RESUMO: A instrução probatória é fase importantíssima do processo, uma vez que a prova é produzida em momento próprio e influencia todas as demais fases da discussão judicial. A intenção deste artigo é analisar o dispositivo 818 e o 769 da CLT, de forma a entender as discussões teóricas sobre o ônus da prova na justiça do trabalho, os princípios existentes sobre o tema e a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil e do Código de Defesa do Consumidor. A natureza instrumental do processo do trabalho provoca a sua natural aproximação ao direito material. Logo, na análise do ônus probatório, é essencial não se esquecer dos princípios do direito material, sob pena de se estender a nítida desigualdade das partes e frustrar a instrumentalidade do processo, deixando de lado o verdadeiro objetivo da jurisdição.
Palavras chave: ônus; direito; trabalho; princípios; prova; inversão; jurisprudência, processo.
SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Princípios protetores do direito do trabalho 3. Princípios norteadores da prova 4. Conceito de ônus da prova no processo do trabalho 5. O ônus da prova - direito do trabalho e CPC 6. A inversão do ônus da prova 7. Jurisprudência sobre o assunto 8. Conclusão 9. Referências bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
No processo do trabalho, assim como no processo civil e no processo penal, apenas para citar os mais tradicionais, a instrução probatória consiste no momento processual para o qual convergem todas as atenções dos envolvidos na lide.
A sua relevância se evidencia ainda mais quando se tem em mente que, ao contrário do que ocorre com as teses jurídicas deduzidas na fase postulatória, que podem ser repetidas e até mais desenvolvidas em razões finais e posteriormente na fase recursal, a prova somente é produzida na primeira instância, em momento próprio, servindo para todo o restante do processo.
Com efeito, ao analisarmos a prova no processo do trabalho, justiça especial que é, defrontamo-nos com o disposto no art. 818 da CLT, que nos aponta um caminho na busca de soluções, cheio de dúvidas, porque é restrito a dizer o seguinte: "A prova das alegações incumbe à parte que as fizer".
O dispositivo ora mencionado não é suficiente para atender aos anseios da Justiça do Trabalho e à sua realidade, uma vez que há fatos por demais difíceis para o empregado conseguir prová-los, em face da sua subordinação e distância da administração do empreendimento do empregador.
Por outro lado, o art. 769 da CLT autoriza a aplicação subsidiária do CPC quando a CLT for omissa e quando houver compatibilidade do mesmo com as normas trabalhistas. Há omissão da CLT sobre o tema? As regras do CPC são compatíveis com as normas trabalhistas? Quais são os Princípios que regem a matéria? O que é a inversão do ônus da prova? Essas e outras questões serão respondidas neste singelo artigo.
2. PRINCÍPIOS PROTETORES DO DIREITO DO TRABALHO
Princípios são mandamentos de otimização, isto é, de acordo com Robert Alexy, eles são os fundamentos de regras, são os pilares do ordenamento jurídico e, sempre que aplicados, deve-se usar a ponderação, posto que não há que se falar em cumprimento integral de um princípio, mas sim da coexistência de todos eles, de forma a preponderar ora um, ora outro. De forma diversa ocorre com as regras, que são cumpridas ou não por meio da subsunção.
Nesse sentido, os princípios situam-se acima do direito positivo, de modo que sempre prevalecem sobre as disposições legais contrárias a eles, pois eles formam o espírito do direito. Para entender a questão, é necessário citar José Ramos Pascua, no artigo “El fundamento del vigor jurídico de los principios. Dworkin frente a Esser, publicado no Anuario de Filosofia del Derecho, IX (1992), p. 269-90:
“Em suma, os Princípios jurídicos, ainda que plasmados nas normas e instituições jurídico-positivas e coerentes com as mesmas, têm sua raiz (e seu desenvolvimento) no âmbito das valorações ético-políticas; quer dizer, são partículas do ambiente moral de cada sociedade. Por essa razão, quando o operador jurídico faz uso dos mesmos, o Direito se auto-integra e se heterointegra ao mesmo tempo.”
Portanto, podemos entender que os Princípios são responsáveis por nortear o sistema jurídico, servem de alicerce, determinando como será a forma, os objetivos, os meios e os fins que um determinado sistema quer alcançar. Miguel Reale conceitua da seguinte forma
“Princípios são as verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional. Isto é, como pressupostos exigidos pela necessidade da pesquisa e da práxis.”
