RESUMO: O aumento populacional acarretou a expansão urbana nas grandes cidades e crescimento nas cidades do interior. O crescimento sem planejamento e sem ordenação é estimulante para aos litígios envolvendo disputas acerca de bens. O direito das coisas tem a finalidade de regular a conduta dos cidadãos, seja para resolver querelas pendentes, seja para evitá-las por meio da imposição da conduta devida. Uma das matérias propedêuticas do direito das coisas é o instituto da posse, ainda que iniciadora, seu conteúdo é complexo. Tendo duas teorias balizadoras, o conceito da posse bebe na tese de Savigny e de Ihering para estabelecer as normas jurídicas, sendo adotada esta última pelo sistema brasileiro. Como desdobramento da propriedade, os poderes inerentes à posse geram várias situações. Falar-se-á brevemente acerca das espécies de posse, das teorias da natureza jurídica, da importância e diferenciação com a propriedade e sobre a proteção da posse. A metodologia utilizada é a pesquisa bibliográfica referenciada nos principais autores da área. Este trabalho visa à iniciação ao assunto do direito das coisas e à posse, em específico. Embora seja um trabalho acadêmico, a linguagem utilizada certamente pode ser voltada a leigos na área, visto que a pertinência que o assunto demanda no dia a dia da sociedade.
Palavras chave: Direito das Coisas, Propriedade, Posse, Teorias da Posse.
ABSTRACT: The population increase led to urban sprawl in major cities and growth in the inner cities. The growth without planning and without sorting is stimulating to the litigation involving disputes over property. The law of things is intended to regulate the conduct of citizens, is to resolve disputes pending, or to avoid them by imposing the appropriate conduct. One of the subjects propaedeutic the law of property is the Institute of possession, albeit initiator content is complex. Having two basic theories, the concept of possession in inspired thesis Savigny and Ihering to establish legal standards, the latter being adopted by the Brazilian system. As an extension of the property, the powers of ownership generate various situations. It will explained about species of tenure, theories of legal status, the importance and differentiation with the property and the protection of tenure. The methodology used is the literature referenced in key authors in the field. This work aims at the initiation to the subject of the law of property and possession, in particular. Although an academic work, the language used can certainly be facing the laity in the area , since the relevance that the subject requires in daily society.
Keywords: Property Law, Property, Possession, Possession Theories.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 DESENVOLVIMENTO. 2.1 Preliminares. 2.2 Posse, ideias gerais. 2.3 Teorias da posse. 2.4 Conceito e objeto da posse. 2.5 Espécies e qualificação da posse. 2.6 Aquisição e consentimento da posse. 2.7 Efeitos da posse. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
O dia-a-dia das sociedades geram litígios, isso porque os homens, apesar de viverem também em uma tutela ética da conduta moral, nem sempre entram em acordo por eles próprios. Como a moral social vigente não é passível de sanção, a querela quando levada ao Judiciário deve sempre resultar em resposta à disputa. Vários são as especialidades do Direito que tentam abarcar todas as possibilidades de disputa entre querelantes, dentro das várias possíveis, temos o direito das coisas, que regula a conduta mister da relação entre os indivíduo e os bens suscetíveis de valoração, sendo todos tutelados pelo Estado-Juiz.
Ser dono de uma coisa, de algo móvel ou imóvel, é algo que se absorve desde pequeno, pois culturalmente tem-se o significado de propriedade vem desde a infância, influenciado principalmente pelos pais (NERY, 2012). Com o crescimento do jovem, tornando-se este adulto e capaz, ele deve ter a noção de universalidade ao respeitar o direito do outro sem perturbá-lo. Nas concepções da relação entre indivíduo e coisa teremos as mesmas condutas, cada uma, na propriedade, posse e detenção, com suas especificidades. Não à toa, esse assunto é objeto constante de discussão doutrinária e divergência jurisprudencial. Visto o trabalho ser breve e o assunto amplo, a intenção desta pesquisa é de provocar a reflexão de forma propedêutica, a fim de despertar no leitor a curiosidade em dialogar com o objeto analisado. Este trabalho visa breve reflexões acerca de conteúdo abordado na cadeira de Direito Civil – Coisas, como conceituação de parte do conteúdo programático previsto. O escopo do trabalho se limita ao diálogo entre a posse e a comunidade, com a finalidade de estabelecer suas devidas importâncias para a sociedade e os efeitos que elas geram no direito das coisas. A abordagem é bibliográfica, com a abordagem doutrinária de autores conceituados para a fundamentação dos posicionamentos.
