RESUMO: O estudo envolve considerações acerca da responsabilidade civil objetiva ambiental e a análise da reparação do dano ambiental difuso ou ecológico numa perspectiva comparada dos sistemas jurídicos de Portugal e do Brasil.
1. INTRODUÇÃO
A relevância atual da responsabilidade ambiental extracontratual, independente de culpa ou objetiva, dá-se especialmente diante da premente necessidade de proteção dos elementos e serviços dos bens ambientais, de natureza coletiva difusa, de modo também a refletir juridicamente nas formas de reparação de seus respectivos danos.
Considerando a natureza do bem ambiental, diversa dos bens patrimoniais ou morais de caráter individual, e apesar de diversas discussões teóricas a respeito da evolução da responsabilidade civil[1], certamente, a responsabilidade civil ambiental, sobretudo, em relação a suas formas de reparação ainda continua a demandar dúvidas.
Dada a amplitude das discussões envolvendo o tema em tela, não serão tratadas outras questões complexas, como as teorias relacionadas ao nexo de causalidade; a comprovação de ilicitude ou de resultado antijurídico na caracterização da responsabilidade objetiva; imputabilidade do dano, direto, indireto ou reflexo (por ricochete); nem detalhamento prático das conexões entre a tutela de reparação do dano ambiental, coletivo ou difuso, com a tutela de reparação dos danos individuais ambientais; mas, sim, o tratamento jurídico da responsabilidade civil objetiva ambiental e as formas de reparação dos danos estritamente ambientais ou ecológicos.
A estrutura do presente trabalho consiste na explanação, principalmente, da legislação aplicável, com auxílio da doutrina, do tratamento da responsabilidade em tela, inicialmente, no sistema do Brasil, em seguida, no sistema de Portugal.
Dada a edição do diploma legal português (Decreto-Lei 147/2008), a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal ainda não se apresenta escassa; em relação ao Brasil, sempre que oportuna, será feita indicação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça - STJ, que é o órgão máximo do Judiciário Brasileiro com competência para tratar da interpretação e aplicação das leis federais. Ao final, serão destacadas as conclusões mais relevantes.
2. O SISTEMA DE RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL OBJETIVA AMBIENTAL NO BRASIL.
A responsabilidade civil ambiental no Brasil tem fundamento maior na Constituição Federal de 1988 – CF/88 (§3º, do art.225, que trata da tríplice responsabilização ambiental: penal, administrativa e civil[2]), que determinou a obrigação de reparar danos ambientais causados, e se relaciona com o status do direito ambiental ao ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental.[3]
Cumpre referir que, antes da atual CF/88, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, nº 6.938/81 (recepcionada pela ordem constitucional e vigente), já consagrava como um de seus objetivos “imposição ao poluidor e ao predador da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados” (art.4º , VII, da Lei 6.938/81) e a responsabilidade do poluidor em “indenizar e/ou reparar os danos causados ao ambiente e aos terceiros afetados por sua atividade”, independentemente da existência de culpa (art.14, §1º, dessa mesma Lei).
Por força do disposto na Constituição e nessa lei específica, no Brasil, além da desconsideração de requisito de culpa, a responsabilidade civil objetiva ambiental significa que, quem danificar o ambiente tem o dever jurídico de repará-lo, o que é representado pelo binômio: “dano/reparação” (dever de reparar e/ou indenizar), independentemente da razão da degradação.[4]
O Código Civil Brasileiro – CC - Lei nº 10.406/2002, no Parágrafo único do art.927[5], também dispõe sobre a responsabilidade objetiva, pela qual surge o dever de indenizar nos casos específicos, bastando para isso a configuração do dano e do nexo causal, independente da configuração da culpa[6]. Assim, quanto à primeira parte dessa norma, em matéria ambiental, aplica-se a Lei nº 6.938/81; quanto à segunda parte, os casos referentes à responsabilidade por atividade de risco deverão submeter-se à análise do juiz ou o Poder Público fará a classificação dessas atividades.[7]
Dentre os Princípios Ambientais relacionados a essa responsabilidade civil ambiental, destacam-se: o Princípio do Poluidor-Pagador[8] (de caráter preventivo) e da Responsabilização Civil Objetiva [9] (de caráter repressivo ou reparador).
