Prevalence of art. 7 of Law no. 10,520 / 02 on art. 87, IV, the Law no. 8666/93
RESUMO: A edição da Lei n. 10520/02 introduziu no ordenamento jurídico brasileiro uma nova modalidade de licitação chamada de Pregão. Sabe-se que as normas gerais de licitações e contratos está disciplinada pela Lei n. 8666/93. A lei do pregão estabeleceu, em seu art. 7º, a penalidade de impedimento de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal e Municípios pelo prazo de até 5 anos. Por outro lado, a lei de licitações e contratos dispõe em seu art. 87, IV, a penalidade mais grave passível de ser aplicada a um licitante ou contratado, a declaração de inidoneidade. Discute-se em sede doutrinária e jurisprudencial se esta sanção de declaração de inidoneidade pode ser utilizada em um procedimento que seguiu a lei do pregão. Este artigo se debruçará sobre a argumentação jurídica que envolve esta discussão enfrentando o tema da aplicabilidade ou não desta penalidade em licitações e contratos derivados do procedimento do Pregão.
Palavras-Chave: Licitação. Pregão. Panalidade. Declaração de Inidoneidade. Aplicação.
ABSTRACT: The enactment of Law n. 10520/02 introduced in the Brazilian legal system a new bidding method called Pregão. It is known that the general rules of bidding and contracts are regulated by Law n. 8666/93. The law of the Pregão established, in its art. 7o, the penalty offside bidding and contracting with the Federal Government, States, Federal District and Municipalities for a term of up to five years. On the other hand, the law of tenders and contracts have in your art. 87, IV, the most serious penalty that can be applied to a bidder or contractor, the declaration of unfitness. Is discussed in doctrine and jurisprudence seat if the penalty declaration of unfitness can be used in a procedure that followed the law of Pregão. This article will look at the legal arguments surrounding this debate facing the issue of the applicability or not of this penalty in bids and contracts derivatives Pregão procedure.
Keywords: bidding. Pregão. Penalties. Declaration of Unfitness. Aplication.
INTRODUÇÃO
O presente artigo irá cuidar de expor a divergência que ocorre no campo doutrinário e jurisprudencial acerca da aparente antinomia existente entre o art. 7º da Lei n. 10520/02 e o art. 87, IV, da Lei n. 8.666/93.
A Lei de Licitações e Contratos, Lei n. 8.666/93, prevê, em seu art. 87, IV, a sanção de declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública, enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade, em caso de inexecução total ou parcial do contrato pela empresa vencedora do certame licitatório. Tal penalidade é de competência exclusiva do Ministro de Estado (art. 87, §3º, da Lei n. 8666/93).
A Lei do Pregão, Lei n. 10520/02, estabelece, em seu art. 7º, a aplicação da pena de impedimento de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal e Municípios pelo prazo de até 5 anos e descredenciamento do SICAF caso o contratado pratique determinadas condutas, dentre elas a de retardar a execução de seu objeto e falhar na execução do contrato. A Lei do pregão não foi expressa em indicar a autoridade competente para aplicação desta penalidade.
Da leitura dos artigos legais acima indicados, pode-se extrair três questões que tem despertado interpretações divergentes tanto na doutrina quanto na jurisprudência, especialmente no âmbito do TCU.
A primeira delas refere-se à possibilidade de aplicação não do art. 87, IV, da Lei n. 8666/93, isto é, aplicação da penalidade de declaração de inidoneidade para licitar e contratar com a Administração Pública no âmbito do procedimento do pregão ou em contrato celebrado decorrente da licitação na modalidade pregão.
A segunda questão que tem despertado divergência diz respeito à autoridade competente para a aplicação da pena do art. 7º da Lei n. 10.520/02. Isto por que, como vimos, esta sanção possui aplicação ampla sobre todos os entes federativos, União, Estados e Municípios, assim como a penalidade prevista no art. 87 da Lei n. 8666/93, de sorte a surgir a discussão se esta penalidade também não seria de competência exclusiva do Ministro de Estado.