O direito das coisas teve forte influência dos romanos, haja vista a necessidade deles de estabelecer regras de conduta, em virtude do grande território do império. O direito das coisas é o ramo do Direito Comparado que mais tem homogeneidade no mundo, isso demonstra a grande importância que se deu à propriedade, como quase uma extensão do indivíduo, estabelecendo direitos reais com oposição a todos, oposição absoluta erga omnes (GONÇALVES, 2012). Há essa diferenciação justamente porque o direito das coisas trata de bens suscetíveis de apropriação do homem, o que geram os direitos reais. Os direitos reais se diferenciam dos direitos pessoais, este com efeitos inter partes. Essa diferenciação é pertinente para ratificar o papel fundamental da posse-propriedade na sociedade. Enquanto os direitos pessoais podem ser oponíveis quanto a outro indivíduo em virtude de obrigação, os direitos reais são oponíveis em absoluto, funcionando como elo de conduta da própria comunidade.
No entanto, a definição do significado da propriedade e seus efeitos modificou-se no decorrer do tempo. O conceito de propriedade foi mudando ao longo do tempo, desde a civilização romana até os dias atuais. Inicialmente, a propriedade abarcava uma ideia individualista com o indivíduo, tendo este inclusive o direito de abusar daquilo que era proprietário. Ao tempo da Idade Média, essa concepção teve forte mudança, visto a pulverização do uso da propriedade, entre suseranos e servos. A utilização da propriedade neste período foi marcada por forte influência da Igreja e dos grandes monarcas, que a utilizavam como instrumento de perpetuidade do poder. Com o advento do Estado Moderno, o absolutismo do poder retornou intensivamente à tradição romana do individualismo da propriedade. O fortalecimento da classe burguesa também culminou na exacerbação desse individualismo.
Porém, o liberalismo foi perdendo força no mundo contemporâneo, que imprescindiu de dar novas concepções à propriedade, juntamente com os direitos de segunda geração, os direitos sociais. A partir daí, a propriedade deixa de ter um caráter exclusivamente individualista e passa também a exercer uma função social (NETO, 1987).
Nessa concepção, nasce a função social da propriedade, como característica comunitária na Constituição de 1988, que além de artigos que garantem a intervenção do Estado, também possui ideais liberais, como o respeito à propriedade. Assim, a propriedade, deve ter a característica de posse-trabalho, visto que aquele que a detém, tem o dever de torná-la produtiva para a sociedade, conforme ressalta Gonçalves:
A preponderância do interesse público sobre o privado se manifesta em todos os setores do direito, influindo decisivamente na formação do perfil atual do direito de propriedade, que deixou de apresentar as características de direito absoluto e ilimitado para se transformar em um direito de finalidade social. Basta lembrar que a atual Constituição Federal dispõe que a propriedade atenderá a sua função social (art. 5º, XXIII). Também determina que a ordem econômica observará a função da propriedade, impondo freios à atividade empresarial (art. 170, III) (GONÇALVES, 2012, p. 11).
Assevera ainda Gonçalves acerca da posse-trabalho:
Não bastasse, o Código Civil de 2002 criou uma nova espécie de desapropriação, determinada pelo Poder Judiciário na hipótese de ‘o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante’ (art. 1.228, § 4º). Nesse caso, ‘o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário’ (§ 5º) (GONÇALVES, 2012, p. 13).
