RESUMO: O objetivo deste artigo é fazer uma reflexão acerca da necessidade de aplicação do Princípio Protetor vigente no Direito do Trabalho de acordo com o atual contexto histórico.
PALAVRAS-CHAVE: princípio protetor - contextualização – flexibilização- interesse público – função social da empresa.
INTRODUÇÃO
O princípio protetor deve ser interpretado de acordo com a atual conjuntura sócio econômica, o que é perfeitamente possível, tendo em vista que os princípios se caracterizam por serem dinâmicos, com capacidade de adaptação a uma nova realidade, de acordo com a evolução da sociedade e a mudança de valores ético-sociais.
A RELATIVIZAÇÃO DO PRINCÍPIO PROTETOR DO DIREITO DO TRABALHO NA RELAÇÃO JURÍDICO-PROCESSUAL, ANTE O ATUAL CONTEXTO HISTÓRICO.
O princípio protetor é, em síntese, a viga mestra do Direito do Trabalho, está ligado ao surgimento da legislação trabalhista, que tem os seus pilares no reconhecimento da desigualdade existente entre o empregado e empregador.
No Brasil, o princípio protetor também se confunde com a própria finalidade da legislação trabalhista, que reconhece a hipossuficiência do empregado e, através da intervenção Estatal, lhe assegura o equilíbrio de forças no contrato individual de emprego.
De fato, em 1º de maio de 1943, pelo Decreto-lei nº 5.452, foi promulgada a Consolidação das Leis do Trabalho, com índole essencialmente protecionista, concretizada sobretudo no princípio de proteção ao hipossuficiente econômico. Isso porque ele reflete o momento social e político que estava passando o país na época de sua elaboração, qual seja, o corporativismo, com exagerada intervenção estatal.
Essa sua característica aflora, sobretudo, nas disposições que versam sobre o direito coletivo e sindical, como, por exemplo, na unidade sindical, na proibição da greve, etc. Para o governo da época, a legislação social tinha um significado político precípuo, que era o de impedir a organização independente da classe trabalhadora.
Era mais cômodo reconhecer a hipossuficiência do empregado em relação ao empregador e protegê-lo individualmente, para abafar os seus reclames, do que dar-lhes instrumentos para a negociação coletiva, o que colocaria as partes em pé de igualdade na luta por melhores condições no setor.
Nas palavras do saudoso ORLANDO GOMES:
“O temor à ação coletiva dos trabalhadores e a necessidade política de protege-los individualmente determinaram copiosas medidas de tutela à sua condição e à sua pessoa, colorindo a CLT de matizes paternalistas adequados à sua debilidade como classe em formação e como agrupamento privado de instrumentos próprios de luta, sem organização autônoma e sem coesão profissional...”[1]:
Com a intervenção nas questões trabalhistas, o governo, além de proteger os trabalhadores, atendendo a antigas reivindicações, disciplinava a sua atuação, com a subordinação dos sindicatos ao poder executivo. Era a chamada “harmonia social”, como costumava afirmar Getúlio Vargas.[2]
Portanto, à época Estado não permitiu que os próprios trabalhadores, por meio de associações ou sindicatos, buscassem essa proteção. Se tivesse havido um fortalecimento das relações coletivas de trabalho, talvez o princípio protetor não regesse as relações individuais de modo tão intenso.
Chega a mesma conclusão o mestre AMERICO PLÁ RODRIGUEZ:
“Uma vez restabelecida a igualdade por meio da força sindical que deriva da união, desaparece a razão de ser do tratamento desigual por parte do Estado”.[3]
O referido princípio visa não uma igualdade entre os sujeitos, o que é impossível, mas sim nivelar as desigualdades existentes na realidade por meio de uma proteção jurídica ao supostamente hipossuficiente, que é o empregado.
O mestre PINHO PEDREIRA o define como:
“aquele em virtude do qual o Direito do Trabalho, reconhecendo a desigualdade de fato entre os sujeitos da relação jurídica de trabalho, promove a atenuação da inferioridade econômica, hierárquica e intelectual.”[4]
O ilustre doutrinador apresenta quatro razões para a proteção, a saber:[5]
1. subordinação jurídica ao empregador;
2. dependência econômica do empregado em face do empregador;
3. comprometimento da própria pessoa do trabalhador na execução do serviço;
4. ignorância pelo empregado das condições de trabalho e dos seus direitos.