Sobre as teorias da responsabilidade civil ambiental, cumpre destacar que a doutrina se inclina para a teoria do risco da atividade, ora pela impossibilidade de excludentes de responsabilidade[10](maioria da doutrina do Direito do Direito Ambiental Brasileiro[11]); ora pela possibilidade destas, se provado que era impossível evitar ou impedir os efeitos do fato necessário.
Quanto à solidariedade na responsabilidade civil ambiental, o Brasil não conta com previsão legal expressa em matéria de responsabilidade civil ambiental, mas tal solidariedade decorre da própria lógica do sistema da legislação nacional, ainda, podendo-se fundamentar tal possibilidade no art.942, caput, do CC.[12]. Nesse sentido, inclusive, tratando da chamada responsabilidade propter rem[13], há anos segue nesse sentido a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ. Ainda, interessante o tratamento do STJ nos casos de responsabilidade civil ambiental do Estado, ora subjetiva, no caso de omissão[14], consoante se aplica à responsabilidade civil em geral do Estado; ora objetiva e solidária, apenas subsidiariamente[15].
Quanto à reparação do dano ambiental, no contexto do Direito Brasileiro, o dano ambiental é considerado bifronte, pois consoante o amplo conceito legal de meio ambiente (art.3º, I, da Lei 6.938/81 “meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”) o poluidor é obrigado a reparar o dano causado ao meio ambiente e a terceiro (art.14, §1º, supra referido). Por essa definição a tutela do ambiente se aplica à sua consideração tanto como macrobem, sob uma visão globalizada e integrada, ou patrimônio ambiental comum à coletividade, um bem difuso; quanto, como elementos corpóreos sobre os quais recaem interesses de determinadas pessoas, cuja ofensa enseja prejuízo patrimonial.[16]
Há na lei material a definição de degradação da qualidade ambiental (art.3º, 6.938/81)[17], que pode ser aplicada ao dano ambiental, o que depende de averiguação técnica.
Quanto às formas[18] ou sucessão de medidas visando à reparação do dano (espontaneamente, por força de medidas administrativas ou judiciais), embora no Brasil, somente haja vaga referência na lei processual da Ação Civil Pública (art.3º, da Lei nº 7.347/85: “A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer”), deve ser priorizada a obrigação de fazer visando, ao máximo, a adoção de medidas que promovam a integral reparação dos danos (reparação in situ ou, quando esta não for possível, a compensação ecológica), o que ainda pode ser cumulado com a indenização (ao Fundo a que se refere o art.13 dessa Lei), não havendo nessa cumulação bis in idem, uma vez que os fundamentos são distintos, sendo a indenização medida subsidiária.[19]
3. O SISTEMA DE RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL OBJETIVA AMBIENTAL EM PORTUGAL.
No Direito Português, dado o forte caráter penalizador da responsabilidade objetiva, também restringe sua aplicação (art.483º, 2, do Código Civil) em casos específicos: “só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados em lei”.[20]
Assim, no Direito Civil português, proclamada a responsabilidade civil baseada na culpa como regime geral, a responsabilidade objetiva, fundada no risco, ocorre apenas em casos específicos [21] (como: danos causados pelo comissário, pelos órgãos, agentes ou representantes do Estado, por animais, por veículos e por instalações de energia elétrica e de gás, dentre outros). Ainda, na generalidade dos casos de responsabilidade objetiva pelo risco, o montante indenizatório devido pode ser submetido a limites máximos (art.508º e 510º).
Sob o aspecto teórico da doutrina civilista, cumpre esclarecer que em Portugal há subdivisão, dentro da responsabilidade objetiva, em responsabilidade objetiva pelo risco e responsabilidade objetiva por fatos lícitos, esta residual em relação à primeira.[22]
Sem maiores detalhamentos e sem regulamentação, o que prejudicou sua aplicabilidade, a responsabilidade civil objetiva ambiental em Portugal remonta à Lei de Bases do Ambiente nº 11/87 (art.41), que prevê “obrigação de indemnizar, independentemente de culpa, sempre que o agente tenha causado danos significativos ao ambiente, em virtude de uma acção perigosa, muito embora com respeito do normativo aplicável(nº1).” Contudo, dispõe no nº 2 “o quantitativo da indemnização será estabelecido em legislação complementar”, levando à discussão sobre a (in)aplicabilidade direta da norma de responsabilização[23] e o entendimento do STJ pela necessidade de legislação complementar[24].
