RESUMO: O presente trabalho tem como fito analisar a Instrução Normativa 117 do Departamento Nacional de Registro do Comércio, mais especificamente o item 1.2.11, o qual limita a constituição de EIRELI apenas a pessoas naturais. Pretende-se argumentar que tal recomendação às Juntas Comerciais é ilegal encontrando-se flagrante contradição com o art. 980-A do Código Civil e com as mais simples regras de hierarquia das normas.
PALAVRAS CHAVES: Direito Empresarial. Empresa Individual de Responsabilidade Limitada. Departamento Nacional de Registro do Comércio. Instrução Normativa.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. BREVÍSSIMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DA EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA; 3. A IMPROCEDENCIA DA INSTRUÇÃO NORMATIVA 117 DEPARTAMENTO NACIONAL DE REGISTRO DO COMÉRCIO; 4. CONCLUSÃO; 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1. INTRODUÇÃO
Desde muito, a doutrina especializada e a sociedade empresária tem discutindo a necessidade de solucionar o problema enfrentado pelos empresários individuais, qual seja, o risco ilimitado e pessoal que devem assumir perante credores por dívidas contraídas pela empresa. Na tentativa de afastar esta dificuldade, eram criadas sociedades fictícias, nas quais havia um sócio titular da quase totalidade do capital social, em quem eram concentrados o poder e a administração, e um sócio “laranja”, sem nenhum interesse na atividade, útil apenas para atender o requisito legal da pluralidade de pessoas. Garantia-se, assim, que o patrimônio pessoal dos sócios, principalmente do sócio controlador, não fosse afetado por obrigações contraídas pela empresa, bem como a possibilidade de desfrutar de um regime fiscal ou social mais vantajoso. Entretanto, este artifício gerava uma movimentação desnecessária das Juntas Comerciais e, por vezes, do judiciário.
Na tentativa de solucionar este problema, a Lei 12.441/2011 criou um novo tipo de pessoa jurídica, a saber, a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI), tornando possível a uma única pessoa, titular de todo capital social, constituir uma empresa, cujo patrimônio será o único núcleo de responsabilidade perante credores. Apesar das inúmeras críticas formuladas pela doutrina especializada e pelo meio empresarial, não há dúvidas de que este é um importante passo do legislador brasileiro, pois a) estimula o empreendedorismo, ao reduzir a exposição patrimonial do empresário individual, b) possibilita o cálculo de risco do investimento realizado pelo indivíduo e c) reduz o número de sociedades limitadas de fachada[1] .
Depois da entrada em vigência da Lei 12.441/2011, é notável o crescente número de EIRELIs sendo constituídas. A título de exemplo, segundo dados fornecidos pela Junta Comercial de Minas Gerais, no ano de 2012, foram constituídas, no estado, 2.608 EIRELIs, aproximadamente 5.10% do total de novas empresas criadas naquele ano. A mesma pesquisa revela que este número aumentou no ano de 2013, visto que foram constituídas 3.792 novas EIRELIs, sendo, aproximadamente, 7.50% do total de empresas criadas.Os números continuam aumentando, uma vez de janeiro a outubro de 2014, foram constituídas 4.052 EIRELIs, aproximadamente 10.50% do total de empresas criadas naquele período[2].
Entretanto, acredita-se que estes números seriam maiores não fosse alguns empecilhos quanto à constituição deste novo tipo de pessoa jurídica. Uma das dificuldades encontradas refere-se ao capital social mínimo exigido para constituição de EIRELI (não inferior a 100 (cem) vezes o valor do maior salário mínimo vigente no país), que já é matéria da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4637. Outro obstáculo, que será objeto deste trabalho, trata da possibilidade da constituição desta empresa por pessoa jurídica, ante a Instrução Normativa (IN) nº 117 de 2011, aprovada pelo Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC).
2. BREVÍSSIMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DA EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABLIDADE LIMITADA
A atividade empresarial conhecia apenas dois mecanismos: o Empresário Individual, com a consequente confusão patrimonial, e o Direito Societário, com sua autonomia patrimonial. No entanto, tais mecanismos obstavam pequenos empreendedores quando pretendiam explorar o mercado.
Com a EIRELI, pretendeu-se facilitar o empreendedorismo, com vistas a permitir a uma única pessoa constituir pessoa jurídica sem a participação de outro sócio. Desta forma, almejou-se eliminar a figura do sócio “laranja”, aquele que possuiu uma pequena participação no capital social objetivando, apenas, atender ao pressuposto legal da pluralidade de pessoas.
Com efeito, a Lei 12.441/2011 criou, no Código Civil, o art. 980-A seguido por seis parágrafos, os quais determinam a forma e requisitos da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada. Vejamos:
Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidadelimitada será constituída por uma únicapessoa titular da totalidade do capital social, devidamenteintegralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigenteno País.
Desta forma, percebem-se, de plano, dois requisitos para constituição da EIRELI:a)unipessoalidade e b) capital social integralizado não inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no país. O primeiro requisito, unipessoalidade, refere-se à exigência de que esta pessoa jurídica deve ter um único titular, o qual, por óbvio, será, também, o titular do capital social da empresa. O segundo requisito, estipula o valor mínimo do capital social que deve estar devidamente integralizado no ato do registro.
Após o registro na Junta Comercial, a EIRELI terá personalidade jurídica própria, ou seja, as obrigações da empresa não se confundirão com as de seu titular. Sendo assim, a responsabilidade do titular da EIRELI é limitada ao valor do capital social integralizado. Desta forma, o legislador garantiu que o patrimônio do titular não seja afetado, ao contrário do que acontece com o empresário individual.
Noutro giro, a EIRELI pode ser constituída de forma originária ou de forma derivada. Na primeira hipótese, a empresa será registrada na Junta Comercial, observando os requisitos para sua constituição. Na segunda hipótese, a EIRELI será resultante de concentração de quotas de outra sociedade, conforme regulamenta o §3ºdo art. 980-A:a empresa individual poderá resultar da concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio, independentemente das razões que motivaram tal concentração.O sócio remanescente deverá, para tanto, no prazo de 180 dias, requerer a transformação de sua empresa em EIRELI ou empresa individual, conforme art. 1033, parágrafo único do Código Civil.
Uma vez constituída, a EIRELI poderá atuar em diferentes atividades econômicas, conforme estabelece § 5º do art. 980-A. Senão, vejamos:
§ 5º Poderá ser atribuída à empresa individual de responsabilidade limitada constituída para a prestação de serviços de qualquer natureza a remuneração decorrente da cessão de diretos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz de que seja detentor o titular da pessoa jurídica, vinculados à atividade profissional.
Ademais, importante ressaltar que, no que couber, aplicar-se-ão à EIRELI as regras previstas para a Sociedade Limitada, conforme regulamenta art. 980-A § 6º do Código Civil.
3. A IMPROCEDÊNCIA INSTRUCÃO NORMATIVA 117 DO DEPARTAMENTONACIONAL DE REGISTRO DO COMÉRCIO
Prontamente a entrada em vigência da Lei 12.441/2011 que instituiu a EIRELI, o DNRC aprovou, por meio da IN nº 117, o Manual dos Atos de Registro da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada que deverá ser observado pelas Juntas Comerciais.
Em decorrência deste Manual, a sociedade jurídica vem sofrendo um impasse. O embaraço encontra-se, especificamente, no item 1.2.11 onde consta que “não pode ser titular de EIRELI a pessoa jurídica, bem assim a pessoa natural impedida por norma constitucional ou por lei especial”. Confirmando tal dispositivo, a 5º Jornada de Direito Civil, realizada entre os dias 8 e 10 de novembro de 2011, articulou-se nos seguintes termos: “Enunciado 468 – Art. 980-A. A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada só poderá ser constituída por pessoa natural”.
