A Lei nº 12.846 publicada em 02/08/2013, com vacatio legis de 180 dias, dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências.
A Lei nº 12.846/2013 extrai seu fundamento de validade no princípio da moralidade administrativa, expresso no art. 37 da Constituição Federal.
Assim, observa-se que essa Lei junto com a Lei nº 8.429/92 (Lei de combate à improbidade administrativa), Lei nº 8.666/92 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos), Lei nº 12.259/2011 (Lei de Defesa da Concorrência) e LC 135/2010 (Lei da Ficha Limpa) entra no “sistema legal de defesa da moralidade administrativa”.
De início, deve-se destacar que a denominada “Lei Anticorrupção” torna as pessoas jurídicas objetivamente responsáveis pelos atos lesivos e criminosos de corrupção, independentemente da vontade das pessoas que a integram. Assim estabelecem os artigos 2º e 3º, §1º:
Art. 2o As pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos lesivos previstos nesta Lei praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não.
Art. 3o A responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito.
§ 1o A pessoa jurídica será responsabilizada independentemente da responsabilização individual das pessoas naturais referidas no caput.
A Lei nº 12.848/2013 criou uma nova hipótese de responsabilidade objetiva. Assim, para fins de responsabilização, bastará que seja comprovado o ato de corrupção e o nexo de causalidade entre ele e a conduta de qualquer representante das pessoas jurídicas envolvidas.
É ainda importante registrar que a responsabilização dos diretores ou administradores dá-se na medida de sua culpabilidade, obedecendo, para tanto, o devido processo legal, conforme o art. 3º, § 2º, da Lei 12.846/2013.
Outra novidade, importada da Lei de Defesa da Concorrência, é a possibilidade de a administração pública celebrar acordos de leniência com as empresas que colaborarem efetivamente nas investigações. Uma vez celebrado o acordo de leniência, as empresas poderão ficar isentas de certas penas ou tê-las reduzidas. O objetivo deste dispositivo é o de estimular a denúncia espontânea pelas empresas.
Outro ponto relevante da Nova Lei e que merece algumas reflexões aborda a desconsideração da personalidade jurídica, quando as empresas incorrerem nos crimes definidos na “Lei Anticorrupção”. Assim dispõe o artigo 14:
Art. 14. A personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração, observados o contraditório e a ampla defesa.
Vê-se que tal penalidade apenas se aplica nos casos de ilícitos previstos na “Lei Anticorrupção”, os quais vêm delineados no art. 5º:
Art. 5o Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1o, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos:
I - prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada;
II - comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei;
III - comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados;
IV - no tocante a licitações e contratos:
a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público;
b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público;
c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo;
d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente;
e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo;
f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou
g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública;
V - dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional.
No que diz respeito às punições, a nova Lei é bastante severa, impondo pesadas sanções às condutas ilícitas, inclusive a extinção da pessoa jurídica (“pena de morte” para a empresa) indo além da figura do administrador ou do representante legal.
A lei estabelece, ainda, uma série de mecanismos para recuperação do patrimônio público, tendo em vista que buscou estabelecer em um grau elevado às sanções de natureza pecuniária, com caráter punitivo indenizatório. É o que se depreende da leitura do art. 6º, da Lei 12.846/2013, assim redigido:
Art. 6o Na esfera administrativa, serão aplicadas às pessoas jurídicas consideradas responsáveis pelos atos lesivos previstos nesta Lei as seguintes sanções:
I - multa, no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação; e
II - publicação extraordinária da decisão condenatória.
§ 1o As sanções serão aplicadas fundamentadamente, isolada ou cumulativamente, de acordo com as peculiaridades do caso concreto e com a gravidade e natureza das infrações.
§ 2o A aplicação das sanções previstas neste artigo será precedida da manifestação jurídica elaborada pela Advocacia Pública ou pelo órgão de assistência jurídica, ou equivalente, do ente público.
§ 3o A aplicação das sanções previstas neste artigo não exclui, em qualquer hipótese, a obrigação da reparação integral do dano causado.
§ 4o Na hipótese do inciso I do caput, caso não seja possível utilizar o critério do valor do faturamento bruto da pessoa jurídica, a multa será de R$ 6.000,00 (seis mil reais) a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais).