Trata-se de inovação de elevado alcance, inspirada no sentido social do direito de propriedade e também no novo conceito de posse, qualificada como posse-trabalho. Há de se distinguir, porém, a propriedade da posse, visto que é possível a confusão de significados para a parte leiga da sociedade. Enquanto a propriedade é dotada pelo domínio, ou seja, o direito de dispor como quiser daquele bem, a posse, por sua vez garante o uso da coisa. Na posse, o possuidor utiliza a coisa como se dono fosse, devendo cuidar do bem da forma devida. Conforme Lisboa exemplifica:
Não se deve confundir posse com propriedade. O proprietário possui o domínio sobre um bem, podendo utilizá-lo, fruir de suas funções econômicas ou, ainda, dele dispor, transmitindo-o gratuita ou onerosamente para outra pessoa em caráter definitivo, quando assim bem entender. [...] A posse, por sua vez, pode ser atribuída a quem é o proprietário ou a quem não é. Exemplos: o possuidor de um imóvel somente obtém a propriedade dele quando o bem estiver registrado em seu próprio nome junto ao cartório de registro de imóveis; o inquilino tem a posse do imóvel que lhe foi alugado pelo locador, que se mantém como o proprietário da coisa mesmo durante a vigência do contrato; o credor pignoratício tem a posse da coisa imóvel que lhe foi dada em garantia a título de penhor, cuja propriedade continua sendo do devedor pignoratício mesmo durante a vigência do contrato de empréstimo. E assim por diante (LISBOA, 2012, p.28).
Não à toa, os bens são alvos de constantes querelas judiciais, visto que ao possuir um bem, o possuidor também tem direitos garantidos, inclusive contra o proprietário, em determinadas situações como na locação ou no comodato. Vê-se então que a posse deriva da propriedade, porém sem transferir seu domínio se não houver a coincidência da posse-propriedade. Sendo um minus da propriedade, nesse sentido, mais uma vez esclarece Lisboa: “Logo, a posse é um minus em relação à propriedade. Todo proprietário tem a posse, ainda que indireta. Nem todo possuidor, por sua vez, tem o direito de propriedade” (LISBOA, 2012, p.28).
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 – Preliminares
Como ressaltado, o Direito das Coisas tem por objeto bens que são valoráveis, ou seja, que o homem tem o interesse de se apoderar para uso ou posse. Bem descreve o renomado jurista Clóvis Beviláqua quando afirma que o direito das coisas:
É o complexo de normas reguladoras das relações jurídicas referentes às coisas suscetíveis de apropriação pelo homem. Tais coisas são, ordinariamente, do mundo físico, porque sobre elas é que é possível exercer o poder de domínio (BEVILÁQUA, 1915, p. 11).
Porém, o que seriam as coisas? Que definição possível é a do objeto do estudo do Direito das Coisas? A delimitação é importante a fim de verificar as devidas competências jurídicas acerca do tema. Por isso, Carlos Roberto Gonçalves conceitua a definição de coisas da seguinte forma:
Bens são coisas que, por serem úteis e raras, são suscetíveis de apropriação e contêm valor econômico. Somente interessam ao direito coisas suscetíveis de apropriação exclusiva pelo homem, sobre as quais possa existir um vínculo jurídico, que é o domínio. As que existem em abundância no universo, como o ar atmosférico e a água dos oceanos, por exemplo, deixam de ser bens em sentido jurídico (GONÇALVES, 2012, p. 9).
Embora seja citado que bens em abundância deixam de ser bens em sentido jurídico, é preciso perceber a relação deles no sentido concreto. Isso porque com a dinâmica da sociedade, praticamente tudo que a envolve passa a ter importância jurídica. Exemplo, imagine-se que em determinado local haja grande poluição atmosférica e por esse motivo haja depreciação dos imóveis em virtude da grande afetação do péssimo ar à saúde dos moradores locais. Tem-se então uma situação em que apesar de não haver um “proprietário” do ar, este passa a influenciar juridicamente a convivência social. No sentido do bem difuso, todos são proprietários e não são proprietários dos bens naturais ao mesmo tempo, ratificado assim pela Constituição de 1988 em seu artigo 225:
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (BRASIL, 1988).
Assim, o dever de conservar os bens, ainda que não suscetíveis de domínio em particular, cabe a todos na sociedade.
2.2 - Posse, ideias gerais.
A ideia de posse é complexa, é um direito que deriva do desmembramento da propriedade. Aparentemente, o possuidor age como proprietário, porém nem sempre propriedade e posse se vinculam ao mesmo indivíduo ao mesmo tempo. Da posse se derivam várias situações possíveis. Há a posse direta e indireta, a posse justa e injusta, a posse de boa-fé e de má-fé, composse, posses paralelas, posse pro indiviso e pro diviso. Destacaremos aqui as principais situações e a importância delas.
Segundo Roberto de Ruggiero:
Não há matéria que se ache mais cheia de dificuldades do que esta, no que se refere à sua origem histórica, ao fundamento racional da sua proteção, à sua terminologia, à sua estrutura teórica, aos elementos que a integram, ao seu objeto, aos seus efeitos, aos modos de adquiri-la e de perdê-la (RUGGIERO, 1929, p. 779).
