RESUMO: O presente trabalho aborda como tema “A efetividade da audiência preliminar na Lei Maria da Penha”, procurando responder a seguinte problemática: Há efetividade na audiência preliminar da Lei Maria da Penha? Assim, o objetivo geral deste estudo visou demonstrar se há eficácia na realização da audiência preliminar no âmbito da Lei nº 11.340/2006. No alcance do objetivo geral, foram desenvolvidas as seguintes etapas: estudar a evolução histórica, social e jurídica da mulher; analisar os aspectos gerais da Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha); compreender a audiência preliminar e discorrer seus principais pontos e reflexos em face da mulher brasileira e, por fim, efetuar uma análise crítica acerca da violência doméstica e familiar contra a mulher. A relevância do estudo se justifica exatamente pela constante onda de violência contra a mulher que assola todo o país e, apesar da criação da Lei Maria da Penha, muitas ainda temem procurar a justiça para se protegerem ou, quando procuram, voltam atrás, oportunidade obtida através da audiência preliminar. De tal modo, como hipótese a ser verificada tem-se a ineficiência da lei em comento ao permitir a retratação da ofendida por via de audiência preliminar. Para a construção do trabalho foi utilizado o método dialético, com pesquisas bibliográficas e documentais baseadas na consulta de fontes primárias e secundárias, tais como livros, revistas, artigos de internet e leis, além de efetuar uma abordagem multidisciplinar, envolvendo as áreas de conhecimento de Direito Constitucional, Civil, Penal e Processual Penal.
Palavras-chave: Lei Maria da Penha. Audiência Preliminar. Efetividade.
INTRODUÇÃO
O Direito é o ramo do conhecimento que regulamenta as normas necessárias ao corpo social, já que dita regras necessárias à convivência em sociedade. Assim, o Direito é uma matéria de suma importância para a vida da população. As regras sociais são de extrema importância, pois mesmo diante da evolução do homem, ainda é necessário que o Estado tente reduzir as patologias sociais, que ao longo dos anos foram sendo controladas, porém nunca deixaram de existir.
Desde o início da civilização a sociedade sempre foi cheia de inúmeros preconceitos, formadora de opiniões absurdas, referente à raça, nacionalidade, nível social, aparência física, sexo e inúmeras outras coisas, e a mulher, sem dúvidas, foi um dos grandes alvos da discriminação.
Diante das relações de afeto, a hipossuficiência da mulher ainda existe, e é percebida, principalmente diante dos atos cruéis de violência doméstica e familiar, que acontecem a todo instante e não se limita a agressões físicas, como era a princípio. Para sanar essa deficiência da sociedade, foi criada a Lei 11.340 em 2006, vulgarmente conhecida como Lei Maria da Penha, cujo nome adveio de uma mulher qual sofreu na pele as dores e consequências da violência doméstica e foi fundamental para construção de uma nova legislação que protegesse as mulheres de violência doméstica e familiar.
Refletir sobre a Lei Maria da Penha, seus aspectos e o seu campo de atuação, é de suma importância, uma vez que se trata de um assunto frequentemente discutido, tamanha a porcentagem de violência doméstica sofrida pelas mulheres em todo país, contribuindo assim para o desenvolvimento de mais pesquisas sobre o tema.
1- EVOLUÇÃO SOCIAL E JURÍDICA DA MULHER (BRASILEIRA) ATÉ O ADVENTO DA LEI Nº 11.340/06.
A mulher cada vez mais vem conquistando seu lugar na sociedade, no mercado de trabalho, no meio político, em funções que jamais poderíamos acreditar que seria ocupada por mulheres. Em linhas gerais, é cada vez maior o espaço conquistado no mundo pela forte determinação da mulher.
1.1. A discriminação contra a mulher e a evolução de seus direitos no ordenamento brasileiro.
Desde os primórdios da civilização a mulher sempre foi discriminada, considerada como coisa, por vezes apenas objeto masculino, chegando, inclusive, a ser comercializada. A história de discriminação contra a mulher em um contexto social é milenar, ocorrendo em diversas áreas, como na biologia, teologia e, sobretudo no âmbito jurídico.
Nesse sentido, o homem tinha o domínio e a mulher era reprimida, sendo indiscutível o fato de que a mulher, ao longo da evolução social, fora menosprezada, conforme explanado por Castro[1] ao afirmar que “não há, de fato, um único segmento da historicidade dos povos onde não se verifique um elo da imensurável cadeia de estereótipos e distorções que conduz a sufocante e brutal opressão da mulher.” De fato, a nação foi inteiramente masculinizada, provocando através dos séculos a exclusão da mulher na sociedade.
No início do século XIX, surgiu na Inglaterra e nos Estados Unidos da América um movimento sociopolítico em defesa e ampliação aos direitos da mulher, que tinha como principal objetivo conquistar direitos civis, como o voto e o acesso a cursos de ensino superior. Para os adeptos ao movimento feminista, as diferenças entre os sexos não se davam apenas nas relações de subordinação na vida profissional, social e muito menos no ambiente familiar.
O movimento procurou reforçar a identidade sexual feminina negando a relação de hierarquia entre o homem e a mulher. Defende, ainda, que as qualidades ditas femininas ou masculinas sejam vistas como atributos do indivíduo e não de um ou outro sexo. Ocupa-se de questões como sexualidade, controle da natalidade e violência contra mulheres. Embora tenha alcance internacional, o movimento feminista não é unificado nem possui uma organização central. Caracteriza-se pela auto-organização das mulheres em múltiplas frentes. A emancipação feminista denunciou casos de violência física e psíquica da mulher, tentou eliminar a diferença entre ser superior e inferior, reclamou o direito ao aborto e a cargos de chefia[2]. (MATOS, GITAHY, 2007, P.77)
O movimento feminista foi um dos pioneiros e de grande importância na história da mulher, pois foi a partir dele que grandes mudanças, em relação à mulher e seus direitos, começaram a acontecer.
No século XX, depois das grandes guerras mundiais, dos avanços científicos e tecnológicos, surge irrevogavelmente a possibilidade de outro espaço para a mulher. Por volta da década de 40, o feminismo dá seus primeiros passos, e com isso começa a pensar na possibilidade de um futuro diferente daquele que lhe reservaram culturalmente e historicamente. As mulheres já vinham em um processo, lento e gradual de conquistas sociais, econômicas e jurídicas, mas é a partir de então que se intensificam as discussões e lutas pela superação da situação das mulheres. (GARCIA, 2010)
Com as modificações na sociedade pós-guerra, o homem foi adquirindo novas necessidades e, consequentemente, novos direitos também foram surgindo para acompanhar o homem moderno, em especial nas mudanças ocorridas no nosso ordenamento jurídico, com o objetivo de autenticar a mulher como cidadã, possuidora de direitos e com capacidade de exercê-los.
Firestone (1976, p.12) afirma que:
Intensificar nossa sensibilidade em relação ao sexismo traz problemas muito piores do que os que a nossa consciência do racismo trouxe para os militantes negros. As feministas tem que questionar não só toda a cultura ocidental, como a própria organização cultural e, mais, até a própria organização da natureza.
No Brasil, o feminismo era extremamente político, entrando em decadência depois de conquistado o direito de voto. Mas, ressurgiu em nosso país a partir de 1975, Ano Internacional da Mulher com o renascimento da democracia (SILVA, 2010).
De fato, o grande marco na história dos direitos femininos foi ao conquista do direito ao voto. A partir daí, a mulher passou a derrubar as barreiras do preconceito com mais entusiasmo, fazendo novas conquistas a cada dia, passando a frequentar universidades, conquistaram as profissões liberais e conquistaram também seu espaço no mercado de trabalho.
