RESUMO: O presente artigo analisará a necessidade de gozar de estabilidade servidor designado para atuar como representante da administração no acompanhamento e fiscalização dos contratos. Em função do art. 67 da Lei n. 8666/93, deve a administração nomear um representante para acompanhar e fiscalizar o contrato celebrado. Indaga-se, assim, se este representante precisa ser servidor efetivo e gozar de estabilidade.
Palavras-chaves: Administrativo. Licitação. Representante da Administração. Servidor. Estabilidade.
INTRODUÇÃO
O procedimento administrativo licitatório, regulado pela Lei n. 8666/93, em seu art. 67, impõe a designação de um representante da administração para acompanhar e fiscalizar a execução de um contrato. O artigo legal, todavia, não é claro ao definir os requisitos que devem possuir esses representantes nomeados, utilizando-se apenas da denominação “representante da administração”. Assim, cabe ao intérprete buscar uma resposta jurídica, utilizando-se dos métodos interpretativos, a fim de saber se a legislação exige ou não que este representante seja servidor efetivo estável.
DESENVOLVIMENTO
Dispõe o art. 67 da Lei n. 8666/93:
Art. 67 A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição.
§ 1º O representante da Administração anotará em registro próprio todas as ocorrências relacionadas com a execução do contrato, determinando o que for necessário à regularização das faltas ou defeitos observados.
§ 2º As decisões e providências que ultrapassarem a competência do representante deverão ser solicitadas a seus superiores em tempo hábil para a adoção das medidas convenientes.
Diante de uma interpretação literal do dispositivo, de plano, já deve ser afastado o posicionamento quanto à necessidade de estabilidade do servidor para que este possa ser designado como representante da administração responsável pela fiscalização do contrato, pois pela letra da lei não se impõe tal condicionante para o exercício desta atribuição.
Também nas disposições da IN/SLTI/MPOG n. 02/2008, que dispõe sobre regras e diretrizes para a contratação de serviços, continuados ou não, no capítulo atinente ao acompanhamento e fiscalização da execução dos contratos, também não houve menção expressa quanto à exigência de estabilidade como requisito para indicação do fiscal do contrato. A denominação utilizada pela instrução referiu-se apenas que o exercício deste encargo deve ser conduzido por um representante da administração, sem que houvesse qualquer menção quanto à estabilidade ou não deste representante.
Disso resulta a conclusão de que, expressamente, a lei não estabeleceu qualquer exigência sobre esta qualidade de estabilidade do servidor efetivo, encarregado do acompanhamento e fiscalização do contrato.
Uma interpretação sistemática da legislação, do mesmo modo, conduz-nos ao mesmo entendimento: da desnecessidade de se exigir a qualidade de servidor estável do responsável pelo ônus de fiscalização do contrato administrativo.
Vale lembrar que a interpretação sistemática consiste em considerar o preceito jurídico interpretando como parte do sistema normativo mais amplo que o envolve.
Assim, cotejando a Lei n. 8666/93 com a Lei n. 8112/90, pode-se considerar que quando a condição de estabilidade para o exercício de determinados encargos/atribuições por servidor público é exigida esta vem exposta de maneira expressa, como ocorre nos arts. 133, 149 e o revogado art. 91.
Registre-se também que o art. 51 da Lei n. 8666/93, ao disciplinar a constituição da comissão de licitação, exigiu que pelo menos dois de seus membros sejam pertencentes aos quadros permanentes dos órgãos da Administração responsável pela licitação. Note-se que a qualidade dos servidores que devem integrar a comissão veio de maneira explícita na legislação, não dando o legislador qualquer margem ao intérprete para compor-se de maneira diversa.
Por conseguinte, podemos concluir no sentido de que esta condição de estabilidade do servidor não pode ser exigida se não estiver expressa na lei, na medida em que diversos dispositivos demonstram que a legislação sempre, ao exigir este requisito, o fez de maneira expressa.
Portanto, sob o ponto de vista da interpretação literal e sistemática das normas, o entendimento de que o art. 67 da Lei n. 8666/93 exige a designação de servidor estável para fiscalização dos contratos é equivocado. Não há uma exigência expressa na lei de licitações acerca desta condição do servidor para ser designado fiscal do contrato.
Ademais, o Estatuto dos Servidores Federais demonstra que, quando o ordenamento assim deseja, a condição de estabilidade do servidor como requisito para sua escolha para assumir determinadas atribuições, em detrimento da indicação de servidor ainda em estágio probatório, vem exposta de maneira expressa no bojo da legislação e não de maneira dedutiva.