2.3 - Teorias da posse.
Segundo Carlos Roberto Gonçalves o estudo da posse é cheio de teorias que procuram explicar o seu conceito. Podem, entretanto, ser reduzidas a dois grupos: o das teorias subjetivas e o das teorias objetivas (GONÇALVES, 2012). Assim, têm uma teoria subjetiva, preconizada por Savigny e uma teoria objetiva, fundamentada por Ihering.
A teoria subjetiva de Savigny foi publicada quando o autor contava com apenas 24 anos de idade (COELHO, 2012). Aconteceu no ano de 1893 no escrito “Tratado da Posse”, voltado ao reexame do direito romano voltado ao instituto referido. Para Savigny, para haver a posse propriamente dita era necessário a presença do corpus e do animus. O corpus seria representado pela coisa em si, a relação física entre o indivíduo e a coisa. Já o animus decorria da vontade desse indivíduo de ser dono da coisa. Quando o indivíduo tem um desses requisitos, mas não há posse. Quando o indivíduo tem o corpus, mas não tem o animus, para Savigny, há apenas detenção. A mera detenção, para o autor, não gera os direitos do possuidor, havendo de se verificar, sempre, a parte subjetiva da relação da pessoa e o bem (COELHO, 2012).
Somente quando a intenção do detentor é exercer seu próprio direito de propriedade revestir-se-á a detenção de características suficientes a produzir os efeitos da prescrição aquisitiva e da proteção pelos interditos. Apenas nessa hipótese há mais que detenção: há posse. Em outros termos, quando o detentor tem a intenção de exercer o direito de propriedade alheio, configura-se a mera detenção, que não é pressuposto de direito nenhum; quando tem a de exercer o seu próprio direito de propriedade, verifica-se a posse, fundamento de certos direitos. Neste último caso, o animus possidendi é nada mais que o animus domini (COELHO, 2012, p. 53).
Por sua vez, Ihering definia como teoria objetiva para determinar a posse. Para Rudolf von Ihering, diferentemente de Friedrich von Savigny, para caracterizar a posse, bastava a comprovação do corpus, sendo desnecessária a concepção de animus de Savigny. Porém, Ihering dava outro significado ao corpus, para ele a expressão não significava o contato físico com o bem, mas sim a conduta do agente em conexão com esse bem. Era denominada por ele próprio como teoria objetiva por tal motivo, a não necessidade de se saber a intenção do suposto possuidor.
Diferentemente da teoria anterior, a teoria objetiva permite que se analise a conduta do dono, sem a necessidade de se verificar subjetivamente as intenções do indivíduo. A teoria objetiva é a adotada pelo sistema brasileiro, em virtude de sua praticidade frente à dificuldade de se analisar a subjetividade do indivíduo, proposta por Savigny. Descreve Gonçalves acerca do tema:
Para Ihering, portanto, basta o corpus para a caracterização da posse. Tal expressão, porém, não significa contato físico com a coisa, mas sim conduta de dono. Ela se revela na maneira como o proprietário age em face da coisa, tendo em vista sua função econômica. Tem posse quem se comporta como dono, e nesse comportamento já está incluído o animus. O elemento psíquico não se situa na intenção de dono, mas tão somente na vontade de agir como habitualmente o faz o proprietário (affectio tenendi), independentemente de querer ser dono (animus domini). A conduta de dono pode ser analisada objetivamente, sem a necessidade de pesquisar-se a intenção do agente. A posse, então, é a exteriorização da propriedade, a visibilidade do domínio, o uso econômico da coisa. Ela é protegida, em resumo, porque representa a forma como o domínio se manifesta (GONÇALVES, 2012, p. 40)
Dessa forma, a conduta vale mais que a intenção ou o contato físico com a coisa. Por exemplo, se um lavrador colhe a plantação da safra e a deixa guardada, naquele instante não há contato físico direto do lavrador com a coisa, mas se sabe que a coisa é dele pela conduta previsível do lavrador, a de deixar guardada a colheita (GONÇALVES, 2012). Assim acontece também em locais onde se extrai lenha e os tocos de madeira são colocados em favor da corrente do rio para serem colhidos à jusante. Os tocos navegam sozinhos, porém para a comunidade, sabe-se que eles têm donos, não estão abandonados.
