RESUMO: O presente artigo trata de uma análise teórica da responsabilidade civil dos pais no Brasil em decorrência de abandono afetivo dos filhos, pois, nota-se que a afetividade tem tomado certa relevância no Direito Civil Brasileiro como, por exemplo, na busca da isonomia entre a paternidade biológica e a afetiva. Sem contar que a afetividade é indispensável para a formação integral de um indivíduo, visto ser bem observado o fato de a própria lei assegurar o direito de visitas ao genitor não-guardião, bem como aos demais parentes para torná-los mais próximos e garantir o desenvolvimento salutar do menor. A pesquisa tem como objetivo apontar as possibilidades da responsabilização civil dos pais por parte do Estado nas hipóteses de abandono afetivo dos filhos no Brasil, visto que é um dever dos pais e um direito dos filhos, pouco explorado quando comparado ao abandono material. Sendo algo novo no Direto pátrio, tendo em vista as divergências doutrinárias e jurisprudenciais, buscou-se realizar uma pesquisa bibliográfica, pois existem poucos casos vitoriosos, que são considerados até paradigmas onde os magistrados e tribunais defensores são vistos como ultramodernos, além de poucos juristas se aventurarem a defender a modalidade de assistência afetiva. Com a pesquisa, deseja-se refletir sobre a importância da reparação da falta de afetividade, que pode ir além do valor monetário, afinal a sanção mais grave que existe aplicada no Direito em comento é a perda do poder familiar que, nestes casos, seria recebida como um prêmio para o pai ou mãe autor do abandono.
PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade civil. Abandono. Afetividade. Direito dos filhos.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A responsabilização civil dos pais por abandono afetivo dos filhos deixou de ser uma novidade desde a constitucionalização do Direito pátrio. Na verdade, as Ciências Jurídicas sempre buscam se adequar às mudanças da sociedade, como já vinha ocorrendo no Velho Continente. Dessa forma, não é mais tão assustador falar em responsabilidade civil dos genitores que desampararam afetivamente seus filhos.
Resolveu-se cuidar desse tema para demonstrar que há possibilidade de responsabilizar civilmente os pais autores desse abandono do tipo afetivo como já ocorreu em casos de conhecimento notório no Brasil.
Trata-se de um instituto previsto entre vários ramos do Direito como, por exemplo, no Direito Constitucional que considera primordial a assistência afetiva dos pais na criação de seus filhos e a julga como um desdobramento do gênero assistência.
Cite-se, ainda, o Direito da Criança e do Adolescente, sendo que alguns desses direitos fundamentais já estavam elencados no art. 5º, da Carta Magna, mas ganhou destaque pela legislação autônoma, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), pela Convenção Internacional dos Direitos da Criança e pela Declaração dos Direitos da Criança, que visam, especificamente, à proteção de crianças e adolescentes, tais como os direitos à dignidade, ao respeito, à convivência familiar e comunitária, dentre outros que fizeram uma releitura do Princípio do Superior Interesse do Menor baseados na proteção integral opondo-se ao retrógrado entendimento do Código de Menores para lhes garantir um satisfatório desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social.
Da mesma forma, o Código Civil Brasileiro, no art. 1593, traz uma regra geral com fundamento na afetividade, ao afirmar que o parentesco será de duas espécies: natural ou civil destacando o parentesco por consaguinidade ou por qualquer outra origem.
Contudo, poucas pessoas têm noção da gravidade da falta de assistência afetiva no desenvolvimento de uma criança e acreditam estar isentas de obrigações no campo sentimental, afinal, sempre são mais divulgados os pleitos e prejuízos quanto ao dever de prestação alimentícia.
No contexto mundial, verifica-se a importância cada vez maior que o dever afetivo vem acarretando no desenvolvimento de um indivíduo, pois sua influência na formação moral é imprescindível para todos os estágios de sua vida. Vale aqui conceituar a afetividade sobre suas várias perspectivas e importâncias para melhor compreensão da problemática pesquisada.
