RESUMO: O presente artigo tem como objetivo analisar como a Comunidade Internacional tem colocado o homem como sujeito de direito internacional. Também tem como proposta analisar aspectos históricos e conceitos que propiciaram a inserção do indivíduo no cenário internacional. O trabalho também destacou e descreveu o Tribunal Penal Internacional Permanente, vez que esse representou um marco histórico ao colocar a responsabilidade penal também no indivíduo. A pesquisa foi realizada através da técnica teórico-propositiva, utilizando-se também da interdisciplinaridade e do método dedutivo. Ao fim da pesquisa conclui-se que indivíduo é o pano de fundo do processo normativo do Direito Internacional Publico e que a Soberania estatal não é suprema, visto que a autonomia individual deve ser resguardada.
PALAVRAS-CHAVE: Indivíduo; Direito Internacional Público; Comunidade; Autonomia
1.Introdução
O Ordenamento Jurídico gira em torno do indivíduo, sendo ele destinatário das leis positivas de qualquer ordem. A realidade jurídica limite configura-se no homem. Assim, o Direito, seja qual for, se dirige sempre aos homens.
Existe uma coincidência jurídica dos conceitos “homem” e “pessoa”, coincidência essa consagrada pela Revolução Francesa. A “pessoa” é o destinatário das leis jurídicas e sujeito de direito. Tem-se, desta forma, que o homem é sujeito de direito, ou seja, é capaz de contrair obrigações e exercer direitos.
Portanto, sendo vitoriosos na esfera nacional, os homens passaram a lutar pelos mesmos ideais na órbita internacional e assim a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão reconheceu solenemente a coincidência dos dois conceitos.
É possível verificar historicamente como se deu e ainda se dá a internacionalização dos direitos do homem.
Há que se considerar que o homem é hoje munícipe, nacional e cidadão do mundo; tem direitos e deveres internacionais.
As doutrinas sobre a personalidade internacional do indivíduo são muitas. Há teorias que negam e teorias que afirmam ser o homem pessoa internacional. Autores como Rosalyn Higgins,Marco Torronteguy, Deisy Ventura , Ricardo Seitenfus, Anzilotti, Triepel, Diguit e Le Fur possuem interessantes doutrinas acerca do homem no plano internacional. Pensamentos estes que serão expostos num tópico deste trabalho.
Há também que se frisar que os sujeitos do Direito Internacional são: Estados, Organizações Internacionais e indivíduos.
É possível perceber que a situação dos indivíduos ainda é complexa no âmbito do direito internacional. A razão maior dessa complexidade é que a autonomia dos indivíduos na esfera internacional entra em choque com a aclamada soberania dos Estados. O fato de o indivíduo poder ser julgado por um tribunal internacional e o fato dele almejar um direito à interpelação a uma corte internacional configurariam exceções ao rígido e orgulhoso dogma da soberania incontestável.
Tem-se, de forma crítica, que a soberania é a capacidade internacional de decisão reconhecida pelos Estados, de sorte que só as conveniências, oportunidades poderiam ocultar a realidade por trás de um artifício que a precede.
Miguel Reale assim define soberania :
“A soberania é um poder de organizar-se juridicamente e de fazer valer dentro de seu território a universalidade de suas decisões nos limites dos fins éticos de convivência”.(REALE,1960 p.127)
Verifica-se assim que, ao se permitir um julgamento internacional, extrapolam-se os limites da soberania de um Estado, vai-se além do poder de decidir deste Estado, pois a prerrogativa da decisão será de um tribunal internacional.
O Tribunal Penal Internacional considera o indivíduo um sujeito pleno do Direito Internacional e surgiu em resposta às violações dos direitos humanos, para tentar contribuir para o papel que pertence a todos de asseguração da paz. Tal Tribunal abarca três âmbitos (áreas) do Direito: Direito Penal, Direito Humanitário e Direitos Humanos.
O TPI, portanto, engloba o conjunto de normas que regulam a defesa preventiva e repressiva contra os atos ofensivos das condições essenciais da vida social, pela imposição de certas penas e meios educativos apropriados; o conjunto de normas que, em tempo de guerra, protege as pessoas que não participam nas hostilidades ou deixaram de participar e o conjunto de leis, vantagens e prerrogativas que devem ser reconhecidas como essências pelo indivíduo ( direitos inalienáveis, de eficácia “erga omnes” e absolutos do homem).