Há ainda teorias sociológicas que enfatizam a prioridade da função social da propriedade, sendo esta algo que não é exclusivo do indivíduo, mas pertencente, até certo ponto, a toda sociedade. Essas teorias fundamentam que a propriedade deve ser útil e produtiva para a comunidade, estabelecendo que elas devem corresponder socialmente em suas utilizações. Assevera Gonçalves:
Essas novas teorias, que dão ênfase ao caráter econômico e à função social da posse, aliadas à nova concepção do direito de propriedade, que também deve exercer uma função social, como prescreve a Constituição da República, constituem instrumento jurídico de fortalecimento da posse, permitindo que, em alguns casos e diante de certas circunstâncias, venha a preponderar sobre o direito de propriedade (GONÇALVES, 2012, p. 44).
Ainda que a posse seja uma conduta onde alguém tem manifestação semelhante ao dono, nem todas essas atitudes configuram-na. As hipóteses de detenção e não posse estão previstas na Constituição Federal. Dessa forma, o servo na posse não é possuidor, nem alguém que conserva a posse em nome de outra pessoa, ou ainda em cumprimento de ordens. Temos como exemplo de detenção os soldados que guarnecem determinado bem por cumprimento de ordem emanada hierarquicamente.
Além da detenção, também não levam à posse o que afirma o art. 1.208 do Código Civil, “os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade” (BRASIL, 2002).
Conclui-se então que é possível que haja posse posteriormente à violência e a clandestinidade, porém somente ao cessar destas.
2.4 - Conceito e objeto da posse.
O direito positivo brasileiro acolheu a teoria de Ihering para conceituar a posse, dessa forma é previsto a posse no Código Civil da seguinte forma pelo art. 1.196, ao ser considerado possuidor “todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade” (BRASIL, 2002).
Assim para ser possuidor, há de ser verificada a conduta do indivíduo. Entretanto, não é só a conduta de possuidor, mas de que forma ela é manifestada. Por exemplo, a posse, para ser legítima, não deve conter os vícios previstos no Código Civil, a saber: violência, clandestinidade e precariedade. Exemplifica o art. 1.208, prescrevendo: “Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade” (BRASIL, 2002). Dessa forma, para que a posse seja justa, ou seja, sem vícios, é necessária adquiri-la da forma do que é previsto no artigo. 1208. Senão, a posse será considerada injusta, mas ainda assim garantirá direitos ao possuidor injusto para quem não tiver melhor posse.
Enquanto perdurar a conduta que vicia a posse, esta não haverá, sendo considerada mera detenção. Pode-se exemplificar como violência o roubo, em que um indivíduo subtrai determinada coisa de outrem mediante coerção física ou psicológica. Tem-se também a clandestinidade como exemplo clássico o furto, onde também há subtração de determinada coisa de outrem, porém sem violência. E por último a precariedade, em que não há subtração, a coisa já se encontra em posse direta de outrem, porém ela não é devolvida conforme obrigação, tendo como exemplos a locação e o comodato, em que a coisa não é restituída (GONÇALVES, 2012).
Carlos Roberto Gonçalves afirma que:
O conceito de posse remonta aos textos e proposições que os jurisconsultos romanos formularam ao nosso direito pré-codificado, ao sistema do Código Civil de 1916 e às diversas teorias estudadas. A formulação da disciplina legal da posse há de ter presente, porém, a organização social contemporânea e as condições locais (GONÇALVES, 2012, p. 47).
Interpreta-se então conforme aludido por Gonçalves, que a posse modifica-se conceitualmente de acordo com as normas de conduta da sociedade vigente, sendo por ela diretamente influenciada.
2.5 - Espécies e qualificação da posse.
