RESUMO: O presente ensaio analisará a possibilidade de servidor que responde a processo administrativo disciplinar ter direito à aposentadoria voluntária, avaliando doutrina e jurisprudência dos tribunais.
Palavras-Chaves: Administrativo. Aposentadoria. Processo Administrativo.
INTRODUÇÃO
É comum se inquinar de ilegal ato praticado pelos órgãos de recursos humanos da administração pública consistente em impedir o prosseguimento do pleito relativo ao pedido de aposentadoria voluntária de servidores que respondem a processo administrativo disciplinar.
Alega-se que a inexistência de procedimentos administrativos disciplinares como condição para o deferimento da aposentadoria é inconstitucional e bem assim somente impediria a concessão da aposentadoria durante o período fixado em lei para o término do procedimento disciplinar, não podendo essa proibição perdurar ad eternum.
DESENVOLVIMENTO
Inicialmente deve-se destacar a existência expressa em lei de impedimento de concessão de aposentadoria a servidor que responde a procedimento administrativo disciplinar.
Trata-se do art. 172, da Lei n. 8.112/90, que tem o seguinte teor:
O servidor que responder a processo disciplinar só poderá ser exonerado a pedido, ou aposentado voluntariamente, após a conclusão do processo e o cumprimento da penalidade, acaso aplicada.
Tal dispositivo tem a finalidade de evitar qualquer manobra tendente a frustrar a aplicação de penalidade ao servidor investigado, tornando imprestável todo o trabalho realizado nos autos do procedimento disciplinar e retirando a efetividade de qualquer medida disciplinar imposta.
Cabe frisar que tal dispositivo jamais foi objeto de questionamento quanto a sua constitucionalidade, já que este não impede o exercício do direito à aposentação, apenas o condiciona à inexistência de procedimentos administrativos disciplinares, em nome também de um axioma constitucional que é a moralidade administrativa.
Ao contrário, existem diversos pronunciamentos judiciais reconhecendo a legalidade de decisão administrativa que estipula a finalização do processo administrativo disciplinar como condição para a concessão da aposentadoria, em virtude da existência de procedimentos disciplinares instaurados. Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. PEDIDO DE APOSENTADORIA. LEI Nº 8.112/90, ART. 172. PROCESSO
ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. SEGURANÇA DENEGADA.
1. Não pode ser inquinado de ilegal e abusivo o ato do Diretor do Foro que determina o sobrestamento do pedido de aposentadoria, em razão de existir, contra o servidor, processo administrativo disciplinar, porque em perfeita consonância com o normativo legal que rege a matéria.
2. Encontrando-se os autos atualmente sob a apreciação do Tribunal não pode ser atribuída ao Diretor do Foro a demora no trâmite do processo. Improcedente, no ponto, a irresignação do Impetrante.
(MS 2004.01.00.054427-0/MG, Rel. Desembargadora Federal Neuza Maria Alves da Silva, Primeira Seção, e-DJF1 de 04/05/2009).
RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR. PROCESSO ADMINISTRATIVO EM VIAS DE INSTAURAÇÃO. PEDIDO DE EXONERAÇÃO NEGADO. POSSIBILIDADE.
É lícita a recusa da administração em exonerar o servidor se, ao tempo do requerimento, já estava adotando as providências necessárias para a instauração de processo administrativo com vistas à responsabilização funcional do servidor. Inteligência do art. 258 da Lei Complementar Estadual nº 14/82 (Art. 258. O servidor policial civil só poderá ser exonerado a pedido, após absolvição em processo disciplinar a que estiver respondendo).
Recurso ordinário desprovido.
(RMS 20811/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 03/04/2007, DJ 14/05/2007, p. 334)
É, portanto, perfeitamente razoável que a legislação impeça a continuidade do procedimento de aposentação até a definição do procedimento disciplinar na medida em que sua intenção é preservar a moralidade administrativa.
Este condicionamento legal não constitui qualquer afronta ao direito adquirido, na medida em que em nenhum momento a Lei n. 8.112/90 atacou o direito de aposentadoria do servidor. Não houve retrocesso, por força do art. 172 da Lei n. 8.112/90, do direito à aposentação que servidor adquiriu após cumprir os períodos de tempo exigidos na Constituição Federal. Tem-se apenas que aguardar o desfecho do procedimento disciplinar para seu efetivo exercício.