Atualmente, o regime de responsabilização civil ambiental objetiva aplicável é o do Decreto-Lei nº 147/2008, que transpôs[25] a Directiva nº 2004/35/CE e dispõe sobre o Regime de Prevenção e Reparação do Dano Ecológico. O Preâmbulo desse DL, ao relacionar a norma nacional com a Directiva, já anuncia o objeto da reparação dos danos ecológicos de que trata a responsabilidade em tela, ao definir “que existe um dano ecológico quando um bem ecológico é perturbado, ou quando um determinado estado-dever de um componente do ambiente é alterado negativamente”.
Esse mesmo preâmbulo, ao referir à Directiva 2004/35/CE, destaca a aplicação do Princípio do Poluidor-Pagador como a base para a responsabilização ambiental, sendo que esta se encontra prevista na norma nacional portuguesa: alínea h) do art.3º da Lei de Bases do Ambiente.
O DL prevê tanto a responsabilidade subjetiva (art.8º), quanto a responsabilidade objetiva pelos danos ambientais (art. 7º)[26], e ainda dispõe sobre a responsabilidade administrativa pela prevenção e reparação de danos ambientais. Assim, a depender do regime aplicável, têm-se elementos probatórios próprios relacionados à apuração de danos de natureza, dentre os quais os chamados danos ecológicos são reparados sob a responsabilidade objetiva[27], diferenciação essa verificada também na jurisprudência.[28]
Interessante notar que, quanto à excludente de responsabilidade de que trata esse DL, a culpa do lesado poderá dar ensejo à redução ou à exclusão da reparação (art.9º).
Por esse DL, possibilita-se resolver questões como critérios de reparação das lesões de bens de fruição coletiva, bem como indenizações reclamadas por autores de ações populares face à lesão ecológica insuscetível de reparação, total ou parcial, visando ao statu quo ante, consoante Anexo V [29].
Quanto à responsabilidade solidária, o DL 147/2008 a consagra tanto entre comparticipantes quanto entre pessoas colectivas e directores, gerentes ou administradores (arts.3º e 4º), sem prejuízo do direito de regresso . Interessante notar que o art.4º / 2 dispõe que “quando não seja possível individualizar o grau de participação de cada um dos responsáveis, presume-se a sua responsabilidade em partes iguais”, o que se configura injusto, fazendo mais sentido repartir responsabilidade com base na quota de mercado.[30]
As medidas de reparação relativas à responsabilidade civil objetiva ambiental no DL 147/2008 (art.11/1, m) e Anexo V) visam à restituição do ambiente ao seu estado inicial, bem como restauração dos serviços ambientais, por via: da reparação primária (restitui os recursos naturais e ou os serviços danificados ao estado inicial, ou os aproxima desse estado); reparação complementar (qualquer medida de reparação tomada em relação aos recursos naturais e ou serviços para compensar pelo fato de a reparação primária não resultar do pleno restabelecimento); reparação compensatória (qualquer ação destinada a compensar perdas transitórias de recursos naturais e ou serviços verificadas a partir da ocorrência dos danos até a reparação primária ter atingido os seus plenos efeitos). Interessante notar no item 1.3.2 desse Anexo V, a dispensa da tomada de medidas pela autoridade administrativa sempre que o custo da reparação for desproporcionado aos benefícios ambientais a obter.
Por fim, ressalta-se, com críticas, que o DL 147/2008 prevê prazo prescricional de 30 anos de que trata o art. 33º para apuração de danos causados por emissões, acontecimentos ou incidentes decorridos mais de 30 anos de sua efetivação.
4. CONCLUSÕES
Consoante exposto, a comparação entre os sistemas da responsabilidade civil objetiva ambiental demonstram evoluções legais distintas, mas que visam enfatizar as medidas de reparação dos danos ecológicos.