Confirmada a posse, têm-se várias espécies e qualificações dela. Se a posse ocorre em virtude de violência ou clandestinidade, há a posse injusta. Se o agente, ainda por posse viciada, acredita plenamente que a coisa é sua, há a posse de boa-fé, ainda que a crença venha de ignorância, ignorância escusável. Se o agente sabe não ser devida a posse que mantém, esta será uma posse de má-fé. Se o possuidor tem a posse, mas não a propriedade acontecerá a posse direta deste e a indireta do proprietário, sendo então uma posse paralela. Se para uma coisa somente há um possuidor, esta será exclusiva, se há dois ao mesmo tempo e diretamente, será composse. Se há posse pode levar a aquisição da propriedade, esta será ad usucapionem, do contrário, será ad interdicta. Pode-se citar ainda a posse pro diviso e a pro indiviso, em que a primeira é passível de divisão em proporções mensuráveis, já a segunda não. Assim descreve Gonçalves:
No Capítulo I do Livro III da Parte Especial o Código Civil trata da posse e de sua classificação, distinguindo a posse direta da indireta; a posse justa da posse injusta; e a posse de boa-fé da posse de má-fé. O exame do texto legal permite, todavia, que sejam apontadas outras espécies: posse exclusiva, composse e posses paralelas; posse nova e posse velha; posse natural e posse civil ou jurídica; posse ad interdicta e posse ad usucapionem; e posse pro diviso e posse pro indiviso (GONÇALVES, 2012, p. 67).
A posse direta é aquela em que há contato imediato do indivíduo com a coisa, porém ela pode surgir do desdobramento de anterior posse direta em indireta. A doutrina admite a possibilidade de vários desdobramentos, chamando essas várias relações de posse acerca da mesma coisa de posse paralela. Entende-se então que é permitido a um possuidor direto e vários possuidores indiretos. Por exemplo, um proprietário loca determinado imóvel que, por sua vez, subloca para outra pessoa, que ainda subloca somente um cômodo do imóvel para uma quarta pessoa. A quarta pessoa será possuidora direta daquela parte do imóvel, sendo todos os outros possuidores indiretos. Conforme prescreve Moreira Alves:
A clássica distinção entre posse direta e indireta surge do desdobramento da posse plena, podendo haver desdobramentos sucessivos. A concepção do aludido desdobramento é peculiar à teoria de Ihering. Na aludida teoria o corpus, diversamente do que sucede na defendida por Savigny, engloba a possibilidade de utilização econômica da coisa, o exercício de fato de alguns dos direitos inerentes à propriedade. Quem se comporta como se tivesse tais direitos sobre a coisa é possuidor dela, ainda que não a tenha sob sua dominação direta (MOREIRA ALVES, 1990, p. 455).
Diferentemente à posse paralela, há a composse. Na composse há dois indivíduos com os mesmos poderes sobre a coisa ao mesmo tempo. Enquanto na posse paralela havia uma subordinação de poderes, na composse há uma ambivalência, em presunção, dos poderes de posse sobre a coisa. Tome-se como exemplo o casal em que o cônjuge adquire determinado bem, pelo fato de estarem casados, o bem comprado é de composse para ambos. Ademais, gera-se a possibilidade da divisão ou não da posse. No caso do cônjuge, há uma posse pro indiviso, em virtude da não possibilidade de partição da coisa por causa do casamento. Do outro lado, existe a posse pro diviso, que é a composse passível de mensuração das respectivas partes dos diferentes compossuidores, como, por exemplo, o terreno onde cada um é dono de fração já dividida do mesmo. Preceitua Gonçalves:
É o que sucede com adquirentes de coisa comum, com marido e mulher em regime de comunhão de bens ou com coerdeiros antes da partilha. Co.mo a posse é a exteriorização do domínio, admite-se a composse em todos os casos em que ocorre o condomínio, pois ela está para a posse assim como este para o domínio (GONÇALVES, 2012, p. 71).
Cabe ainda ressaltar a importância da diferenciação de posse velha e posse nova. Posse velha é a que tem mais de ano e dia e posse nova a que tem menos de ano e dia. Esse conceito provavelmente surgiu em decorrência dos ciclos de plantações, mas não há certeza acerca do assunto. É importante porque poderá dar ensejo a direitos ao possuidor na posse velha, que não ocorrem na posse nova. Conforme Gonçalves:
É bastante obscura a história do direito a propósito da fixação desse prazo, havendo notícia de que estaria relacionado ao plantio e às colheitas, que geralmente levam um ano. A versão mais corrente é que a anualidade surgiu nos costumes germanos, sendo necessária para a posse poder (GONÇALVES, 2012, p. 87).