O Tribunal Penal Internacional Permanente (instaurado e consolidado pelo Estatuto de Roma) introduz assim, mais pressão sobre o conceito tradicional de soberania.No presente trabalho será apresentado o histórico do TPI, dada a importância de seu surgimento no cenário internacional.
É interessante também refletir sobre o fato que a transição de uma sociedade internacional para uma comunidade internacional, ou seja, a ocorrência de uma maior subordinação, hierarquia, convergência de interesses comuns e centralização no Direito Internacional Público propiciariam um ambiente mais fértil para que o indivíduo seja tido como um sujeito pleno do Direito Internacional. Quanto mais o mundo se aproximar de uma comunidade internacional tanto mais será possível observar a internacionalização do homem.
Percebe-se, atualmente, que um conflito puramente estatal pode trazer um indivíduo para a esfera internacional, há a possibilidade de se encaminhar um homem (uma pessoa, um indivíduo, um sujeito de direito) ao Tribunal Penal Internacional.
No desenrolar dos anos é possível verificar-se uma orientação do Direito Internacional rumo à pessoa humana.
2. O homem e a ordem jurídica internacional
O homem é o fim último do Direito. De acordo com Celso D. de Albuquerque Mello:
“o Direito somente existe para regulamentar as relações entre os homens. Ele é um produto do homem. Ora, não poderia o DI negar ao indivíduo a subjetividade internacional. Negá-la seria desumanizar o DI e transformá-lo em um conjunto de normas ocas sem qualquer aspecto social. Seria fugir ao fenômeno da socialização, que se manifesta em todos os ramos do Direito.”(MELLO, 2001, p.766)
É possível constatar um caminhar histórico da internacionalização dos direitos do homem.
No mundo antigo não existia a coincidência dos conceitos “pessoa” e “homem”.Porém, através dos tempos, indivíduos têm lutado por ser reconhecido como pessoas, por adquirir essa dignidade.
O Cristianismo, que deu início à formação da cultura ocidental, estabeleceu a coincidência moral dos dois conceitos referidos acima. Já a coincidência jurídica se deu com a Revolução Francesa. Por fim, o reconhecimento solene dessa coincidência foi propiciado pela Declaração Universal do Homem.
A Revolução Francesa ao proclamar que o fim de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem penetrou em tese na órbita das relações internacionais, apontando o indivíduo como sujeito universal de direito.
O fato é que a ordem jurídica internacional positiva se conservou fechada ao indivíduo, segundo a prática e os postulados da doutrina, atravessando assim todo o século XIX e projetando-se no século XX, quando o advento da 1ªGuerra Mundial anuncia reformas individualistas.
Tem-se que a internacionalização dos direitos do homem só passou ao terreno prático a partir da declaração do americano presidente Roosevelt em seu discurso das “quatro liberdades”, pronunciado em janeiro de 1941.
O autor Gerson de Mello Boston já dizia e almejava em 1951:
“O século passado assistiu o indivíduo ascender à dignidade de “pessoa” em todas as ordens jurídicas nacionais do Ocidente.O século XX o vê alçar-se a essa dignidade na ordem internacional, independentemente de raça, cor, credo, político ou religioso, e não passará sem que a coincidência jurídica dos conceitos ‘homem’ e ‘pessoa’ seja positiva e total.O indivíduo superará a situação do mero reconhecimento internacional dos seus direitos, para fazê-los valer diretamente perante Tribunais internacionais, sem a tutela nem sempre satisfatória dos Estados.”(BOSTON, 1951 p.10)
Assim, as personificações jurídicas de outras realidades que não o homem individual devem a este a sua existência e só por este se justificam como objetivos para a sua realização.
A consolidação dos Direitos Humanos e Humanitários , a experiência de Tribunais Internacionais ad hoc , a ratificação do Estatuto de Roma e a transição da Responsabilidade Penal Objetiva do Estado para a Responsabilidade Subjetiva do Indivíduo foram fatores que contribuíram e ainda contribuem para a internacionalização dos direitos do homem e para um sólido reconhecimento deste como sujeito de Direito Internacional.
3.Teorias a favor e contra se ter o indivíduo como sujeito de Direito Internacional
Autores como Anzilotti, Triepel -positivistas clássicos - negam que o indivíduo seja sujeito de Direito Internacional, visto que somente o Estado o pode ser.Segundo eles, o indivíduo somente é sujeito no Direito Interno.
