RESUMO: O presente trabalho visa demonstrar a possibilidade de controle da Administração Pública pelo Poder Judiciário, sem olvidar o papel do Ministério Público, sob a ótica do Neoconstitucionalismo.
Palavras-chave: Neoconstitucionalismo; controle; administração pública; dignidade da pessoa humana; mínimo existencial.
1. INTRODUÇÃO
A Constituição, como Lei Fundamental, assevera os valores e os princípios mais relevantes para a compreensão do ordenamento jurídico.
Desta forma, verifica-se que o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1º, III, da CF de 88, é o núcleo axiológico para a tutela jurídica, numa busca do objetivo fundamental de construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3ª, inc. I, CF).
Em razão de tal objetivo, sob o manto da dignidade humana, o judiciário está sendo cada vez mais provocado a intervir nas políticas públicas sob um prisma da garantia e da efetividade dos direitos constitucionais, no que a doutrina denomina de neoconstitucionalismo.
2. NEOCONSTITUCIONALISMO
O neoconstitucionalismo é um tema que ainda acarreta grande divergência doutrinária, pois possui diversas concepções segundo os autores que pretendem explorá-lo. No entanto, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, possui notório artigo sobre o neoconstitucionalismo e a constitucionalização do direito, no qual defende a supremacia da constituição e a eficácia irradiante dos valores abrigados nos princípios e regras da Constituição por todo o ordenamento jurídico, de acordo com os seguintes marcos:
“O neoconstitucionalismo ou novo direito constitucional, na acepção aqui desenvolvida, identifica um conjunto amplo de transformações ocorridas no Estado e no direito constitucional, em meio às quais podem ser assinalados, (i) como marco histórico, a formação do Estado constitucional de direito, cuja consolidação se deu ao longo das décadas finais do século XX; (ii) como marco filosófico, o pós-positivismo, com a centralidade dos direitos fundamentais e a reaproximação entre Direito e ética; e (iii) como marco teórico, o conjunto de mudanças que incluem a força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional. Desse conjunto de fenômenos resultou um processo extenso e profundo de constitucionalização do Direito.”1
No entanto, apesar de suas diversas concepções, a doutrina, de uma forma geral, costuma classificar o neoconstitucionalismo, ou constitucionalismo contemporâneo, como uma teoria aplicável aos Estados Constitucionais Democráticos, com supedâneo na força normativa dos princípios, na utilização da ponderação entre princípios, na eficácia irradiante da constituição sobre todo o ordenamento jurídico e no ativismo judicial.
O Professor Eduardo Cambi de forma clara divide o neoconstitucionalismo nos aspectos histórico, filosófico e teórico. O aspecto histórico revela-se através das atrocidades cometidas na 2ª guerra mundial, que demonstraram a necessidade de uma nova compreensão sobre o constitucionalismo.
Com a derrota dos regimes totalitários (nazi-fascistas), verificou-se a necessidade de criarem catálogos de direitos e garantias fundamentais para a defesa do cidadão frente aos abusos que poderiam vir a ser cometidos pelo Estado ou por quaisquer detentores do poder em quaisquer de suas manifestações (político, econômico, intelectual etc) bem como mecanismos efetivos de controle da Constituição (jurisdição constitucional).2
No aspecto filosófico, em razão da grande preponderância dos princípios em detrimento das regras, no que se denomina pós-positivismo, as regras não podem mais ser legitimadoras de Estados totalitários que ofendem os direitos humanos, porquanto há princípios que estão acima de quaisquer regras, como a dignidade da pessoa humana.
Ademais, o aspecto teórico é composto pela força normativa da constituição e a consequente expansão da jurisdição constitucional.
“A simplificação do acesso ao Poder Judiciário, após os Juizados de Pequenas Causas, transformados pela Constituição Federal de 1988 em Juizados Especiais Cíveis e ampliados para a esfera criminal e federal, dispensando, inclusive, a presença de advogado foi um fator importante para que os cidadãos fossem buscar os seus direitos. A tutela de interesses coletivos, difusos e individuais homogêneos, por sua vez, permitiu que as questões sociais juridicamente relevantes fossem resolvidas de forma mais adequada e rápida. Para isto, foi indispensável modificar o perfil do Ministério Público que, no âmbito do direito processual civil, antes atuava basicamente como um fiscal da lei (custos legis; art. 82/CPC), passando dispor de mecanismos eficientes como o inquérito civil, o compromisso de ajustamento de conduta e, em última análise, a titularidade das ações civis coletivas.”3
A expansão da jurisdição constitucional por intermédio das demandas coletivas têm proporcionado a possibilidade ao Judiciário, nos últimos anos, dar efetividade aos direitos fundamentais – sobretudo os de caráter social (previstos no artigo 6º, da CF).
