RESUMO: Objetiva-se analisar a possibilidade de se transferir ao contratado mediante o uso do procedimento do Regime Diferenciado de Contratação os serviços de desapropriação necessários para a execução da obra.
Palavras-Chaves: RDC. Contratado. Serviços de Desapropriação. Delegação.
INTRODUÇÃO:
Trata-se analisar a possibilidade jurídica de se delegar todas as etapas do procedimento licitatório, com exceção da declaração de utilidade pública, às empresas contratadas por intermédio do RDC, limitando-se a administração-contratante a publicar a Portaria declaratória de utilidade pública do imóvel, ficando os demais serviços inerentes aos procedimentos desapropriatórios sob responsabilidade da empresa contratada, desde a instrução dos processos administrativos até o pagamento das indenizações, ultimando com a lavratura de escritura pública e o registro do bem em nome do Poder Público.
DESENVOLVIMENTO
O procedimento desapropriatório compreende duas etapas: a etapa declaratória e a etapa executória.
A etapa declaratória consiste na manifestação de vontade do expropriante de declarar interesse na transferência compulsória de propriedade um bem. Normalmente se concretiza por meio de decreto expropriatório em que devem conter a descrição detalhada do bem e fundamentar-se em uma das hipóteses legais de utilidade pública ou interesse social.
O estudo apresentado no presente artigo, no entanto, se limitará a analisar a segunda etapa da desapropriação, a etapa executória, que compreende uma fase administrativa e uma judicial. A fase judicial terá lugar quando o proprietário do imóvel não concordar com o preço ofertado pelo expropriante, hipótese na qual a indenização restará fixada pelo poder judiciário.
Importante frisar, neste aspecto, que não havendo acordo sobre a indenização, caberá ao expropriante promover ação desapropriatória, vale dizer, a entidade política ou a entidade integrante da administração pública figurará no pólo ativo da demanda judicial.
Feita essa breve introdução, denota-se que o que se pretende é analisar se a promoção da fase executória da desapropriação pode ser transferida às empresas privadas por via de edital de regime diferenciado de contratação, diante do que dispõe o art. 3º do Decreto-Lei n. 3365/41 (Art. 3º Os concessionários de serviços públicos e os estabelecimentos de caráter público ou que exerçam funções delegadas de poder público poderão promover desapropriações mediante autorização expressa, constante de lei ou contrato).
De fato, este dispositivo permite que pessoas jurídicas de direito privado, no caso, concessionárias de serviços públicos, delegatárias contratuais da administração, possam promover a fase executória da licitação.
Vislumbra-se, portanto, que as entidades privadas precisam caracterizar-se como prestadoras de serviços públicos, mediante delegação contratual, para se enquadrarem na permissão do dispositivo.
Cabe, então, verificar se os contratos celebrados mediante o uso do RDC são de delegação de prestação de serviços públicos a fazer incidir a regra do art. 3º do Decreto-lei n.3365/41.
Veja que, em uma hipótese, à pessoa jurídica de direito privado, via contrato de concessão, é transferida a exploração de um serviço público, permitindo-se a fixação de um preço público para efeito de lucrar e amortizar o capital investido. Esta modalidade de contrato tem seu regime fixado pelas Leis ns. 8987/95 e 11079/04.
No outro caso, regido pela Lei n. 8666/93, o particular contratado não desempenha serviço público, mas atividade eminentemente econômica.
É verdade que muitas atividades que são serviços públicos também são atividades econômicas. Trata-se dos serviços públicos por decisão político-constitucional e constituem uma exceção ao princípio da livre iniciativa e da liberdade econômica. Sendo assim, somente a CF pode excepcionar tal princípio, v.g., exploração de gás canalizado, serviço postal, serviço de telecomunicação, energia elétrica etc.
