente, sob o crivo meritório da sociedade, por meio de seus representantes eleitos para exercício destas atribuições no Congresso Nacional, segundo disposições do art. 49, inciso XII, da Constituição Federal Brasileira:
“Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
(...)
XII – apreciar os atos de concessão e renovação de concessão de emissoras de rádio e televisão;”
Eventuais lobbys ou monopólios exercidos, inclusive, dentre dos órgãos de representação do Congresso Nacional (no caso, pelos detentores das outorgas dos meios de comunicação) não podem ser tratados na seara da comunicação social, posto se referirem, em verdade, a eventual crise no processo de representação dos interesses da sociedade (crise política).
Em remate no trato da comunicação social, impende frisar que tudo o quanto foi exposto não afasta, do Poder Judiciário, lesão ou ameaça de direito perpetradas tanto pela propaganda quanto pela publicidade. De fato, muito embora a Constituição Federal proíba censuras políticas, ideológicas ou artísticas, ao Poder Judiciário afigurar-se-á legítimo restringir a liberdade de manifestação do pensamento quando, em tela, a premente necessidade de preservação de outros valores constitucionais, tais como a honra e a vida privada, valendo-se de juízo de ponderação desprovido de presunções abstratas, e sim voltadas à apreciação dos contornos do caso concreto. Note-se que, hodiernamente, observada a terminologia constitucional em seu contexto sistêmico, os direitos individuais não são aferíveis em sua visão egocêntrica, mas apenas e enquanto houver a inserção do indivíduo na sociedade. Nesse quadro, a comunicação social somente passa a ser defensável enquanto justificar, portanto, a manutenção do Estado Social do Direito – tanto nos direitos em questão como nas correlatas limitações deles decorrentes.
Conclui-se, assim, que o respeito às liberdades públicas, notadamente no que tange à comunicação social, reflete a necessidade de ponderação de valores e interesses para preservação do pluralismo em uma sociedade que defende a existência do multiculturalismo como mecanismo de aferição da saúde do próprio Estado Social de Direito. Esse respeito, no entanto, não se restringe à esfera jurídica para possa ser exercido a contento. Em que pesem as inúmeras disposições expressamente extraídas do Texto Constitucional elaborado pelo Poder Constituinte Originário, sua efetivação dependerá, no mais das vezes, da própria maturidade cívica da sociedade, superando eventual crise de representação estabelecida em face de seus representantes políticos e, ao mesmo tempo, defendendo o enfoque de que estes direitos não são defensáveis isoladamente, mas apenas e enquanto o indivíduo estiver inserido na própria sociedade perante a qual pretende exercê-los.
Procurador Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JANNUCCI, Alessander. Comunicação social: liberdades públicas, acesso à informação e pluralismo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 dez 2014, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42684/comunicacao-social-liberdades-publicas-acesso-a-informacao-e-pluralismo. Acesso em: 23 dez 2024.
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