Outrossim, nas ações coletivas o Ministério Público, como instituição permanente essencial à função jurídica do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, nos termos do art. 127, caput, da CF, busca, através da noção do neoconstitucionalismo, dar efetividade ao mínimo existencial, que são as condições materiais mínimas de tutela da dignidade da pessoa humana, direitos essenciais, imprescindíveis ao ser humano, como saúde e educação, por exemplo.
3. A LEGITIMAÇÃO JUDICIAL NO CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A Constituição Federal de 1988 requer, além das prestações negativas para a garantia dos direitos de liberdade (direitos humanos de 1ª dimensão), também prestações positivas inerentes à implementação de direitos fundamentais à subsistência, à alimentação, ao trabalho, à educação, à saúde e à moradia (direitos humanos de 2ª dimensão).
Logo, os direitos previstos expressamente na Constituição devem ser implementados, efetivados, visto que direitos subjetivos do cidadão não podem ser considerados mera retórica legislativa, submetidos a juízo de conveniência e oportunidade do Estado.
Por outro lado, o Estado usa a teoria da reserva do possível, sob o fundamento econômico da limitação dos recursos disponíveis diante das necessidades sempre infinitas a serem supridas com a implementação dos direitos, e da reserva de consistência, no sentido de que o Judiciário, ao proceder à interpretação judicial, deve apresentar argumentos substanciais de que o ato ou a omissão do agente público é incompatível com a Constituição.
Com relação à teoria da reserva do possível, o Professor Ingo Sarlet divide tal teoria em 3 dimensões: possibilidade fática (a existência de recursos), possibilidade jurídica (existência de orçamento) e a proporcionalidade da prestação e a razoabilidade da exigência.
‘A partir do exposto, há como sustentar que a assim designada reserva do possível, especialmente se compreendida em sentido mais amplo, apresenta pelo menos uma dimensão tríplice, que abrange a) a efetiva disponibilidade fática dos recursos para a efetivação dos direitos fundamentais; b) a disponibilidade jurídica dos recursos materiais e humanos, que guarda íntima conexão com a distribuição das receitas e competências tributárias, orçamentárias, legislativas e administrativas, entre outras, e que, além disso, reclama equacionamento, notadamente no caso do Brasil, no contexto do nosso sistema constitucional federativo; c) já na perspectiva (também) do eventual titular de um direito a prestações sociais, a reserva do possível envolve o problema da proporcionalidade da prestação, em especial no tocante à sua exigibilidade e, nesta quadra, também da sua razoabilidade.”4
Neste caso, só é possível a alegação da reserva do possível quando ela é verificada em sua tríplice dimensão. Ademais, de acordo com a doutrina, tal teoria foi idealizada pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha na década de 70, sob a ótica da realidade sócio-econômica germânica.
A reserva do possível (Vorbehalt des Möglichen) na Alemanha visou evitar a concessão aos indivíduos de tudo o que desejavam, pois há pleitos cuja exigência não é razoável, sobrecarregando o Poder Público.
No entanto, o Estado Alemão já oferece todo o mínimo existencial à sua população. Por outro lado, a realidade brasileira é totalmente diferente. As pessoas no Brasil são privadas de alimentação, moradia, saúde, educação etc. Conclui-se, então, que o Poder Público só poderia aproveitar tal argumento caso já garantisse um mínimo de vida digna à sua população.
Além disso, é importante notar que a ideia de reserva do possível para o Tribunal Federal Alemão não se relaciona necessariamente com as possibilidades fáticas em termos de disponibilidade financeira, como no Brasil, mas com o que é racional ao indivíduo exigir do Estado e, consequentemente, da sociedade.
Além da teoria da reserva do possível, o Poder Público costuma se utilizar de duas outras teorias para se eximir de sua obrigação constitucional: a teoria dos custos dos direitos e a teoria das escolhas trágicas.
A teoria dos custos dos direitos, de origem norte-americana, que equipara o fornecimento de direitos básicos a serviços que o Estado presta em troca de tributos, ou seja, Estado sem recursos financeiros não pode custear os direitos e tais direitos nem mesmo existem sem a respectiva dotação orçamentária.
