Resumo: O Auto de Infração lavrado em virtude da prática de atividades consideradas lesivas ao meio ambiente deve obedecer à legislação vigente à época da prática da infração administrativa ambiental. Necessidade de observância do princípio do tempus regit actum e do instituto do ato jurídico perfeito. A medida administrativa de embargo gera efeitos que se protraem no tempo, o que faz com que a sua validade seja analisada de acordo com a legislação em vigor, tendo as alterações legislativas repercussão direta nesta medida.
Palavras-Chave: Auto de Infração. Termo de Embargo. Infração Administrativa Ambiental. Validade. Alterações Legislativas. Repercussão das alterações.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo tecer algumas considerações sobre a validade dos autos de infrações de apuração de infração administrativa ao meio ambiente e das medidas administrativas de embargo aplicadas em face das alterações legislativas ocorridas posteriormente à expedição dos mesmos.
O estudo mostrará o arcabouço normativo existente em torna da questão, assim como, o entendimento do nosso Superior Tribunal de Justiça sobre o tema.
DESENVOLVIMENTO
A tutela constitucional ao meio ambiente assegura que todas as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados, conforme prescrito §3° do art. 225 da Constituição Federal de 1988.
O art. 70 da Lei n° 9.605/1998, por sua vez, traz a definição de infração administrativa ambiental como sendo toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
Nesse contexto, praticada uma conduta ou atividade que se enquadra como infração administrativa ambiental, possui a Administração Pública um prazo para apurar o cometimento dessa infração, proceder à lavratura do auto de infração aplicar sanções e medidas administrativas e por meio de decisão da autoridade julgadora competente, homologar as sanções imputadas e medidas administrativas aplicadas.
Observou-se nos últimos anos importantes alterações na legislação ambiental, destacando-se a Lei Complementar n° 140/2011 e o Novo Código Florestal, que traçaram, por exemplo, novos desenhos referentes a competência licenciatória, competência licenciatória e à proteção conferida as áreas de preservação permanente, o que vem gerando alguns questionamentos quanto à repercussão destas alterações na validade dos autos de infração e medidas administrativas de embargo já aplicadas.
Contudo, em consonância com o princípio do tempus regit actum, tem-se que as posteriores alterações legislativas em nada repercutem na lavratura de um Auto de Infração.
Isto porque, se no momento da autuação foi praticada uma infração administrativa, diante de ação que violou as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente então vigentes, o Auto de Infração consubstancia-se num ato jurídico perfeito.
Neste ponto cumpre observar o disposto no art. 6° da Lei de Introdução do Código Civil-LICC, conforme abaixo transcrito:
“Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.
§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.
§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso.”
Assim, ainda que legislação posterior, viesse a dispensar, por exemplo, o próprio licenciamento ambiental, no caso de um empreendimento ter sido autuado por não possuir a respectiva licença, tal situação não teria o condão de resultar em qualquer anulação do respectivo Auto de Infração, uma vez que a sua validade deve ser analisada de acordo com a legislação vigente no momento da sua lavratura.
Quanto a esta questão, cumpre destacar que o Parecer n° 271/2014/CONJUR-MMA/CGU/AGU/jpfs, da Consultoria Jurídica junto ao Ministério do Meio Ambiente, expressamente consigna que os autos de infração e respectivos processos administrativos instaurados anteriormente à 25 de maio de 2012 constituem ato jurídico perfeito e, assim, não foram atingidos pelo regime jurídico do Novo Código Florestal.
Situação diferente, no entanto, refere-se a análise da validade do termo de embargo ante as alterações legislativas posteriores à lavratura deste termo.
Isto porque, a medida administrativa de embargo tem seus efeitos protraídos no tempo, em que a suspensão desta medida pressupõe a legalidade da atividade realizada na área embargada, exigindo, portanto, a análise em consonância com a legislação vigente.
Nesse contexto, o Decreto 6.514/2008, admite o desembargo nas seguintes hipóteses:
“Art. 15-B. A cessação das penalidades de suspensão e embargo dependerá de decisão da autoridade ambiental após a apresentação, por parte do autuado, de documentação que regularize a obra ou atividade.” (grifei)
Já a Instrução Normativa n° 10/2012 do IBAMA, por sua vez, quanto ao tema prevê:
“Art. 32. O Termo de Embargo e Interdição deverá delimitar, com exatidão, a área ou local embargado e as obras ou atividades a serem paralisadas, constando as coordenadas geográficas do local.
§ 2º O Embargo será levantado fundamentadamente pela autoridade competente para julgar o auto de infração mediante a apresentação, por parte do interessado, de licenças, autorizações ou documentos que certifiquem a legalidade da atividade realizada na área embargada, ouvida a fiscalização.” (grifei)
Como se vê, a possibilidade de desembargo pressupõe a regularização da atividade com a apresentação de licenças, autorizações ou documentos que certifiquem a legalidade da atividade realizada na área embargada, exigindo, portanto, a observância da legislação em vigor quando da análise da validade e manutenção desta medida de embargo.
Quanto a este tema, o nosso Superior Tribunal de Justiça, já teve oportunidade de se pronunciar reconhecendo que a lei nova não repercute no auto de infração enquanto ato jurídico perfeito, senão vejamos:
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. NOVO CÓDIGO FLORESTAL (LEI 12.651/2012). REQUERIMENTO. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO CONTRA ACÓRDÃO. INVIABILIDADE. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE . RECEBIMENTO COMO EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC NÃO APONTADA. AUTO DE INFRAÇÃO. IRRETROATIVIDADE DA LEI NOVA. ATO JURÍDICO PERFEITO. DIREITO ADQUIRIDO. ART. 6º, CAPUT, DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO.