Ou seja, há serviços públicos eminentemente públicos, no qual inexiste qualquer dúvida que devem ser atividades prestadas pelo Estado, como por exemplo, a atividade jurisdicional ou de polícia. Em outras hipóteses, mesmo constituindo atividade econômica, a Constituição criou exceções, disciplinando que certos serviços serão caracterizados como serviços públicos, a serem prestados diretamente pelo Estado ou indiretamente mediante concessão ou permissão.
Note-se que a CF exige ainda que uma lei discipline a prestação de serviços públicos. Com efeito, estabelece o art. 175, CF:
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
A disciplina sobre o tema esta no art. 1º da Lei n. 9.074/95, que estabelece normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos e dá outras providências, in verbis:
Art. 1o Sujeitam-se ao regime de concessão ou, quando couber, de permissão, nos termos da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, os seguintes serviços e obras públicas de competência da União:
I - (VETADO)
II - (VETADO)
III - (VETADO)
IV - vias federais, precedidas ou não da execução de obra pública;
V - exploração de obras ou serviços federais de barragens, contenções, eclusas, diques e irrigações, precedidas ou não da execução de obras públicas;
VI - estações aduaneiras e outros terminais alfandegados de uso público, não instalados em área de porto ou aeroporto, precedidos ou não de obras públicas.
VII - os serviços postais. (Incluído pela Lei nº 9.648, de 1998)
Vê-se, assim, que tais serviços citados no art. 1º da Lei n. 9.074/95, sujeitam-se ao regime de concessão ou permissão, disciplinado pela Lei n. 8987/95.
Esta última estipula que incumbe à concessionária promover as desapropriações e constituir servidões autorizadas pelo poder concedente, conforme previsto no edital e no contrato (art. 31, VI, da Lei n. 8987/95).
Todavia, segundo consta do art. 39 da Lei do RDC, os contratos decorrentes deste procedimento serão regulados pela Lei n. 8666/93 e esta, em nenhum de seus dispositivos, permite à administração inserir nos seus editais e contratos a obrigação da contratada de promover o procedimento desapropriatório. Vele conferir o art. 39 da Lei n. 12462/2012:
Art. 39. Os contratos administrativos celebrados com base no RDC reger-se-ão pelas normas da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, com exceção das regras específicas previstas nesta Lei.
Forçoso concluir que os contratos derivados do procedimento do RDC não são semelhantes a um contrato de concessão de serviço público. Seus regimes jurídicos são diversos.
Não existe compatibilidade entre um contrato de concessão de serviço público, regido pela Lei n. 8987/95, que permite a delegação da execução da desapropriação à concessionária e aquele decorrente do procedimento do RDC, em qualquer dos regimes admitidos pelo art. 8º (empreitada integral, contratação integral, etc), uma vez que a estes se aplica a Lei n. 8666/93, por força do art. 39 da Lei n. 12462/12.
A título de exemplo, registre-se que nos casos de concessão de infraestrutura a lei permite (Lei n. 10.233/2001), em harmonia com o art. 3º do Dec-lei n. 3365/41, que o edital fixe desde logo as cláusulas referentes às desapropriações a ser promovidas pelas concessionárias, ficando estas responsáveis até pelos ônus das indenizações:
Art. 34-A As concessões a serem outorgadas pela ANTT e pela ANTAQ para a exploração de infra-estrutura, precedidas ou não de obra pública, ou para prestação de serviços de transporte ferroviário associado à exploração de infra-estrutura, terão caráter de exclusividade quanto a seu objeto e serão precedidas de licitação disciplinada em regulamento próprio, aprovado pela Diretoria da Agência e no respectivo edital.
§ 2o O edital de licitação indicará obrigatoriamente:
I - o objeto da concessão, o prazo estimado para sua vigência, as condições para sua prorrogação, os programas de trabalho, os investimentos mínimos e as condições relativas à reversibilidade dos bens e às responsabilidades pelos ônus das desapropriações;
Art. 35. O contrato de concessão deverá refletir fielmente as condições do edital e da proposta vencedora e terá como cláusulas essenciais as relativas a:
XII – procedimentos e responsabilidades relativos à declaração de utilidade pública, para fins de desapropriação ou instituição de servidão, de bens imóveis necessários à prestação do serviço ou execução de obra pública;
A criação do regime diferenciado de contratação não alterou tais premissas. Este regime apenas instituiu um procedimento mais moderno, prevendo novas formas de contratação. Todavia, ele disciplina a contratação de atividades econômicas, sem qualquer ligação com a prestação de serviços públicos ou a exploração infraestrutura.