Enquanto no Brasil, a legislação é carente de detalhamentos sobre vários aspectos (por exemplo: quantitativo de indenização, solidariedade, exclusão de responsabilidade, medidas de reparação), a jurisprudência foi formatando os avanços, como em matéria de solidariedade, inclusive, propter rem. Já quanto às medidas de reparação, tal ausência de lei não garante uniformidade jurisprudencial nos casos judicializados, nem sob a Administrativa.
Em Portugal, embora a ausência de lei e a dificuldade de responsabilização pela jurisprudência até o advento do relativamente recente DL 147/2008 tenham sido um obstáculo para a apuração da responsabilidade civil objetiva ambiental, as normas atuais garantem maior segurança jurídica, inclusive, a partir do detalhamento das medidas destinadas à reparação dos danos ecológicos, inclusive, à luz do Princípio da Proporcionalidade. Todavia, o sistema legal português, ao contrário do sistema brasileiro, limita os casos dessa responsabilização indicados no Anexo III, bem como prevê a aplicação de prazo prescricional de 30 anos para sua apuração.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[1] “Saiu o Código Civil: entrou a Constituição. Passou-se do lesante ao lesado; do ofensor para a vítima. Já não reina absoluta a responsabilidade subjetiva; desponta a responsabilidade objetiva. Da culpa ao risco. Do risco à solidariedade. A responsabilidade civil está se libertando da noção individualista de sanção; assimila, agora, as noções solidaristas de reparação e prevenção. Já não se buscam culpados, almejam-se responsáveis. De responsabilidade civil pra responsabilidade constitucional. Ou melhor: da responsabilidade para a reparação civil. Melhor ainda: reparação constitucional.” (MARANHÃO, Ney Stany Morais. Responsabilidade civil objetiva pelo risco da atividade: uma perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2010, p.211)
[2] “Art.225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (...)
§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”
[3] “Deveras, “o caráter fundamental do direito à vida torna inadequados enfoques restritos do mesmo em nossos dias; sobre o direito à vida, em seu sentido próprio e moderno, não só se mantém a proteção contra qualquer privação arbitrária da vida, mas, além disso, encontram-se os Estados no dever de buscar diretrizes destinadas a assegurar o acesso aos meios de sobrevivência a todos os indivíduos e todos os povos. Neste propósito, têm os Estados a obrigação de evitar riscos ambientais sérios à vida. (...) É sem dúvida, o princípio transcendental de todo o ordenamento jurídico ambiental, ostentando a nosso ver, o status de verdadeira cláusula pétrea.” (Cfr. MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário, 3ª ed.rev., atual. e ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, pp.137/138.)
[4] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro, 13ª ed., revista, atualizada e ampliada, São Paulo, 2005, p.335.
[5] “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”
[6] “Na responsabilidade objetiva, como regra geral, leva-se em conta o dano, em detrimento do dolo ou da culpa. Desse modo, para o dever de indenizar, bastam o dano e o nexo causal, prescindindo-se da prova da culpa. (...) Na responsabilidade subjetiva, o centro do exame é o ato ilícito. O dever de indenizar vai repousar justamente no exame da transgressão ao dever de conduta que constitui o ato ilícito. Como vimos, sua conceituação vem exposta no art.l86. Na responsabilidade objetiva, o ato ilícito mostra-se incompleto, pois é suprimido o substrato da culpa. No sistema da responsabilidade subjetiva, o elemento subjetivo ato ilícito, que gera o dever de indenizar, está na imputabilidade da conduta do agente.” (Cfr. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 11ª ed., São Paulo: Atlas, 2011, pp.18 e 25
[7] MACHADO, Paulo Affonso Leme, op.cit., p.336.
