Resumo: Plena possibilidade de exigência do pagamento da multa decorrente de infração ambiental como condição para concessão do licenciamento do veículo de terceiro objeto de apreensão. As condições para o licenciamento vinculam-se ao veículo e não ao autor da infração ambiental. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reconhece a legalidade desta exigência.
Palavras-Chave: Licenciamento de veículo. Apreensão administrativa. Prévio pagamento. Condição legal. Desvinculação da autoria.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo tecer algumas considerações a cerca da legalidade da exigência do prévio pagamento da multa decorrente de infração administrativa ambiental como condição para o licenciamento de veículo, mesmo que o proprietário do veículo não seja o autor de infração.
O estudo mostrará o arcabouço normativo existente em torna da questão e o entendimento do nosso Superior Tribunal de Justiça sobre o tema.
DESENVOLVIMENTO
A tutela constitucional ao meio ambiente assegura que todas as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados, conforme prescrito §3° do art. 225 da Constituição Federal de 1988.
A infração administrativa ambiental é conceituada como toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente, nos termos do art. 70 da mencionada Lei n° 9.605/1998.
No âmbito federal, a infração administrativa ambiental encontra respaldo, fundamentalmente, além da referida Lei n° 9.605/98, no Decreto n° 6.514/2008, de 22 de julho de 2008.
Cumpre destacar que o artigo 25 da Lei 9.605/98 prescreve que verificada a infração, serão apreendidos seus produtos e instrumentos, lavrando-se os respectivos autos.
Já o artigo 72, da referida lei, descreve as sanções impostas como punição pelas infrações administrativas, prevendo dentre elas a apreensão de veículos utilizados na infração, senão vejamos:
“Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º:
IV - apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração;”
O Decreto 6.514/2008, no inciso IV, do art. 3°, prevê a apreensão como sanção, em decorrência da prática de infrações administrativas e no inciso I do art. 101, como medida administrativa, a ser aplicada pelo agente autuante, no uso do seu poder de polícia, com o objetivo prevenir a ocorrência de novas infrações, resguardar a recuperação ambiental e garantir o resultado prático do processo administrativo.
Como se vê, à Administração Pública Federal, no exercício de seu poder-dever de fiscalização, incumbe a apreensão dos veículos de qualquer natureza utilizados na infração administrativa ambiental.
Nesse diapasão a Instrução Normativa n° 10/2012 do IBAMA prevê no inciso V, do art. 10, que compete à fiscalização do IBAMA comunicar ao DETRAN, à Capitania dos Portos ou a outro órgão competente de registro os casos de apreensão de veículos de qualquer natureza.
De outro lado, o Código de Trânsito Brasileiro-CTB, dispõe no §2° do art. 131, que o veículo somente será considerado licenciado estando quitados os débitos relativos a tributos, encargos e multas de trânsito e ambientais, vinculados ao veículo, independentemente da responsabilidade pelas infrações cometidas.
Assim, o licenciamento de veículo objeto de apreensão administrativa encontra-se condicionado ao prévio pagamento de multa decorrente da infração ambiental, independentemente de quem tenha sido o responsável pela prática da respectiva infração, na medida em que, as condições para o licenciamento referem-se ao veículo e não ao autor da infração ambiental.
Tal previsão, assume grande importância na medida em que a utilização de veículos de terceiros para cometimento de infrações ambientais tem se revelado uma prática cada vez mais constante, numa tentativa de burlar a fiscalização e embaraçar apreensão destes veículos.
Contudo, algumas decisões judiciais têm invocado o princípio da razoabilidade para dispensar esse pagamento quando o autor da infração administrativa ambiental não for o proprietário do veículo, como se observa abaixo:
“ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO AMBIENTAL COMETIDA POR TERCEIRO. LICENCIAMENTO ANUAL DO VEÍCULO EM FAVOR DO PROPRIETÁRIO. RAZOABILIDADE. 1. Nos termos do art. 131, parágrafo 2º, do Código de Trânsito Brasileiro, o licenciamento anual de veículo está condicionado à quitação dos débitos relativos a tributos, encargos e multas de trânsito e ambientais, vinculados ao veículo, independentemente da responsabilidade pelas infrações cometidas. 2. Hipótese em que destoa do princípio da razoabilidade impedir que o proprietário do bem, que não cometeu a infração ambiental descrita no respectivo auto, obtenha o respectivo licenciamento, mormente se considerado que para a sua prática não concorreu, nem se mostra reincidente no cometimento de ações dessa natureza. 3. Remessa oficial, tida por interposta, e apelação desprovidas. ” [TRF5 -AC 00069917720114058100 -Terceira Turma - DJE - Data:25/03/2013 - Página:415 ]
No entanto, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem admitido a perfeita aplicabilidade do disposto no §2° do art. 131 do CTB, exigindo-se o prévio pagamento da multa decorrente da infração ambiental para fins de obtenção do licenciamento de veículo, de forma desvinculada da autoria da infração administrativa, senão vejamos:
“ADMINISTRATIVO. TRÂNSITO. LICENCIAMENTO DE VEÍCULO CONDICIONADO AO PRÉVIO PAGAMENTO DE MULTA DECORRENTE DE INFRAÇÃO AMBIENTAL. AUTOR DA INFRAÇÃO. IRRELEVÂNCIA.