Assim como em qualquer outro ramo do direito, no Direito do Trabalho é possível encontrar diversos princípios expressos ou implícitos nas leis e que norteiam os operadores do direito, de forma a inspirar a interpretação das normas trabalhistas e regulamentar as relações de trabalho.
Os princípios gerais de direito são aplicáveis no âmbito do Direito do Trabalho por força do artigo 8º da CLT, que dispõe:
“Art. 8º as autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.”
Com efeito, a principal função dos princípios é a de se revelar instrumento de integração do ordenamento jurídico, suprindo direta ou indiretamente, as omissões do legislador. Quando a ordem jurídica não consegue abarcar o Direito através da lei, surge
um espaço vazio a ser preenchido, podendo o Juiz, neste caso, recorrer à analogia, à equidade e aos princípios gerais do direito.
Quando tratamos de qualquer assunto jurídico, não podemos deixar de analisá-lo sob a ótica dos Princípios que lhe são atrelados, pois um estudo sem esse viés tende a ser deficitário.
O Direito do Trabalho é um sistema peculiar e, conta com muitos Princípios. Os Principais, destacados comumente pelas Doutrinas são: Princípio da Proteção; Princípio da Verdade Real; Princípio da norma mais favorável; Princípio da Condição Mais Benéfica; Princípio “in dubio pro operário”; Princípio da Indisponibilidade dos Direitos Trabalhistas; da Intangibilidade Salarial; Princípio da Primazia da Realidade; Princípio da Continuidade da Relação de Emprego, entre muitos outros, até mesmo de outros ramos do direito, mas que embasam as relações jurídicas trabalhistas.
Para ilustrar a afirmação acima, de que princípios de outros ramos do direito podem ser aplicados na esfera trabalhista, cito o Princípio da Busca da Verdade Real, uma vez que há divergência doutrinária quanto à sua especificidade. Este princípio existe tanto na esfera cível, como na penal e alguns autores defendem que o artigo 765 da CLT, também o materializa, in verbis:
“765. Os juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas.”
No próximo capítulo, veremos os princípios relacionados ao ônus da prova.
3. PRINCÍPIOS NORTEADORES DA PROVA
São princípios norteadores da prova no processo do trabalho: princípio da necessidade, da unidade, da lealdade ou probidade, da contradição, da igualdade de oportunidade, da legalidade, da imediação, da obrigatoriedade da prova e o da livre apreciação da prova.
O princípio da necessidade da prova exige que as alegações devam ser provadas, pois a prova é a base da sentença. Já o princípio da unidade reza que as provas sejam apreciadas globalmente. Quanto à lealdade ou probidade, ambos garantem que a realidade não seja deformada. A oportunidade de conhecer e discutir uma prova é dada as
partes pelo princípio da contradição. A igualdade de oportunidade garante às partes, que o pedido de realização de uma prova seja análogo. O princípio da legalidade prevê que uma vez a lei determinando um meio de produção da prova, esta não poderá ser produzida de outra maneira. A imediação significa a direta intervenção do juiz na instrução probatória. O princípio da obrigatoriedade da prova funda-se no fato de que tanto as partes quanto o Estado desejam o esclarecimento da verdade, portanto se às partes não apresentarem determinada prova podem acabar sofrendo sanções no caso de omissão.
O Princípio da livre apreciação da prova diz que apesar de estar o juiz atrelado à motivação, quando se der a apreciação das provas, não implica que existam critérios legais de ponderação. Na formação do convencimento o juiz buscará apoio nos fatos e circunstâncias constantes dos autos. Ou seja, o princípio da livre apreciação judicial tem o condão de evitar abusos por parte dos magistrados, ao mesmo tempo lhe confere liberdade suficiente para decidir conforme o que está nos autos sem ficar amarrado a fórmulas pré- determinadas.
Outro Princípio importantíssimo relacionado ao tema é o Princípio da Proteção, que se subdivide em outros três de acordo com a classificação de Plá Rodriguez: Princípio in dubio pro operario, a prevalência da norma mais favorável ao trabalhador e preservação da condição mais benéfica.