Outra teoria negadora é a teoria do “homem-objeto”. Segundo essa estranha teoria o homem assumiria a condição de objeto no DI.
Em contraposição, a teoria individualista afirma ser o indivíduo sujeito de DI. Esta teoria tem um viés radical, pois seu criador Duguit sustentava que somente o homem era sujeito de direito, uma vez que o próprio Estado se reduziria a indivíduos.
Já o autor Le Fur defendeu que o homem seria sujeito do DI ao lado do Estado. Contudo, este seria sujeito direto e aquele sujeito indireto. Le Fur, desta forma, insere uma nova distinção - sujeito direto e sujeito indireto. Seguindo, de certa forma, esta mesma linha, Marco Aurélio Antas Torronteguy também estabelece uma distinção entre esses dois tipos de sujeito.Segundo ele, os sujeitos diretos do DIP possuem direito, pretensão e ação enquanto os sujeitos indiretos detêm somente direito e pretensão[1]. O indivíduo se enquadraria nesta última, já que não pode demandar internacionalmente, devendo ser representado por um Estado.Segundo o autor, numa ótica democrática, ser considerado sujeito do direito internacional público se admitido como indireto e fragmentário, dada a força que ainda detêm os Estados.
Com uma posição não muito ortodoxa, Rosalyn Higgins entende que não se deve falar em sujeito e objetos, mas em partícipes. Estes no DIP seriam tanto Estados como Organizações Internacionais, Empresas Multinacionais, Grupos não-governamentais privados e indivíduos.[2]Para a autora é inconcebível a noção de pessoa humana como objeto do direito. Porém, de acordo com ela, o indivíduo tampouco é sujeito pleno do DIP, por não lhe serem concedidas todas as faculdades inerentes a estes entes. De acordo com ela o indivíduo não se envolve na produção do acervo normativo internacional.
Já com relação à titularidade de direitos e deveres, Accioly explicita que o homem goza de direitos primordiais e inatos na ordem internacional, tais como a liberdade individual, salvaguarda da saúde e da vida, proteção dos frutos do trabalho intelectual e industrial, garantia de condições de trabalho eqüitativas e proteção das minorias. Similarmente, o homem possui também obrigações como a possibilidade de ser julgado pelo Tribunal Penal Internacional.
Outra interessante teoria é a exposta por Deisy Ventura e Ricardo Seitenfus que classificam o indivíduo como sujeito incapaz no âmbito internacional.A limitada capacidade internacional do indivíduo não lhe tira o status de pessoa jurídica.A tutela internacional dos direitos do homem e a possibilidade de se lhe imputarem fatos ilícitos são elementos que ensejam sua consideração como sujeito do DIP, embora não pleno.
Celso D. de Albuquerque Mello após analisar várias teorias, assim expõe sua conclusão:
“A conclusão a que podemos chegar é que a melhor posição é a que defende serem sujeitos de DI os Estados, as organizações internacionais, o homem, etc, isto é, todo ente que possuir direitos e deveres perante a ordem jurídica internacional. (...) É o homem, pessoa internacional, como é o Estado, apenas a sua capacidade jurídica de agir é bem mais limitada que a do Estado.” (MELLO, 2001, p.769-770)
4. Autonomia Individual no plano internacional X Soberania Estatal
Primeiramente, não é demais lembrar que o indivíduo no Direito Internacional surge muito antes da criação dos Estados soberanos. O DIP surge a partir do momento que há relação entre os povos.
Porém, a partir do século XVII, os Estados Nacionais se apropriam do que seria considerado Direito Internacional. Introduz-se, desta forma, o conceito de soberania incontestável no ius gentium. Consagrou-se, assim, que a soberania, além de ser um atributo fundamental do Estado, seria também inviolável no plano internacional. O Estado foi, sobremaneira, personificado.
Cabe aqui refletir acerca de um pensamento de Hans Kelsen. Pensamento esse que carrega nas entranhas a sentença de que a personificação do Estado é um véu que cobre o fato da dominação do homem sobre o homem, de sorte que as leis- tecido celular do Estado- são o instrumento logístico desse senhorio.
A introdução do conceito de soberania incontrolável no Direito das gentes, com esse aspecto indisfarçável de veículo lógico à consecução de fins políticos, trouxe, em preceitos normativos, a eliminação da capacidade direta dos indivíduos para as demandas internacionais. Mas isto, evidentemente, só da relação formal elimina o particular, que continua sendo o sujeito do direito substantivo.