Os direitos femininos começaram a ser respeitados porque as próprias mulheres passaram a exigi-los. Desde a metade do século XIX, as mulheres mais esclarecidas fundaram grupos femininos ou revistas femininas, denunciando a desigualdade e exigindo sua emancipação da autoridade patriarcal. (MATOS, GITAHY, 2007, P.79)
Desde a primeira Constituição do Brasil, promulgada em 1891 até a atual Constituição de 1988, a família sempre teve seu espaço no ordenamento jurídico, havendo sempre uma proteção ao casamento como fonte legítima para a construção da família. Na constituição de 1934, a mulher começou a ganhar seu espaço, passando a garantir seu direito à cidadania e exercer os mesmos direitos políticos que os homens, permanecendo, contudo, ainda submissas ao poder marital. (CABRAL, 2008, p. 49-50) Entre as garantias asseguradas à mulher destacam-se a assistência médica e sanitária à gestante, folga antes e depois do parto, entre outras.
Já a Constituição de 1937, período de governo autoritário, comandado por Getúlio Vargas, tinha como objetivo o fortalecimento do Executivo e também destacava a família, para isso preconizava que a família era indissolúvel e protegida pelo Estado. Logo após o período de Getúlio Vargas, foi promulgada a Constituição de 1946, com um caráter de redemocratização do país, mantendo, todavia, a ligação indissolúvel do casamento e a proteção do Estado.
Algumas inovações em relação à mulher também foram afirmadas pela Constituição de 1946, que estabeleceu o direito a aposentadoria à mulher com 35 anos de serviço ou aos 70 anos de idade. O dispositivo que tratava da proibição de diferenciação de salário para um mesmo trabalho por motivo de sexo, idade, nacionalidade ou estado civil foi incorporado aos direitos trabalhistas das mulheres. O inadimplemento de pensão alimentícia passou a ser motivo para a prisão civil. (MATOS, GITAHY, 2007, P.80)
Mesmo com a Constituição de 1967, estabelecida pelo regime autoritário dos militares, o caráter de indissolubilidade do casamento só foi ser modificado pela Emenda Constitucional nº 9 de 1977, trazendo ao casamento o caráter dissolúvel. (CABRAL, 2008, p. 50-51)
Com a chegada da atual Constituição, promulgada em 1988, não apenas a mulher foi beneficiária, mas toda a coletividade. É fato que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 foi um grande marco na história do país, conhecida também como Constituição Cidadã, a atual Constituição passou a disciplinar direitos e garantias fundamentais.
Assim, as conquistas na vida das mulheres foram ganhando força, especialmente a tão almejada igualdade trazida pela Constituição de 1988, destacando os direitos trabalhistas como a licença maternidade, estabilidade em seus empregos em relação à gravidez, igual responsabilidade em relação aos filhos e ao sustento deles, direito a aposentadoria, entre outros relevantes direitos, buscando o legislador, com isso, diminuir a discriminação contra a mulher, embora nem sempre seja possível em sua totalidade. No que refere ao fim da discriminação contra a mulher em face da Constituição Federal de 1988, o autor Azevedo (2001, p. 63-64) faz uma ressalva:
De qualquer forma, porém, por mais que se pretendesse extinguir todo tipo de diferenças e discriminações, não era possível, como ainda não é, fazer abstração de que a mulher comporta e traz consigo característica peculiar à sua própria natureza, a maternidade, com todos os segmentos que esta proporciona, desde a gestação, até os cuidados para com o recém-nascido, depois do parto, circunstância que provoca, inevitavelmente – e por direito – o seu afastamento do trabalho regular, por período determinado.
Não há dúvidas dos ganhos advindos da atual Constituição, e um desses importantes avanços foi seu artigo 226, § 3º: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.” Nesse mesmo sentido, atualmente foi reconhecido pelo STF, com o julgamento da ADI 4277 e ADPF 132[3], o reconhecimento da união de pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.
Porém, para chegar-se até a atual situação, longas e árduas foram as lutas das mulheres brasileiras pelo direito à igualdade, embora ainda seja possível se deparar com atitudes discriminatórias com relação às mesmas. Necessário ainda salientar o espaço e a discriminação da mulher no Código Civil de 1916:
No tempo em que foi elaborado, final do século XIX, o legislador brasileiro estava preocupado com uma pequena sociedade burguesa e conservadora, tanto que admitiu, no artigo 6º, inciso II, do Código Civil Brasileiro de 1916, em sua redação original, o absurdo da mulher ser declarada relativamente incapaz, ao lado dos menores púberes, índios e pródigos. (MATOS, GITAHY, 2007, P.79)
Embora o legislador tentasse justificar a incapacidade relativa da mulher pelo fato do Código Civil de 1916 tê-la nessas condições para fins meramente formais, se sabia que tal dispositivo buscava manter o preconceito da superioridade masculina. Dentre essas leis expressamente discriminatórias existiam dispositivos que acondicionava que o poder familiar era exclusivo do marido na condição de chefe de família. Nota-se no texto legal do Código Civil de 1916:
Art. 233. O marido é o chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a colaboração da mulher, no interesse comum do casal e dos filhos. Compete-lhe:
I - A representação legal da família;
II - a administração dos bens comuns e dos particulares da mulher que ao marido incumbir administrar, em virtude do regime matrimonial adotado, ou de pacto, antenupcial
III - o direito de fixar o domicílio da família ressalvada a possibilidade de recorrer a mulher ao Juiz, no caso de deliberação que a prejudique;
IV - prover a manutenção da família, guardadas as disposições dos arts. 275 e 277.
Nota-se do dispositivo que a chefia da sociedade conjugal no Código de 1916 era exercida apenas pelo marido, enquanto que no Código Civil de 2002, passa a ser dos dois de maneira colaborativa, como sendo também a mulher responsável pelos encargos gerados pela família.
Atualmente, com o Código Civil de 2002, a mulher teve grandes conquistas, pois do novo Código elas tiveram confirmado o Princípio da Isonomia, trazendo igualdade de direitos e deveres dos cônjuges, a mesma idade para homens e mulheres contraírem casamento, a suspensão da nulidade do casamento caso o marido descobrisse o defloramento da esposa, a desnecessidade de ser obrigada a contrair o sobrenome do marido no matrimônio, dentre outros.
É facilmente perceptível que a mulher só tem obteve ganhos tanto no contexto social quanto jurídico, especialmente com o advento da Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, que veio reconhecer não a inferioridade da mulher, mas sim a sua fragilidade em relação aos homens ao se tratar de violência doméstica.
1.2. Os direitos humanos e o advento da Lei nº 11.340/06
A I Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada pela ONU em 1975, ficando este ano, conhecido como Ano Internacional da Mulher, de 1975 até o ano de 1985, foi considerado a Década das Nações Unidas para a Mulher. E foi a Conferência Mundial sobre a Mulher que surtiu resultados, como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (DINIZ, 2013, p.33).
A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, ou também conhecida como Convenção da Mulher, foi instituída pela Assembleia Geral da ONU em 18 de dezembro de 1979, e entrou em vigor em 3 de setembro de 1981 (DIAS, 2013, p.33). Tal convenção também dispõe sobre possíveis ações afirmativas no âmbito do trabalho, educação, direitos civis e políticos, saúde, família, prostituição e até mesmo conceitos sexuais.
