Resumo: O presente trabalho tem como objetivo delimitar o conceito do instituto da decadência no ordenamento jurídico, enquanto efeito do decurso do tempo que extingue direitos, caracterizando-o como elemento essencial de estabilização das relações sociais e de segurança jurídica.
Palavras-Chave: Decadência. Conceito. Classificação dos direitos. Segurança Jurídica.
1. Introdução
O tempo é um elemento essencial para o homem e tem importância fundamental nas relações humanas. Como o Direito é uma ciência social, é intuitivo perceber que o tempo tem interferência nessa área do saber[1]. Para o Direito, assim como para as relações sociais, o tempo é um fator importante. O decurso do tempo pode ser causa aquisitiva ou causa extintiva de direitos. O instituto da decadência é um exemplo do efeito do tempo no Direito.
A decadência se refere aos efeitos do tempo nas relações jurídicas. Tanto o instituto da decadência como o da prescrição se relacionam com a inércia do titular de um direito.
2. Desenvolvimento
Para os fins deste artigo, é interessante comparar e distinguir os institutos da prescrição e da decadência, pois ambos tem em comum o fator tempo como causa extintiva de direitos.
Clélio Erthal aponta os traços comuns dos dois institutos:
A prescrição e a decadência são os dois institutos através dos quais o tempo atua, no campo do Direito, como elemento corrosivo. Vários são os traços comuns que os aproximam: ambos extinguem situações jurídicas até então protegidas e decorrem da inércia do sujeito, que deixa de exercer o direito no prazo que lhe é facultado. Outrossim, a penalização do titular inerte e o interesse social na legitimação de situações consolidadas constituem os principais fundamentos dos dois institutos. O Direito, efetivamente, não se compadece com a negligência, que gera a instabilidade nas relações jurídicas e os conseqüêntes conflitos de interesses que abalam a harmonia social; por isso pune o responsável com a sanção da perda da faculdade negligenciada[2].
Autores clássicos como Orlando Gomes[3] distinguem prescrição e decadência afirmando que a primeira extingue a ação e a segunda, o direito:
Partindo-se do pressuposto de que a prescrição visa à ação, enquanto decadência tem em mira o direito, pode-se distinguir uma da outra em consideração a origem da ação. Quando é idêntica à origem do direito, nasce ao mesmo tempo que este. Então o prazo para exercê-lo, por meio da ação, é extintivo. Trata-se, neste caso, de decadência. Quando é distinta da origem do direito, nasce posteriormente, e, de modo mais preciso, quando o direito, já existente, é violado por outrem, o qual, por ação ou omissão, cria obstáculos ao seu exercício, trata-se de prescrição.
A distinção acima sofreu críticas por parte da doutrina mais moderna, pois esse critério leva à afirmação de que a prescrição é a perda do direito de ação. No entanto, o direito de ação é uma garantia constitucional (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal)[4].
Como ensinam Eduardo Dias e José Leandro de Macêdo, "o instrumento propedêutico da distinção entre prescrição e decadência será o estudo do professor Agnelo Amorim Filho. Inicialmente, o referido autor critica o critério segundo o qual a prescrição extingue a ação, e a decadência extingue o direito, visto apresentar, segundo ele, uma manifesta petição de princípio, pois o que se deseja saber, precisamente, é quando o prazo atinge a ação ou o direito. O que se procura é a causa, e não o efeito"[5].
Agnelo Amorim Filho[6], a fim de estudar o instituto da decadência, faz correlação do instituto com os diferentes tipos de direito (direito subjetivo e direito potestativo). Direito subjetivo é aquele que confere ao titular a prerrogativa de exigir de alguém um determinado comportamento. Assim, um direito subjetivo é passível de violação pelo sujeito destinatário do dever a ele correspondente. À luz dos ensinamentos de Chiovenda, utilizados por Agnelo Amorim Filho, direito potestativo é aquele que confere ao titular a prerrogativa de fazer produzir efeitos pela sua simples declaração de vontade (traz na sua essência o poder). Vale dizer, direito potestativo compreende aquele poder que a lei confere a determinadas pessoas de influírem, com uma declaração de vontade, sobre a situação jurídica de outras, sem o concurso de vontade dessas.
Só há decadência para os direitos potestativos, segundo a classificação dos direitos levada a efeito por Chiovenda, utilizada pelo professor Agnelo Amorim Filho. E, para se falar em decadência, é imperioso existir prazo decadencial previsto em lei. Se não houver previsão legal, não se pode falar em decadência dos direitos potestativos.
Clélio Erthal[7] conclui que
Dessa forma, podemos identificar facilmente qualquer dessas figuras através dos direitos por elas atingidos. Se depararmos com um prazo delimitando o exercício de um direito exigível de outrem (subjetivo), sabemos tratar-se de prazo prescricional, e por isso suscetível de suspensão e de interrupção. Entretanto, se o prazo se refere a um direito exercitável por mero ato de vontade (potestativo), independentemente da atuação de terceiro, é de caducidade que se trata, não havendo, assim, qualquer possibilidade de sustar-lhe o curso, senão pelo próprio exercício do direito.
Em relação à citação acima, importante observar que alguns doutrinadores mais antigos denominam a decadência de caducidade.
Assim, tem-se que a decadência é a perda da possibilidade de exercer o direito potestativo (aquele que decorre somente da vontade do titular), porque seu titular não o fez em determinado lapso temporal.
O art. 210, do Código Civil, assim dispõe sobre o instituto da decadência: “Deve o juiz, de ofício, conhecer da decadência, quando estabelecida por lei.”