A terceira discussão liga-se à abrangência da penalidade do art. 7º da Lei n. 8666/93. Indaga-se se esta sanção teria a mesma abrangência daquela prevista no art. 87, IV, da Lei n. 8666/93.
O presente artigo, irá expor as discussões doutrinárias a respeito da destas questões tormentosas para os que lidam diariamente com procedimentos licitatórios na modalidade pregão, atentando-se para seus fundamentos jurídicos.
Tal aprofundamento é de grande relevância no âmbito do direito administrativo e o seu debate visa proporcionar não só a segurança jurídica para a realização dos procedimentos administrativos como o aperfeiçoamento da gestão das compras governamentais. Servidores, procuradores e particulares que participam das licitações devem cooperar com o debate, introduzindo seus pontos de vista no sentido de se buscar o melhor ambiente jurídico no trato da questão. Esta é a nossa pretensão.
PREVALÊNCIA DO ART. 7º DA LEI N. 10.520/02 SOBRE O ART. 87, IV, DA LEI N. 8666/93
O pregão eletrônico restou disciplinado pela Lei n. 10.520/02, que é uma legislação especial, sendo necessária uma análise jurídica mais detalhada a respeito da aplicação da penalidade prevista no art. 7º da Lei do Pregão de maneira cumulativa com a aplicação das sanções previstas na Lei n. 8666/93.
Tal questão é bastante relevante, na medida em que desta definição resultam diferentes consequências no que toca à autoridade que deve aplicar a penalidade e a abrangência da sanção.
Veja o que estabelece o art. 7º da Lei n. 10.520/02:
Quem, convocado dentro do prazo de validade da sua proposta, não celebrar o contrato, deixar de entregar ou apresentar documentação falsa exigida para o certame, ensejar o retardamento da execução de seu objeto, não mantiver a proposta, falhar ou fraudar na execução do contrato, comportar-se de modo inidôneo ou cometer fraude fiscal, ficará impedido de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios e, será descredenciado no Sicaf, ou nos sistemas de cadastramento de fornecedores a que se refere o inciso XIV do art. 4o desta Lei, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, sem prejuízo das multas previstas em edital e no contrato e das demais cominações legais.
Analisando discussão semelhante – aplicação da Lei n. 8666/93 no procedimento atinente ao Pregão –, já assinalou o TCU que a modalidade pregão é regulada pela Lei. 10.520/02, com normas próprias. Nesse sentido a aplicação da Lei 8.666/93 é apenas subsidiária (Acórdão 5263/2009 - Segunda Câmara).
Portanto, a Lei nº 8.666/93 possui aplicação apenas subsidiária ao pregão, conforme disposto no art. 9º da Lei nº 10.520/02. Disso resulta que a Lei Geral de Licitações será aplicável nos casos em que a lei do pregão for omissa.
Assim, quando se tratar de pregão, a aplicação das penalidades deverá se dar de acordo com o art. 7º da Lei nº 10.520/02, tendo em conta haver dispositivo disciplinando (inexistência de omissão) as sanções administrativas a que se sujeitam tanto os licitantes como os contratantes.
Confira-se ainda que, em outra ocasião, o TCU afirmou que: a Lei 8.666/93 trata de diversas modalidades de licitações, sendo que algumas podem ser consideradas mais complexas que as do pregão e outras não. Em relação a todas essas modalidades, o legislador previu diversas espécies de sanções, sendo a do inciso IV do art. 87 da Lei 8.666/93 (declaração de inidoneidade) de gravame compatível com aquela da lei do pregão. (Acórdão 653/2008 – Plenário).
Ora, em sendo compatíveis as penalidades da lei do pregão e aquela estabelecida no inc. IV do art. 87, da Lei n. 8666/93 não há que se falar em lacuna da Lei n. 10.520/02 e, consequentemente, não haveria que se falar em aplicação subsidiária da Lei n. 8666/93 quando o procedimento licitatório elegido pela administração seja o Pregão.