Além desta, faz uso da teoria das escolhas trágicas, haja vista a existência de um embate entre a insuficiência de recursos estatal e a obrigação de efetivar determinados direitos, ideia já propagada pelo eminente Ministro Celso de Mello:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO (LEI Nº 12.322/2010) – CUSTEIO, PELO ESTADO, DE SERVIÇOS HOSPITALARES PRESTADOS POR INSTITUIÇÕES PRIVADAS EM BENEFÍCIO DE PACIENTES DO SUS ATENDIDOS PELO SAMU NOS CASOS DE URGÊNCIA E DE INEXISTÊNCIA DE LEITOS NA REDE PÚBLICA – DEVER ESTATAL DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE E DE PROTEÇÃO À VIDA RESULTANTE DE NORMA CONSTITUCIONAL – OBRIGAÇÃO JURÍDICO-CONSTITUCIONAL QUE SE IMPÕE AOS ESTADOS – CONFIGURAÇÃO, NO CASO, DE TÍPICA HIPÓTESE DE OMISSÃO INCONSTITUCIONAL IMPUTÁVEL AO ESTADO – DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO PROVOCADO POR INÉRCIA ESTATAL (RTJ 183/818-819) – COMPORTAMENTO QUE TRANSGRIDE A AUTORIDADE DA LEI FUNDAMENTAL DA REPÚBLICA (RTJ 185/794-796) – A QUESTÃO DA RESERVA DO POSSÍVEL: RECONHECIMENTO DE SUA INAPLICABILIDADE, SEMPRE QUE A INVOCAÇÃO DESSA CLÁUSULA PUDER COMPROMETER O NÚCLEO BÁSICO QUE QUALIFICA O MÍNIMO EXISTENCIAL (RTJ 200/191-197) – O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS INSTITUÍDAS PELA CONSTITUIÇÃO E NÃO EFETIVADAS PELO PODER PÚBLICO – A FÓRMULA DA RESERVA DO POSSÍVEL NA PERSPECTIVA DA TEORIA DOS CUSTOS DOS DIREITOS: IMPOSSIBILIDADE DE SUA INVOCAÇÃO PARA LEGITIMAR O INJUSTO INADIMPLEMENTO DE DEVERES ESTATAIS DE PRESTAÇÃO CONSTITUCIONALMENTE IMPOSTOS AO PODER PÚBLICO – A TEORIA DA “RESTRIÇÃO DAS RESTRIÇÕES” (OU DA “LIMITAÇÃO DAS LIMITAÇÕES”) – CARÁTER COGENTE E VINCULANTE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS, INCLUSIVE DAQUELAS DE CONTEÚDO PROGRAMÁTICO, QUE VEICULAM DIRETRIZES DE POLÍTICAS PÚBLICAS, ESPECIALMENTE NA ÁREA DA SAÚDE (CF, ARTS. 6º, 196 E 197) – A QUESTÃO DAS “ESCOLHAS TRÁGICAS” – A COLMATAÇÃO DE OMISSÕES INCONSTITUCIONAIS COMO NECESSIDADE INSTITUCIONAL FUNDADA EM COMPORTAMENTO AFIRMATIVO DOS JUÍZES E TRIBUNAIS E DE QUE RESULTA UMA POSITIVA CRIAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO DIREITO – CONTROLE JURISDICIONAL DE LEGITIMIDADE DA OMISSÃO DO PODER PÚBLICO: ATIVIDADE DE FISCALIZAÇÃO JUDICIAL QUE SE JUSTIFICA PELA NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DE CERTOS PARÂMETROS CONSTITUCIONAIS (PROIBIÇÃO DE RETROCESSO SOCIAL, PROTEÇÃO AO MÍNIMO EXISTENCIAL, VEDAÇÃO DA PROTEÇÃO INSUFICIENTE E PROIBIÇÃO DE EXCESSO) – DOUTRINA – PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DELINEADAS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (RTJ 174/687 – RTJ 175/1212-1213 – RTJ 199/1219-1220) – EXISTÊNCIA, NO CASO EM EXAME, DE RELEVANTE INTERESSE SOCIAL. 2. AÇÃO CIVIL PÚBLICA: INSTRUMENTO PROCESSUAL ADEQUADO À PROTEÇÃO JURISDICIONAL DE DIREITOS REVESTIDOS DE METAINDIVIDUALIDADE – LEGITIMAÇÃO ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO (CF, ART. 129, III) – A FUNÇÃO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO “DEFENSOR DO POVO” (CF, ART. 129, II) – DOUTRINA – PRECEDENTES. 3. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DAS PESSOAS POLÍTICAS QUE INTEGRAM O ESTADO FEDERAL BRASILEIRO, NO CONTEXTO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS) – COMPETÊNCIA COMUM DOS ENTES FEDERADOS (UNIÃO, ESTADOS-MEMBROS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS) EM TEMA DE PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA À SAÚDE PÚBLICA E/OU INDIVIDUAL (CF, ART. 23, II). DETERMINAÇÃO CONSTITUCIONAL QUE, AO INSTITUIR O DEVER ESTATAL DE DESENVOLVER AÇÕES E DE PRESTAR SERVIÇOS DE SAÚDE, TORNA AS PESSOAS POLÍTICAS RESPONSÁVEIS SOLIDÁRIAS PELA CONCRETIZAÇÃO DE TAIS OBRIGAÇÕES JURÍDICAS, O QUE LHES CONFERE LEGITIMAÇÃO PASSIVA “AD CAUSAM” NAS DEMANDAS MOTIVADAS POR RECUSA DE ATENDIMENTO NO ÂMBITO DO SUS – CONSEQUENTE POSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO DA AÇÃO CONTRA UM, ALGUNS OU TODOS OS ENTES ESTATAIS – PRECEDENTES – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. ARE 727864 AgR / PR – PARANÁ - AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Julgamento: 04/11/2014, Órgão Julgador: Segunda Turma, DJE: 12/11/2014).