Não há, porém, um posicionamento doutrinário pacífico acerca do tema. O que existem hoje são acórdãos de alguns tribunais brasileiros fulcrados em certos dispositivos da Constituição Federal, do Código Civil Brasileiro bem como do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Assim, é com propriedade que se afirma no art. 229 da Lei Maior: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores (...)”, sendo entendida tal imposição de forma ampla, abrangendo todas as suas modalidades, tais como assistências material, moral, social, afetiva, psicológica, religiosa dentre outras.
Além disso, conta-se também com as decisões favoráveis dos magistrados ao decidirem por responsabilizar os pais em caso de abandono afetivo dos filhos menores. Não se deve esquecer que, apesar da interpretação analógica ser possível, se faz necessário fazer um exame caso a caso, visto que a matéria possui alguns elementos considerados de ordem subjetiva.
Serão indicadas as possibilidades de obter a reparação civil do pai ou mãe faltosos e serão abordadas, ainda, as possíveis causas que originariam essa responsabilidade no Brasil. Posteriormente, procura-se analisar os efeitos que a ausência intencional da afetividade acarretaria ao indivíduo desamparado, verificando ao mesmo tempo o embasamento legal em que se fundamentaria um cidadão para obter a devida responsabilização do autor do abandono afetivo.
Para a realização desse artigo, a metodologia utilizada foi uma pesquisa bibliográfica, com análise de algumas posições de doutrinadores que defendem essa responsabilização bem como dos que a refutam com as respectivas justificativas de cada posicionamento, sendo feito, ainda, um apanhado geral de acórdãos dos tribunais, pois se trata de um assunto que entrou em acalorada discussão, mas que não encontra consenso na melhor doutrina.
1 ASPECTOS CONCEITUAIS
Para melhor compreensão do tema abordado, é preciso conhecer as diversas acepções que a afetividade possui. Na verdade, uma não esgotaria a outra, pelo contrário, uma seria complemento da outra, afinal, trata-se de um instituto multidisciplinar.
No campo da Psicologia, para FERREIRA (1999, p. 62):
“A afetividade corresponde a um conjunto de fenômenos psíquicos que se manifestam sob a forma de emoções, sendo sentimentos e paixões, acompanhados sempre da impressão de dor ou de prazer, de satisfação ou de insatisfação, de agrado ou desagrado, de alegria ou tristeza”.
Corresponde, portanto, a um estado psíquico que as pessoas apresentariam umas em relação às outras na sociedade ou em relação aos objetos, às coisas.
Dessa forma, a afetividade não poderia ser desprezada pelo Direito, principalmente por se tratar de uma ciência dinâmica, em resposta à tendência internacional e se mostrando relevante em virtude da constitucionalização de todo o ordenamento jurídico.
A afetividade, na órbita jurídica, seria hoje um princípio jurídico a orientar todas as relações familiares, já que a consanguinidade é insuficiente para manter o elo familiar, onde só a primeira sustentaria o grupo unido com desejo de comunhão plena. Ao desapareceram os antigos modelos de famílias patriarcais e centradas no matrimônio, surgiram em substituição a eles a liberdade e o desejo a embasar essas relações afetivas chegando em alguns casos a superar o caráter biológico.
A paternidade no Brasil passou por várias fases a saber: a paternidade legal ou jurídica, a biológica ou científica e a afetiva.
Será dada ênfase a esta última por ter maior relacionamento com o presente estudo.
A paternidade ou maternidade afetiva se constitui em reconhecimento pelo Direito do vínculo filial construído com base no afeto ao longo do tempo de convivência. Do contrário, tem-se o abandono afetivo, ou seja, faltar com os deveres jurídicos da paternidade ou maternidade distanciando-se, portanto, do campo moral em virtude do amparo legal.