Em 1980, aconteceu em Copenhague, Dinamarca, a II Conferência Mundial sobre a Mulher, que avaliou o plano elaborado pela primeira conferência, e incorporou outras preocupações, como questão de emprego, saúde e educação das Mulheres. A III Conferência Mundial sobre as Mulheres, realizada em Noiróbi, no Quênia, no ano de 1985, teve como objetivo avaliar os resultados da Década das Nações Unidas para a Mulher. (DIAS, 2013, p. 34)
Porém, foi em 1993, em Viana, na Áustria, que a Conferência de Direitos Humanos das Nações Unidas definiu formalmente a violência contra a mulher como violação de direitos humanos. E em 1994, aconteceu em Belém do Pará a Convenção Interamericana para prevenir, punir, e erradicar a violência doméstica.
A Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher, aprovada pela ONU, em 1993, bem como a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (“Convenção de Belém do Pará”), aprovada pela OEA, em 1994, reconhecem que a violência contra a mulher, no âmbito público ou privado, constitui grave violação aos direitos humanos e limita total ou parcialmente o exercício dos demais direitos fundamentais. Definem a violência contra a mulher como “qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico `a mulher, tanto na esfera pública, como na privada” (artigo 1 o). Vale dizer, a violência baseada no gênero ocorre quando um ato é dirigido contra uma mulher, porque é mulher, ou quando atos afetam as mulheres de forma desproporcional. Adicionam que a violência baseada no gênero reflete relações de poder historicamente desiguais e assimétricas entre homens e mulheres. (PIOVESAN, 2010, p. 78)
A referida convenção trouxe um importante rol de direitos a serem assegurados às mulheres, para que elas pudessem ter a garantia de uma vida livre de qualquer tipo de violência e discriminação, passando a violência doméstica a ser tratada como um grave problema de saúde pública.
Apesar de todos os avanços no plano internacional, o Brasil subscreveu a Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, somente em 1984. Diante dos avanços no âmbito internacional, a Lei Maria da Penha só surgiu em 2006, cumprindo o Brasil os compromissos assumidos internacionalmente. Apesar da demora na construção da norma, foi sem dúvida um grande avanço nos direitos humanos das mulheres e da família.
Todavia, a Lei nº 11.340/2006, em seu artigo 1º, não faz referência apenas a norma constitucional, mas também à Convenção de Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres e à Convenção Interamericana para Prevenir Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher.
Art. 1o Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
De fato, o que realmente impulsionou a criação da Lei Maria da Penha foi a história de luta de uma senhora chamada Maria da Penha Maia Fernandes ao encaminhar uma petição contra o Estado brasileiro, juntamente com o Centro para a Justiça e o Direito Internacional (CEJIL-Brasil) e o Comitê Latino-Americano do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM-Brasil), à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA) relativa ao caso de violência doméstica por ela sofrido, pois já haviam se passado 15 anos da agressão e ainda não havia uma decisão final de condenação pelos tribunais nacionais e o agressor ainda se encontrava em liberdade. (NERY JÚNIOR, Carlos Miranda (Coord.), p. 10).
Contudo, apesar da denúncia à OEA, o Brasil não se manifestou frente à mesma, razão pela qual foi responsabilizado por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica contra as mulheres (Informe nº 54 de 2001 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos).
As recomendações ao Brasil pela Comissão Interamericana se restringiram em finalizar o processo penal do responsável pela agressão a Maria da Penha; proceder uma investigação a fim de determinar a responsabilidade pelas irregularidades e atrasos injustificados no processo, bem como tomar as medidas administrativas, legislativas e judiciárias correspondentes. (NERY JÚNIOR, Carlos Miranda (Coord.), p. 12).
Imprescindível destacar que o caso Maria da Penha foi o primeiro caso de aplicação da Convenção de Belém do Pará, além do fato de que todos os acontecimentos realizados a nível internacional, os quais pleiteiam a tutela dos direitos das mulheres, marcaram um grande avanço na história das mulheres, além de refletirem diferentes atitudes do Brasil em relação aos tratados internacionais de direitos humanos.
1.3. Breve histórico de Maria da Penha
Por trás da Lei Maria da Penha há uma história de sofrimento e luta de mulheres guerreiras que durante anos, batalharam pelo fim da violência e que esses longos anos foram de marcas visíveis e invisíveis no corpo e na alma de cada uma delas. A Lei Maria da Penha se tornou um símbolo importante para as mulheres, pois se sentem mais protegidas e amparadas pelo Estado.
Maria da Penha Maia Fernandes, considerada uma pioneira nos direitos da Mulher, formada em farmácia e bioquímica pela Universidade Federal do Ceará, mestre em Parasitologia em Análises Clínicas pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo, mãe de três filhas, foi mais uma dentre as milhares de mulheres vítimas de violência doméstica no Brasil. (HERMAN, 2008, p.18).
Casada com um professor de economia colombiano, o qual iniciou a agredi-la com violência psicológica e verbal e já no quarto ano de casamento com agressões físicas, Maria da Penha foi vítima de seu esposo, em maio de 1983, com um tiro nas costas, o que a deixou em uma cadeira de rodas, afirmando o mesmo, à época do delito, que o casal foi vítima de assalto, chegando inclusive a ferir com uma faca para simular um ferimento à bala, o que fez Penha acreditar em sua versão. Na segunda tentativa, o seu então marido, passado alguns meses, tentou eletrocutar Maria da Penha durante o banho, motivo que desencadeou a mesma a ter coragem para se separar e denunciar a violência (NERY JÚNIOR, Carlos Miranda (Coord.) p. 09).
Por conseguinte, Maria da Penha iniciou uma longa jornada em busca de seu principal objetivo, qual seja a condenação de seu agressor. Após anos de espera por Justiça, seu marido foi condenado a 8 (oito) anos de prisão. Ficou preso apenas por dois anos em regime fechado. A história de Maria da Penha chegou ao conhecimento da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), e as agressões contra ela foram reconhecidas oficialmente, a nível internacional, pela primeira vez na história, como crime de violência doméstica. (DIAS, 2013. p. 16)
Depois da tragédia, humilhação e dor enfrentados por Maria Penha, esta passou a batalhar por proteção mais eficaz às vítimas da violência doméstica e familiar, tendo seu empenho reconhecido em setembro de 2006, quando o então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou a Lei 11.340/2006, que o Brasil passou a conhecer como Lei Maria da Penha.
2- ASPECTOS GERAIS DA LEI 11.340/2006 - “LEI MARIA DA PENHA”
A Lei Maria da Penha é um resultado de grandes esforços ao longo da história. A união de organizações não governamentais, muitas compostas por renomados juristas, em conjunto com mulheres anônimas que abraçaram a causa por sofrerem as consequências da violência doméstica em suas vidas, contribuíram para a aprovação da lei.
2.1. Finalidade da lei
A proteção da mulher trazida pela Lei Maria da Penha consiste na condição vulnerável da mulher no contexto familiar, consequência de uma cultura patriarcal. Para Leda Maria Hermann (2008, p 84), o conceito da hipossuficiência da mulher consiste em:
Reconhecer a condição hipossuficiente da mulher vítima de violência doméstica e/ou familiar não implica invalidar sua capacidade de reger a própria vida e administrar os próprios conflitos. Trata-se de garantir a intervenção estatal positiva, voltada à sua proteção e não a sua tutela, respeitadas - sempre – sua personalidade, vontade e alteridade, ressalvados os casos em que não disponha vítima, em razão da idade – ou casos de crianças e adolescentes - ou de deficiência ou doença mental, condições psíquicas para exercer com plenitude seus direitos e outros atos da vida civil.