No Direito Processual brasileiro, a regra é a equivalência de posição entre os litigantes, como veremos mais adiante. Já no Direito do Trabalho, em face da hipossuficiencia do trabalhador, o ônus probante é calcado no Princípio da Proteção.
O Princípio da Proteção refere-se ao amparo jurídico do trabalhador, posto que ele se encontra em posição inferior no contrato de trabalho, em razão da sua dependência econômica e subordinação ao empregador. Sob essa perspectiva, o direito do trabalho assegura um conjunto de prerrogativas ao trabalhador, a fim de equilibrar a relação formada com o vínculo trabalhista.
Como dito acima, o Princípio da proteção é subdividido em outros três Princípios, entre eles o ‘In dubio pro operario’ que versa sobre a interpretação das normas duvidosas sempre pela opção mais favorável ao trabalhador.
O segundo é o Princípio da prevalência da norma mais favorável ao trabalhador, que nada mais é do que a prevalência da norma mais favorável quando duas ou mais normas dispuserem sobre o mesmo tipo de direito, independentemente da hierarquia, materializado no artigo 620 da CLT:
“Art. 620. As condições estabelecidas em Convenção quando mais favoráveis, prevalecerão sobre as estipuladas em Acordo.”
O último da divisão tripartite, que é o da condição mais benéfica, tem a função de, segundo Amauri Mascaro Nascimento:
“(...) solucionar o problema da aplicação da norma no tempo para resguardar as vantagens que o trabalhador tem nos casos de transformações prejudiciais que poderiam afetá-lo, sendo, portanto, a aplicação, no direito do trabalho, do princípio do direito adquirido do direito comum.”
O princípio da condição mais benéfica encontra pode ser percebido na CLT:
“Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.
Parágrafo único - Não se considera alteração unilateral a determinação do empregador para que o respectivo empregado reverta ao cargo efetivo, anteriormente ocupado, deixando o exercício de função de confiança.”
Além disso, o Magistrado deverá observar também o Princípio da melhor aptidão para a prova, segundo o qual será detentor do ônus da prova aquele que estiver mais apto a demonstrá-la em juízo.
Importante frisar que a hipossuficiencia indicada aqui não é apenas a econômica, mas também probatória, pois na maior parte dos casos, o empregador que controla os meios capazes de demonstrar a veracidade dos fatos, já que ele é dono do empreendimento, detém o poder diretivo e o controle dos demais empregados que lhe são subordinados, bem como dos documentos inerentes ao contrato de trabalho, como, por exemplo, FGTS e recolhimentos previdenciários.
Com relação a essa característica, é possível citar outro princípio importante, que é o da prova pré-constituída, por meio do qual há que se imputar o ônus da prova àquele que deixou de observar formalidade prevista em Lei.
A idéia central deste capítulo é demonstrar que a característica tutelar do direito do trabalho e a correta aplicação de seus princípios, confere ao julgador instrumentos hábeis para assegurar uma distribuição mais eficaz do ônus probatório.
Encerro este capítulo com uma frase de Santiago Sentis Melendo, a qual julgo essencial para uma abordagem crítica do tema: “A prova requer iniludivelmente, a liberdade. Onde falta liberdade, haverá sucedâneos de prova, porém não haverá prova”.
4. ÔNUS DA PROVA NO PROCESSO DO TRABALHO
Como não há forma do juiz saber o que sucedeu, é necessário que as partes evidenciem a ocorrência dos fatos. As regras sobre o ônus da prova estabelecem um critério, que procura traduzir justiça e lógica a propósito de quais são as categorias de eventos que devem ser comprovadas pelo autor e pelo réu.
Ensina Amauri Mascaro Nascimento que o ônus da prova é:
“(...) a responsabilidade atribuída à parte, para produzir uma prova e que, uma vez não desempenhada satisfatoriamente, traz, como consequência, o não reconhecimento, pelo órgão jurisdicional, da existência do fato que a prova destina-se a demonstrar”.
O caminho percorrido pela atividade investigatória na instrução processual foi bem explanado por José Rodrigues Pinto:
(...) Em princípio, qualquer dos sujeitos goza da ampla liberdade de atuação, no intuito de colher e trazer aos autos do processo a prova dos fatos que ali estejam motivando a controvérsia. Todavia, uma reflexão elementar sobre a conveniência de fazer a prova leva a concluir que cada um irá procurá-la em consonância com os fatos sustentadores de sua postulação.