Percebe-se que a concepção rígida e absoluta de soberania não é sensata e não se encaixa no Direito Internacional, não propicia um melhor desenvolvimento no DIP. Concordando com isso, Pellet, de maneira clara, constata:
“Não é necessário aderir a concepção absoluta da soberania, quanto mais não seja porque na Sociedade Internacional Contemporânea, amplamente interestatal, a soberania de cada Estado colide com as dos outros Estados, concorrentes e iguais.Portanto, contrariamente ao que escrevem os autores voluntaristas, a limitação da soberania não deriva da vontade do Estado, mas das necessidades da coexistência dos sujeitos de Direito Internacional.”(PELLET, 2001 ,p. 434)
Tem-se que os sujeitos têm direitos vis-à-vis o Estado soberano, que não pode exigir obediência de seus cidadãos de forma absoluta.
De acordo com Jean Spiropoulos “ o Estado não é um ideal supremo submisso tão só à sua própria vontade, não é um fim em si mesmo, mas sim ‘um meio de realização das aspirações e necessidades vitais dos indivíduos’, sendo, pois, necessário proteger o ser humano contra a lesão de seus direitos por seu próprio Estado.”( l’individu en Droit International)
Na visão de um dos fundadores do Direito Internacional Hugo Grotius, a razão de Estado tem limites, e a concepção absoluta desta última torna-se aplicável nas relações tanto internacionais quanto internas do Estado. No pensamento grociano, toda norma jurídica - seja de direito interno ou de direito das gentes – cria direitos e obrigações para as pessoas a quem se dirigem; a obra precursora de Grotius, já no 1º meado do século XVII, admite, pois, a possibilidade da proteção internacional dos direitos humanos contra o próprio Estado.[3]
A soberania, de maneira nenhuma, pode ser ilimitada. Há que haver um equilíbrio, uma conciliação entre os direitos do Estado e os do indivíduo. A proteção internacional à pessoa humana deve conviver plenamente com a soberania dos Estados.
Cabe-nos aderir à indignação de Braz e Sousa Arruda:
“Em virtude de que princípio se funda a soberania para negar a existência atual ou potencial de um poder superior ao seu? Como puderam os juristas acreditar em uma soberania ilimitada, em um Estado “todo-poderoso”, acima de toda lei moral”?(BOSTON, 1951,p.11)
5. História do Tribunal Penal Internacional
Ao se permitir um julgamento internacional, os limites da soberania de um Estado são extrapolados, vai-se além do poder de decidir deste Estado, pois a prerrogativa da decisão será de um tribunal internacional.
A doutrina jurídica do século XX consagra a atribuição de deveres ao indivíduo diretamente pelo Direito Internacional. E expressivo é o fato de que a violação desses deveres tem como conseqüência a responsabilidade penal individual internacional.Tem-se que o princípio da responsabilidade penal internacional individual é componente da personalidade jurídica do indivíduo.
Tudo começa no fim do século XIX e início do século XX, quando surge uma razoável quantia de tratados e convenções reconhecendo a ilicitude de certos comportamentos individuais. Dentre eles destacam-se: a Convenção de Genebra em 1864, a Declaração de São Petersburgo em 1868, a Declaração de Bruxelas em 1874 e as duas Convenções de Paz em Haia em 1899 e 1907 respectivamente, sendo que essas visavam à prevenção da guerra, à disciplina da condução de hostilidades, dentre outros.
E assim, no início do século passado, a recém criada Corte de Justiça Centro-americana e os Tribunais Arbitrais Mistos do pós-Primeira Guerra Mundial admitem o indivíduo como litigante. O mesmo aconteceu em 1943, no auge da 2ªGM , as potências aliadas tomaram para si o compromisso de submeter a julgamento os autores dos crimes de guerra e resolveram , ao fim do conflito bélico, que “todos os que houvessem participado na elaboração e execução de medidas que tinham dado origem a atrocidades seriam presos e julgados como criminosos de guerra”.
Mas, o marco histórico da Responsabilização Penal Individual se dá com a criação de um Tribunal Penal Internacional Permanente (com sede em Haia, na Holanda) com a aprovação em julho de 1998 por representantes de 120 países reunidos em uma conferência em Roma.