Sendo assim, patente inexistir qualquer ilegalidade na determinação de se aguardar o desfecho do processo administrativo disciplinar para o deferimento do pedido de aposentadoria voluntária.
Ressalte-se, no entanto, que o judiciário vem temperando este entendimento com o reconhecimento de que este impedimento de concessão da aposentadoria não pode durar eternamente. Tem-se entendido que é preciso definir parâmetros temporais razoáveis, a fim de que o ato de sobrestamento do pedido de aposentação não se transmude em arbitrário e ilegal, impedindo o exercício do direito de aposentadoria.
Nesse sentido, veja-se que o art. 152 da Lei n. 8.112/90 determina que a conclusão do processo administrativo disciplinar não pode exceder a 60 dias, contados do ato que constituir a comissão, admitida a sua prorrogação por igual prazo, quando as circunstâncias exigirem. O art. 167 determina ainda que a autoridade julgadora deve proferir decisão em 20 dias.
Diante disso, na medida em que o procedimento administrativo disciplinar, segundo as disposições acima citadas, deveria durar no máximo 140 dias, a jurisprudência tem olhado com mais sensibilidade para a questão, fazendo uma interpretação conjugada do art. 172 com os arts. 152 e 167, todos da Lei n. 8112/90.
Nesse sentido decidiu o STJ:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. APOSENTADORIA. POSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 172, DA LEI 8.112/90.
- A interpretação sistemática dos dispositivos da Lei 8.112/90 remete à conclusão de que o processo administrativo disciplinar deve ser concluído no prazo máximo de 140 dias, ou seja, 120 dias para a apuração e 20 dias para o julgamento.
- Resulta ilegal o ato que indeferiu pedido de aposentadoria, por aplicação equivocada da disposição contida no art. 172 do Estatuto dos Servidores Civis, na hipótese em que o processo disciplinar perdura por cerca de 11 anos, ainda pendente de conclusão.
- Recurso especial não conhecido.
(REsp 371.138/PR, Rel. Ministro VICENTE LEAL, SEXTA TURMA, julgado em 04/06/2002, DJ 01/07/2002, p. 419)
Assim, segundo este entendimento, extrapolado os prazos fixados em lei, não poderia o servidor que responde a processo administrativo disciplinar ficar aguardando eternamente a finalização do procedimento para ter sua aposentadoria concedida, transmudando-se em ilegal o ato de sobrestamento.
Entretanto, relevante acentuar que o tanto o STF como o STJ tem considerado não existir ilegalidade nas hipóteses em que o processo administrativo disciplinar excede os prazos fixados pelo Estatuto dos Servidores Federais.
Confira-se:
• STJ: Mandado de Segurança nº 7.962. Rel. Min. VICENTE LEAL, DJ de 1.7.2002.
“Esta Colenda Corte já firmou entendimento no sentido de que a extrapolação do prazo para a conclusão do processo administrativo disciplinar não consubstancia nulidade susceptível de invalidar o procedimento.” Idem: STF, Mandados de Segurança nº 7.015, 21.494 e 22.656; e STJ, Mandados de Segurança nº 7.066, 7.435 e 8.877; e Recursos em Mandado de Segurança nº 6.757 e 10.464.
• STF - Mandado de Segurança nº 22.755. Rel. Min. ILMAR GALVÃO, DJ de 3.4.1998.
EMENTA: Inexiste, em nosso sistema jurídico, dispositivo legal que tenha por inviável a punição de infração disciplinar se a sua apuração somente se tornou possível após o sucessivo fracasso de quatro comissões de inquérito em concluir o seu trabalho no prazo de lei.
• STF - Mandado de Segurança nº 22.656. Rel. Min. ILMAR GALVÃO, DJ de 5.9.1997.
EMENTA: Não configura nulidade, à falta de previsão legal nesse sentido, a não-conclusão do processo administrativo no prazo do art. 152 da Lei nº 8.112/90. Circunstância que, de resto, não prejudicou o impetrante, processado sem o afastamento previsto no art. 147 do mesmo diploma legal. Prazo que foi estabelecido em prol da Administração, com o fim de afastar o inconveniente do retorno do servidor afastado, antes de apurada a sua responsabilidade funcional (art. 147, parágrafo único).
Com efeito, os tribunais pátrios tem reconhecido a razoabilidade de se ultrapassar estes prazos nas questões complexas e de difícil instrução. Não teria a legislação, assim, criado um prazo peremptório para o exame de questões relativas à disciplina dos servidores públicos federais nos procedimentos disciplinares, havendo situações que viabilizam sua protelação.