Não se deve confundir com a ação de força velha e a ação de força nova, pois estas remetem à ação do possuidor que teve a coisa esbulhada ou turbada. Se tiver agido em menos de ano e dia, considera-se ação de força nova, garantindo melhores condições para a reintegração, do contrário será ação de força velha, que não permitirá antecipação de tutela como liminar para o autor. Esclarece Gonçalves:
É possível, assim, alguém que tenha posse velha ajuizar ação de força nova, ou de força velha, dependendo do tempo que levar para intentá-la, contado o prazo da turbação ou do esbulho, assim como também alguém que tenha posse nova ajuizar ação de força nova ou de força velha (GONÇALVES, 2012, p. 87).
Por último podemos citar a posse civil ou jurídica e a posse natural. A primeira ocorre em virtude de força de lei, mesmo não tendo contato físico com a coisa. A segunda acontece quando há poderes de fato sobre a coisa, como comenta Limongi França: “Que se assenta na detenção material e efetiva da coisa” (LIMONGI FRANÇA, 1964, p.18)
2.6 - Aquisição e consentimento da posse.
Tito Fulgêncio comenta a diferença entre a aquisição da propriedade e a da posse. Quem pretende demonstrar a aquisição da propriedade tem de fornecer a prova da origem ou do ensejo que a engendrou. O mesmo, entretanto, não se dá com a posse. Tratando-se de mero estado de fato, que pode ser demonstrado como tal, não há razão para se lhe remontar à origem (FULGÊNCIO, 1980). Disso se conclui que o processo para a demonstração da propriedade é mais complexa, necessitando mais que a conduta, mas de comprovações para ratificá-la verdadeira. Diferentemente, a posse se verifica pela própria conduta do indivíduo, excetuadas as situações em que há a detenção, ou em virtude de violência e clandestinidade não cessadas.
Embora a posse não se confunda com a propriedade, o prolongamento daquela, desde que não se encontre nas situações vedadas, pode levar à aquisição da propriedade. Isso acontece pelo legislador privilegiar a produção da coisa, ou seja, a função social da propriedade. O usucapião, por exemplo, decorre de posse ininterrupta em que o proprietário não se manifestou quando devido. Este abandono da coisa leva a possibilidade do possuidor ad usucapionem transferi-la para o seu patrimônio. De outra forma, o locatário, que tem posse direta, mas não tem a propriedade, não tem direito, apesar da posse direta, a possibilidade de aquisição da propriedade, isso em virtude de sua posse ser caracterizada como ad interdicta.
2.7 - Efeitos da posse.
Preleciona Orlando Gomes, apesar de entender que há dissensão doutrinária na determinação dos efeitos jurídicos da posse, que elas são divididas nas teorias que aceitam a sua eficácia em dois grupos: o primeiro, constituído pelos que admitem a pluralidade dos efeitos da posse; o segundo, pelos partidários da unicidade, que sustentam produzir a posse um único efeito, qual seja, o de induzir à presunção de propriedade. E coloca-se entre os que aceitam a última teoria, argumentando que, sendo a posse a exteriorização da propriedade, todos os efeitos dimanam da propriedade que, na realidade, é o único efeito da posse (GOMES, 1983).
Porém, na prática da posse surgem diversos efeitos, que se pode citar dentre os primeiros, a possibilidade do possuidor ser protegido pelo interditos possessórios. Por ser a posse juridicamente complexa, principalmente frente à propriedade, surge a necessidade de ação específica que possa dar resposta à demanda da maneira devida. Conforme Fábio Ulhoa Coelho: “A posse assegura ao possuidor o manejo de determinadas ações judiciais em defesa dos seus interesses. São as ações possessórias (ou interditos)” (COELHO, 2012, p. 28).
Também decorre da posse a possibilidade de colher os frutos da coisa possuída, variando de acordo com a boa-fé ou má-fé do possuidor. Os frutos colhidos ao tempo que estava de boa-fé, ainda que injusta não precisam ser restituídos, diferentemente dos colhidos ao tempo de má-fé.
Se determinada pessoa não mais conserva a posse, por haver sido esbulhado, terá de ajuizar ação de reintegração de posse, como já mencionado. A proteção conferida ao possuidor é o principal efeito da posse. Dá-se de dois modos: pela legítima defesa e pelo desforço imediato (autotutela, autodefesa ou defesa direta), em que o possuidor pode manter ou restabelecer a situação de fato pelos seus próprios recursos; e pelas ações possessórias, criadas especificamente para a defesa da posse (heterotutela).