O próprio manual de Licitações e Contratos do TCU (4ª Ed. – Revista, atualizada e ampliada, p. 780) também não consigna este entendimento em seu bojo:
É dever da Administração acompanhar e fiscalizar o contrato para verificar o cumprimento das disposições contratuais, técnicas e administrativas, em todos os seus aspectos, consoante o disposto no art. 67 da Lei nº 8.666/1993.
Acompanhamento e fiscalização de contrato são medidas poderosas colocadas à disposição do gestor na defesa do interesse público.
Toda execução do contrato deve ser fiscalizada e acompanhada por representante da Administração, de preferência do setor que solicitou o bem, a obra ou o serviço.
Deve ser mantida pela Administração, desde o início até o final da execução do contrato, equipe de fiscalização ou profissional habilitados, com experiência técnica necessária ao acompanhamento e controle do objeto contratado. Os fiscais designados podem ser servidores da própria Administração ou contratados especialmente para esse fim.
Passando para o plano jurisprudencial, podemos citar diversos acórdãos do TCU que exigiram dos gestores a designação de servidores para atuarem como fiscais do contrato, sem que qualquer deles fizesse menção quanto à necessidade de estabilidade do servidor como condição para assumirem esse encargo:
Designe, em atenção à disposição legal contida no art. 67 da Lei nº 8.666/1993, representantes da administração para acompanhar e fiscalizar a execução dos serviços e mantenha essa designação atualizada.
Aperfeiçoe os mecanismos existentes tornando-os transparentes, seguros e rastreáveis de modo a permitir verificar quantidade e qualidade dos serviços prestados e somente pague os serviços prestados na totalidade, mediante evidência documental da realização dos serviços contratados, de acordo com a qualidade prevista no edital da licitação e após o efetivo controle dos fiscais do contrato, conforme disposto nos arts. 66 e 67 da Lei nº 8.666/1993.
Exija formalmente das empresas contratadas a designação de preposto a ser mantido no local dos serviços, para representá-las durante a execução do contrato de prestação de serviços, em atenção à disposição contida no art. 68 da Lei nº 8.666/1993 e ao disposto no Decreto nº 2.271/1997, art. 4º, inciso IV.
(Acórdão 265/2010 Plenário)
Cumpra fielmente o disposto no art. 67 da Lei 8.666/1993, no sentido de designar funcionário da Entidade para o acompanhamento e a fiscalização dos contratos de terceirização de serviços.
(Acórdão 775/2009 Plenário)
(...) cumpra o disposto no art. 67 da Lei 8.666/1993, no sentido de designar funcionário para o acompanhamento e a fiscalização dos contratos de terceirização de serviços, em especial nos contratos similares ao versado neste processo. Tal medida, além de conferir maior segurança à execução contratual, viabiliza a eventual responsabilização administrativa interna, em caso de falhas que possam ocasionar prejuízo à Empresa.
(Acórdão 775/2009 Plenário) (Voto do Ministro Relator)
Mantenha fiscal formalmente designado durante toda a vigência dos contratos celebrados pela entidade, em atenção aos arts. 67 da Lei nº 8.666/1993, e 6º do Decreto nº 2.271/1997.
(Acórdão 670/2008 Plenário)
Nomeie servidor para atuar na condição de fiscal de contrato, em atendimento ao disposto no art. 67 da Lei nº 8.666/1993.
(Acórdão 100/2008 Plenário)
Atente para o disposto no art. 67 da Lei nº 8.666/1993, tendo em vista que a execução dos contratos administrativos deve ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado para tanto.
(Acórdão 935/2007 Plenário)
Verifica-se do texto da Lei nº 8.666/1993, art. 67, que o dever atribuído ao representante da administração para o acompanhamento e fiscalização da execução do contrato não deixa margem a que possa esse representante sucumbir a pressões. É dele a responsabilidade pelo fiel cumprimento de cláusulas contratuais, cabendo-lhe, inclusive, adotar providências no sentido da correção de falhas observadas.
(Acórdão 994/2006 Plenário) (Voto do Ministro Relator)
Designe formalmente um servidor para acompanhar a execução de cada contrato de prestação de serviço, sendo o dito servidor responsável pela observância do fiel cumprimento de todas as cláusulas contratuais e tendo a obrigação de comunicar aos setores de direito quando não acontecer dessa forma, com o propósito de dar cabal cumprimento ao art. 6º do Decreto nº 2.271/1997 e ao art. 67 da Lei nº 8.666/1993.
(Acórdãos 555/2005 Plenário)
Faça constar dos processos de contratação comprovante da designação do representante da Administração responsável pelo acompanhamento e fiscalização da execução do respectivo contrato, em observância às exigências contidas nos arts. 58, inciso III, e 67 da Lei nº 8.666/1993.