Isso quer dizer que não há possibilidade de aplicação das penalidades insertas nos inciso IV do artigo 87 da Lei de Licitações no âmbito do Pregão, posto que as finalidades de sua aplicação se equivalem à penalidade do art. 7º da Lei n. 10.520/02, especificamente para este tipo de procedimento licitatório.
Nesse tocante, os Editais de Pregão devem fixar as penalidades a que estam sujeitas os licitantes em consonância com o art. 7º da Lei n. 10520/02 e não com base na Lei n. 8666/93.
Relevante ponderar, no entanto, que o art. 7º da Lei n. 10.520/02 não exclui as sanções da Lei n. 8666/93 que são mais brandas que a do impedimento de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios previsto na lei do pregão, quais sejam, a pena de advertência, a pena de multa e a pena de suspensão de licitar e contratar com a Administração (entendida esta como o ente/entidade que aplicou a penalidade).
A doutrina, a este respeito, aduz que não seria razoável nem proporcional punir faltas leves praticadas pelos licitantes ou contratantes apenas com a sanção de impedimento de licitar e contratar com a União pelo prazo de até 5 anos e descredenciamento do SICAF.
Destarte, em homenagem ao princípio da proporcionalidade, é possível valer-se da penalidade de advertência, da pena de multa e da pena de suspensão de licitar e contratar com a administração, previstas somente na Lei n. 8666/93, a faltas leves praticadas em procedimento regido pela Lei n. 10.520/02.
Ensina Niebuhr (2004, p. 200):
"... para harmonizar o princípio da legalidade e o da proporcionalidade os agentes administrativos devem interpretar o art. 7o da Lei 10.520/02 de maneira ponderada, evitando que ele seja utilizado com excessos, para situações que não merecem tamanha reprimenda.
Quer-se dizer que os agentes administrativos, conquanto devem obediência ao prescrito no art. 7o da Lei 10.520/02, devem também interpretá-lo de modo consoante aos demais princípios jurídicos informadores da matéria, entre os quais merece destaque o da proporcionalidade. Logo, a referida penalidade, por ser extremamente gravosa, deve ser aplicada somente nos casos em que se percebe ou há indícios de que o licitante faltoso tenha agido de má-fé tentando ardilosamente participar de licitação do qual, de antemão, sabia que não cumpriria os resultados da licitação."
Com efeito, a interpretação no sentido de que o art. 7º da Lei n. 10.520/02 prefere às penalidades do art. 87 da Lei n. 8666/93 não é infirmada com a possibilidade de aplicação das penas mais brandas que a estabelecida na lei do pregão, posto que tal entendimento visa assegurar ao administrador a observância de princípios administrativos, dentre eles o da proporcionalidade e razoabilidade, com possibilidade de o fato punível ser apenado adequadamente: para uma infração branda, uma penalidade branda; para uma infração grave, uma penalidade grave.
De todo o exposto, deve ser consagrado o entendimento de que não deve ser aplicado o art. 87, IV, da Lei n. 8666/93 ao procedimento licitatório do pregão, porquanto se trata penalidade mais grave que a prevista no art. 7º da Lei n. 10520/02 em estando o procedimento licitatório regulado por lei especial do pregão.
ABRANGÊNCIA DA PENALIDADE DA LEI DO PREGÃO
Esta discussão possui relevância para se estabelecer uma definição de equiparação entre as penalidades da Lei n. 8666/93 com aquela estabelecida na Lei do Pregão.
Como discorrido acima, caso a sanção seja mais branda que a do art. 7º da Lei n. 10.520/02 é possível se utilizar da aplicação subsidiária da Lei n. 8666/93 em homenagem ao princípio da proporcionalidade e da razoabilidade.