Entretanto, a redação do Projeto de Lei 4.605/2011, que resultou na publicação da Lei 12.441/2011, constava que a EIRELI seria constituída por um único sócio, pessoa natural. No entanto, devido a algumas alterações sofridas pelo projeto, o termo “pessoa natural” foi suprimido do art. 980-A. Senão, veja-se redação atual do dispositivo já transcrito anteriormente.
No direito privado, vigora a máxima de que tudo que não é proibido em lei é permitido, de modo que não se faz necessário ao legislador antecipar todos os atos possíveis de serem praticados e os autorizar expressamente. A intenção é permitir que os destinatários da norma inovem, complementem a lei, tendo em vista, sempre, integração do direito privado com a dinâmica social[3][4].
A palavra pessoa que, no plural, dá título ao Livro I da parte Geral do Código Civil abarca tanto pessoa natural (Título I do Livro I da Parte Geral do Código Civil) quanto pessoa jurídica (Título II do Livro I da Parte Geral do Código Civil). Sendo assim, percebe-se que ao eliminar de seu texto o termo “pessoa natural” o legislador tinha a clara intenção de permitir a constituição da EIRELI pelos dois gêneros acima mencionados. Tanto é, que quando quis citar as pessoas naturais ele o fez, como se vê no §2º do art. 980-A.
De outra feita, é forçoso lembrar as mais simples regras de hierarquia das normas. Recorda-se, portanto, que as leis ordinárias estão acima das resoluções. Consequentemente, não cabe ao DNRC, por meio da IN nº 117, proibir algo que o Código Civil deixou em aberto. Sua missão é apenas operacionalizar a aplicação da lei e não modificá-la.
Além disso, nota-se que a Lei 12.441/2011 foi inspirada na experiência de outros países (França, Portugal e Espanha, por exemplo) que admitem a constituição de EIRELI por pessoa jurídica. Deste modo, se nações, objeto de inspiração para a norma brasileira, onde a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada já é legalizada há mais tempo não limitaram sua constituição apenas a pessoas naturais, não há justificativa plausível para que o Brasil assim o faça.
Noutro diapasão, adverte-se que o direito brasileiro já permite a criação de uma pessoa jurídica por outra pessoa jurídica. Este é o caso da subsidiária integral, título da Seção V da Lei de Sociedades Anônimas (LSA), onde se lê que “a companhia pode ser constituída, mediante escritura pública, tendo como único acionista sociedade brasileira.” (art. 251 da LSA). Deste modo, entre a subsidiária integral e a EIRELI constituída por pessoa jurídica não há grandes diferenças, apenas o fato de que a primeira deve ser sociedade anônima.
Se o legislador tinha como objetivo reduzir as dificuldades das relações empresariais e fomentar o empreendedorismo, não há sentido limitar a constituição da EIRELI apenas por pessoas jurídicas. Sendo assim, acredita-se que a proibição de constituição de EIRELI por pessoas jurídicas pelo DNRC é inadmissível e só vem a prejudicar o mercado empresarial.
Aliás, a despeito da orientação do DNRC, a jurisprudência vem posicionando-se favoravelmente à constituição de EIRELI por pessoa jurídica. Este foi o entendimento proferido em decisão liminar da Justiça Comum do Rio de Janeiro, que garantiu a uma consultoria norte-americana da continuidade ao processo de transformação de sua Empresa Limitada em EIRELI:
Decorrendo, pois, do princípio constitucional da legalidade a máxima de que ´ninguém é obrigado a fazer, ou deixar de fazer algo, senão em virtude de lei´, não cabia ao DNRC normatizar a matéria inserindo proibição não prevista na lei, que lhe é hierarquicamente superior, a qual se propôs a regulamentar. A opção do legislador, em não proibir a constituição da EIRELI por pessoa jurídica, fica ainda mais clara quando se verifica que o texto original do Projeto de Lei nº 4.605/09, que culminou na Lei nº 12.441/11, dispunha expressamente que a EIRELI somente poderia ser constituída por uma pessoa natural, ou seja, espécie do gênero, pessoa, que também abrange a espécie pessoa jurídica. Tendo havido supressão do termo ´natural´ do texto final da lei, pode-se concluir que o legislador pretendeu com tal ato, permitir/não proibir a constituição da EIRELI por qualquer pessoa, seja ela da espécie natural, seja ela da espécie jurídica. (Trecho da liminar proferida no processo nº 0054566-71.2012.8.19.0001 da Justiça Comum do Rio de Janeiro).