(…)
A jurisprudência pacífica desta Corte entende ser lícita a atuação da administração em condicionar a expedição do Certificado de Licenciamento ao pagamento de tributos, encargos e multas de trânsito e ambientais vinculados ao veículo, independentemente da responsabilidade pelas infrações cometidas, segundo o art. 131, § 2º, do Código de Trânsito Brasileiro e desde que tenha havido regular notificação do infrator.
(…)
Com efeito, segundo disposto no citado artigo de lei federal, não importa quem foi o infrator que gerou a multa, uma vez que as condições para o licenciamento diz respeito ao veículo. Ante o exposto, com base no art. 557, § 1º-A, do CPC, DOU PROVIMENTO ao recurso especial.” [Decisão Monocrática no REsp 1426060 - Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES - 27/02/2014 ] (destaquei)
Da mesma forma, nossos Tribunais Regionais Federais já se pronunciaram, senão vejamos:
“ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. IBAMA. AUTO DE INFRAÇÃO. MULTA. TRANSPORTE DE CARGA PERIGOSA SEM A AUTORIZAÇÃO DO ÓRGÃO AMBIENTAL. PAGAMENTO DO DÉBITO. EXPEDIÇÃO DO CERTIFICADO DE LICENCIAMENTO ANUAL. POSSIBILIDADE. LEI N° 9.503/97. I - O Código Brasileiro de Trânsito (Lei n° 9.503/97), em seu art. 128, proíbe a expedição de novo Certificado de Registro de Veículo - CRV apenas enquanto houver débitos fiscais e de multas de trânsito e ambientais, vinculadas ao veículo. II - Em sendo assim, quitadas as multas ambientais aplicadas em razão do transporte irregular de carga perigosa para o meio ambiente, afigura-se juridicamente possível a baixa do bloqueio do veículo junto ao DETRAN e, consequentemente, a expedição do Certificado de Licenciamento Anual, na espécie. III - Remessa oficial desprovida. Sentença confirmada. ” [TRF5-REOMS 64689820094014300 -QUINTA TURMA -e-DJF1 DATA:13/06/2012 PAGINA:128] (grifei)
“ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. REGISTRO E LICENCIAMENTO DE VEÍCULO. EXIGÊNCIA DE PAGAMENTO DE MULTAS DE TRÂNSITO. LEGALIDADE. CODIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO ARTS.124, VIII e 131 § 2º. 1. "É lícita a autuação da Administração, no sentido de condicionar a vistoria em veículo e a conseqüente expedição do Certificado de Licenciamento ao pagamento de tributos, encargos e multas de trânsito e ambientais vinculados ao veículo, independentemente da responsabilidade pelas infrações cometidas, consoante o art.131, caput e § 2 do Código de Trânsito Brasileiro e desde que tenha havido regular notificação do infrator."(AgRg no REsp 650536/RJ, Relator Ministro Francisco Falcão, DJ 06.12.2004). Inexistência de ato ilegal ou abusivo violador de direito líquido e certo. 2. Dá-se provimento ao recurso de apelação e à remessa oficial tida por interposta.” [TRF1-AMS 171663120014013400 -5ª TURMA SUPLEMENTAR -e-DJF1 DATA:09/12/2011 PAGINA:1040] (grifei)
Nesse contexto, cumpre destacar que a ciência da autuação e do julgamento do processo administrativo para aplicação das infrações administrativas ambientais são expressamente exigidos pela Instrução Normativa do IBAMA n° 10/2012, atendendo, portanto, as Sumulas 127 e 312 do STJ.
CONCLUSÃO
Diante de todas as considerações aqui trazidas, pode-se concluir que a exigência de prévio pagamento da multa decorrente da infração ambiental para fins de licenciamento do veículo de terceiro apreendido não ofende o princípio da razoabilidade e deve ser plenamente aplicada, em consonância com o nosso ordenamento jurídico vigente e com a jurisprudência de nosso Superior Tribunal de Justiça.
Desse modo, a opção feita pelo legislador revela-se atenta ao princípio da razoabilidade quando se observa que o veículo objeto das apreensões tem papel decisivo no cometimento da infração administrativa; que a utilização de veículos de terceiros tem se revelado uma prática cada vez mais constante, numa tentativa de burlar a fiscalização e que as condições para o licenciamento vinculam-se ao veículo e não ao autor da infração ambiental.
Procuradora Federal. Especialista em Direito Público pela Unifacs-Universidade Salvador.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARRETO, Caroline Menezes. Licenciamento de veículo condicionado ao prévio pagamanto de multa decorrente de infração ambiental Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 dez 2014, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42769/licenciamento-de-veiculo-condicionado-ao-previo-pagamanto-de-multa-decorrente-de-infracao-ambiental. Acesso em: 23 dez 2024.
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