A utilização do RDC visa a celebração de contratos de empreitada de obras de grande relevo para o país, não dispondo a lei de contratos para outorga de concessões de serviço público, ou seja, de delegação contratual de serviços públicos. Confira-se:
Art. 1o É instituído o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), aplicável exclusivamente às licitações e contratos necessários à realização:
I - dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, constantes da Carteira de Projetos Olímpicos a ser definida pela Autoridade Pública Olímpica (APO); e
II - da Copa das Confederações da Federação Internacional de Futebol Associação - Fifa 2013 e da Copa do Mundo Fifa 2014, definidos pelo Grupo Executivo - Gecopa 2014 do Comitê Gestor instituído para definir, aprovar e supervisionar as ações previstas no Plano Estratégico das Ações do Governo Brasileiro para a realização da Copa do Mundo Fifa 2014 - CGCOPA 2014, restringindo-se, no caso de obras públicas, às constantes da matriz de responsabilidades celebrada entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios;
III - de obras de infraestrutura e de contratação de serviços para os aeroportos das capitais dos Estados da Federação distantes até 350 km (trezentos e cinquenta quilômetros) das cidades sedes dos mundiais referidos nos incisos I e II.
IV - das ações integrantes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) (Incluído pela Lei nº 12.688, de 2012)
V - das obras e serviços de engenharia no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. (Incluído pela Lei nº 12.745, de 2012)
VI - das obras e serviços de engenharia para construção, ampliação e reforma de estabelecimentos penais e unidades de atendimento socioeducativo. (Incluído pela Medida Provisória nº 630, de 2013)
VI - das obras e serviços de engenharia para construção, ampliação e reforma de estabelecimentos penais e unidades de atendimento socioeducativo.
Conclui-se, assim, que o art. 3º do Decreto-lei 3365/41 permite às pessoas jurídicas de direito privado a realização de desapropriações somente se o contrato mencionado na parte final do artigo diga respeito aos contratos de concessão de serviços público, regido por regras próprias, diferentemente das regras contratuais constantes da Lei n. 8666/93.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, entende-se pela impossibilidade de se incluir nos editais e contratos nos derivados do procedimento do RDC, visando a contratação de execução de serviços de empreitada de obras de grande vulto, a obrigação da contratada de promover a execução da etapa executória da desapropriação, uma vez que estes se encontram regidos pela Lei n. 8666/93 por força do art. 39, da Lei n. 12462/12 e este diploma legal não prevê esta possibilidade de delegação deste serviço.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Prestação de serviços públicos e
administração indireta. 2ª ed., 3ª tir. São Paulo: RT, 1987
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 26 ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Atlas, 2013.
CINTRA DO AMARAL, Antônio Carlos. Concessão de serviço público. 2ª ed.
São Paulo: Malheiros Editores, 2002
REISDORFER, Guilherme Fredherico Dias. In O Regime Diferenciado de Contratações Públicas: Comentários à Lei n.º 12.462 e ao Decreto n.º 7.581. Coordenadores: Marçal Justen Filho e Cesar A. Guimarães Pereira. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
PROCURADOR FEDERAL. GRADUADO EM DIREITO PELA PUC-RIO, POS GRADUADO EM DIREITO PUBLICO PELO IDP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARBACH, Mauricio Neves. Sobre a possibilidade de inclusão dos serviços de desapropriação nos contratos a serem licitados via RDC Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 jan 2015, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42918/sobre-a-possibilidade-de-inclusao-dos-servicos-de-desapropriacao-nos-contratos-a-serem-licitados-via-rdc. Acesso em: 23 dez 2024.
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