Existe um verdadeiro fenômeno da desbiologicação da paternidade e da maternidade no Brasil. O caráter da consanguinidade continua a nortear relações familiares, porém, divide espaço com o caráter da afinidade onde se destaca preponderantemente a afetividade a unir os indivíduos que a escolheram para viver em família sem maiores critérios, apenas pelo desejo de ficarem juntos e pelos laços afetivos. Somente isso poderia explicar os fortes laços entre pais e filhos adotivos, afinal não há nenhum vínculo biológico nem jurídico (até que seja legalizada essa adoção) que os obriguem a se considerarem da mesma família, demonstrando mais uma vez que a lei reconheceu os elos afetivos e a consequente paternidade sócio-afetiva. Há quem sustente até mesmo a possibilidade de se ingressar com ação investigatória de paternidade afetiva.
Segundo LÔBO (2010), esse princípio jurídico não se confundiria com o mero afeto, fato psicológico, anímico, sentimento de amizade ou amor, sendo um direito e um dever imposto de forma permanente, mesmo que implicitamente pela Constituição Federal, aos pais em relação aos filhos e destes em relação àqueles, ainda que haja desamor ou desafeição entre eles e se tornaria inexigível apenas com o falecimento de um deles ou com a perda do poder familiar. Seria a justificativa para afastar o errôneo pensamento de o poder público interferir na seara privada e obrigar a amar alguém.
Conquanto não haja a exigência expressa da assistência afetiva no Direito brasileiro, o julgador irá apreciar tal questão se utilizando da força normativa das leis e princípios que se passa a comentar, afinal o juiz não pode se eximir de julgar por uma omissão legal, devendo fazer uso inclusive da analogia, dos costumes e dos princípios gerais de direito conforme dispõe o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC).
2 ASPECTOS LEGAIS
Desde a promulgação da Carta da República em 1988, a afetividade se transformou em princípio implícito que, mesmo assim, tem força normativa e vem ganhando importância no âmbito jurídico brasileiro desencadeando a ampliação do conceito de família como se nota na equiparação entre paternidade biológica e a afetiva, em desfavor da antiga predominância da primeira. É o que preceituam os arts. 226 e 227 da Carta Magna.
A mudança do que se entende por afetividade se deve à evolução da própria sociedade e do conceito de família com reflexos positivos para a doutrina e a jurisprudência. Essas transformações desencadearam interesse quanto ao assunto que passou a ser um princípio específico para o Direito de Família.
Como exemplo desse progresso jurídico, cite-se o Projeto de Lei nº 206/2007 apresentado pelo então Deputado Federal Clodovil Hernandes visando à legalização da substituição do nome de família pelo nome do padrasto ou da madrasta. Sua justificativa para tal é reconhecer a paternidade sócio-afetiva, isto é, legitimar a relação de pais não biológicos e filhos por eles criados e estimados. Esse projeto recebeu a sanção presidencial e se tornou a Lei nº 11.924/09 que, por sua vez, modificou a Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73).
Para corroborar a preocupação atual com o tema, a Lei nº 11.698/08 regularizou a guarda compartilhada como solução nos casos onde não houver acordo entre os separandos ou por decisão judicial para manter os vínculos afetivos entre os pais e os filhos, a continuidade de referência familiar e o direito à convivência com ambos os genitores, além de prevenir eventuais conflitos pela guarda dos filhos que sempre geram desgastes para as partes e trazem consequências indesejáveis aos menores.
O ECA, nos arts. 3 º e 4º, assegurou à criança e ao adolescente todos os direitos inerentes ao ser humano, sem prejuízo da proteção integral menorista que determinar. Para isso, transformou em responsáveis pela efetivação desses direitos a família, a comunidade, a sociedade em geral e o próprio Estado.
Houve uma reformulação do critério adotado pelo Código de Menores (Lei nº 6.697/1979) que só tratava de menores em situações irregulares. O ECA continuou versando sobre essas situações, mas determinou que seus tutelados passassem da condição de destinatários a de sujeitos de direitos.
Para DUPRET (2010, p. 25): “O ECA dirige-se a toda e qualquer criança e adolescente em situação regular ou situações de risco, garantindo a eles, em conjunto, todos os direitos especiais à sua condição de pessoa em desenvolvimento.”
O Brasil ratificou em 1990 a Declaração Internacional dos Direitos da Criança cujo Preâmbulo afirma: “A criança, em razão de sua falta de maturidade física e intelectual, tem necessidade de proteção jurídica apropriada antes e depois do nascimento”.