[8] Sobre a amplitude do Princípio do Poluidor-Pagador, assevera José Rubens Morato Leite:
“O princípio do poluidor-pagador visa, sinteticamente, à internalização dos custos externos da deterioração ambiental. (...) Não se trata, exclusivamente, de um princípio de compensação dos danos causados pela deterioração, ou seja, ele não se resume a fórmula poluiu pagou. Seu alcance é maior, incluindo ainda os custos de prevenção, de reparação e de repressão ao dano ambiental. (...)O princípio do poluidor-pagador tem reflexos na economia ambiental, na ética ambiental, na administração pública ambiental e no Direito Ambiental, pois tenta imputar, na economia de mercado e no poluidor, custos ambientais, e com isso visa combater a crise em suas origens ou na fonte.” (Cfr. CANOTILHO, José Joaquim Gomes, LEITE, José Rubens Morato (orgs.). Direito Constitucional Ambiental Brasileiro, 1ed. São Paulo: Saraiva, 2007, pp.182/183)
[9] Sobre a superação da culpa na responsabilização ambiental em face dos riscos da atividade industrial, vale ressaltar:
“A culpa, de grande estrela dos códigos civis modernos, está, a cada dia que passa constituindo-se em uma categoria jurídica que não mais impressiona. A diminuição da importância da culpa é um fenômeno que se verifica em todo o mundo industrializado, como conseqüência da própria industrialização. O estado moderno, diante das repercussões da industrialização, fez algumas opções políticas, visando mitigar-lhe os efeitos sociais. (...) A atividade industrial possui algumas características que eram absolutamente desconhecidas pelo antigo regime. Estas características é que levaram à institucionalização de um novo regime, cujas características são inteiramente diversas de tudo aquilo que já foi anteriormente pensado em termos de reparação.” (ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental, 6ed., Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2002, p.182)
[10] MILARÉ adota a Teoria do Risco Integral, embora a chame de Teoria do Risco da Atividade, da qual decorre a responsabilidade objetiva e traz como requisitos para o dever de indenizar: i) prescindibilidade de investigação da culpa; ii) irrelevância da licitude da atividade; iii) inaplicação das causas de exclusão da responsabilidade civil. Também nesse sentido a doutrina de Nelson Nery Junior e Rosa Maria B.B. de Andrade Nery. Segundo Édis Milaré, só haverá exoneração de responsabilidade quando: i) não existir o dano, ii) o dano não guardar relação de causalidade com a atividade da qual emergiu o dano. (op.cit., pp.758/764). LEME MACHADO adota a Teoria do Risco da Atividade, admitindo excludentes de força maior e caso fortuito se o dano, mesmo previsível, era inevitável, o que se verifica somente na análise dos efeitos do dano. Segundo esse autor, trata-se de responsabilidade objetiva, mas se admitem excludentes da seguinte forma: quem alegar caso fortuito ou força maior deverá produzir prova de que de que era impossível evitar ou impedir os efeitos do fato necessário, como p.ex.: terremoto, raio, temporal, enchente. (Op.cit., pp.353/354).
[11] KRELL, Andreas Joachim. Concretização do dano ambiental. Algumas objeções à teoria do “risco integral”. Revista de Informação Legislativa, v. 35, n. 139, jul.set. de 1998, p. 26.
[12] “Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação”.
[13] “1. É parte legítima para figurar no pólo passivo da ação civil pública, solidariamente, o responsável direto pela violação às normas de preservação do meio-ambiente, bem assim a pessoa jurídica que aprova o projeto danoso. 2. Na realização de obras e loteamentos, é o município responsável solidário pelos danos ambientais que possam advir do empreendimento, juntamente com o dono do imóvel. 3. Se o imóvel causador do dano é adquirido por terceira pessoa, esta ingressa na solidariedade, como responsável. 4. Recurso especial improvido. (STJ, 2ª Turma, RESP - RECURSO ESPECIAL nº 295797, Rel.Min. Eliana Calmon, julgado em 18/09/2001)”
“AMBIENTAL. DRENAGEM DE BREJO. DANO AO MEIO AMBIENTE. ATIVIDADE DEGRADANTE INICIADA PELO PODER PÚBLICO E CONTINUADA PELA PARTE RECORRIDA. NULIDADE DA SENTENÇA. PARTE DOS AGENTES POLUIDORES QUE NÃO PARTICIPARAM FEITO. INOCORRÊNCIA DE VÍCIOS. LITISCONSÓRCIO PASSIVO FACULTATIVO. SOLIDARIEDADE PELA REPARAÇÃO DO DANO AMBIENTAL. IMPOSSIBILIDADE DE SEPARAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DOS AGENTES NO TEMPO PARA FINS DE CONDENAÇÃO EM OBRIGAÇÃO DE FAZER (REPARAÇÃO DO NICHO). ABRANGÊNCIA DO CONCEITO DE "POLUIDOR" ADOTADO PELA LEI N. 6.938/81. DIVISÃO DOS CUSTOS ENTRE OS POLUIDORES QUE DEVE SER APURADO EM OUTRA SEDE.” (STJ – 2ª Turma – RESP nº 880160, Rel.Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 25/05/2010).