Nota-se que a fragilidade da mulher nada tem a ver com sua liberdade e eficiência em tomar suas próprias decisões ou em escolher os caminhos desejados para sua vida. O Estado reconhece a hipossuficiência e intervém exatamente para garantir sua proteção, garantir à mulher a liberdade, livre de qualquer tipo de preconceito em relação a sua capacidade, sendo a violência doméstica, mais que uma agressão, um preconceito histórico que reduz a mulher a uma situação de inferioridade e subordinação.
Para Rogério Sanches e Ronaldo Batista Pinto (2012, p.33), a Lei 11.340/2006, não é apenas mais uma lei, é um importante estatuto, não apenas de caráter repressivo, mas, acima de tudo, exerce função preventiva e assistencial. Criam-se meios com a finalidade de evitar a violência doméstica trazendo mudanças essenciais para tais fins.
2.2. Espécies de Violência Doméstica e Familiar
Em análise ao artigo 7º da Lei Maria da Penha, este traz em seus incisos as formas entendidas como violência doméstica e familiar contra a mulher, dentre as quais se encontram a violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral;
2.2.1. Violência Física
Ao que tange a violência física e em relação à integridade física, o legislador no inciso I, do art. 7.º, da Lei 11.340/06, traz que a “violência física pode ser entendida como qualquer conduta que ofenda a integridade ou a saúde corporal”. Assim, toda e qualquer agressão que o sujeito passivo sofra através da utilização de força física mesmo não restando marcas evidentes, entende-se uma violação a integridade física da mulher.
A apresentação de arranhões, fraturas, hematomas e queimaduras, por exemplo, são vestígios de violência física, além dos casos de negligência, muitas vezes em que a vítima é privada da alimentação ou até mesmo de medicamentos em virtude de tratamento médico.
É importante esclarecer que as consequências das agressões físicas podem ser drásticas, sobretudo quando a violência psicológica desencadeia outras doenças. Outro exemplo de agressão à saúde corporal é a exploração do trabalho braçal da vítima, mesmo que para atividades domésticas, desde que ultrapasse os limites da capacidade física, idade ou condição de saúde da vítima.
2.2.2. Violência Psicológica
Nos termos do art. 7º, inciso II, da Lei 11.340/06:
A violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.
De tal modo, a violência psicológica se reproduz em condutas, omissivas ou comissivas que causam danos ao equilíbrio psicológicas da vítima, caracterizadas por ameaças, chantagens, insultos, ironias, atitudes depreciativas, perseguição, isolamento social forçado e tantas outras situações. Para Leda Maria Hermann (2008, p. 110), são palavras-chave do conceito de violência psicológica:
Autoestima, saúde psicológica, e autodeterminação, porque representação privações básicas derivadas da violência psicológica. A destruição da autoestima mina a capacidade de resistência da vítima e seu desejo de buscar auxílio, fazendo que se identifique e se reconheça na imagem retorcida que o agressor lhe impinge. Implica, portanto na introjeção do desvalor que lhe é atribuído. Privação de autoestima é condição psicologicamente patológica, imobilizante e configura, portanto, em subtração de liberdade.
Nesse sentido, entende-se que a vítima passa a encarar tais situações como naturais, onde o fato da vítima ser maltratada sobrevém a ser uma rotina comum no relacionamento, além daquela acreditar ser a imagem degradante que o agressor impõe.
Cumpre ressaltar que violência psicológica não era reconhecida até então a Convenção de Belém do Pará. Frise-se que essa violência versa sobre a agressão emocional que acarreta danos às vítimas tanto quanto violência física, sendo, no entanto, difícil de ser diagnosticada e raramente não interligada a outros tipos de violência.
2.2.3. Violência Sexual
Historicamente, a prática sexual sempre foi tida como um dos deveres inerentes ao instituto do casamento, por esse motivo foi inevitável que houvesse resistência em reconhecer a violência sexual, como violência contra a mulher.
Todavia, o artigo 7º, inciso III, da Lei nº 11.340/06, descreve como sendo violência sexual:
A violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos.
No dispositivo supracitado, a violência sexual não caracteriza apenas pela prática forçada, mas a participação ativa em relação sexual não desejada, conduta sexualmente violenta, constrangimento da vítima em presenciar ato sexual entre terceiro sem a sua livre vontade, induzir ou obrigar a vítima a comercializar práticas que contestam suas próprias vontades. É protegido ainda pela legislação a liberdade da mulher em relação à reprodução, ao acesso a métodos contraceptivos, sendo que forçar a mulher a uma gravidez indesejada, ou até mesmo a um aborto, é também crime de violência sexual contra a mulher. Maria Berenice Dias (2013, p.68) assevera que:
Felizmente a doutrina penal evoluiu no que se refere ao tema “débito conjugal” houve época, no entanto, em que decorrência desse dever inerente ao casamento, sequer se reconhecia a prática de estupro do marido com relação à mulher, sob o absurdo argumento de que se tratava do exercício regular de um direito inerente à condição de marido, por conta da relação civil entre eles. Assim o inadimplemento de tal obrigação poderia ser exigido inclusive sob violência.
A Lei Maria da Penha foi muito precisa ao elencar essa forma de violência, até mesmo porque ainda na sociedade contemporânea denota-se resquícios de pensamento que a mulher foi feita para servir o homem em todos os seus aspectos, não tendo vontade própria.
2.2.4, Violência Patrimonial
A violência patrimonial é mais uma das violências tipificadas pela Lei 11.340/06, em seu art. 7º, inciso IV, e é entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades.
Maria Berenice Dias (2013, p.71) expõe que após o novo conceito de violência doméstica, reconhecendo também a violência patrimonial, não mais se aplica às imunidades dos artigos 181 e 182 do Código Penal, quando se trata de vítima mulher e existe vínculo familiar entre a vítima e o agressor.
Além das condutas previstas pelo artigo 7º, inciso IV, que caracterizam violência patrimonial como retenção subtração, destruição total ou em parte de objetos, documentos pessoais e instrumentos de trabalho, é também violência patrimonial, a subtração de valores, ou recursos destinados à subsistência da mulher, sendo considerado o não pagamento dos alimentos.
Em análise a violência patrimonial torna-se evidente que o agressor utiliza-se do patrimônio como forma de manipular a liberdade da vítima e como meio de vingança pela vítima ter rompido o relacionamento, por exemplo, ou até mesmo com o objetivo de obrigá-la a não separar do agressor.
2.2.5. Violência Moral
A violência moral tratada pelo artigo 7º, inciso V, da Lei Maria da Penha, constitui em “qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria”, ou seja, consistente no ato de denegrir a honra da vítima.
As condutas descritas pelo dispositivo legal são tipificadas no Código Penal, em seus artigos 138, 139 e 140. Em apertada síntese, cumpre destacar que calúnia, se define como a imputação de falso crime; difamação, como sendo a imputação de condutas desonrosas e vexatórias a terceiros; enquanto, que injúria é o insulto ou ofensa direcionada pessoalmente contra a vítima, conceitos estes trazidos pela respectiva norma penal.
Embora previstos pela legislação penal, essas condutas quando cometidas no âmbito da natureza familiar configuram violência doméstica de caráter moral, e assim deve ser reconhecida para que possa se aplicar o agravante de pena, trazido pelo artigo 61, inciso II, alínea “f”, do Código Penal. Nesse sentido destaca-se que a violência moral é uma ofensa à autoestima e a valorização social, objetivando o agressor desqualificar, inferiorizar e ridicularizar a vítima.