Partindo-se dessa noção prévia de conveniência, que diz respeito ao interesse privado de cada sujeito, chega-se à noção jurídico-processual do dever de o beneficiário da prova mostrá-la dentro da instrução. Isso leva a divisão do ônus da prova, nem mais nem menos do que o dever legal de cada postulante de desenvolver a atividade probatória dos fatos que, por sua natureza e em função dela, sirvam para convencer da verdade de sua existência, dando suporte à postulação, como acontece com os fatos constitutivos, ou retirando esse suporte ao litigante contrário, como acontece com os extintivos."
É importante ressaltar que ônus é diferente de dever, isto é, o dever é em relação a alguém (relação jurídica entre dois sujeitos, um dos quais é o que deve a satisfação); ao passo que o ônus é em relação a si mesmo. Não há sujeição do onerado, que pode escolher entre satisfazer ou não ter a tutela do próprio interesse.
5. O ÔNUS DA PROVA - DIREITO DO TRABALHO E CPC
A distribuição do ônus da prova no âmbito do Processo Civil seguiu o princípio da igualdade formal dos litigantes (art. 313 CPC), o que vem de encontro ao apregoado por este ramo do direito. No entanto, quando tratar-se de Direito Processual do Trabalho, a aplicação deste princípio se torna inviável, ante a colisão com outros princípios específicos. Importante informar que alguns autores não vêem incompatibilidade na aplicação do Princípio da igualdade formal dos litigantes no processo do trabalho.
Conforme dispõe o art. n°. 769 da CLT encontra-se autorizada a utilização do CPC subsidiariamente à CLT somente quando a última for omissa e, por isso, aqueles que defendem a inviabilidade da aplicação subsidiária alegam que ela não é omissa. O argumento base deste posicionamento é de que as regras do processo civil são incompatíveis com o processo do trabalho, são sistemas processuais diferentes, em face de realidades distintas. Assim pensa Teixeira Filho:
“[...] o art. 818 da CLT, desde que o intérprete saiba captar, com fidelidade, o seu verdadeiro conteúdo ontológico, deve ser o único dispositivo legal a ser invocado para resolver os problemas relacionados ao ônus da prova no processo do trabalho, vedando-se, desta forma, qualquer invocação supletiva do art. 333, do CPC, seja porque a CLT não é omissa, no particular, seja porque há manifesta incompatibilidade com o processo do trabalho. “
Vale ressaltar que embora grandes doutrinadores defendam a não aplicação supletiva da regra de distribuição do ônus do processo civil no processo trabalhista, a maior parte do entendimento doutrinário pauta-se na aplicação subsidiária, sustentando que não há qualquer contradição e incompatibilidade entre os dispositivos.
Com efeito, o art. 333 do Código de Processo Civil complementa o art. 818 da Consolidação das Leis Trabalhistas, sobretudo quanto ao critério de julgamento a ser adotado pelo magistrado no momento em que se deparar com a insuficiência da prova de determinado fato controverso e relevante para o deslinde do litígio. O teor é o seguinte:
“ O ônus da prova incumbe:
I- ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
II- ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. “
A Doutrina majoritária fixou os parâmetros dessa aplicação, como é possível verificar neste trecho:
“Ao processo laboral se aplicam as normas, institutos e estudos da doutrina do processo geral (que é o processo civil), desde que: a) não esteja aqui regulado de outro modo (“casos omissos”, “subsidiariamente”); b) não ofendam os princípios do processo laboral (“incompatível”); c) se adapte aos mesmos princípios e às peculiaridades deste procedimento; d) não haja impossibilidade material de aplicação (institutos estranhos à relação deduzida no juízo trabalhista); a aplicação de institutos não previstos não deve ser motivo para maior eternização das demandas e tem de adaptá-las às peculiaridades próprias. “
Portanto, podemos concluir que a aplicação subsidiária do CPC é perfeitamente possível, desde que em consonância com os princípios específicos e com as peculiaridades do processo do trabalho.