No entanto, com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), os Tribunais Superiores entendem que o Estado não pode deixar de garantir o mínimo existencial, compreendido como um conteúdo básico de vida digna do ser humano, que não se confunde com o mínimo vital.
O mínimo vital é o conteúdo mínimo para sobrevivência. O mínimo existencial possui aspecto mais amplo, compreendendo tudo aquilo que o ser humano precisa para uma vida digna, como educação, saneamento básico, dentre outros.
Entretanto, deve ser ampliado o enfoque entre o mínimo existencial e a reserva do possível, pois atualmente é interessante sopesar a relação entre o direito individual garantido através do judiciário em detrimento do direito coletivo à utilização dos recursos para o bem comum.
Ademais, importa ressaltar que a real insuficiência de recursos, alegada pelo Poder Público, sob o manto protetivo do princípio da reserva do possível ou das demais teorias, deve ser provada por ele. Em outras palavras, o ônus da prova é do ente político, não aplicando aqui qualquer benesse em relação à matéria probatória nem mesmo em decorrência da supremacia do interesse público. Aqui há uma nítida paridade na distribuição do ônus probatório, aplicando-se a regra prevista no art. 333 do CPC.
Como uma barreira à legitimação judicial no controle da Administração Pública e, por consequência, na efetivação do mínimo existencial, conforme ensinamento de Mauro Cappelletti em sua obra "Juízes Legisladores?", há o mito do legislador positivo, pelo qual o juiz pode apenas declarar a vontade da lei ou, no máximo, atuar como legislador negativo declarando a inconstitucionalidade de uma lei contrária à Constituição.
Todavia, tal compreensão se dirigia ao Estado Liberal, não se compatibilizando com o modelo de Estado social e democrático previsto na Constituição Brasileira de 1988, que requer, além das prestações negativas para a garantia dos direitos de liberdade, também prestações positivas inerentes à implementação de direitos fundamentais à subsistência, à alimentação, ao trabalho, à educação, à saúde e à moradia.
Ademais, de acordo com a doutrina e a jurisprudência, o mínimo existencial, apesar de não ser um direito absoluto, não se sujeita em regra à reserva do possível, devendo prevalecer em um juízo de ponderação, conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF 45:
ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA "RESERVA DO POSSÍVEL". NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO "MÍNIMO EXISTENCIAL". VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO). (Relator: Ministro CELSO DE MELLO, decisão publicada no DJU de 4.5.2004).
Outrossim, o Supremo Tribunal Federal entende que a Administração Pública pode ser obrigada, por decisão do Poder Judiciário, a manter estoque mínimo de determinado medicamento utilizado no combate a certa doença grave, de modo a evitar novas interrupções no tratamento. Não há violação ao princípio da separação dos poderes no caso. Isso porque com essa decisão o Poder Judiciário não está determinando metas nem prioridades do Estado, nem tampouco interferindo na gestão de suas verbas. O que se está fazendo é controlar os atos e serviços da Administração Pública que, neste caso, se mostraram ilegais ou abusivos, com supedâneo na sua legitimação garantista, de acordo com a seguinte ementa:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO E MANUTENÇÃO EM ESTOQUE. DOENÇA DE GAUCHER. QUESTÃO DIVERSA DE TEMA COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. SOBRESTAMENTO. RECONSIDERAÇÃO. PREQUESTIONAMENTO. OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. DEVER. PODER PÚBLICO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – A questão discutida no presente feito é diversa daquela que será apreciada no caso submetido à sistemática da repercussão geral no RE 566.471-RG/RN, Rel. Min. Marco Aurélio. II - No presente caso, o Estado do Rio de Janeiro, recorrente, não se opõe a fornecer o medicamento de alto custo a portadores da doença de Gaucher, buscando apenas eximir-se da obrigação, imposta por força de decisão judicial, de manter o remédio em estoque pelo prazo de dois meses. III – A jurisprudência e a doutrina são pacíficas em afirmar que não é necessário, para o prequestionamento, que o acórdão recorrido mencione expressamente a norma violada. Basta, para tanto, que o tema constitucional tenha sido objeto de debate na decisão recorrida. IV – O exame pelo Poder Judiciário de ato administrativo tido por ilegal ou abusivo não viola o princípio da separação dos poderes. Precedentes. V – O Poder Público não pode se mostrar indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. Precedentes. VI – Recurso extraordinário a que se nega provimento. (STF. 1ª Turma. RE 429903/RJ, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 25/6/2014).