O Pacto de São José da Costa Rica, por sua vez, no art. 17, item 4, assegura, em caso de dissolução de casamento, a adoção de disposições que garantam a proteção necessária aos filhos com base no interesse e conveniência dos mesmos.
Com mais razão, o Código Civil Brasileiro (art. 1632, CC) garante a inalterabilidade da relação entre pais e filhos após a separação judicial. O legislador foi enfático para afastar qualquer dúvida, pois o que se vê na prática são os pais se valendo da separação judicial para se afastarem dos filhos provendo-lhes apenas do sustento material e às vezes nem disso.
Por isso, a afetividade deve ser vista como um direito e como um dever não só de pais para filhos, mas de todos os parentes entre si e se veria aplicada em várias formas considerando os princípios da solidariedade e da cooperação entre os membros da família. Assim, sendo uma regra jurídica, havendo uma violação, terá uma sanção.
3 DA RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PAIS POR ABANDONO AFETIVO DOS FILHOS
A responsabilidade nas relações afetivas divide-se em responsabilidade civil no casamento e na união estável (art. 1566, CC) e em responsabilidade civil por abandono afetivo dos filhos.
Ao contrário do direito pátrio, o Direito Anglo-americano já prevê a responsabilização nas relações afetivas desde a década de 60, enquanto o Brasil só exige expressamente a assistência material dos pais (arts. 1696 e 1703, CC).
Expressamente, o Direito Civil Brasileiro exige a assistência material dos pais.
Mas, o que muitos não percebem é o fato de o instituto “assistência” contida na Carta Magna, ser mais abrangente do que o auxílio financeiro, afinal, o ser humano necessita de muito mais que amparo pecuniário. Abrange, portanto, as assistências material e imaterial.
A assistência imaterial, por sua vez, é gênero à que pertence a assistência afetiva. A primeira ora poderá ser conduta positiva como a obrigação de fazer, ora poderá ser conduta negativa como a obrigação de não fazer.
Assim, por ter a natureza jurídica de verdadeiro direito-dever, acarretará até mesmo a exigibilidade em juízo, pois sendo instituto jurídico originário, sua ofensa ensejaria à consequente responsabilidade jurídica.
GAGLIANO & PAMPLONA (2010, p. 45) afirmam que:
“Responsabilidade, para o Direito, nada mais é, portanto, que uma obrigação derivada - um dever jurídico sucessivo - de assumir as consequências jurídicas de um fato, consequências essas que podem variar (reparação dos danos e/ou punição pessoal do agente lesionante) de acordo com os interesses lesados.”
Dessa forma, a responsabilidade existiria por ação ou omissão ilícita bem como na conduta lícita, mas que acabe lesando alguém com base na regra geral da máxima de Ulpiano de que a ninguém se deve lesar, princípio geral do direito, um limite da liberdade da conduta humana a nortear a sociedade.
Para ser exigível a responsabilidade civil, é preciso concorrer três elementos: conduta humana, dano ou prejuízo e nexo de causalidade.
Como já se mencionou anteriormente, a obrigação humana poderá ser positiva ou negativa. No presente tema, não se faz diferente, pois o autor do abandono poderá fazer uso de quaisquer dessas condutas.
Quanto à responsabilidade civil dos pais por abandono afetivo dos filhos, segundo SANTOS (2004), não se pode desconsiderar a danosidade dessa conduta, ultrapassando o caráter afetivo, adentrando a função psicopedagógica do poder familiar, trazendo variadas consequências à vítima em virtude de danos morais e psíquicos como transtornos sociais e mentais desencadeadores de distúrbios comportamentais e de auto-estima, de dificuldades de relacionamento, de complexos de inferioridade, de sentimentos de insegurança etc., além da perda da referência paterna ou materna com o enfraquecimento das noções básicas para sua personalidade a configurar o nexo causal entre a conduta parental e seus efeitos negativos.