4. CONCLUSÃO
Diante do exposto, não resta dúvidas de que a criação da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada pelo ordenamento pátrio foi um grande avança na atividade econômica do Brasil, uma vez que incentivou o empreendedorismo.
Entretanto, se o intuito do legislador foi facilitar as relações empresariais, a limitação imposta pela DNRC por meio da IN 117 em nada ajudou. Como já demonstrado, a limitação de constituição de EIRELIS apenas a pessoas naturais é descabida, pois se o legislador não vedou a constituição por pessoas jurídicas, mas a permitiu implicitamente na redação do art. 980-A.
Deste modo, a Instrução Normativa 117 de 2011 do DNRC mostra-se ilegal, em flagrante contradição com o Código Civil e as mais simples regras de hierarquia das normas. Portanto, defendemos que a constituição de EIRELI por pessoas jurídicas é perfeitamente possível.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAÙJO, Mariana Rezende de. EIRELI: uma análise crítica e perfunctória dos seus aspectos gerais e relevantes. Revista Científica da Escola de Direito, ed. 2013.
BRASIL. Código Civil. São Paulo. Saraiva: 2013.
BRASIL. Constituição da República Federal. São Paulo. Saraiva: 2013.
BRASIL. Departamento Nacional de Registro do Comércio. Instrução Normativa nº 117 de 22 de novembro de 2012. Aprova o Manual dos Atos de Registro da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada.
BRASIL. Lei nº 12.441, de 11 de julho de 2011. Altera a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para permitir a constituição de empresa individual de responsabilidade limitada.
BRASIL. Projeto de Lei nº 4.605, de 4 de fevereiro de 2009. Acrescenta um novo artigo 985-A ao Código Civil, para instituir a empresa individual de responsabilidade limitada.
CATEB, Alexandre Bueno, JUNIOR, Ananias Castro, REZENDE, Pedro Henrique. A ineficiência da proibição de constituição por pessoa jurídica. Uma análise econômica da instrução normativa n. 117 do DNRC.
PIPOLO, Henrique Afonso. Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI): breves considerações e reflexões. Revista Jurídica da Unifil, ano IX. nº 9, 2012.
[1]CATEB, Alexandre Bueno; CASTRO, Júnior Ananias; REZENDE, Pedro Henrique. A ineficiência da proibição de constituição de EIRELI por pessoa jurídica. Uma análise econômica da instrução normativa n. 117 do DNRC.
[2]Disponível em: http://www.jucemg.mg.gov.br/ibr/informacoes+estatisticas+estatisticas. Acesso em 01/12/2014.
[3]CATEB, Alexandre Bueno; CASTRO, Júnior Ananias; REZENDE, Pedro Henrique. A ineficiência da proibição de constituição de EIRELI por pessoa jurídica. Uma análise econômica da instrução normativa n. 117 do DNRC.
Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FREIRE, Estela Cardoso. Da constituição de EIRELI por pessoa jurídica: um estudo da procedência da Instrução Normativa nº 117 do Departamento Nacional de Registro do Comércio Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 jan 2015, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42829/da-constituicao-de-eireli-por-pessoa-juridica-um-estudo-da-procedencia-da-instrucao-normativa-no-117-do-departamento-nacional-de-registro-do-comercio. Acesso em: 23 dez 2024.
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