Por ser instituto de ordem pública, com grande importância social na estabilização das relações jurídicas, o juiz deve reconhecer a decadência, ainda que não tenha sido objeto de argumentação pelo réu. A doutrina comumente entende que o reconhecimento de ofício da decadência sofre limitações, isto é, deve ocorrer nas instâncias ordinárias. Para que seja declarada nas instâncias extraordinárias, deve ter havido o prequestionamento por parte do interessado ou por efeito translativo dos recursos. Pelo mesmo motivo, a decadência não admite renúncia; não se suspende nem se interrompe. Isto é, por ser de ordem pública, não pode ser alterado pela vontade das partes.
A busca de segurança nas relações jurídicas é um objetivo legítimo do ordenamento jurídico, eis que se trata de um valor desejado pela sociedade por ele regulada.
Sobre o princípio da segurança jurídica, Luis Roberto Barroso[8] faz interessante abordagem em artigo sobre o tema da prescrição administrativa, que tem plena aplicabilidade ao presente estudo:
A segurança, por sua vez, encerra valores e bens jurídicos que não se esgotam na mera preservação da integridade física do Estado e das pessoas. Abrigam-se em seu conteúdo, ao contrário, conceitos fundamentais para a vida civilizada, como a continuidade das normas jurídicas, a estabilidade das situações constituídas e a certeza jurídica que se estabelece sobre situações anteriormente controvertidas. Em nome da segurança jurídica, consolidaram-se institutos desenvolvidos historicamente, com destaque para a preservação dos direitos adquiridos e da coisa julgada. É nessa mesma ordem de ideais que se firmou e difundiu o conceito de prescrição, vale dizer, da estabilização das situações jurídicas potencialmente litigiosas por força do decurso do tempo.
Luciane Kravetz[9] entende que
a instabilidade das relações jurídicas é indesejável, de modo que, por razões de conveniência prática, o legislador opta por limitar o exercício de direitos, direta ou indiretamente, neste último caso mediante fixação de um prazo para a propositura de uma ação.
Dessa forma, percebe-se que o instituto da decadência concretiza a necessidade de segurança jurídica e paz social. E o princípio da segurança jurídica existe justamente para estabilizar as relações sociais e tornar imutáveis, isto é, não mais passíveis de discussão, certos atributos.
3. Conclusão
O tempo é muito importante nas relações humanas. Como o Direito é uma ciência social, o tempo é um fator importante para essa área de conhecimento, considerando que as relações sociais estabelecidas na sociedade o levam em consideração. O decurso do tempo pode ser causa extintiva de direitos e o instituto da decadência é um exemplo desse fenômeno.
Decadência é a perda da possibilidade de exercer o direito potestativo, porque seu titular não o fez em determinado lapso temporal. Em razão da decadência, o decurso do tempo impede o titular de um direito de exercê-lo. Trata-se do efeito do decurso do tempo como elemento extintivo de direitos.
4. Referências Bibliográficas
AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. Revista dos Tribunais nº 300.
BARROSO. Luis Roberto. A prescrição administrativa do direito brasileiro antes e depois da Lei 9.873/99. Disponível em http://www.direitopublico.com.br/pdf_4/DIALOGO-JURIDICO-04-JULHO-2001-LUIS-R-BARROSO.pdf Acesso em 02 de dezembro de 2014.
DIAS, Eduardo Rocha; MACÊDO, José Leandro Monteiro de. Curso de Direito Previdenciário, São Paulo: Editora Método, 2010.
ERTHAL, Clélio. Prescrição e Decadência. Revista da Escola da Magistratura Regional Federal da 2ª Região, edição especial histórica nº 1 em homenagem ao Desembargador Federal Valmir Peçanha, Rio de Janeiro, 2005, p. 37-43.
GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil, 9ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1987.
KRAVETZ, Luciane Merlin Cléve. Prescrição e decadência na Lei 8.213/91. In: Lugon, Luiz Carlos de Castro e Lazzari, João Batista. Curso modular de direito previdenciário. Florianópolis: Conceito Editorial.
[1] DIAS, Eduardo Rocha; MACÊDO, José Leandro Monteiro de. Curso de Direito Previdenciário, São Paulo: Editora Método, 2010, pág. 307.
[2] ERTHAL, Clélio. Prescrição e Decadência. Revista da Escola da Magistratura Regional Federal da 2ª Região, edição especial histórica nº 1 em homenagem ao Desembargador Federal Valmir Peçanha, Rio de Janeiro, 2005, p. 38.
[3] GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil, 9ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 430.
[4] Art. 5º, XXXV, da CF: "A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".
[5] Idem, p. 309.
[6] AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. Revista dos Tribunais nº 300, p. 7-37.
[7] Idem, p. 43.
[8] BARROSO. Luis Roberto. A prescrição administrativa do direito brasileiro antes e depois da Lei 9.873/99. Disponível em http://www.direitopublico.com.br/pdf_4/DIALOGO-JURIDICO-04-JULHO-2001-LUIS-R-BARROSO.pdf Acesso em 02 de dezembro de 2014.
[9] KRAVETZ, Luciane Merlin Cléve. Prescrição e decadência na Lei 8.213/91. In: Lugon, Luiz Carlos de Castro e Lazzari, João Batista. Curso modular de direito previdenciário. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007, p. 581-610.
Procuradora Federal desde novembro de 2007. Ex-Advogada da Caixa Econômica Federal. Especialista em Direito Previdenciário e em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura Federal - ESMAFE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Cristiane Castro Carvalho de. O Instituto da Decadência e sua Importância para o Direito Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 dez 2014, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42761/o-instituto-da-decadencia-e-sua-importancia-para-o-direito. Acesso em: 23 dez 2024.
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