De acordo com os ensinamentos de PLA RODRIGUEZ[6], esse princípio se expressa sob três formas distintas. São elas:
a) regrain dubio pro operário: o juiz ou interprete deve escolher, entre vários sentidos possíveis de uma norma, aquele que traga mais benefícios ao empregado;
b) regra da norma mais favorável: caso haja mais de uma norma aplicável para um determinado caso, mesmo em diferentes hierarquias, deve-se optar por aquela que seja mais favorável ao empregador, independentemente da sua posição no ordenamento jurídico;
c) regra da condição mais benéfica: a aplicação de uma norma trabalhista nunca deve ser vir para diminuir as condições mais favoráveis em que se encontrava um trabalhador.
A regra in dubio pro operário apresenta como condições de aplicação a existência de real dúvida a respeito do alcance da norma legal em questão e não pode ocorrer desacordo com a vontade do legislador. Deve-se sempre agir com moderação no momento de emprego da regra no caso concreto, para que não caia no perigoso subjetivismo.
Já a regra da aplicação da norma mais favorável não importa na derrogação de uma norma por aplicação de outra, mas apenas utiliza-se da tutela protetiva para privilegiar o trabalhador em um caso concreto. Ademais, tal preceito não pode ser utilizado se atingir o interesse público, privilegiado em relação às questões individuais. Deve-se sempre levar em conta a situação da coletividade trabalhadora atingida, e não o interesse de um único empregado isoladamente.
Por fim, apesar de o princípio protetor pertencer ao Direito Material do Trabalho, ele também vigora no processo do trabalho. Isso porque, segundo análise do ilustre COQUEIJO COSTA[7]:
“o processo não é um fim em si mesmo, mas o instrumento de composição das lides, que garantem a efetividade do direito material, E como esse pode ter natureza diversa, o direito processual, por seu caráter instrumental, deve saber adaptar-se a essa natureza diversa”.
O mestre WAGNER GIGLIO[8] justifica a aplicação do referido princípio nos litígios trabalhistas na ideia de ADA PELEGRINE GRINOVER, que afirma se o processo autônomo, mas pela sua instrumentalidade, conexo a pretensão do direito material, tendo com fundamento a atuação da norma objetiva e a tutela do direito violado.
Ocorre que o referido princípio teve acompanhar a atual conjuntura socioeconômica em que se desenvolvem as relações de trabalho para que cumpra o seu papel de auxiliar o intérprete na solução dos conflitos, em busca da paz social.
De fato, essa proteção não é ilimitada. Não se pode fazer qualquer coisa em nome da proteção ao trabalhador. O próprio artigo 8a da CLT determina que não sacrificar o interesse público em detrimento de qualquer interesse particular. Também não se pode, por óbvio, aplicá-lo contra normas, sob pena de ferir princípio maior, que é o da segurança jurídica.
Ademais, na atual conjuntura, a empresa, diferentemente do que ocorria na época da promulgação da CLT, é vista como uma peça importante da economia do país, passando o seu conceito para “uma organização na qual a presença do pessoal deva ser mais participativa do que conflitual.” [9] Tem ela, hoje, “estrutura e função diferentes, que não correspondem ao modelo individualista.” [10].
Ademais, o ordenamento jurídico já consolidou a ideia que as empresas têm uma função social, por serem a as principais fontes de renda, trabalho e desenvolvimento do país, devendo, pois, serem preservadas.
E não é só. Os trabalhadores, sobretudo os urbanos, têm mais consciência dos seus direitos, por facilidade de acesso às informações e por poderem contar com os sindicatos que, felizmente, vêm se fortalecendo.
A negociação coletiva, incentivada pela Constituição Federal de 1988 e fortalecida pela Emenda Constitucional n. 45 de 2004, permite que os empregados lutem em pé de igualdade com os empregadores por benefícios.
Também já está em tramitação no congresso nacional a tão esperada reforma sindical, cujo objetivo é, em síntese, ampliar o poder negocial dos sindicatos, para que esses caminhem de forma autônoma, sem a escora do paternalismo estatal, em sintonia, pois, com a realidade vivida.
Esta adequação passa inevitavelmente pela relativização de alguns conceitos e princípios que integram as raízes do Direito do Trabalho.
Nas palavras de AMÉRICO PLÁ RODRIGUEZ[11] :“o Direito do Trabalho é um ramo em permanente movimento e evolução, razão pela qual se o legislador não acompanhar o mesmo ritmo, as normas podem facilmente envelhecer.”
O citado doutrinador[12] admite, corretamente, que pode haver situações em que a rigidez da norma deve ser superada, desde que não afete os valores essenciais do Direito do Trabalho. Deve haver, pois, uma flexibilização de adaptação. E isso pode ser realizado também pelos princípios trabalhistas, que “por sua própria natureza e pela índole de sua função, têm capacidade de adaptação e de ajuste a diferentes realidades que lhes tiram a rigidez”.