Não há discussão a respeito de ser a penalidade de advertência e multa previstas na Lei n. 8666/93 mais suaves que a de impedimento de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios pelo prazo de até 5 anos e descredenciamento do SICAF situada na Lei n. 10.520/02.
A divergência se instaura quanto à pena de suspensão temporária de participar de licitação e impedimento de contratar com a Administração pelo prazo de até 2 anos (art. 87, III, da Lei n. 8666/93) e a declaração de inidoneidade de licitar e contratar com a Administração Pública (art. 87, IV, da Lei n. 8666/93).
E isto pelo fato de que havendo equivalência ou mais gravidade a pena a ser aplicada é a do art. 7º da Lei n. 10.520/02, posto que nestas situações inexiste justificativa para aplicação subsidiária da Lei n. 8666/93 ao procedimento do pregão com base no princípio da proporcionalidade ou razoabilidade.
Havia anteriormente grande celeuma quanto à abrangência da pena de suspensão temporária de participar de licitação e impedimento de contratar com a Administração pelo prazo de até dois anos. A divergência ocorria em função das interpretações que conferiam um caráter amplo ou restritivo aos seus efeitos.
Atualmente, no entanto, sobretudo na administração publica federal, tanto o TCU quanto a AGU consolidaram o entendimento de que esta penalidade deve ficar restrita ao órgão/entidade que aplicou a penalidade. Em suma, a licitante ou contratante que for punida com a sanção do art. 87, III, da Lei n. 8666/93 somente ficará suspensa de participar de licitação ou contratar com o órgão ou entidade que lhe imputou tal penalidade.
Nesse sentido, são os acórdãos ns. 3243/2012-Pl, 3439/2012-Pl, 842/2013-Pl e 1017/2013-Pl. No âmbito da AGU/ACGU o entendimento restritivo foi pacificado por meio do Parecer n. 02/2013/GT/Portaria n. 11/2012.
Em face deste entendimento, já consolidado no âmbito federal, por restringir os efeitos da penalidade de suspensão temporária de participar de licitação e de impedimento de contratar com a Administração apenas sobre o órgão ou entidade que aplicou a sanção esta é menos grave que a penalidade da Lei n. 10.520/02, tendo em conta que esta se estende sobre todo o âmbito federal, estadual, distrital ou municipal, como se verá adiante.
Com efeito, sendo mais branda, possível sua utilização subsidiária no procedimento do pregão.
Aparentemente, a declaração de inidoneidade e o impedimento de licitar e contratar com a administração e o descredenciamento do SICAF possuem a mesma abrangência: União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
Entretanto, esta semelhança é apenas aparente.
Segundo o TCU, a declaração de inidoneidade (art. 87, IV, da Lei n. 8666/93) tem abrangência geral sobre toda a Administração Pública, entendida esta, na forma do art. 6º, XI, da Lei n. 8666/93, como a “a administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, abrangendo inclusive as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do poder público e das fundações por ele instituídas ou mantidas”. Confira-se trecho do acórdão n. 1647/2010-Pl do TCU:
4.10.5. Já a penalidade do inciso IV do art. 87, segundo jurisprudência do TCU, impede o fornecedor de participar de licitações e de ser contratado por toda a Administração Pública, englobando, nos termos do inciso XI do art. 6º da mesma lei, a "administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, abrangendo inclusive as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do poder público e das fundações por ele instituídas ou mantidas".
Do mesmo modo manifesta-se o STJ:
ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE EXARADA PELO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. IMPOSSIBILIDADE DE CONTRATAÇÃO COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. APLICAÇÃO A TODOS OS ENTES FEDERADOS.
1. A questão jurídica posta a julgamento cinge-se à repercussão, nas diferentes esferas de governo, da emissão da declaração de inidoneidade para contratar com a Administração Pública, prevista na Lei de Licitações como sanção pelo descumprimento de contrato administrativo.