4. CONCLUSÃO
Logo, de acordo com os argumentos expendidos, constata-se que o Poder Judiciário é legitimado constitucionalmente para garantir os direitos fundamentais, ainda que seja necessário efetuar o controle da Administração Pública, sem olvidar o papel ativo do Ministério Público na judicialização das políticas públicas.
Portanto, com supedâneo no neoconstitucionalismo, tanto o Judiciário como o Ministério Público, atualmente, possuem papel fundamental na defesa da força normativa da constituição e na efetividade dos direitos fundamentais, numa busca do cumprimento do objetivo fundamental de construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3ª, inc. I, CF).
REFERÊNCIAS:
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FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Jus Podivm, 2013.
OLIVO, Luis Carlos Cancellier de. Juízes legisladores: o controle de constitucionalidade das leis como forma de exercício do direito judiciário. Seqüência: estudos jurídicos e políticos, ISSN-e 2177-7055, Vol. 21, Nº. 41, 2000, págs. 83-112. Disponível em: <http//dialnet.uniroja.es>. Acesso em: 16 dez. 2014.
SARLET, Ingo Wolfgang. Os Direitos Sociais como Direitos Fundamentais: contributo para um balanço aos vinte anos da Constituição Federal de 19881 20 anos da Constituição Federal de 1988, foi objeto de veiculação na Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica. 20 Anos de Constitucionalismo Democrático – E Agora? Porto Alegre-Belo Horizonte, 2008, p. 163-206. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/artigo_Ingo_DF_sociais_PETROPOLIS_final_01_09_08.pdf. Acesso em: 16 dez. 2014.
Notas:
1 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 851, 1 nov. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/7547>. Acesso em: 16 dez. 2014.
2 CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo. Panóptica, Vitória, ano 1, n. 6, fev. 2007, p. 1-44. Disponível em: <http//:www.panoptica.org>. Acesso em: 16 dez. 2014.
3 Idem
4 SARLET, Ingo Wolfgang. Os Direitos Sociais como Direitos Fundamentais: contributo para um balanço aos vinte anos da Constituição Federal de 19881 20 anos da Constituição Federal de 1988, foi objeto de veiculação na Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica. 20 Anos de Constitucionalismo Democrático – E Agora? Porto Alegre-Belo Horizonte, 2008, p. 163-206. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/artigo_Ingo_DF_sociais_PETROPOLIS_final_01_09_08.pdf. Acesso em: 16 dez. 2014.
Graduado em Direito pela Universidade Federal de Sergipe (2008). Pós-graduado em Ciências Criminais pela Universidade Gama Filho (2009). Pós-graduado em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Estácio-FASE (2015). Ex-servidor do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe (2005-2008). Servidor do Tribunal Regional Eleitoral de Sergipe. Chefe de Cartório Eleitoral (2009-2015). Aprovado nos concursos para Analista judiciário do TRT20, Analista judiciário do TRF1, Analista judiciário do TRF5, Analista processual do Ministério Público da União, Promotor de Justiça do Estado de Alagoas, Promotor de Justiça do Estado do Maranhão, Juiz substituto do Tribunal de Justiça do Maranhão, Juiz substituto do Tribunal de Justiça do Ceará e Juiz substituto do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal e Direito Eleitoral.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Isaac de Medeiros. O controle da Administração Pública e a legitimação judicial garantista sob o enfoque do neoconstitucionalismo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 jan 2015, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42924/o-controle-da-administracao-publica-e-a-legitimacao-judicial-garantista-sob-o-enfoque-do-neoconstitucionalismo. Acesso em: 23 dez 2024.
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