O ser humano moldará sua personalidade através das relações socioculturais. É evidente que a família participará dessa formação que recebe influências genéticas e ambientais. A própria legislação ordinária conceitua o poder familiar como um conjunto de direitos e deveres envolvendo a guarda, a educação e o sustento em todos os seus aspectos.
Para SOUZA (2009), dada a complexidade da questão, para embasar as possíveis demandas, o julgador pode fazer uso da interdisciplinaridade, por ser dor intangível, habitando a intimidade do indivíduo, para valorar o caso concreto, contando com o auxílio de múltiplos profissionais (psiquiatras, psicólogos, psicanalistas, assistentes sociais dentre outros).
Dificultando o enriquecimento ilícito nos casos de responsabilização ao quantificar o dano, o Brasil adotou o sistema aberto de arbitramento conforme preceituam os arts. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) e 126 do Código de Processo Civil.
Busca-se garantir tal direito-dever para provê-lo de inegável eficácia e de exigibilidade. Para isso, existe, em tramitação no Congresso Nacional, o Projeto de Lei nº 700/2007 do Senador Marcelo Crivella, visando à modificação da Lei nº 8.069/90 (ECA) para caracterizar o abandono moral como ilícito civil e penal o que acabaria com a resistência da aceitação da responsabilidade civil dos pais por abandono afetivo dos filhos baseada na falta de previsão legal.
Negando coagir alguém a dar afeto, a única sanção cabível seria a pecuniária para proteger de alguma forma a vítima. Não se deseja ressarcir danos causados, mas danos efetivamente sofridos, pois, se ninguém pode ser obrigado a amar ninguém, pode ser, porém, responsabilizado pela negligência ou ausência intencional tendo em vista todas as funções dessa reparação.
Um dano pode atingir outros bens da vítima que não sejam o patrimônio, que tenham conteúdo personalíssimo, como o são os direitos da personalidade representados pelos direito à vida, à integridade física, à integridade psíquica e à integridade moral. Encontram-se no critério subjetivo ou na valoração do indivíduo na sociedade.
Evidentemente o Direito brasileiro pune o dano moral que corresponde à lesão a direito da personalidade. A natureza jurídica da reparação do dano moral é compensatória. Entretanto, surge uma nova teoria no Brasil que poderá alterar essa natureza sendo adotada aos poucos pela doutrina e pela jurisprudência. Trazida dos Estados Unidos, aqui recebeu o nome de Teoria do Desestímulo ou Teoria Punitiva que além de reconhecer essa natureza, também reconhece um aspecto pedagógico como função social da responsabilidade civil.
De maneira geral, o que se pretende é desestimular o ofensor a praticar novas vítimas sem prejuízo das demais sanções.
Existe uma grande tendência brasileira em prever tal possibilidade conforme se verifica nas orientações do Enunciado 379 da IV Jornada de Direito Civil ao admitir que o Código Civil reconheça a possibilidade da função punitiva ou pedagógica da responsabilidade civil.
4 POSICIONAMENTO DOS DOUTRINADORES E DOS TRIBUNAIS BRASILEIROS ACERCA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PAIS POR ABANDONO AFETIVO DOS FILHOS
Conforme amplamente discutido, não há consenso entre doutrinadores nem entre os tribunais sobre a possibilidade de responsabilizar os pais por abandono afetivo dos filhos.
Então, resolveu-se fazer uma abordagem dos posicionamentos de alguns tribunais, com as devidas justificativas para cada entendimento.
Os juristas combatentes da responsabilidade civil dos pais por abandono afetivo dos filhos (César Asfor Rocha, Ministro do STJ, a professora Teresa Lopes entre outros) apresentam diversas justificativas para tal negação a que se passa a analisar.
Afirmam que uma ação judicial não poderia obrigar alguém a amar seus filhos pela impossibilidade de monetarizar o amor. Para eles, muitos convivem normalmente sem o pai ou a mãe por já ter falecido ou por ter escolhido se ausentar mesmo da relação paterno-filial.
Poderia, ainda, ofender o Princípio da Liberdade Afetiva, pois ninguém é obrigado a amar outra pessoa, mesmo que seja um filho.