§ 5o A publicação extraordinária da decisão condenatória ocorrerá na forma de extrato de sentença, a expensas da pessoa jurídica, em meios de comunicação de grande circulação na área da prática da infração e de atuação da pessoa jurídica ou, na sua falta, em publicação de circulação nacional, bem como por meio de afixação de edital, pelo prazo mínimo de 30 (trinta) dias, no próprio estabelecimento ou no local de exercício da atividade, de modo visível ao público, e no sítio eletrônico na rede mundial de computadores.
Percebe-se da leitura do dispositivo que as sanções administrativas abrangem as multas, no valor de 0,1% a 20% do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, que nunca poderão ser inferiores à vantagem auferida, e a publicação extraordinária da decisão condenatória, podendo ser aplicadas isolada ou cumulativamente, sempre de maneira fundamentada e de acordo com o caso concreto.
A Lei cria ainda o Cadastro Nacional de Empresas Punidas, que dará publicidade às sanções aplicadas em todas as esferas de governo.
O tema ganhou novo destaque a propósito dos recentes escândalos trazidos à tona pela Operação Lava Jato, envolvendo grandes empreiteiras e a Petrobrás. Discute-se se se aplica a nova lei ao presente caso e se referido diploma legal carece de regulamentação.
Assim, trazendo a discussão para o caso concreto da operação Lava Jato, devem-se destacar dois pontos importantes que dizem respeito à vigência da Lei e sua aplicação aos fatos ora em apuração.
Em primeiro lugar, deve-se esclarecer que a Lei foi publicada em 2º de agosto de 2013, com um período de vacatio legis de 180 dias, entrando, pois, em vigor em 29 de janeiro de 2014. Ora, a operação foi deflagrada em marco de 2014, cujos contratos estavam em pleno vigor, produzindo seus efeitos. Efeitos esses oriundos de ações fraudulentas e criminosas que se protraiam no tempo. Diante disso, não há que se falar em Lei posterior aos fatos apurados, tendo em vista que nenhum contrato foi revogado nem antes nem depois das investigações, estando, portando, em plena consumação todas as ações lesivas ao patrimônio público.
Outro aspecto da controvérsia diz respeito a uma suposta regulamentação exigida pela Lei, o que impediria sua aplicação a qualquer caso. Não é esse o entendimento que aqui se esboça.
Tal regulamentação refere-se a um dispositivo encartado no parágrafo único do artigo 7º da “Lei Anticorrupção” o qual se refere aos procedimentos a serem estabelecidos pela Controladoria Geral da União – CGU - e que poderão ser seguidos pelas empresas nos casos em que optem pelo regime de compliance (mecanismos internos para prevenção de ilícitos), que tem por objetivo trazer algum eventual benefício à empresa e que não é obrigatório.
Diante do exposto, se nota que a Lei não carece de regulamentação, com exceção dos referidos procedimentos e mecanismos internos a serem adotados pelas empresas, estipulados pelo inciso VIII, do artigo 7º, da Lei 12.846/2013, sem nenhuma outra implicação quanto à aplicação imediata dos outros dispositivos da Lei.
A Lei busca atender aos anseios da sociedade que está estarrecida com os escândalos de corrupção que são descobertos a todo o momento e precisa de uma resposta satisfatória do Estado para por fim aos atos de corrupção e restaurar a dignidade e fortalecer a democracia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
PIRES, Antônio Cecílio Moreira. A desconsideração da personalidade jurídica nas contratações públicas. São Paulo: Atlas, 2014.
CARVALHOSA. Modesto. A lei Anticorrupção. Visualizado em 15/12/2014 sítio: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,a-lei-anticorrupcao-aqui-e-agora-imp-,1596434
NETO. Diogo de Figueiredo Moreira. A juridicidade da Lei Anticorrupção – Reflexões e interpretações prospectiva. Visualizado em 12/12/2014. Sítio: http://www.editoraforum.com.br/ef/wp-content/uploads/2014/01/ART_Diogo-Figueiredo-Moreira-Neto-et-al_Lei-Anticorrupcao.pdf
Lei nº 12.846/2013. www.planalto.gov.br
Procuradora Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Katiane da Silva. Os aspectos relevantes da Lei nº 12.846/2013 a chamada "lei anti corrupção" e sua imediata aplicação: um instrumento para efetivar a moralidade administrativa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 dez 2014, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42728/os-aspectos-relevantes-da-lei-no-12-846-2013-a-chamada-quot-lei-anti-corrupcao-quot-e-sua-imediata-aplicacao-um-instrumento-para-efetivar-a-moralidade-administrativa. Acesso em: 23 dez 2024.
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