2.3. Tipificação: violência doméstica e familiar contra a mulher
O legislador tratou de conceituar no artigo 5º da Lei Maria da Penha, a violência doméstica para fins de aplicação da lei em comento, definindo-a como sendo a agressão contra mulher, num determinado ambiente, seja ele no âmbito da unidade doméstica, familiar ou em qualquer relação íntima de afeto.
O âmbito da unidade doméstica, constante no inciso I da Lei 11.340/2006, se entende “como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas”. Entende-se como âmbito da unidade doméstica o lugar, espaço caseiro, onde as pessoas coabitem independentemente de vínculo familiar, a fim de amparar a família moderna, ai incluídas as empregadas domésticas, podendo ser tanto o sujeito passivo quanto ativo, pois estão em um convívio com os moradores da casa, sem que haja relação de parentesco com os mesmos.
No inciso II, compreende como âmbito familiar aquela “comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa”. Note-se que a lei não conceituou família como a entidade advinda da união de um homem e uma mulher, mas acolheu em seu dispositivo outros modelos de família, como as homoafetivas. Ademais, a violência familiar pode ser praticada por pessoas unidas por parentesco, cônjuges, ou que vieram por vontade expressa como na adoção.
Já o inciso III dispõe ainda como violência doméstica aquela decorrente de “qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação”. Essas relações íntimas de afeto seria a agressão em um relacionamento estreito entre duas pessoas, sendo necessário que ambos tenham convivência, porém essa convivência não significa obrigatoriamente que eles morem na mesma casa. E, finalmente, o parágrafo único, veio completar o artigo dizendo que as relações pessoais enunciadas independem de orientação sexual, trazendo proteção para as relações homoafetiva entre mulheres.
Lado outro, o conceito trazido pela Lei 11.340/06 gerou algumas críticas da doutrina, chegando a ser considerada uma norma extremamente mal elaborada. Nucci (2006, p. 863), por exemplo, sustenta que a norma é mal redigida e com alto grau de abertura, chegando a dizer que tal norma é lamentável, completando ainda que pela interpretação literal da lei, qualquer crime contra a mulher seria violência doméstica e familiar, sendo que qualquer violência lhe causa ao menos perturbação psicológica.
Porém, não é esse o entendimento majoritário da doutrina, onde se afirma que é inadmissível achar que tal conceito é incompleto ou aberto demais, como é o posicionamento de Maria Berenice Dias (2013, p.44) ao argumentar que não há o perigo de todo e qualquer crime cometido contra a mulher ser considerado como violência doméstica, devido à agravante inserida no Código Penal (art. 61, II, f) tem limitado o campo de abrangência, pois restringe a violência contra a mulher na forma que a lei específica.
O artigo 5º da lei identifica as ações que configuram violência doméstica ou familiar contra a mulher, logo após, nos incisos I, II, III do mesmo artigo, determina o ambiente onde o autor configura violência doméstica e, por fim, de modo objetivo e bem detalhado, foram tipificadas na lei as condutas que configuram cada tipo de violência. Impende destacar que ao efetuar a análise da Lei 11.340/06 denota-se não haver qualquer delito nela tipificado
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem entendendo que namoro[4], noivado e casamento, até mesmo ex-namorados[5], não importando o nível de relacionamento, podem terminar em processo judicial, com a aplicação da Lei Maria da Penha, com condições óbvias: envolver violência doméstica e familiar contra a mulher.
A fragilidade e a precariedade de suporte às vítimas de violência doméstica não se restringem apenas às efetivações de prisões, mas também ao acompanhamento psicológico, tanto para a vítima quanto para o agressor, mecanismos que possam, inclusive, reinserir as vítimas no mercado de trabalho, pois muitas delas são dependentes economicamente de seus companheiros.
2.4. Das medidas integradas de prevenção
O legislador, durante a elaboração da referida lei, tratou de expressar medidas de prevenção à violência doméstica e familiar, para isso foi elaborado o artigo 8º da Lei Maria da Penha, que dispõe sobre as politicas públicas a serem realizadas por um conjunto articulado de ações a serem realizadas através da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
O referido artigo traz diretrizes para direcionar as políticas públicas a serem construídas, objetivando coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Dispõe, inclusive, que as ações de prevenção devem ser elaboradas de maneira harmônica, que se complementam e se integram, tanto no âmbito federal, estadual e municipal, até mesmo por empreendimentos não governamentais e que visem a pesquisa para o melhor conhecimento dos motivos da violência doméstica, atendimento policial especializado, a capacitação de profissionais para atuarem de melhor forma nessa área, o convênio entre entidades governamentais e não governamentais com o objetivo de difundir e implementar programas que erradique a violência doméstica, entre muitos outros programas, inclusive na área da educação.
2.5. Da assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar
Tratando-se da assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar o legislador também versou em seu artigo 9º:
Art. 9º A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.
Entre as assistências prestadas a mulher no âmbito da lei destaca-se a de garantir a inclusão da mulher no cadastro de programas assistenciais do governo, os quais garantem a proteção da integridade física e psicológica, ou a manutenção do vínculo empregatício e também prioridade na remoção no caso de ocupar função de servidora da administração pública direta ou indireta.
Também é garantido à mulher, meios de prevenção ou tratamento de doenças sexualmente transmissíveis, ou qualquer outro tipo de procedimento necessário nos casos de violência sexual, procedimentos esses já oferecidos pelo Estado através do Sistema Único de Saúde (SUS).
2.6. Do atendimento pela Autoridade Policial
A competência da autoridade policial de agir nos casos de violência doméstica e familiar, conforme expõe o artigo 10 da lei: “Na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providências legais cabíveis.” Diante da prática de violência doméstica ou até mesmo da ameaça, a autoridade policial tem o dever de tomar imediatamente as providências devidas. Caracterizada a violência a autoridade policial deverá adotar as providências elencadas no artigo 11, desponta:
Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências:
I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário;
II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal;
III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida;
IV - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar;
V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis.
Em análise ao artigo 11, compreende em seus incisos medidas reais que compõem o dever funcional das autoridades policiais em casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, valorizando as vítimas e empregando as medidas humanitárias para que essa valorização trazida pela lei seja cada vez maior.
2.7. Das Medidas Protetivas de Urgência
As medidas protetivas de urgências, elencadas no artigo 22 da Lei Maria da Penha, é um dos mais importantes artigos da Lei Maria da Penha ao que tange a proteção assegurada pelo Estado em prol da mulher vítima de violência doméstica.
Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;
c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;
IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
§ 1o As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público.
A lei traz medidas positivas como a suspensão da posse ou porte de arma com a intenção de evitar dramas maiores, pois em um cenário de violência doméstica o agressor, portador de arma de fogo, pode futuramente praticar um possível homicídio; o afastamento do lar, que nada mais é do que a separação de corpos e, especialmente, a proibição de aproximação do agressor com a ofendida, permanecendo o critério de fixação de distância a ser delimitado pela autoridade judiciária de acordo com o caso concreto.
Outra importante medida protetiva se refere à frequentação de determinados lugares e a proibição de contato com a ofendida, esta última podendo ocorrer de várias formas, como emails e ligações. As medidas protetivas de urgência também possuem caráter civil ao prever a possibilidade de suspender ou restringir visitas a filhos menores e a prestação de alimentos.