“1. A tutela ambiental é de natureza fungível por isso que a área objeto da agressão ao meio ambiente pode ser de extensão maior do que a referida na inicial e, uma vez assim aferida pelo conjunto probatório, não importa em julgamento ultra ou extra petita. (...)o pedido inicial se refere a devastação de área de aproximadamente 180 m2 e também a diversas construções, sem indicação da área que ocupam. Daí o pedido de cessação das agressões com paralisação de desmatamento, de construções e de ocupações, obviamente onde ainda não haviam ocorrido, além do pedido de demolição das edificações e culturas existentes, com restauração da vegetação primitiva, ou indenização. Irrelevante a menção à altitude de 180m, uma vez que os problemas são a situação em área de preservação permanente ou não e a irregularidade da ocupação e das construções, em terreno cuja acentuada declividade e situação de risco podem ser constatadas a olho nu (...) Como se vê, ficou provado que o ora apelante ocupou área de preservação permanente e ali fez várias edificações irregularmente; o fato de já não haver ali vegetação nativa, quando da ocupação, não o libera da responsabilidade objetiva e correspondente a obrigação propter rem de reconstituir essa vegetação. Terceiros eventualmente prejudicados poderão defender seus interesses pelas vias próprias.” (STJ – 1ª Turma – RESP nº 1107219, Rel.Min. Luiz Fux, julgado em 02/09/2010).
[14] “RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POLUIÇÃO AMBIENTAL. EMPRESAS MINERADORAS. CARVÃO MINERAL. ESTADO DE SANTA CATARINA. REPARAÇÃO. RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR OMISSÃO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA.
A responsabilidade civil do Estado por omissão é subjetiva, mesmo em se tratando de responsabilidade por dano ao meio ambiente, uma vez que a ilicitude no comportamento omissivo é aferida sob a perspectiva de que deveria o Estado ter agido conforme estabelece a lei. Condenada a União a reparação de danos ambientais, é certo que a sociedade mediatamente estará arcando com os custos de tal reparação, como se fora auto-indenização.” (STJ, 2ª Turma, RESP nº 647493, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 22/05/2007).
[15] “(...)13. A Administração é solidária, objetiva e ilimitadamente responsável, nos termos da Lei 6.938/1981, por danos urbanístico-ambientais decorrentes da omissão do seu dever de controlar e fiscalizar, na medida em que contribua, direta ou indiretamente, tanto para a degradação ambiental em si mesma, como para o seu agravamento, consolidação ou perpetuação, tudo sem prejuízo da adoção, contra o agente público relapso ou desidioso, de medidas disciplinares, penais, civis e no campo da improbidade administrativa. 14. No caso de omissão de dever de controle e fiscalização, a responsabilidade ambiental solidária da Administração é de execução subsidiária (ou com ordem de preferência). A responsabilidade solidária e de execução subsidiária significa que o Estado integra o título executivo sob a condição de, como devedor-reserva, só ser convocado a quitar a dívida se o degradador original, direto ou material (= devedor principal) não o fizer, seja por total ou parcial exaurimento patrimonial ou insolvência, seja por impossibilidade ou incapacidade, inclusive técnica, de cumprimento da prestação judicialmente imposta, assegurado, sempre, o direito de regresso, com a desconsideração da personalidade jurídica.” (STJ, 2ª Turma, RESP nº 1071741, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 24/03/2009).
[16] MORATO LEITE, José Rubens. DANO AMBIENTAL: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 2ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, pp.81 e 96.
[17] “Art.3º : II - degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente;
III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;”
[18] Ainda, interessante notar diferenciação, no art.2º da Lei nº 9.985/00 (Sistema Nacional de Unidades de Conservação), sobre as formas de reparação ambiental, bastante adotadas no Direito Ambiental Brasileiro, quais sejam: “XIII - recuperação: restituição de um ecossistema ou de uma população silvestre degradada a uma condição não degradada, que pode ser diferente de sua condição original; XIV - restauração: restituição de um ecossistema ou de uma população silvestre degradada o mais próximo possível da sua condição original;”.