6. A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
O artigo sobre prova existente na Consolidação das Leis do Trabalho (art. 818) é vago como já explanamos acima e a sua interpretação não está, obrigatoriamente, presa à sua gênese histórica. Para que se realize uma distribuição do ônus da prova no processo do trabalho mais condizente com as características da relação de direito material, impõe-se uma interpretação criativa da CLT quanto ao ônus da prova, utilizando-se da concepção de que a realização da prova compete à parte que tiver maior aptidão para a sua produção e do reconhecimento de que tal distribuição do ônus probandi deve embasar-se em critérios determinados pela presunção hominis (experiência de vida) que permitem considerar como verdadeira, até prova em contrário, a alegação verossímil.
Nesse diapasão, a desigualdade real das partes no processo do trabalho é fato indubitável e, em razão disso e do princípio da proteção ao hipossuficente, a jurisprudência trabalhista vem abrandando a linha rígida dessa divisão de ônus, invertendo-o, de referência a fato constitutivo cuja comprovação seria dificultosa para o empregado. O abrandamento é realizado por meio da presunção de veracidade do fato constitutivo alegado, o que inverte o dever da prova ilidente da presunção ao empregador.
Como bem diz Candido Dinamarco:
"Existe, além disso, a necessidade de pautar-se o juiz, no momento de julgar, por uma mentalidade racionalmente instrumentalista, sem a qual não será correta a mediação, que fizer, do grau de intensidade do ônus probandi. (...)A tradicional exacerbação do ônus da prova constitui postura insensível à moderna visão teleológica e instrumentalista do sistema processual. No fundo, ela é uma linha burocrática e, como burocrática que é revela a intolerável dose de comodismo: a burocracia é fruto do medo e do comodismo e, como já foi dito e destacado, a busca incessante da verdade não é de hoje que serve de pretexto para as práticas burocráticas. É preciso ousar. É indispensável ao juiz moderno romper com isso e vencer certos imobilismos.”
A presunção relativa de veracidade consiste na possibilidade do juiz tirar conclusões a partir da demonstração do indício do fato ou fato-base. Ela tem o efeito de deslocar a aplicação dos meios de prova, ou seja, observa-se outro fato que leva a crer que o fato probando ocorreu (provado o indício, tem-se por cumprido o ônus pela parte interessada, passando a parte contrária o encargo de fazer prova em contrário).
A CLT não trata expressamente da inversão do ônus da prova, entretanto, com o surgimento do CDC, o julgador passou a ter um respaldo legal para equilibrar a diferença existente entre os pólos que compõem a relação laboral. Isso porque o art. 6º, VIII do CDC pode ser utilizado e aplicado de forma subsidiária para solucionar a lide, in verbis:
“Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:
(…)VIII- a facilitação da defesa de seus direitos inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências.”
Corroborando com tal entendimento, Teixeira Filho, apesar de acreditar na autossuficiência do art. 818 da CLT, defende a utilização de forma complementar do Código de Defesa do Consumidor, vejamos:
“(…) conquanto entendemos que o art. 818, da CLT, é auto-suficiente, em matéria de ônus probandi, nada obsta a que se utilize, em caráter supletivo, a regra inscrita no inciso VII, do art. 6º, do CDC, máxime, nos casos em que o trabalhador for, verdadeiramente, hipossuficiente. “
Portanto, é nítida a importância da utilização da inversão do ônus da prova de forma a possibilitar o equilíbrio na relação jurídico-processual trabalhista. Na maioria das vezes, em razão do alto custo da prova/perícia ou da dificuldade de obtenção por causa da subordinação/dependência do empregador, a parte autora não tem condições de produzir prova para sustentar sua alegação, inviabilizando-se, assim, o próprio direito pleiteado e afastando o ordenamento jurídico do seu principal objetivo que é o alcance da justiça.