1. Trata-se de requerimento apresentado pelo recorrente, proprietário rural, no bojo de “ação de anulação de ato c/c indenizatória”, com intuito de ver reconhecida a falta de interesse de agir superveniente do Ibama, em razão da entrada em vigor da Lei 12.651/2012 (novo Código Florestal), que revogou o Código Florestal de 1965 (Lei 4.771) e a Lei 7.754/1989. Argumenta que a nova legislação “o isentou da punição que o afligia”, e que “seu ato não representa mais ilícito algum”, estando, pois, “livre das punições impostas”. Numa palavra, afirma que a Lei 12.651/2012 procedera à anistia dos infratores do Código Florestal de 1965, daí sem valor o auto de infração ambiental lavrado contra si e a imposição de multa de R$ 1.500, por ocupação e exploração irregulares, anteriores a julho de 2008, de Área de Preservação Permanente nas margens do rio Santo Antônio.
2. O requerimento caracteriza, em verdade, pleito de reconsideração da decisão colegiada proferida pela Segunda Turma, o que não é admitido pelo STJ. Nesse sentido: RCDESP no AgRg no Ag 1.285.896/MS, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Segunda Turma, DJe 29.11.2010; AgRg nos EREsp 1.068.838/PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, DJe 11.11.2010; PET nos EDcl no AgRg no Ag 658.661/MG, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, DJe 17.3.2011; RCDESP no CC 107.155/MT, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Segunda Seção, DJe 17.9.2010; RCDESP
no Ag 1.242.195/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 3.9.2010. Por outro lado, impossível receber pedido de reconsideração comoEmbargos de Declaração, sob o manto do princípio da fungibilidade recursal, pois não se levanta nenhuma das hipóteses do art. 535 do CPC.
3. Precedente do STJ que faz valer, no campo ambiental-urbanístico, a norma mais rigorosa vigente à época dos fatos, e não a contemporânea ao julgamento da causa, menos protetora da Natureza: O "direito material aplicável à espécie é o então vigente à época dos fatos. In casu, Lei n. 6.766/79, art. 4º, III, que determinava, em sua redação original, a 'faixa non aedificandi de 15 (quinze) metros de cada lado' do arroio" (REsp 980.709/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 2.12.2008).
4. Ademais, como deixa claro o novo Código Florestal (art. 59), o legislador não anistiou geral e irrestritamente as infrações ou extinguiu a ilicitude de condutas anteriores a 22 de julho de 2008, de modo a implicar perda superveniente de interesse de agir. Ao contrário, a recuperação do meio ambiente degradado nas chamadas áreas rurais consolidadas continua de rigor, agora por meio de procedimento administrativo , no âmbito de Programa de Regularização Ambiental – PRA, após a inscrição do imóvel no Cadastro Ambiental Rural – CAR (§ 2°) e a assinatura de Termo de Compromisso (TC), valendo este como título extrajudicial (§ 3°). Apenas a partir daí "serão suspensas " as sanções aplicadas ou aplicáveis (§ 5°, grifo acrescentado). Com o cumprimento das obrigações previstas no PRA ou no TC, "as multas" (e só elas) "serão consideradas convertidas em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente".
5. Ora, se os autos de infração e multas lavrados tivessem sido invalidados pelo novo Código ou houvesse sido decretada anistia geral e irrestrita das violações que lhe deram origem, configuraria patente contradição e ofensa à lógica jurídica a mesma lei referir-se a "suspensão" e "conversão" daquilo que não mais existiria: o legislador não suspende, nem converte o nada jurídico.
Vale dizer, os autos de infração já constituídos permanecem válidos e blindados como atos jurídicos perfeitos que são - apenas a sua exigibilidade monetária fica suspensa na esfera administrativa , no aguardo do cumprimento integral das obrigações estabelecidas no PRA ou no TC. Tal basta para bem demonstrar que se mantém incólume o interesse de agir nas demandas judiciais em curso, não ocorrendo perda de objeto e extinção do processo sem resolução de mérito (CPC, art. 267, VI).
6. Pedido de reconsideração não conhecido.” [PET no RECURSO ESPECIAL Nº 1.240.122 – PR - SEGUNDA TURMA - DJe: 19/12/2012] (grifei)
CONCLUSÃO
Diante de todas as considerações aqui trazidas, pode-se concluir com tranquilidade que as alterações legislativas posteriores à lavratura de um auto de Infração não tem o condão de repercutir na sua validade, vez que este deve ser analisado de acordo com a legislação vigente no momento da prática da infração administrativa ao meio ambiente, em consonância com o princípio do tempus regit actum.
No entanto, no que tange à validade da medida de embargo aplicada quando da constatação do cometimento infração administrativa ao meio ambiente, a conclusão que se impõe é que a análise desta validade deva se dá de acordo com as posteriores alterações legislativas ocorridas vez que os seus efeitos se estendem no tempo.
Procuradora Federal. Especialista em Direito Público pela Unifacs-Universidade Salvador.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARRETO, Caroline Menezes. Considerações sobre a Validade do Auto de Infração e do termo de Embargo ante as alterações legislativas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 dez 2014, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42789/consideracoes-sobre-a-validade-do-auto-de-infracao-e-do-termo-de-embargo-ante-as-alteracoes-legislativas. Acesso em: 23 dez 2024.
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