[19] MORATO LEITE, José Rubens; MELO, Melissa Ely. Reparação do Dano Ambiental: considerações teóricas e normativas acerca de suas novas perspectivas e evolução. Disponível em <URL http://www.nima.puc-rio.br/aprodab/melissa_ely_mello_e_jose_rubens_morato_leite.pdf >, acesso em 20/12/2011, pp.9 e 20.
[20]“A responsabilidade objetiva admite, por seu turno, uma subdistinção: responsabilidade pelo risco e responsabilidade por factos lícitos (ou pelo sacrifício). A responsabilidade pelo risco ocorre sempre que a lei associe ao desenvolvimento de certa atividade naturalmente perigosa, ou seja, potencialmente danosa, a obrigação de reparar danos que da mesma tenham eventualmente resultado para terceiros (em obediência à máxima cuius cômoda, eius incommoda). É o que passa, designadamente, com os modelos de responsabilidade previstos entre os arts.502º e 510º do Cód.Civil. A responsabilidade por fatos lícitos funciona como uma categoria residual perante a responsabilidade pelo risco. Existirá sempre que a lei institua um caso de responsabilidade objectiva fora do âmbito das acções/omissões perigosas por natureza. É o que passa, por exemplo, com o disposto nos artigos 500º e 339º do Cód.Civil”. GONZÁLEZ, José Alberto. Responsabilidade Civil. 2ª ed., Lisboa: Quid Juris, 2009, p.22.
[21] ANTUNES VARELA, João de Matos. Das Obrigações em Geral, Vol.1. 10ª ed., 7ª reimp., Coimbra: Almedina, 2010, p.636. Esse mesmo autor ainda acrescenta a prescindibilidade do ilícito e a não aplicação de excludentes: “A responsabilidade pode assentar aqui sobre um facto natural (um acontecimento), um facto de terceiro ou até um facto do próprio lesado. O facto constitutivo de responsabilidade deixa, pois, de ser necessariamente, neste domínio, um facto ilícito.” (p.636). Deve-se ressalvar desse entendimento, as hipóteses excludentes previstas em lei, a exemplo do art.505º, do Cód.Civil.
[22] GONZÁLEZ, José Alberto, op.cit., p.22.
[23] Defendendo a não aplicação direta MENEZES CORDEIRO, SINDE MONTEIRO, JOÃO MENEZES LEITÃO, CUNHAL SENDIM; em defesa da aplicação direta, VASCO PEREIRA DA SILVA (Apud OLIVEIRA, ANA PERESTELO DE. Causalidade e Imputação na Responsabilidade Civil Ambiental. Coimbra: Almedina, 2007, p.16.) e DIOGO FREITAS DO AMARAL (Apud ARCHER, Antônio Barreto. Direito do Ambiente e Responsabilidade Civil. Coimbra: Almedina, 2009, p.30).
[24] “Questionava-se muito na doutrina se esta norma estava ou não em vigor: A opinião maioritária, secundada pela jurisprudência até há pouco tempo produzida sobre o assunto (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2-6-1998) entendia que a vigência plena deste preceito dependia da publicação de legislação complementar, que viesse fixar o quantitativo de indemnização por danos causados ao ambiente, conforme estipula o nº 2 deste artigo.” (ARCHER, Antônio Barreto, op.cit., p.29). Esse acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2.6.1998 refere-se ao Proc. 711/97, Relator Garcia Marques.
[25] Tiago Antunes, entretanto, observa que, na verdade, há diferenças significativas entre a Directiva e o DL 147/2008, pois o legislador comunitário se ocupou dos danos ecológicos puros (dos danos causados a natureza em si mesma); visou prevenir a ocorrência de danos ou, não sendo tal possível, a reparação in natura; já o legislador nacional pretendeu abranger vários tipos de danos (ecológicos, pessoais ou patrimoniais) sofridos por via da lesão de um qualquer componente ambiental; e admitiu diferentes formas de compensação dos sujeitos lesados, inclusive, o pagamento de uma indenização na falta de outras alternativas. (AMADO GOMES, Carla. ANTUNES, Tiago. (Orgs.) Actas do Colóquio. Responsabilidade Civil por dano ambiental. Lisboa: Instituto de Ciências Jurídico-Políticas, 2011. Disponível em <URL http://www.icjp.pt/publicacoes>, acesso em 20/12/2011, pp.124/125).