7. JURISPRUDÊNCIA SOBRE O ASSUNTO
TST - RECURSO DE REVISTA RR 4024800932002502 4024800-93.2002.5.02.0900 (TST)
Data de publicação: 26/05/2006
Ementa: RECURSO DE REVISTA. ADMISSIBILIDADE. INVERSÃO DO ÔNUS DAPROVA RECONHECIMENTO DA
RELAÇÃO DE EMPREGO. Da análise do julgado regional não se infere a mácula apontada pela recorrente, porquanto se divisa da sua leitura que o reconhecimento da relação de emprego não exsurgiu da simples presunção, mas da existência de elementos probatórios que demonstravam o descumprimento das exigências previstas na legislação referente ao estágio, como também do convencimento pela prova testemunhal. De sorte que não existiu qualquer inversão da responsabilidade pelo ônus probatório pelo juízo, que em momento algum o redirecionou para um dos pólos e tampouco onerou este com os efeitos da ausência de prova. A efetiva comprovação, pelas provas carreadas aos autos, bem demonstra que inexistira a pretendida ofensa aos dispositivos invocados. ESTÁGIO TÉCNICO PROFISSIONAL - LEI 6.494 /77.O dispositivo tido como violado não aparenta suficiente para impulsionar o conhecimento do recurso, porquanto a determinação ali inscrita de que o estágio não gera vínculo empregatício está condicionada à obediência das demais exigências da lei, que segundo a Corte Regional não foram atendidas. Assim, não se há cogitar de ofensa à norma invocada.SEGURO DESEMPREGO - INDENIZAÇÃO.Divergência jurisprudencial superada pela jurisprudência desta c. Corte, consubstanciada na Súmula 389, II.MULTA DO ARTIGO 477 § 8º , DA CLT . RELAÇÃO DE EMPREGOCONTROVERTIDA. MULTA DO ARTIGO 477 § 8º , DA CLT . RELAÇÃO DEEMPREGO CONTROVERTIDA.A intenção do legislador ao estabelecer a penalidade inscrita no § 8º do artigo 477 da Consolidação das Leis do Trabalho fora reprimir o atraso injustificado do empregador no pagamento das verbas rescisórias incontroversas. Referida pena não tem incidência quando o reconhecimento da parcela ocorre por força de decisão judicial. Da mesma forma inviável a aplicação de multa pelo atraso no adimplemento de obrigação quando controvertida a natureza da relação jurídica havida entre as partes. Recurso de revista conhecido e provido.CORREÇÃO MONETÁRIA. ÉPOCA PRÓPRIA. O pagamento dos salários até o quinto dia útil do mês subsequente ao vencido não está sujeito à correção monetária. Se essa data limite for ultrapassada, incidirá o índice da correção monetária do mês subsequente ao da prestação dos serviços, a partir do dia 1º. Súmula nº 381 do TST. Recurso de revista conhecido e provido.
TRT-20 - Recurso Ordinário RO 824006120095200006 SE 0082400-61.2009.5.20.0006 (TRT-20)
Data de publicação: 22/09/2010
Ementa: RELAÇÃO DE EMPREGO - ALEGAÇÃO, PELO RECLAMADO, DA REALIZAÇÃO DE CONTRATO DE EMPREITADA - INVERSÃO DO ÔNUS DAPROVA - DESINCUMBÊNCIA - NÃO-RECONHECIMENTO. Tendo o reclamado comprovado fato impeditivo à configuração dos direitos autorais, consistente na realização de contrato de empreitada para a execução de uma edificação de sua propriedade, impõe-se o não-reconhecimento da relação típica de emprego, nos moldes exigidos pelos arts. 2º e 3º da CLT .
TRT-16 - 541200700616003 MA 00541-2007-006-16-00-3 (TRT-16)
Data de publicação: 08/03/2010
Ementa: RELAÇÃO DE EMPREGO. NEGATIVA DO VÍNCULO. RECONHECIMENTODE PRESTAÇÃO LABORAL. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. À luz da distribuição do ônus da prova, a reclamada, ao negar a relação de emprego e admitir a prestação de trabalho de outra natureza, opõe fato modificativo ao direito postulado (art. 818 CLT , c/c art. 333 , II , CPC ), provocando a inversão do ônus da prova, ou seja, traz para si o ônus de provar essa nova relação. Em não se desincumbindo de tal mister, tem-se por verdadeiro o vínculo laboral apresentado pela autora. Recurso conhecido e não provido.