No máximo, como pondera HORNE (2007), configuraria uma atitude moralmente reprovável, sem repercussão jurídica, pela falta de previsão legal e pela possibilidade de outros elementos ou pessoas suprirem o papel ou função de pai ou mãe.
Diante da legislação brasileira, a presença paterna ou materna e a prestação alimentar seriam as únicas obrigações legais perante os filhos.
Em contrapartida, estão os juristas que defendem a responsabilidade civil dos pais por abandono afetivo dos filhos (a professora Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, o desembargador Luís Felipe Brasil, o supracitado jurista Paulo Luiz Netto Lôbo, o professor Álvaro Villaça Azevedo entre outros) e apresentam várias justificativas expostas a seguir.
A finalidade dessa reparação econômica não se detém no aspecto pecuniário como visto anteriormente e sua natureza jurídica de direito-dever acarreta consequentemente a exigibilidade em juízo com o descumprimento do múnus do poder familiar como destaca LOMEU (2009).
Para SOUZA (2009), a dor da ausência parental é singular em virtude da própria natureza humana onde para uns seria algo indiferente, mas para outros, pode ser penosa. Essas causas não são objetivas nem concretas, são causas subjetivas a habitar a intimidade de cada um sem concretude no mundo fático o que não afasta sua incidência.
Mesmo que haja colisão de princípios, deve ser apreciada a questão, pois para NOVELINO (2010), se houver colisão entre princípios, o juiz pode se utilizar do peso relativo de cada um deles para realizar a ponderação e o balanceamento dos valores e interesses envolvidos, levando em conta a supremacia da Constituição Federal sobre as demais normas e que a maior parte dos direitos fundamentais como esse detêm natureza principiológica, o que não significa que devam ser desrespeitados.
Jamais haverá monetarização de nenhum sentimento nem enriquecimento de ninguém em detrimento de outrem, pois o juiz ao solucionar a causa fará análise do caso concreto e afastará exageros se utilizando de todas as normas jurídicas de forma ampla das quais fazem parte regras e princípios de acordo com a Teoria do Pós-positivismo.
De acordo com HIRONAKA (2005), deve haver a dissociação entre as relações conjugal e parental para que os filhos não sejam responsabilizados pelos erros ou escolhas dos pais como assegura o próprio Código Civil Brasileiro (art. 1632, CC).
Entretanto, a ausência e a negativa devem ser consideradas atitudes ilícitas com a consequente reparação. Além disso, outros elementos ou pessoas não podem cumprir a obrigação/função determinada pela legislação brasileira isonomicamente aos pais, o poder familiar (art. 1634, CC), que traduz um conjunto de direitos e deveres para ambos em face do menor como as assistências material, moral e psicológica.
A contenda chegou aos tribunais e trouxe mais polêmica para o assunto em vista de posições divergentes e às vezes até conflitantes no mesmo órgão colegiado. Ganharam notoriedade histórias de vida até então particulares com cidadãos recorrendo ao Judiciário para se posicionar acerca da omissão proposital dos pais, sendo que a assistência afetiva seria normal ou comum para tantas outras famílias.
O caso do menor Alexandre Batista Fortes (Apelação Cível nº 408.550-5, da 7ª Câmara Cível do TJ/MG) é considerado um paradigma e acabou trazendo discussão para o assunto em tela, encontrando precedente na Comarca de Capão da Canoa (Proc. n.141/1030012032-0, da 2ª Vara) como enfatiza HIRONAKA (2005).
Eis a ementa da decisão referida:
“EMENTA – INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS – RELAÇÃO PATERNO-FILIAL – PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE.
A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana.”