O Estatuto do Tribunal Penal Internacional Permanente veio, em resposta às violações dos direitos humanos e deflagra o processo de consolidação definitiva da condição do indivíduo como sujeito de Direito Internacional, haja vista que a repressão dos crimes internacionais cabia somente aos Estados e as normas de Direito Internacional não se projetavam na esfera jurídica dos indivíduos.
Cabe destacar que se registrou no curso de julgamentos que tiveram lugar no Tribunal de Nuremberg a consciência de que os crimes contra o direito internacional são cometidos por homens, não por Estados, não por abstratas entidades, e somente ao se punir o indivíduos que viessem a praticar tais delitos, garantiria-se o respeito às leis internacionais.Nesse contexto, o TPI foi arquitetado como uma permanente Corte , com jurisdição para todos os membros da ONU para julgar e punir pessoas naturais( os parágrafos 1,2 e 3 do artigo 25 do Estatuto de Roma assim dispõe) .
Conforme ressalta Hans-Jörg Behrens:
“As previsões procedimentais do Estatuto de Roma diferem substancialmente das partes procedimentais dos estatutos atinentes ao tribunal para a antiga Iugoslávia e Ruanda, tribunais estes ad hoc, que tiveram de ser estabelecidos de uma maneira extremamente rápida, razão pela qual não foi possível haver tempo hábil para que se procedesse a um trabalho comparativo das leis processuais penais.Sendo assim, a lei processual teve de seguir um dos sistemas já estabelecidos, e o sistema da comon law [...]
Durante os estágios preparatórios do Estatuto para o Tribunal Penal Internacional a situação era diferente.Para complementar, as delegações integrantes deste trabalho tiveram a oportunidade de contar com expertos, que poderiam não apenas acrescentar os conhecimentos atinentes aos seus sistemas legais, como também a outros.”(BEHRENS,2000, p.62)
O Estatuto da Corte Penal Internacional de Roma introduz assim, mais pressão sobre o conceito tradicional de soberania. Ao estabelecer uma jurisdição internacional permanente para julgar os crimes contra a humanidade, os crimes de guerra e o genocídio, a esfera de ação do Estado e de suas autoridades fica ainda mais regulada pelo Direito Internacional Público.
Assim, a certeza da necessidade real de criação de uma Corte Internacional permanente, conforme se expôs, uma Corte para conhecer, processar e julgar os autores de crimes internacionais, consolidando a responsabilidade penal internacional do indivíduo que a Comunidade Internacional há muito exigia.
Após analisarmos os acontecimentos históricos nos parágrafos anteriores, constata-se que o Tribunal penal permanente foi produto da experiência catastrófica vivida no decorrer das duas guerras mundiais, das infrutíferas Convenções Internacionais que foram feitas na tentativa de exterminar ou reduzir o cometimento de delitos e também da constatação de que as violações às mais elementares regras de Direito Internacional continuaram a ser praticadas, fazendo reinar a impunidade.
De acordo com Alain Pellet:
“Para o direito internacional tradicional, Hitler poderia exterminar os judeus alemães, o que não seria assunto de outros Estados, desde que não fizesse com os seus próprios nacionais. Tal ‘raciocínio’ não pode ser sustentado atualmente: se os Hutus exterminam os Tutsis na Ruanda; se os Sérvios procedem à ‘limpeza étnica’ das populações não-sérvias da Bósnia-Hezergóvina, essas violações do direito internacional interessam à comunidade internacional no seu conjunto e esta pode reagir mesmo quando nenhum de seus membros sofreu prejuízo (...)”[4].
Como demonstra com sua notável clareza Pellet, o contexto em que se encontra a comunidade internacional não permite mais que os crimes sejam apenas intrafronteiriços, mas reconhecem um valor comum de que toda a comunidade internacional deve zelar salvaguardar a paz e pela segurança,assim como pelos direitos humanos.
Convém também destacar os princípios que orientam o Tribunal Penal Internacional Permanente:
-Princípio da universalidade, (princípio pelo qual os Estados-partes colocam-se integralmente sob a jurisdição da Corte, não podendo subtrair de sua apreciação determinados casos ou situações).
-Princípio da responsabilidade penal individual.
-Princípio da irrelevância da função oficial, que permite que sejam responsabilizados chefes de Estado ou de governo, ministros, parlamentares e outras autoridades, sem qualquer privilégio ou imunidade.