TRT-16 - 78200900216006 MA 00078-2009-002-16-00-6 (TRT-16)
Data de publicação: 09/03/2010
Ementa: RELAÇÃO DE EMPREGO. NEGATIVA DO VÍNCULO. RECONHECIMENTODE PRESTAÇÃO LABORAL. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. À luz da distribuição do ônus da prova, a reclamada, ao negar a relação de emprego e admitir a prestação de trabalho de outra natureza, opôs fato modificativo ao direito postulado (art. 818 CLT c/c art. 333 , II , CPC ), provocando a inversão do ônus da prova, ou seja, traz para si o ônus de provar essa nova relação. Em não se desincumbindo de tal mister, tem-se por verdadeiro o vínculo laboral apresentado pelo autor. ELEMENTOS DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO. A relação de emprego caracteriza-se por elementos fático-jurídicos essenciais e distintos, que são a prestação de trabalho por pessoa física a um tomador, de modo pessoal, não-eventual, oneroso e subordinado. Presentes tais requisitos, indubitável a existência a relação de emprego. Recurso conhecido e não provido.
TRT-16 - 2046200600316009 MA 02046-2006-003-16-00-9 (TRT-16)
Data de publicação: 10/12/2008
Ementa: RELAÇÃO DE EMPREGO. RECONHECIMENTO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - Cumpre à parte autora provar a prestação de serviços, quando esta for negada pela parte reclamada. Entretanto, se a parte reclamada admitir a prestação de serviços, atrai para si o ônus da prova, competindo ao demandado o ônus de provar fato impeditivo do direito do autor, nos termos do art. 818 da CLT c/cart. 333 , II do CPC . Vistos, relatados e discutidos estes autos de RECURSO ORDINÁRIO, em que figura como recorrente MARIA ANTÔNIA MORAES VIANA e, como recorrida, JARLENE CRUZ SOARES.
8. CONCLUSÃO
Diante do reconhecimento da instrumentalidade do processo do trabalho, o operador do direito deve ter uma postura distinta de outrora em relação à análise dos institutos processuais, para ensejar a sua aproximação ao direito material, sobretudo dos princípios que o norteiam, a fim de atingir o verdadeiro objetivo da jurisdição.
A partir do instante em que o processo deixou de ser considerado como um fim em si mesmo, para ser reconhecido como um instrumento do direito eficaz para a composição dos conflitos de interesses alcançou-se com maior celeridade a tão pretendida efetividade da tutela jurisdicional.
A natureza instrumental do processo do trabalho provoca a sua natural aproximação ao direito material. Logo, na análise do ônus probatório, um dos temas mais importantes do direito processual trabalhista, é essencial não se esquecer dos princípios do direito material, sob pena de se estender a nítida desigualdade das partes e frustrar a instrumentalidade do processo.
9. BIBLIOGRAFIA
BEZERRA LEITE, Carlos Henrique. Curso de direito processual do trabalho. 3ª edição. São Paulo: LTr, 2005.
TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no processo do trabalho. 3ª edição. São Paulo: LTr, 1986.
Nascimento, Amauri Mascaro. Curso de Direito Processual do Trabalho. Saraiva, 2008.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. Editora Saraiva, 21º edição, 2006.
Artigo do site FISCOSOFT: “A Inversão do Ônus da Prova no Processo do Trabalho” – Autor: Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho.
Artigo do site MIGALHAS: “O ônus da prova no processo do trabalho” – Autora: Márcia Maria Gonçalves Braga.
REALE, Miguel apud VASCONCELLOS, Ana Maria de. Princípios do processo do trabalho. In: VIEIRA, Pedro Benjamim. et. al Manual do Juiz Classista da Justiça do trabalho. 2º ed. São Paulo: LTr.
SARAIVA, Renato. Direito do trabalho: versão universitária. São Paulo-SP: Editora Método, 2008.
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. São Paulo : LTr, 2005.
CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. São Paulo, Saraiva, 2006.
LIMA, André Canuto de F.. A teoria dos princípios de Robert Alexy. Jus Navigandi, Teresina, ano19, n.4078, 31 ago. 2014.Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/31472>. Acesso em: 5 jan. 2015.
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito processual do trabalho: doutrina e prática forense, recursos, sentenças e outros. São Paulo – SP: Atlas,2003
Advogado. Pós- Graduando em Direito do Trabalho (Instituto Legale Cursos Jurídicos). Graduado em Direito (Faculdades Metropolitanas Unidas - FMU). <br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PECOLI, Rubens Dobrovolskis. O ônus da prova na Justiça do Trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 jan 2015, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42967/o-onus-da-prova-na-justica-do-trabalho. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Maria D'Ajuda Pereira dos Santos
Por: Amanda Suellen de Oliveira
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