Em São Paulo, no mesmo sentido, está o Proc. nº 01.36747-0, da 31ª Vara Cível Central de São Paulo, onde se destacam alguns tópicos da r. Sentença:
“A Perita judicial concluiu que a autora apresenta conflitos, dentre os quais o de identidade, deflagrados pela rejeição do pai (situação de abandono), uma vez que o réu não demonstra afeto pela autora nem interesse pelo seu estado emocional, focando sua relação com a requerente apenas na dimensão financeira, a ponto de considerar normal ter se esquecido da filha. A autora não teve possibilidade de conviver com uma figura paterna que se relacionasse com ela de forma completa, defrontada com a situação de ser formalmente filha do réu ao mesmo tempo em que tentava vivenciar uma relação pai/filha com o segundo marido de sua mãe. Seu referencial familiar se caracterizou por comportamentos incoerentes e ambíguos, disso resultando angústia, tristeza e carência afetiva, que atrapalharam seu desenvolvimento profissional e relacionamento social.”
No entanto, ainda não é tese acatada pelo STJ nem pelo STF, visto que para tais tribunais só caberia a perda do poder familiar sem reparação civil como única consequência em face do pai ou mãe que abandonar seus filhos.
Para o STJ, são exemplos desse entendimento os RESPs 757.411-MG, 275.568-RJ e 514.350-SP que trouxeram ao tema em comento um profundo debate ao refutar essa responsabilização, desconsiderar a ilicitude do abandono e garantir a eventuais pretensões somente a assistência material e a perda do poder familiar como determina a lei.
Com mesma compreensão, o STF no RE 567.164, alega por fim que não há ofensa direta à Constituição Federal e que não se pode monetarizar o amor com fulcro nos arts. 159, CC/1916, 1638, CC/2002, 24, ECA.
Nota-se, nas sentenças e nos acórdãos dos tribunais brasileiros, que predomina a negativa da responsabilização civil dos genitores por abandono filial. De qualquer forma, há avanço na interpretação dos magistrados, desembargadores e ministros ao reconhecerem a importância da afetividade na formação do menor e ao colocarem a família afetiva ao lado da família biológica conforme RESP 833.712 e RESP 878.941.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, não há motivos que justifiquem um dos genitores a abandonar afetivamente um filho pela própria natureza jurídica de direito-dever do instituto que compreende aspectos além do sentimental conforme as perspectivas e importâncias apresentadas até então.
Por isso e em virtude das explicações das consequências maléficas do abandono à vítima, a sociedade brasileira dispõe da exigibilidade da reparação em juízo com fundamento das regras jurídicas a abranger leis e princípios como o é o princípio civil-constitucional da afetividade.
É inegável que a omissão afetiva paterna ofende aos princípios basilares do Direito, tais como o da Dignidade da Pessoa Humana de onde decorrem todos os outros.
Decerto não se pode monetarizar o amor, mas também não se podem desprezar os efeitos maléficos que esse abandono acarretará aos filhos. Na verdade, busca-se aplicar as sanções auxiliares como a social, a pedagógica, a punitiva e a repressiva além da função compensatória.
É preciso haver a paternidade responsável e se observar os deveres da “função de pais” com a devida proteção legal até em face dos mesmos se preciso for para garantir o melhor interesse do menor. Deve haver também a merecida separação entre as relações entre cônjuges ou companheiros e as relações paterno-filiais em vista de a última ser inamovível e permanente.
É forçoso acreditar que a ação judicial de reparação econômica por dano moral decorrente de abandono afetivo servirá para obrigar os pais a amar coercitivamente os filhos ou para alcançar algum tipo de vingança pessoal. Não é esse o seu propósito. O que se almeja é aplicar algum tipo de sanção com caráter principal meramente pedagógico materializada na indenização a quem se sentiu lesado ao não ter obtido o acompanhamento afetivo a que tinha direito. Essa foi a maneira mais simples que se encontrou para demonstrar o valor que esse direito tem para o que levará consigo as mazelas e frustrações desse desamparo.
REFERÊNCIAS
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AZEVEDO, Márcia Maria Costa. Responsabilidade civil dos pais por abandono afetivo dos filhos: uma análise teórica do tema no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 jan 2015, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43094/responsabilidade-civil-dos-pais-por-abandono-afetivo-dos-filhos-uma-analise-teorica-do-tema-no-brasil. Acesso em: 23 dez 2024.
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