[26] A possibilidade dessa responsabilização objetiva sujeita-se ao seguinte : “quem, em virtude do exercício de uma actividade econômica enumerada no Anexo III ao presente decreto-lei, que dele faz parte integrante, ofender direitos ou interesses alheios por via da lesão de um qualquer componente ambiental e obrigado a reparar os danos resultantes dessa ofensa, independentemente da existência de culpa ou dolo”.
[27] Assim assevera Luíz Menezes Leitão, em seu artigo “A responsabilidade civil por danos causados ao ambiente”: “Relativamente ao dano, a doutrina distingue tradicionalmente entre danos ambientais e danos ecológicos, referindo que os primeiros são aqueles em que se verifica lesão de bens jurídicos concretos, através de emissões particulares ou de um conjunto de emissões emanadas de um conjunto de fontes emissoras e que os segundos são lesões intensas causadas ao sistema ecológico natural, sem que tenham sido violados direitos individuais.(...) Efectivamente, as modernas concepções dogmáticas qualificam o dano como um conceito simultaneamente fáctico-normativo, ou seja, como a frustração de uma utilidade que era objecto de tutela jurídica. Ora, a partir do momento, em que o ambiente aparece como tutela de normas juris-ambientais enquanto bem jurídico protegido, as utilidades que ele proporciona tornam-se objecto da tutela jurídica, pelo que qualquer lesão do ambiente satisfaz os requisitos para a configuração do conceito de dano. O problema reside na não existência de lesados individuais, mas ele pode ser ultrapassado pela atribuição da titularidade da indemnização a colectividades ou a entes públicos, ou pela criação de um fundo com esse fim. (Cfr. AMADO GOMES, Carla. ANTUNES, Tiago. (Orgs.), op.cit., pp.26/27)
[28] “Ao ajuizar da ilicitude da lesão do direito básico de personalidade - constitucionalmente tutelado - de residentes nas imediações de estabelecimento de diversão nocturna de grande dimensão, pode e deve o tribunal ter em consideração o impacto ambiental negativo global que está necessariamente associado ao tipo de actividades nele exercidas, incluindo comportamentos lesivos ocorridos no exterior do estabelecimento, desde que quem o explora com eles pudesse razoavelmente contar, por serem indissociáveis da actividade exercida, sem que tal traduza uma imputação objectiva de responsabilidade civil por facto de terceiro ou envolva sub rogação no dever do Estado de garantir a ordem e tranquilidade pública.” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça - Proc. 1715/03, de 07/04/2010, Relator Lopes do Rego).
[29] AMADO GOMES Carla, O Regime de Prevenção e Reparação do Dano Ecológico: algumas questões, in Direito do Urbanismo e do Ambiente – Estudos Compilados, Coords. Cátia Marques Cebola, Jorge Barros Mendes, Marisa Caetano Ferrão, Susana Almeida, Quid Juris, Lisboa, 2010, p.348.
[30] Nesse sentido, Luís Menezes Leitão (Cfr. AMADO GOMES, Carla. ANTUNES, Tiago. (Orgs.), op.cit., p.41.
Procuradora Federal da Procuradoria-Geral Federal/Advocacia-Geral da União. Graduada pela Universidade Federal do Ceará. Mestre em Ciências Jurídico-Administrativas pela Universidade do Porto. Ex Coordenadora-Geral de Assuntos Jurídicos do Ministério do Meio Ambiente. Ex Presidente da Câmara Especial Recursal do Conselho Nacional do Meio Ambiente.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SIQUEIRA, Gerlena Maria Santana de. A responsabilidade civil objetiva ambiental e a reparação do dano ecológico: apresentação comparada nos sistemas do Brasil e de Portugal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 dez 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42744/a-responsabilidade-civil-objetiva-ambiental-e-a-reparacao-do-dano-ecologico-apresentacao-comparada-nos-sistemas-do-brasil-e-de-portugal. Acesso em: 23 dez 2024.
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