(Acórdão 642/2004 Plenário)
Devem os contratos ser executados com o devido acompanhamento e fiscalização a cargo de um Representante da Administração especialmente designado para esse fim, conforme exigido pelo art. 67 da Lei nº 8.666/1993.
(Acórdão 212/2009 Segunda Câmara)
Faça com que a execução dos contratos, notadamente os de obras e de serviços, seja acompanhada e fiscalizada por representante designado formalmente, conforme estabelecido no art. 67 da Lei nº 8.666/1993.
(Acórdão 1130/2004 Segunda Câmara)
Junte aos processos pertinentes o ato de designação do representante da Administração encarregado de acompanhar e fiscalizar a execução dos contratos celebrados pelo órgão, conforme estabelece o caput vdo art. 67 da Lei nº 8.666/1993.
(Acórdão 1105/2004 Segunda Câmara)
Designe um representante da Administração para acompanhar e fiscalizar a execução dos contratos, conforme estabelece o art. 67 da Lei nº 8.666/1993.
(Acórdão 1072/2004 Segunda Câmara)
Promova o efetivo acompanhamento e fiscalização de sua execução, designando profissional tecnicamente capacitado a fiscalizar os projetos, nos termos do art. 23 da IN/STN 01/97 e da Portaria Interministerial nº 127, de 29 de maio de 2008, arts. 51 a 54.
(Acórdão 4067/2009) Segunda Câmara (Relação)
Adote providências no sentido de orientar o servidor responsável pela fiscalização de todos os contratos na unidade para que elabore, periodicamente, relatórios de acompanhamento de execução dos referidos instrumentos, bem como exerça efetiva fiscalização dos contratos, consoante preconiza o art. 67, caput, da Lei nº 8.666/1993.
(Acórdão 3966/2009) Segunda Câmara (Relação)
Por fim, denota-se que o entendimento de alguns órgãos do governo federal no sentido de exigir estabilidade do servidor estável para ser fiscal do contrato ao mesmo tempo que permite que este “representante da administração” possa ser servidor comissionado, empregado público ou até mesmo servidores temporários (contratados pela Lei n° 8745/93) é incoerente.
Confira-se o trecho do material:
REPRESENTANTE DA ADMINISTRAÇÃO- Interpretando os diplomas legais existentes, em especial, o artigo 37 da Constituição Federal, o inciso III do artigo 58 c/c o artigo 67, ambos da Lei n° 8.666/93, e, ainda, a Instrução Normativa da SLTI n° 02/2008, que dispõe de regras para a contratação de serviços continuados ou não, infere-se que o “representante da administração” deverá ter vínculo com a Administração Pública devendo, portanto, ser servidor estável, comissionado ou empregado público. É possível, também, de acordo com o entendimento do Ministério do Planejamento, a designação de servidores temporários (contratados pela Lei n° 8745/93)
Ora, servidor comissionado, empregado público (segundo entendimento do STF no RE 589.998) e servidores temporários jamais adquiriram a estabilidade do art. 41 da CF. O primeiro por ser cargo de livre nomeação e exoneração, não sujeito à regra do concurso público. O segundo por não se lhes aplicar o art. 41 da CF, que expressamente se refere aos servidores ocupantes de cargo efetivo e não emprego público (entendimento consagrado no RE 589.998). E o terceiro por ser seu vínculo com a administração temporário.
Assim, se se admite que o representante da administração responsável pelo acompanhamento e fiscalização do contrato administrativo pode ser ocupante de cargo comissionado, empregado público ou servidor temporário, que não gozam de estabilidade, não há motivos para exigir esta qualidade do servidor ocupante de cargo efetivo.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, conclui-se que o art. 67 da Lei n. 8666/93 não exige estabilidade para que o servidor ocupante de cargo efetivo atue como representante da Administração no acompanhamento e fiscalização do contrato.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito – Técnica, Decisão e Dominação. 6ª edição. São Paulo: Atlas, 2008. (cap. 5)
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
LICITAÇOES E CONTRATOS: Orientações e Jurisprudência do TCU. 4ª ed. Ver. Atual. E ampl. Brasília, 2010.
PROCURADOR FEDERAL. GRADUADO EM DIREITO PELA PUC-RIO, POS GRADUADO EM DIREITO PUBLICO PELO IDP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARBACH, Mauricio Neves. Da desnecessidade de o representante da Administração nomeado por força do art. 67 da Lei 8666/93 ser servidor estável Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 jan 2015, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42848/da-desnecessidade-de-o-representante-da-administracao-nomeado-por-forca-do-art-67-da-lei-8666-93-ser-servidor-estavel. Acesso em: 23 dez 2024.
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