-Princípio da imprescritibilidade, de acordo com o qual a ação criminosa jamais terá extinta a punibilidade pelo decurso do tempo, embora ninguém possa ser julgado por delitos praticados antes da entrada em vigor do Tratado.Diferentemente do Direito Penal Interno que estabelece uma prescrição, pois entende que a finalidade retributiva da pena fica diminuída, perde o sentido após muitos anos.
-Princípio da legalidade (À lei e somente a ela compete fixar as limitações que destacam a atividade criminosa da atividade legítima. Esta é a condição de segurança e liberdade individual[5]).
-Princípio da Irretroatividade de suas normas, exceto as que vierem a beneficiar o acusado.
Algo relevante a se mencionar é que a jurisdição do tribunal é subsidiária. Fato esse que concilia a soberania estatal e a autonomia do indivíduo no plano internacional, uma vez que se o Estado se comprometer a julgar o cidadão que cometer crimes que se encaixem nas categorias: crime contra a humanidade, crime contra a paz e crime de guerra, o Tribunal Internacional não interferirá, pois o indivíduo violador de direitos humanos e humanitários estará sendo devidamente julgado pelo Estado Nacional.
Quanto à subsidiariedade do Tribunal Permanente Hervé Ascensio defende que “enquanto os tribunais penais ad hoc gozam de uma primazia sobre as jurisdições internas e podem, em qualquer caso, julgar as pessoas acusadas em nível internacional, o Estatuto do T.P.I. optou por uma solução bem diferente. Ele esboça um sistema jurisdicional global, fundado no princípio da complementaridade entre o T.P.I. e as jurisdições nacionais. Os casos apresentados ao Tribunal Penal Internacional só seriam recebidos se os Estados não perseguissem eles mesmos os indivíduos responsáveis, seja porque o sistema judicial interno esteja paralisado, seja porque os Estados não desejam perseguir eles mesmos os responsáveis, seja enfim porque os processos internos visam na realidade a destituir o acusado de sua responsabilidade penal.[6]”
6.Sociedade Internacional e Comunidade Internacional
A Sociedade Internacional é marcada pela Descentralização, Coordenação, Não-Hierarquização e Fragmentação. Tendo também que haver identidade entre o autor e o destinatário da norma internacional.
Já a Comunidade Internacional é marcada pela Centralização, Subordinação e Hierarquia.
Cabe ressaltar que dependendo da identidade de valor, a sociedade será mais ou menos centralizada.
A distinção entre sociedade e comunidade também é nos dada pela Sociologia. Ferdinand Tonnies a fez na obra “Comunidade e Sociedade”. Ele, levando em consideração a intensidade do vínculo psicológico nos grupos sociais, os classificou em comunidade e sociedade. A comunidade apresentaria as seguintes características: formação natural, vontade orgânica e os indivíduos participariam de maneira mais profunda na vida em comum. A sociedade já possuiria caracteres diferentes: formação voluntária, vontade refletida e os indivíduos participariam de maneira menos profunda na vida em comum.
A partir do momento que se supera o regionalismo extremo, que se visualiza uma maior organização e maiores efeitos centralizadores, que mais interesses comuns vão surgindo entre os Estados, percebe-se a transição entre sociedade e comunidade. E essa transição de uma sociedade internacional para uma comunidade internacional propicia um ambiente mais fértil para que o indivíduo seja tido como um sujeito pleno do Direito Internacional Público. Uma maior identidade de valores e de interesses entre os países do globo permite a internacionalização do homem.
7.Conclusão
Percebe-se que, desde há muito tempo, os autores admitiam a personalidade internacional do indivíduo, gerando polêmicas em torno de sua subjetividade.
Conforme demonstrado ao longo do trabalho, foi-se possível perceber a caminhada do homem como sujeito de direito internacional no decorrer da História. Esse percurso nem sempre foi clarividente. Porém, alguns marcos foram decisivos no reconhecimento da pessoa humana no campo internacional como, por exemplo, a Declaração dos Direitos do Homem, a criação de tribunais ad hoc e o Estatuto de Roma criando o Tribunal Penal Internacional Permanente.