Diante disso, também não há falar em ilegalidade de se condicionar o deferimento da aposentadoria do servidor ao término do procedimento disciplinar, ainda que este procedimento tenha excedido os prazos fixados pelo art. 152 e 167 da Lei n. 8112/90.
Há que levar em consideração a complexidade da questão submetida à apreciação no procedimento administrativo antes de se considerar pela ilegalidade da decisão de sobrestamento do pedido de aposentadoria, na medida em que determinadas situações podem ocasionar a extrapolação do prazo para a finalização do procedimento disciplinar.
Razoável que, em determinadas situações complexas e/ou difícil instrução, haja demora na finalização do procedimento administrativo disciplinar, justificando-se, destarte, que o trâmite processual demore mais que 140 dias, mormente em situações em que a demora no procedimento decorra de comportamento do investigado ou para fiel observância da garantia da ampla defesa e contraditório.
Forçoso avaliar caso a caso quando um período de tempo de duração do procedimento disciplinar é arbitrário ou desarrazoado, a incutir de ilegalidade a decisão de sobrestamento da concessão de aposentadoria até o julgamento definitivo do servidor.
Confira-se a respeito Acórdão proferido pelo TRF 1ª Região no AI n. 0033544-28.2011.4.01.0000:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. APOSENTADORIA VOLUNTÁRIA. AUDITORA FISCAL DA RECEITA FEDERAL. PROCESSO ADMINISTRATIVODISCIPLINAR. PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA RESPEITADOS. EXCESSO DE PRAZO NÃO DEMONSTRADO. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. REQUISITO AUSENTE. IMPOSSIBILIDADE.
I. A pretensão da autora está expressamente vedada pela prescrição contida no art. 172 da Lei 8.112/90: “O servidor que responder a processo disciplinar só poderá ser exonerado a pedido, ou aposentado voluntariamente, após a conclusão do processo e o cumprimento da penalidade, acaso aplicada”.
II. O processo administrativo disciplinar em análise encontra-se em tramitação há aproximadamente 8 (oito) meses. Tempo considerado razoável, principalmente, por não ter causado qualquer prejuízo ao contraditório e à ampla defesa da Autora. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.
III. Ausente o requisito imprescindível da verossimilhança das alegações da Autora, a manutenção do indeferimento da antecipação da tutela é medida que se impõe (art. 273/CPC).
IV. Agravo de instrumento a que se nega provimento.
CONCLUSÃO
Com efeito, não se pode inquinar de ilegal o ato administrativo que obstaculiza a concessão de aposentadoria voluntária em virtude de o servidor estar respondendo a processo administrativo disciplinar, ainda que este tenha extrapolado o prazo de 140 dias de duração. A mera duração do processo administrativo disciplinar superior ao prazo legal não é motivo suficiente para tornar o procedimento ilegal e, consequentemente, do ato que suspende o deferimento da aposentadoria até o julgamento definitivo da autoridade julgadora.
Determinadas situações, pela sua complexidade e extensão, justificam o prolongamento do processo administrativo disciplinar para além do prazo legal de conclusão, constituindo motivo suficiente para não se relativizar a interpretação do art. 172 da Lei n. 8112/90, que determina o deferimento da aposentadoria somente após a conclusão do procedimento disciplinar e o cumprimento da pena, se for o caso.
A jurisprudência que consagra a interpretação conjunta dos arts. 172, 152 e 167, de modo a entender ilegal o impedimento de concessão de aposentadoria a servidor que responde a processo administrativo disciplinar com prazo de duração extrapolado, deve ser aplicada somente se caracterizada a desarrazoabilidade da demora, tornando o ato arbitrário.
PROCURADOR FEDERAL. GRADUADO EM DIREITO PELA PUC-RIO, POS GRADUADO EM DIREITO PUBLICO PELO IDP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARBACH, Mauricio Neves. Apontamentos sobre a inviabilidade de concessão de aposentadoria voluntária ao servidor que responde a processo administrativo disciplinar Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 jan 2015, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42947/apontamentos-sobre-a-inviabilidade-de-concessao-de-aposentadoria-voluntaria-ao-servidor-que-responde-a-processo-administrativo-disciplinar. Acesso em: 23 dez 2024.
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