Os princípios se caracterizam por serem dinâmicos, com capacidade de adaptação a uma nova realidade, de acordo com a evolução da sociedade e a mudança de valores ético-sociais.
Isso porque, como bem lembrado por GARCIA MARTINEZ[13], além das funções informadora, normativa e interpretativa, os princípios são incentivadores da imaginação criadora e a de recriadores de normas obsoletas. Pela primeira, se entende que os princípios têm uma capacidade heurística (resolvem problemas interpretativos), incentivadora (organizam ou descobrem novas combinações entre normas) e organizadora (ordenam atos heterogêneos mutáveis e até mesmo contraditórios presentes em um ordenamento jurídico). São os princípios que possibilitam o dinamismo da vida jurídica. Já pelo segundo, servem eles para atualizarem e rejuvenescerem um determinado ramo jurídico.
Essas características são de suma importância para a aplicação das normas jurídicas de acordo com a realidade vivida.
Assim, entendemos que o princípio protetor pode – e alguns casos deve – ser flexibilizado para acompanhar a atual conjuntura socioeconômica em que se desenvolvem as relações de trabalho para que cumpra o seu papel de auxiliar o intérprete na solução dos conflitos, em busca da paz social.
O panorama atual das relações de trabalho exige mudanças na aplicação de certos paradigmas do direito do trabalho, visto que hoje há um fortalecimento das negociações coletivas, os empregados têm acesso facilitado às informações acerca de seus direitos e, principalmente, o nosso ordenamento reconhece a função social da empresa.
ODireito e o Processo do Trabalho não podem ficar estagnados, enclausurados em conceitos e ideias obsoletas, a margem das transformações pelas quais a sociedade vem passando.
REFERÊNCIAS
ALENCAR, Francisco; RAMALHO, Lúcia Carpi; RIBEIRO, Marcus Venício Toledo. História da Sociedade Brasileira. 14a edição, revista e atualizada, Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1996.
GIGLIO, Wagner D. Direito Processual do Trabalho. 12a edição, revista, atualizada e ampliada, São Paulo: Saraiva, 2002.
GOMES, Orlando. Ensaios de Direito Civil e de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Aide, 1986.
PEREIRA, João Batista Brito. Notas sobre a flexibilização do Direito do Trabalho. Revista TST, Brasília, v. 68, n.2, abr / jun 2002.
RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. Tradução de Wagner D. Giglio, 3a edição, atualizada. São Paulo: LTR, 2000
[1] GOMES, Orlando. Ensaios de Direito Civil e de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Aide, 1986, p. 160.
[2]A Nova Política do Brasil, p. 122, apud ALENCAR, Francisco; RAMALHO, Lúcia Carpi; RIBEIRO, Marcus Venício Toledo. História da Sociedade Brasileira. 14a edição, revista e atualizada, Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1996, p. 320.
[3]RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. Tradução de Wagner D. Giglio, 3a edição, atualizada. São Paulo: LTR, 2000, p. 67.
[4]PEREIRA, João Batista Brito. Notas sobre a flexibilização do Direito do Trabalho. Revista TST, Brasília, v. 68, n.2, abr / jun 2002, p.29.
[5] Ob. Cit. p. 24 e 25.
[6]RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. Tradução de Wagner D. Giglio, 3a edição, atualizada. São Paulo: LTR, 2000, p. 107.
[7]O direito processual do trabalho, p. 11 apud GIGLIO, Wagner D., Direito Processual do Trabalho. 12a edição, revista, atualizada e ampliada, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 72.
[8]GIGLIO, Wagner D. Direito Processual do Trabalho. 12a edição, revista, atualizada e ampliada, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 72.
[9]GOMES, Orlando. Ob.Cit. p. 163.
[10] GOMES, Orlando.Ob.Cit. p. 165.
[11] Ob. Cit. p. 45.
[12] Ob. Cit. p. 80.
[13] MARTINEZ, Roberto Garcia. Los princípios generalis de laley de contrato de trabajo, na revista argentina “Derecho Laboral”, setembro/outubro de 1985, págs, 368 e segs., apud RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. Tradução de Wagner D. Giglio, 3a edição, atualizada. São Paulo: LTR, 2000, p. 45.
Procuradora Federal formada pela Universidade Federal da Bahia e especialista em Direito Processual Civil Lato Sensu pela Universidade Anhanguera - Uniderp, em convênio com a Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BACELLAR, Sheila Beyer. A relativização do princípio protetor do Direito do Trabalho na relação jurídico-processual, ante o atual contexto histórico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 dez 2014, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42691/a-relativizacao-do-principio-protetor-do-direito-do-trabalho-na-relacao-juridico-processual-ante-o-atual-contexto-historico. Acesso em: 23 dez 2024.
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