As medidas protetivas de urgências conferidas à vítima e, consequentemente, aos seus dependentes, familiares e testemunhas, são meios dos quais o legislador criou com a intenção de aplicar proteção estatal, inclusive encaminhando-os a programas de proteção e atendimento, como abrigos ou atendimentos especializados de responsabilidade do Estado. Percebe-se que a lei traz a preocupação e a cautela com a celeridade das medidas a fim de zelar pela proteção da vítima, buscando a solução do problema da mulher agredida.
Assevera-se que no caso de descumprimento das medidas protetivas, o juiz poderá decretar a prisão preventiva do agressor, segundo previsto no artigo 20 da Lei Maria da Penha: “em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial”.
É importante advertir sobre a reforma trazida pela Lei 12.403/2011, que aferiu ao artigo 313, inciso III, do Código de Processo Penal: “permite a decretação da preventiva nas situações de violência doméstica e familiar contra a mulher, crianças, idosos, adolescentes, doentes ou pessoas com deficiência, para melhor garantir as medidas protetivas de urgência”.
A jurisprudência do STJ traz a possibilidade de prisão preventiva nessas hipóteses, casos especiais, com o intuito de garantir as medidas protetivas de urgência. [6] Por derradeiro, ainda como forma de resguardar e proteger a família, o artigo 21 da Lei Maria da Penha traz que “a ofendida deverá ser notificada dos atos processuais relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão, sem prejuízo da intimação do advogado constituído ou do defensor público”. Para que assim, se evite que a vitima fique a vulnerável as atitudes do agressor.
3- AUDIÊNCIA PRELIMINAR NA LEI MARIA DA PENHA
3.1. Dos procedimentos
Antes de adentrar na acepção específica da audiência preliminar, imprescindível o conhecimento acerca do procedimento a ser observado na Lei Maria da Penha, uma vez que o legislador não deixou de tratar dos procedimentos garantidores para a eficácia da referida lei, o que se pode observar nos artigos 13 e seguintes, e especialmente no artigo 14 ao disciplinar os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.
Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Para alguns doutrinadores, como Leda Maria Hernnam (2008, p.162), o dispositivo é perfeitamente adequado, pois os Juizados de Violência Doméstica e Familiar possuem competência mista, cabendo-lhes processar e julgar todos os tipos de causas que envolvam situações da mesma natureza, também afirmando que o fato do legislador ao trazer a aplicação subsidiária do Estatuto do Idoso e do Estatuto da Criança e do Adolescente no artigo 13 tem a intenção evidente de demonstrar o caráter protetivo da Lei Maria da Penha.
Já para Nucci (2012, p. 556), o dispositivo é inútil, uma vez que a Lei Maria da Penha é especial, sabendo que toda matéria inédita é tratada de forma particularizada, devendo prevalecer sobre outras leis especiais mais antigas, assim consideradas gerais. Portanto, desnecessário mencionar expressamente no dispositivo o que já se aplica na prática. A criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher é, sem dúvida, considerada um dos melhores progressos trazidos com a Lei Maria da Penha, assim excluindo a violência doméstica do âmbito dos Juizados Especiais Criminais.
Embora o Conselho Nacional de Justiça tenha expedido a recomendação n° 9 em 08 de março de 2007, com instruções aos Tribunais de Justiça sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e também a adoção de medidas previstas pela Lei Maria da Penha, a fim de garantir a proteção dos direitos humanos da mulher, o número de Juizados existente ainda é pequeno, sobrevindo principalmente nos grandes centros urbanos, conforme relação obtida pelo CNJ em anexo. Para um ideal de plena eficácia da Lei Maria da Penha, seria necessária a instalação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher em todas as comarcas do país.
Antes da criação da lei Maria da Penha, a violência doméstica e familiar era tratada pelos Juizados Especiais Criminais, instituído pela Lei 9099/95, os quais versavam quanto aos crimes de menor potencial ofensivo. Todavia, a maior deficiência dos Juizados Especiais Criminais em tratar os crimes de violência doméstica e familiar era o fato de tratarem apenas do crime de forma individualizada e, por diversas vezes, a vítima da violência ficava vulnerável a presença e ao convívio do seu agressor.
Com a criação da Lei Maria da Penha, os procedimentos foram modificados, de modo que a vítima de violência ao comparecer à delegacia receberá informações sobre seus direitos, terá colhido o seu depoimento e reduzirá a termo a sua representação, nos casos em que for necessário, conforme disposto o artigo 12 da Lei 11.340/06, com posterior remessa ao juízo.
Contudo, o rito dependerá da natureza do delito, sendo aquele apenado com reclusão, o rito será comum nos termos dos artigos 394 a 405 do Código de Processo Penal; aos apenados com detenção, o procedimento será o sumário segundo preconiza os artigos 531 a 538 do CPP; e aos crimes dolosos contra a vida, esses possuem rito especial, porém deverão tramitar nos JVDFM até a pronúncia, e só depois serão remetidos ao Tribunal do Júri.
A competência para conhecer e julgar violência doméstica e familiar fica a cargo dos JVDFM, porém como se sabe que os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher ainda não foram criados por todo país, essa competência será da respectiva Vara Criminal, porém, jamais, a cargo dos Juizados Especiais Criminais, devidamente delimitado no artigo 33 da Lei Maria da Penha.
Art. 33. Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, observadas as previsões do Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual pertinente.
De tal modo, enquanto não implantados os JVDFM ficará conferido às Varas Criminais competência cível e criminal para conhecer e julgar a violência doméstica, pois o que antes era de competência dos Juizados Especiais (Lei 9099/95) foi expressamente derrogado com o artigo 41 da Lei Maria da Penha: “Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei 9.099/95”.
No mesmo rol, em sede de recurso, com possível sentença proferida pelos JVDFM, o julgamento será de competência do Tribunal de Justiça[7], e não da turma recursal como dispõe a Lei nº 9.099/95.
3.2. Retratação da Representação e seus desdobramentos
O artigo 16 da Lei Maria da Penha trata sobre possibilidade de renúncia à representação em sede de audiência preliminar. Passa-se a analisar:
Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.
A lei traz o termo renúncia à representação, mas para Maria Berenice Dias (2013, P. 99), o correto seria retratação a representação, já que renúncia só poderia ocorrer antes do exercício do direito de representação, pois renunciar seria não exercer o direito de representação, e sem representação não haverá inquérito policial, nem tampouco o Ministério Publico oferecerá denúncia.
Sendo assim, a retratação a representação ocorrerá, depois de já exercido o direito de representação, podendo a vítima se retratar ou desistir da representação ofertada à autoridade policial em momento anterior. Porém, a lei permite a retratação até o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público.
Para Guilherme Sousa Nucci (2012, p.557), a intenção do legislador, com o artigo 16, foi dificultar a renúncia ou retratação da representação, decidindo que só será acatada a renúncia em audiência realizada pelo juiz para essa finalidade, com a prévia manifestação do Ministério Publico, buscando sempre um alto grau de formalidade ao ato.
Pode-se afirmar que o artigo 16 tem exercido uma conotação discricionária ao magistrado, o qual poderá optar pela realização ou não da audiência preliminar. O Superior Tribunal de Justiça vem se afirmando no sentindo de que, caso a vítima não manifeste interesse anteriormente à representação já oferecida, seja procurando a Delegacia de Polícia ou a respectiva Vara Criminal, por exemplo, descabível seria a realização da audiência, vez que se parte do pressuposto que a vítima ainda possuiria interesse em dar prosseguimento na representação.[8]
Todavia, caso o juiz designe esta audiência especial e a vítima compareça, esta terá duas opções: retrata a representação ou manifesta seu desejo inequívoco de representar contra o ofendido. Se a vítima retratar a representação, consequentemente o processo será arquivado, salvo se tratar de outro delito que não dependa de representação. Mas, se a vítima mantiver a representação realizada anteriormente, o processo voltará ao Ministério Público, ocasião em que o Promotor de Justiça efetuará análise da possibilidade de oferecimento de denúncia em face do réu.