2. Insta observar que não se trata de sanção por ato de improbidade de agente público prevista no art. 12 da Lei 8.429/1992, tema em que o Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência limitando a proibição de contratar com a Administração na esfera municipal, de acordo com a extensão do dano provocado. Nesse sentido: EDcl no REsp 1021851/SP, 2ª Turma, Relatora Ministra Eliana Calmon, julgado em 23.6.2009, DJe 6.8.2009.
3. "Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções: (...) IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública" (art. 87 da Lei 8.666/1993).
4. A definição do termo Administração Pública pode ser encontrada no próprio texto da citada Lei, que dispõe, em seu art. 6º, X, que ela corresponde à "Administração Direta e Indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, abrangendo inclusive as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do poder público e das fundações por ele instituídas ou mantidas".
5. Infere-se da leitura dos dispositivos que o legislador conferiu maior abrangência à declaração de inidoneidade ao utilizar a expressão Administração Pública, definida no art. 6º da Lei 8.666/1993. Dessa maneira, conseqüência lógica da amplitude do termo utilizado é que o contratado é inidôneo perante qualquer órgão público do País. Com efeito, uma empresa que forneça remédios adulterados a um município carecerá de idoneidade para fornecer medicamentos à União.
6. A norma geral da Lei 8.666/1993, ao se referir à inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública, aponta para o caráter genérico da referida sanção, cujos efeitos irradiam por todas as esferas de governo.
7. A sanção de declaração de inidoneidade é aplicada em razão de fatos graves demonstradores da falta de idoneidade da empresa para licitar ou contratar com o Poder Público em geral, em razão dos princípios da moralidade e da razoabilidade.
8. O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento de que o termo utilizado pelo legislador - Administração Pública -, no dispositivo concernente à aplicação de sanções pelo ente contratante, deve se estender a todas as esferas da Administração, e não ficar restrito àquela que efetuou a punição.
9. Recurso Especial provido.
REsp 520553 / RJ;RECURSO ESPECIAL; 2003/0027264-6;Ministro HERMAN BENJAMIN;T2 - SEGUNDA TURMA;DJe 10/02/2011
(grifo nosso)
Infere-se dos entendimentos supra referidos que a pena de declaração de inidoneidade possui abrangência ampla, surtindo efeitos não só no âmbito do ente federal que aplicou a sanção, mas a todos os entes que compõem a federação.
No que concerne aos efeitos da penalidade do art. 7º da Lei n. 10.520/02, o TCU e AGU não adotaram o mesmo entendimento aplicável à pena de declaração de inidoneidade. Considerou-se que a redação do art. 7º da Lei n. 10.520/02 é diversa da do art. 6º, XI, da Lei n. 8666/93.
Observe que o dispositivo legal da lei especial (art. 7º da Lei n. 10.520/02) narra que o licitante “ficará impedido de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito federal ou Município”. A expressão “ou” indica desunião, separação. Desta forma, concluímos que a sanção terá efeito tão somente no ente federativo que a aplicou.
Esse é o entendimento de JUSTEN FILHO, que explica que a utilização da preposição “ou” indica alternatividade, o que fundamenta a interpretação de que a punição deve ter efeitos restritos à órbita interna do ente federativo em que a sanção for aplicada. O autor, ainda, reitera que a penalidade prevista no artigo 7º do pregão se diferencia da declaração de inidoneidade prevista no estatuto licitatório¹.
Referido entendimento restou consagrado no âmbito da AGU por meio do Parecer n. 08/2013/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU, cujo trecho assim narra:
Nesses casos, os efeitos da penalidade também são mais abrangentes, pois impedem a participação em licitações e contratações de todos os órgãos e entes vinculados ao ente federativo aplicador da sanção. Dessa forma, se a sanção foi aplicada por unidade do INCRA, a empresa ficará impedida de participar de licitações e contratações em toda a Administração Pública Federal (União e entes da Administração Pública Federal Indireta).