Hoje estamos presenciando a volta do Droit de Gent. E constantemente se tem identificado um “renascimento” contínuo do direito natural. O “eterno retorno” do jusnaturalismo tem sido reconhecido pelos próprios jusinternacionalistas, contribuindo em muito à afirmação e consolidação do primado das obrigações estatais em matéria de direitos humanos vis-à-vis a comunidade internacional como um todo.[7]
Existem duas relevantes razões para o homem ser considerado sujeito de Direito Internacional: a noção de Direito, obra feita pelo homem e para o homem (conseqüentemente, a ordem jurídica vai se preocupando cada vez mais com os direitos da pessoa humana que são “direitos naturais concretizados”) e a noção da dignidade humana que faz com que a ordem jurídica internacional reconheça direitos fundamentais e procure resguardá-los.
O reconhecimento do conceito de dignidade da pessoa humana foi crucial para se consolidar o homem como sujeito de Direito Internacional.
Pode-se notar que estamos na transição da sociedade para a comunidade, em que se visualiza o elemento subjetivo, a solidificação do indivíduo como sujeito de direito internacional.
Também é consolidada a responsabilidade penal subjetiva do indivíduo pela prática de crimes contra a humanidade, crimes contra a paz e crimes de guerra e não mais a responsabilidade penal objetiva do Estado.
Destarte, diante do que foi exposto, não se pode negar a personalidade internacional do indivíduo. Admiti-la é se enquadrar em uma das mais modernas tendências do Direito Internacional Público: a sua democratização.
Constata-se, assim que indivíduo é o pano de fundo do processo normativo do DIP e que a Soberania estatal não é suprema, visto que a autonomia individual deve ser resguardada. Não é mais compatível com a complexidade e evolução do DIP a concepção de uma soberania estatal ilimitada, incontestável.
O indivíduo é, atualmente, munícipe, nacional e cidadão do mundo, podendo ser julgado pelo Tribunal Penal Internacional Permanente e tendo até mesmo direito de petição, de reclamação direta na Corte Européia.
Portanto, o homem, é dotado de personalidade jurídica e de capacidade, ainda que parcial, no plano internacional. Cada vez mais o Direito Internacional se orienta rumo à pessoa humana.
BIBLIOGRAFIA
REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar, 7ª edição, revista e atualizada – São Paulo: Saraiva, 1998
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Direitos Humanos: personalidade e capacidade jurídica internacional do indivíduo. IN: BRANT, Leonardo Nemer Caldeira (Org.). O Brasil e os novos desafios do Direito Internacional. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
REALE,Miguel.Teoria do Direito e do Estado.2ªed.São Paulo: ED.Martins,1960.
MELLO, Celso D. de Albuquerque.Curso de Direito Internacional Público.13ª ed.Rio de Janeiro:Renovar,2001.
GOUVEIA,Jorge Bacelar.Manual de Direito Internacional público.ed.Rio de janeiro:Renovar,2005
ASCENSIO, Hervé. O Brasil e os Novos Desafios do Direito Internacional. ed. Rio de Janeiro:Forense, 2004
PELLET, Alain.Direito Internacional Público, ed. Fundação Calouste Gulbenkian 1999
BOSTON,Gerson de Mello .O homem como sujeito de direito internacional.1951
http://www.icrc.org/web/por/sitepor0.nsf/iwpList2/Humanitarian_law?OpenDocument
[1] O autor baseia-se na teoria de Pontes de Miranda, para quem de todo o direito decorre de uma pretensão.E a ação seria a forma de exercício da pretensão.
[2] Rosalyn HIGGINS, op. cit.( nota 4), p.49-50.
[3] P.P.Remec “The Position of the Individual in International Law according to Grotius and Vattel.”p.p.243 e 221
[4] PELLET, Alain.Direito Internacional Público.
[5] BIANCHINI, Alice.
[6] ASCENSIO, Hervé. O Brasil e os Novos Desafios do Direito Internacional. ed. Forense, Rio de Janeiro, 2004, p. 275-276.
[7] J.A.Carillo Salcedo,”Derechos Humanos y Derecho Internacional”
Advogada. Doutoranda em Direito pela Universidade de Roma Tor Vergata em cotutela com a Universidade Federal de Minas Gerais. Especialista em Direito do Trabalho e Direito Sindical pela Università degli Studio di Roma Tor Vergata. Graduada em Direito na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RODRIGUES, Adriana Letícia Saraiva Lamounier. O homem como sujeito de Direito Internacional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 jan 2015, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43103/o-homem-como-sujeito-de-direito-internacional. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Guilherme Waltrin Milani
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