3.3. Comentários à decisão do Supremo Tribunal Federal na ADIn 4424
Diante de tantas decisões controversas pelo Poder Judiciário, o Procurador Geral da República, Roberto Monteiro Gurgel Santos, ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade[9], defendendo que todos os atos de violência praticados contra a mulher no âmbito familiar não seriam aplicáveis aos dispositivos da Lei nº 9.099/95, já que a própria lei Maria da Penha traz em seu artigo 41 a aplicação da Lei dos Juizados. Assim, os crimes de lesão corporal, independente da gravidade, deveriam ser de natureza de ação pública incondicionada a representação, pois é o que a regra geral determina que em não havendo menção acerca da ação penal, é porque se trata de crime de ação penal incondicionada à representação. Roberto Monteiro Gurgel Santos ainda argumentou na ADIn 4424 que:
Após dez anos da aprovação da Lei nº 9.099/95, cerca de 70% dos casos que chegavam aos Juizados Especiais envolviam situações de violência doméstica contra mulheres. A lei desestimulava a mulher a processar o marido ou companheiro agressor e consequentemente reforçava a impunidade presente na cultura e na prática patriarcal.
A ADIn 4424 foi julgada pelo STF no dia 09 de fevereiro de 2012, considerando procedente a ação quanto aos artigos 12, inciso I, 16 e 41 da Lei Maria da Penha, por maioria dos votos. Assim, os crimes cometidos em âmbito doméstico e familiar, passaram a ser ação pública incondicionada a representação, buscando uma melhor eficácia da Lei Maria da Penha.
Muitas discussões giram em torno dessa decisão, pois ao determinar que nos casos de lesão corporal a ação é pública incondicionada, retira a oportunidade da realização da audiência preliminar e da vítima retratar em juízo, consequentemente. Os efeitos secundários dessa decisão, no entanto, podem ser piores ainda, já que muitas vezes a vítima continua convivendo com o agressor, o qual poderá ser condenado, atingindo (in)diretamente a vítima, sobretudo na incidência das demais espécies de violência doméstica que virá a sofrer.
Lado outro, ao determinar a natureza incondicionada, o Supremo Tribunal Federal resguardou a mulher de se sentir exposta e temida pelo agressor, afastando a possibilidade de decidir os caminhos do seu convivente, por exemplo. Mas, apesar de argumentos pós e contras, o fato é que o STF manteve bem intencionado nesta questão, mormente, sob o viés jurídico em confronto com a realidade social.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O caso Maria da Penha foi um grande marco histórico no contexto social da mulher e desencadeador da legislação sobre violência doméstica, a qual somente ocorreu devido à inércia do Estado em punir o agressor de Maria da Penha.
A lei nº 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, criou medidas para coibir à violência doméstica e também meios de proteção à mulher agredida, qualificou os tipos de violência doméstica e afastou penalidades indevidas como as penas restritivas de direitos de prestações pecuniárias.
Em detida análise à lei em comento denota-se preocupação mais social do que jurídica por si só, justamente porque ainda depara-se com conceitos ultrapassados, como o fato da mulher ser completamente submissa ao homem, o que gera, por conseguinte, efeitos desastrosos na vida de inúmeras mulheres, as quais, por motivos mais variados possíveis, não denunciam os casos de agressões sofridos.
Assim, partindo do pressuposto que a lei tem por escopo propiciar maior proteção a essa condição de vulnerabilidade que a mulher possui em relação ao homem, criou-se a audiência preliminar, evitando que a vítima fosse obrigada a comparecer na Delegacia e retratar-se, exigindo-se, agora, que a retratação seja feita perante o juiz. Todavia, o Supremo Tribunal Federal dispensou a realização desta audiência em sede de lesão corporal, que passou a ser considerada ação penal pública incondicionada, sem necessidade de representação como requisito de condição de procedibilidade.
Da análise das discussões deste trabalho deparou-se que basicamente prevalecem dois delitos afetos à violência doméstica e familiar contra a mulher, sendo lesão corporal e ameaça, previstos, respectivamente nos artigos 129, § 9º, e 147, ambos do Código Penal, este último condicionado a representação. Contudo, é justamente nesse ponto que reside o problema, pois conforme o estudo realizado, a procura das mulheres pelo aparato da Lei Maria da Penha ainda é pequena e, quando busca auxílio da justiça, com a designação de audiência preliminar, muitas vítimas manifestam o desejo de retratar e assim arquivar os processos.
A audiência preliminar ainda não é plenamente eficaz ao tentar atingir os objetivos da Lei Maria da Penha, até mesmo porque o índice de retratação nesses casos é altíssimo. Por outro lado, ao não realizar a audiência preliminar e já, de imediato, o promotor de justiça oferecer denúncia, como já ocorre nos casos de lesão corporal, isto pode trazer às mulheres vítimas de violência doméstica uma situação um pouco mais delicada, pois ao retornarem a vida conjugal com os agressores estas deverão enfrentar “junto” com eles um processo judicial que não depende de sua vontade para arquivá-lo.
Por fim, pode-se afirmar que a decisão do STF na ADI 4424, a princípio, é uma solução razoável e de forma imediata para o problema apresentado neste trabalho, buscando a efetividade da Lei Maria da Penha, para garantir à mulher uma vida longe de discriminações absurdas e prezando por sua dignidade.
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TOURINHO Filho, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 2º Ed. São Paulo: Editora Saraiva. 2001.
[1] CASTRO, Carlos Roberto Seiqueira. O Princípio da Isonomia e a igualdade da Mulher no Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Forense. 1983, p.133.
[2] MATOS, Maureen Lessa; GITAHY, Raquel Rosan Christino. A evolução dos direitos da mulher. Colloquium Humanarum Revista Científica da Unoeste. Presidente Prudente, v. 4, n.1, p. 74-90, jun. 2007. Disponível em: <http://revistas.unoeste.br/revistas/ojs/index.php/ch/article/viewFile/223/606> Acesso em: 01/09/2013.