O TCU também adotou tal posicionamento no acórdão n. 2242/2013-Pl:
Noutro giro, versando agora sobre os limites de sanção correlata prevista na Lei do Pregão (Lei 10.520/02, art. 7º - impedimento de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios), e diante da possibilidade de que o Serpro/SP venha a conferir demasiado alcance a esse dispositivo, consignou o relator que "a jurisprudência deste Tribunal (Acórdãos do Plenário 739/2013, 1.006/2013 e 1.017/2013) é firme no sentido de que tal penalidade impede o concorrente punido de licitar e contratar apenas no âmbito do ente federativo que aplicou a sanção, em consonância com o que dispõe o art. 40, inciso V e § 3º, da IN SLTI 2/2010.
(grifo nosso)
Portanto, a declaração de inidoneidade, prevista no inciso IV do art. 87 da Lei n. 8666/93 é muito mais grave que a prevista no art. 7º da Lei n. 10.520/02, de modo que considera-se inexistir omissão na lei especial a fundamentar a aplicação subsidiária da Lei n. 8666/93. Ademais, por ser mais grave, não há justificativa para sua utilização com base nos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
COMPETÊNCIA PARA A APLICAÇAO DA PENALIDADE DO ART. 7º DA LEI 10.520/02
Diante dos argumentos até aqui expostos, verifica-se que não se pode confundir a penalidade do art. 87, IV da Lei n. 8666/93 (declaração de inidoneidade) que é da atribuição do Ministro de Estado, segundo estabelece o art. 87, § 3º do mesmo diploma legal, com a pena do art. 7º da Lei n. 10.520/02 (impedimento de licitar e contratar com a União).
A despeito disso, existem entendimentos de que o art. 87, §3º da Lei n. 8666/93 deveria ser utilizado, por analogia, para se definir a competência para aplicação da penalidade da Lei do Pregão, em função da omissão desta lei especial em indicar a autoridade competente.
Entretanto, tendo em conta que sua abrangência não é a mesma da declaração de inidoneidade, acreditamos haver incoerência defender que a penalidade da Lei do Pregão seria da competência do Ministro de Estado. Ora, como se constituem em modalidades distintas, não deve haver o mesmo tratamento jurídico, sobretudo se defender a aplicação analógica do art. 87, §3º da Lei n. 8666/93.
A título de exemplo, confira-se a doutrina Ronny Charles Lopes de Torres (Salvador, 2009, p. 410) que, citando o Decreto nº 48.999/2004, do Estado de São Paulo, que fixa a competência para a aplicação das penalidades previstas no art. 7º da Lei nº 10.520/02, autorizando a delegação aos chefes de gabinete ou dirigentes das unidades orçamentárias, defende que:
(...), o “espírito” da Lei nº 10.520/02 parece permitir regulamentação no sentido de que a competência para a aplicação das sanções previstas em seu artigo 7º seja fixada nas figuras de autoridades hierarquicamente inferiores àquelas descritas pelo § 3º do artigo 87 da Lei nº 8.666/93.
No mesmo sentido, Jorge Ulisses Jacoby Fernandes (Belo Horizonte, 2006) que, ao tratar da penalidade de impedimento de licitar e contratar constante do art. 7º da Lei nº 10.520/02, apresenta ao seguinte entendimento:
Igualmente ao que ocorre nas penalidades de suspensão e declaração de inidoneidade, nessa penalidade, o Gestor do Contrato participa apenas com a proposição e comunicações com o Contratado.
É dever do superior hierárquico do Gestor do Contrato, conjuntamente ao órgão jurídico, desenvolver o procedimento com vistas à deliberação da Autoridade máxima.
Essa Autoridade máxima da instituição, tribunal ou órgão é a responsável pela aplicação da punição.
Caso a proposta de impedimento de licitar e contratar, do Gestor do Contrato, não seja acolhida, este continuará livre para aplicar outras penalidades, o mesmo ocorrendo em relação às penalidades de multa e de suspensão.
O recurso da decisão é apreciado pela Autoridade máxima.