As ações tipicamente possessórias (manutenção, reintegração e interdito proibitório) também podem ser denominadas interditos possessórios, pois constituem formas evoluídas dos antigos interditos do direito romano, que representavam verdadeiras ordens do magistrado. O vocábulo interdito, segundo esclarece Washington de Barros Monteiro, tem origem na expressão interim dicuntur, que expressa a volatilidade da decisão proferida no juízo possessório, de qual finalização só se alcança no juízo petitório. Quando o possuidor se acha presente e é turbado ao exercer sua posse, pode se defender, fazendo uso da defesa direta, agindo, então, em legítima defesa. A situação se assemelha à da excludente prevista no Código Penal. Acaso, porém, a hipótese for de esbulho, tendo ocorrido a perda da posse, poderá fazer uso do desforço imediato (MONTEIRO, 2003).
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho visou apresentar, ainda que de maneira sucinta, a conceituação básica do conteúdo a ser abordado ao longo do semestre em Direito Civil – Coisas, cadeira ministrada pelo Sr. Professor Doutor Luiz Eduardo. Assunto específico do direito das coisa, a posse. Nota-se impreterivelmente a importância do entendimento da posse, seja para os acadêmicos do Direito, seja para os leigos da sociedade, que inevitavelmente utilizam dia a dia pela conduta a prática do que previsto juridicamente, ainda que não saibam.
Outrossim, a complexidade do assunto torna ainda mais pertinente a compreensão dos seus detalhes, visto que as turbações e esbulhos da posse ocorrem diariamente. As coisas, como objetos de apropriação do homem agem como elos da sociedade, pois permeiam as relações contratuais das mais variadas como compra e venda, locação, comodato etc. A concepção do que é a posse direta, indireta, pro diviso, pro indiviso e afins demonstra que o direito abarca todas as relações humanas, regulamentando-as a fim de evitar as querelas, e estas havendo, resolvê-las.
A diferenciação de propriedade e posse, além de conceituações básicas são matéria propedêutica para o estudo do direito das coisas e, ainda que o direito não consiga acompanhar a sociedade na amplitude das leis, pela analogia e a integração o ordenamento é completo, dessa forma o estudo da doutrina sempre é dever do pesquisador da área jurídica.
Em tempos de escassez de terrenos para construção de edificações, de compra de terrenos para especulação imobiliária e disputa de vizinhos pelos mais variados motivos, o direito das coisas vem regular a normas para agir em todas essas situações.
Infelizmente, a grande parcela da população não dá a devida importância para as leis positivadas. A educação social devia prever o conhecimento básico das leis, para que o mundo jurídico não se tornasse uma língua indecifrável aos cidadãos leigos em Direito. A imprensa sensacionalista frente aos litígios exerce papel contrário à solução pela mediação, ao invés de corroborar com a resolução pacífica do problema, extraem o que há e o que não há da querela a fim de somente aumentar a audiência.
Nessa sociedade em que o Estado-juiz tem uma demanda cada vez maior e mais difícil, a saída jurídica mais viável talvez seja conscientizar a população dos direitos e deveres previstos legalmente, dessa forma os litígios talvez sejam evitados pelo prévio conhecimento dos direitos individuais acerca das coisas.
O Direito diz mais ao dia a dia do que ao hermético estudo teórico, o conhecimento dos livros e das salas acadêmicas deve sair às ruas para que o Direito seja um instrumento de comunicação eficaz. Embora essa ideia possa levar a popularização do Direito, cabe aos estudiosos da área instrumentalizar e aperfeiçoar o conhecimento técnico, pois o entendimento do assunto pela sociedade não leva à mitigação dos estudiosos e operadores do Direito, pois, como já mencionado, essa área do conhecimento continua e sempre continuará vestida de teor técnico e científico.
REFERÊNCIAS
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CAPITÃO DO CORPO DE BOMBEIROS, GRADUANDO DO CURSO DE DIREITO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAVALCANTE, Rafael Pinheiro Gonçalves. Breves reflexões acerca do instituto da posse e a sua importância para a sociedade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 jan 2015, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42952/breves-reflexoes-acerca-do-instituto-da-posse-e-a-sua-importancia-para-a-sociedade. Acesso em: 23 dez 2024.
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