[3] Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgarem a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, reconheceram a união estável para casais do mesmo sexo. As ações foram ajuizadas na Corte, respectivamente, pela Procuradoria-Geral da República e pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. O Relator Ministro Ayres Britto, votou no sentido de dar interpretação conforme a Constituição Federal para excluir qualquer significado do artigo 1.723 do Código Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.O ministro Ayres Britto argumentou que o artigo 3º, inciso IV, da CF veda qualquer discriminação em virtude de sexo, raça, cor e que, nesse sentido, ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função de sua preferência sexual. “O sexo das pessoas, salvo disposição contrária, não se presta para desigualação jurídica”, observou o ministro, para concluir que qualquer depreciação da união estável homoafetiva colide, portanto, com o inciso IV do artigo 3º da CF. Os ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso, bem como as ministras Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie, acompanharam o entendimento do ministro Ayres Britto, pela procedência das ações e com efeito vinculante, no sentido de dar interpretação conforme a Constituição Federal para excluir qualquer significado do artigo 1.723 do Código Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. A ADI 4277 foi protocolada na Corte inicialmente como ADPF 178. A ação buscou a declaração de reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Pediu, também, que os mesmos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis fossem estendidos aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo. Já na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, o governo do Estado do Rio de Janeiro (RJ) alegou que o não reconhecimento da união homoafetiva contraria preceitos fundamentais como igualdade, liberdade (da qual decorre a autonomia da vontade) e o princípio da dignidade da pessoa humana, todos da Constituição Federal. Com esse argumento, pediu que o STF aplicasse o regime jurídico das uniões estáveis, previsto no artigo 1.723 do Código Civil, às uniões homoafetivas de funcionários públicos civis do Rio de Janeiro. (Notícias-STF, disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe. asp?idConteudo=178931)
[4] RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. LEI MARIA DA PENHA. NAMORO. RELAÇÃO ÍNTIMA DE AFETO. ARTIGO 5º, INCISO III, DA LEI Nº 11.340/2006. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. CONFIGURA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER QUALQUER AÇÃO QUE LHE CAUSE SOFRIMENTO PSICOLÓGICO EM QUALQUER RELAÇÃO ÍNTIMA DE AFETO, NA QUAL O AGRESSOR CONVIVA OU TENHA CONVIVIDO COM A OFENDIDA, INDEPENDENTEMENTE DE COABITAÇÃO. 2. EM SE TRATANDO DE AGRESSÕES DECORRENTES DO ROMPIMENTO DE NAMORO QUE PERDUROU POR PERÍODO RELEVANTE DE TEMPO, CAPAZ DE ESTABELECER RELAÇÃO ÍNTIMA DE AFETO COM A VÍTIMA, QUE SE APRESENTA FRAGILIZADA PERANTE SEU OFENSOR, JUSTIFICADA ESTÁ A APLICAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA. 3. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARA CASSAR A DECISÃO RECORRIDA E DETERMINAR O REGULAR PROCESSAMENTO DO FEITO PERANTE O PRIMEIRO JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER DA CIRCUNSCRIÇÃO JUDICIÁRIA DE BRASÍLIA/DF. (TJ-DF - RSE: 103083220108070016 DF 0010308-32.2010.807.0016, Relator: LEILA ARLANCH, Data de Julgamento: 18/11/2010, 1ª Turma Criminal, Data de Publicação: 13/12/2010, DJ-e Pág. 139)
[5] PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. LEI MARIA DA PENHA. EX-NAMORADOS. APLICABILIDADE. AUDIÊNCIA PRELIMINAR. REALIZAÇÃO SEM A PRESENÇA DOPACIENTE. IRRELEVÂNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO.RECURSO DESPROVIDO. I. A Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça vem firmando entendimento jurisprudencial no sentido de que a ameaça cometida por ex-namorado que não se conforma com o rompimento do vínculo configura violência doméstica, ensejando a aplicação da Lei nº 11.340/06. II. A audiência preliminar é providência que somente se justifica quando a vítima manifesta interesse em se retratar de eventual representação antes do recebimento da denúncia. Precedentes. III. Realizada tal audiência sem a referida manifestação, tendo a vítima, na ocasião, reafirmado o propósito de prosseguir na ação, mostra-se irrelevante a presença ou não do paciente. IV. Recurso desprovido. (STJ - RHC: 27317 RJ 2009/0240403-0, Relator: Ministro GILSON DIPP, Data de Julgamento: 17/05/2012, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/05/2012)
[6] RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EFAMILIAR CONTRA A MULHER. LEI MARIA DA PENHA. PRISÃO PREVENTIVA. ART. 313, III, DO CPP. NECESSIDADE DE ASSEGURAR A APLICAÇÃO DASMEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA. PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE FÍSICA EMORAL DA VÍTIMA. GRAVIDADE DOS FATOS PERPETRADOS PELO PACIENTE. PRISÃO PREVENTIVA MANTIDA NA SENTENÇA CONDENATÓRIA. AUSÊNCIA DEALTERAÇÃO DO CONJUNTO FÁTICO QUE ENSEJOU A DECRETAÇÃO DA CUSTÓDIA. RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO. - A custódia cautelar teve por fundamento a gravidade dos fatos perpetrados pelo ora paciente (que manteve a vítima em cárcere privado, a agrediu com socos, tapas, chutes e puxões de cabelo, tendo, inclusive a chicoteado com uma espécie de arma confeccionada com correntes, ocasião em que a obrigou a manter relações sexuais, sob ameaça de morte), assim como a garantia da execução das medidas protetivas de urgência. - A prisão preventiva, com o fim de assegurar a aplicação das medidas protetivas elencadas pela Lei Maria da Penha, quando o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, está em consonância com a orientação da jurisprudencial desta Corte. Precedentes. - Persistentes os motivos ensejadores da decretação da prisão preventiva, como consignou o magistrado singular, desnecessária setorna proceder à nova fundamentação quando da prolação da sentença,mormente quando inexistem fatos novos capazes de promover a solturado acusado.Recurso desprovido. (STJ - RHC: 32854 DF 2012/0102099-7, Relator: Ministra MARILZA MAYNARD (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/SE), Data de Julgamento: 19/02/2013, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/02/2013)
[7] PROCESSO PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CASO DE NÃO CONHECIMENTO. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DE APELAÇÃO. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 1. Não compete a esta Corte conhecer do conflito de competência instaurado entre Tribunal de Justiça e Turma Recursal de Juizado Especial Criminal no âmbito do mesmo Estado, tendo em vista que este não se qualifica como Tribunal. 2. Compete ao Tribunal de Justiça, e não à Turma Recursal, julgar recurso de apelação aviado contra decisão do Juizado de Violência Doméstica. 2. Conflito não conhecido e concedida a ordem de habeas corpus, de ofício, para declarar competente o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, o suscitado. (STJ - CC: 111905 RJ 2010/0076884-3, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 23/06/2010, S3 - TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 02/08/2010)
[8] JLEI11340.16 – HABEAS CORPUS – AMEAÇA – LEI MARIA DA PENHA – NATUREZA DA AÇÃO PENAL – REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA – NECESSIDADE – AUDIÊNCIA PRELIMINAR – ART. 16 DA LEI 11.340/06 – NÃO REALIZAÇÃO – NULIDADE INEXISTENTE – 1- O art. 16 da Lei Maria da Penha determina que deverá ser designada uma audiência, antes do recebimento da denúncia, na qual será admitida renúncia da vítima em casos de ação penal pública condicionada à representação. 2- Contudo, tal ato processual não se reveste de caráter obrigatório, sendo providência excepcional, cuja realização deverá ocorrer se a parte manifestar interesse expresso ou tácito em renunciar à representação feita, antes do recebimento da denúncia, o que não ocorreu na espécie. 3- Habeas corpus de
[9] Ação que tem por finalidade declarar que uma lei ou parte dela é inconstitucional, ou seja, contraria a Constituição Federal. A ADI é um dos instrumentos daquilo que os juristas chamam de “controle concentrado de constitucionalidade das leis”. Em outras palavras, é a contestação direta da própria norma em tese. Uma outra forma de controle concentrado é a Ação Declaratória de Constitucionalidade. O oposto disso seria o “controle difuso”, em que inconstitucionalidades das leis são questionadas indiretamente, por meio da análise de situações concretas.
Advogada. Graduada em Direito Pelo Instituto Luterano de Ensino Superior de Itumbiara- Goiás. Pós-graduada em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Faculdade Pitágoras de Uberlândia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VANIN, Vandrielle Marques. A efetividade da audiência preliminar na Lei Maria da Penha Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 jan 2015, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42852/a-efetividade-da-audiencia-preliminar-na-lei-maria-da-penha. Acesso em: 23 dez 2024.
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