Este parece ser o melhor entendimento (uma autoridade do próprio órgão promotor da licitação deve aplicar a penalidade), podendo-se apenas consignar que os órgãos e entidades, diante da lacuna legal da Lei do Pregão em indicar a autoridade competente para aplicação da sanção ali disposta, devem aprovar normativos internos estabelecendo a atribuição para aplicação da referida penalidade, prevendo-se ainda a autoridade competente para julgamento de eventual recurso interposto em face da decisão sancionatória.
CONCLUSÃO
Vimos que a aprovação da Lei do Pregão provocou uma série de discussões, sobretudo no que diz respeito à aplicação subsidiárias das sanções da Lei n. 8666/93 ao procedimento do Pregão.
Como se trata de uma lei especial, deve-se priorizar o critério interpretativo da especialidade, ensejando que caso se adote o procedimento da modalidade pregão, aplique-se a sanção disposta no art. 7º da Lei n. 10.520/02.
É certo que a Lei n. 8666/93 pode ser aplicada subsidiariamente ao procedimento licitatório do Pregão, entretanto isso se dará apenas em caso de lacuna da lei especial. Houve uma lacuna legal na lei do pregão em estabelecer sanções para casos de menor gravidade, o que permite a aplicação das penas de advertência, multa e suspenção temporária de participar em licitação e impedimento de contratar ao procedimento do pregão, tendo em conta que a pena de impedimento de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal e Município pelo prazo de até 5 anos e descredenciamento do SICAF, segundo a literalidade do art. 7º da Lei n. 10.520/02, amolda-se apenas a condutas graves. Tal entendimento, ademais, é uma decorrência da observância dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
Por outro lado, a declaração de inidoneidade (art. 87, IV, da Lei n. 8666/93) é sanção mais gravosa que a da Lei do Pregão, em face de sua abrangência, não dando ensejo à aplicação subsidiária desta penalidade no procedimento do pregão, nem da aplicação analógica do art. 87, §3º, da Lei n. 8666/93 para que apenas o Ministro de Estado seja o competente para aplicação prevista na lei especial.
A penalidade do art. 7º da Lei n. 10.520/02 possui abrangência diversa e mais restrita que a da declaração de inidoneidade, recaindo sobre todos os órgãos e entes vinculados ao ente federativo aplicador da sanção, de modo que a competência para sua aplicação deve recair em autoridade integrante do órgão ou entidade sancionador, não sendo competência do Ministro de Estado.
NOTAS
[1]JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à legislação do pregão comum e eletrônico. 4ª edição. São Paulo: Dialética, 2005, p. 193.
BIBLIOGRAFIA
FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Sucinta análise das regras punitivas da Lei de Licitações e Contratos. Biblioteca Digital Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 5, n. 51, mar. 2006. Disponível em: <http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=34497>. Acesso em: 25 novembro de 2010.
JUSTEN FILHO, Marçal. Pregão: comentários à legislação do pregão comum e eletrônico. 4ª ed. São Paulo: Dialética, 2005.
JUSTEN FILHO, Marcal. Comentários à Lei de Licitação e Contratos Administrativos. São Paulo: Dialética, 2009.
NIEBUHR, Joel de Menezes. Pregão Presencial e Eletrônico. Curitiba. Zenite, 2004.
SCARPINELLA, Vera. Licitação na modalidade pregão. São Paulo: Malheiros, 2003.
TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas. 2ª ed. Salvador: Juspodium, 2009.
PROCURADOR FEDERAL. GRADUADO EM DIREITO PELA PUC-RIO, POS GRADUADO EM DIREITO PUBLICO PELO IDP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARBACH, Mauricio Neves. Prevalência do Art. 7º da Lei n. 10.520/02 sobre o Art. 87, IV, da Lei n. 8666/93 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 dez 2014, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42812/prevalencia-do-art-7o-da-lei-n-10-520-02-sobre-o-art-87-iv-da-lei-n-8666-93. Acesso em: 23 dez 2024.
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