1. Considerações Iniciais.
Recentemente, em 8-8-2014, foi publicada a Lei que dispõe sobre o Estatuto Geral das Guardas Municipais que prevê no artigo 5°, inciso III, que a elas competem “atuar, preventiva e permanentemente, no território do Município, para a proteção sistêmica da população que utiliza os bens, serviços e instalações municipais” (BRASIL, 2014, g. n.). Essa Lei regulamenta o artigo 144, § 8° da Constituição Federal que prevê que “Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei” (BRASIL, 1988, g. n.).
2. Bens Públicos Municipais e a Atuação das Guardas Municipais
Antes da publicação do Estatuto das Guardas Municipais era corrente a interpretação doutrinária, que as guardas municipais possuíam atuação restrita à proteção de segurança patrimonial, ou seja, na proteção de bens, serviços e instalações municipais. Entretanto a nova Lei autoriza à atuação na preservação da vida, na proteção da população e no patrulhamento preventivo. E essa ampliação de funções decorre da conceituação de bens públicos dada pelo Legislador.
Assim, como os bens públicos municipais delimitam a área de abrangência da atuação das guardas municipais, é oportuno discorrer, embora sinteticamente, sobre eles e sua importância no contexto dos dispositivos da Lei nº 13.022, de 08-08-2014, que institui o Estatuto Geral das Guardas Municipais.
A nova Lei estabeleceu, no seu artigo 4°, que é competência geral das guardas municipais a proteção de bens, serviços, logradouros públicos municipais e instalações do Município e logo em seguida a Lei complementa que os bens abrangem os de uso comum, os de uso especial e os dominiais. (BRASIL, 2014, g. n.).
Posteriormente, no artigo 5°, incisos I e II e III, a Lei estabelece que são competências específicas das guardas municipais, entre outras, respeitadas as competências dos órgãos federais e estaduais: a de zelar pelos bens, equipamentos e prédios públicos do Município; a de prevenir e inibir, pela presença e vigilância, bem como coibir, infrações penais ou administrativas e atos infracionais que atentem contra os bens, serviços e instalações municipais e a de atuar, preventiva e permanentemente, no território do Município, para a proteção sistêmica da população que utiliza os bens, serviços e instalações municipais (BRASIL, 2014, g. n.).
Por isso é de fundamental importância delimitar o que são bens municipais, por que as guardas municipais, além da proteção desses bens, podem atuar, preventivamente, na proteção da população que utiliza esses bens.
O conceito de bens públicos, especificado no artigo 98 do Código Civil Brasileiro, prevê que: “são públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for à pessoa a que pertencerem” (BRASIL, 2002, g. n.). Conforme especificado pelo próprio Código Civil, no artigo 41, São pessoas jurídicas de direito público interno: a União; os Estados, o Distrito Federal e os Territórios; os Municípios; as autarquias, inclusive as associações públicas e as demais entidades de caráter público criadas por lei (BRASIL, 2002).
No entanto, o conceito legal não é aceito, por todos administrativistas. O impasse reside no fato de diversos autores considerarem como bens públicos àqueles que, embora não pertença às pessoas jurídicas de direito público interno, são destinados à prestação de um serviço público.
Dessa forma, para esses autores, são considerados bens públicos, além daqueles previstos no artigo 41 do Código Civil “[....] os que, embora não pertencentes a tais pessoas, estejam afetados a um serviço público” (MELLO, p. 913). No mesmo sentido Cunha Júnior (2012, p. 405) explica que “os bens públicos são todas as coisas materiais ou imateriais, móveis ou imóveis, cujos titulares são as pessoas jurídicas de direito público (entidades estatais, autarquias, fundações de direito público) ou as pessoas jurídicas de direito privado prestadores de serviço público, quando estes bens, na última hipótese, se encontrar vinculados a prestação destes serviços públicos [....]”, ou ainda, também em sintonia com os conceitos anteriores, Gasparini (2012, p. 957,) esclarece que “bens públicos são todas as coisas materiais ou imateriais pertencentes às pessoas jurídicas de Direito Público e as pertencentes a terceiros, quando vinculados à prestação de serviços público”.
Em conclusão, são considerados como públicos “os bens pertencentes à pessoa jurídica de direito privado, estatal ou não, indispensáveis para a continuidade da prestação de serviços públicos, como ocorre com parcela do patrimônio de empresas públicas, sociedades de economia mista, concessionárias e permissionárias de serviços públicos” (MAZZA, 2013, p. 492).
Dessa maneira são considerados bens públicos municipais, os pertencentes ao ente público propriamente dito (Município), bem como os bens de suas autarquias, fundações públicas, associações públicas; ou ainda, os bens das sociedades de economia mista municipais, empresas públicas municipais ou concessionárias e permissionárias do serviço público municipal, quando tais bens, estiverem destinados à prestação de um serviço público.
Nesse aspecto caminha a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, conforme decidido no Agravo Regimental no Recurso Especial número 1070735 (AgRg no REsp 1070735/RS) cuja relatoria coube ao Ministro Mauro Campbell, que chegou à seguinte decisão: “Por isso, esta Corte Superior vem admitindo a penhora de bens de empresas públicas (em sentido lato) prestadoras de serviço público apenas se estes não estiverem afetados à consecução da atividade-fim (serviço público) ou se, ainda que afetados, a penhora não comprometer o desempenho da atividade. Essa lógica se aplica às empresas privadas que sejam concessionárias ou permissionárias de serviços públicos (como ocorre no caso). Precedentes”.
Embora os bens das sociedades de economia mista municipais, empresas públicas municipais ou concessionárias e permissionárias do serviço público municipal, sejam considerados bens públicos quando eles estiverem destinados à prestação de um serviço público, isso não significa, necessariamente, que as guardas municipais atuem, na proteção desses bens, de forma rotineira. Como, por exemplo, na vigilância rotineira de uma frota de ônibus de uma empresa privada, permissionária do transporte público municipal. Isso significaria a alocação de recursos do Estado para atender uma atividade privada, com ofensa ao princípio da moralidade.
É por isso que o Estatuto das guardas municipais previu que a proteção dos bens públicos municipais abrange os de uso comum, os de uso especial e os dominiais. Ora, apenas os bens públicos, em sentido estrito, admitem essa classificação. O próprio Código Civil, no seu artigo 99, classifica os bens públicos em os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças; os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias e os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades (BRASIL, 2002).
O próprio Código Civil, no seu artigo 99, classifica os bens públicos em os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças; os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias e os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades (BRASIL, 2002).
Em conclusão, a proteção das guardas municipais compreende tão-somente os bens do Município e de suas autarquias, inclusive as associações públicas e as demais entidades de caráter público criadas por lei municipal. Não abrangem, portanto, os bens das pessoas jurídicas de direito privado, mesmo quando utilizados na prestação de um serviço publico. Por outro lado, um aspecto deve ser considerado: no caso de uma manifestação, em que ocorra a ameaça de destruição de bens públicos particulares afetados a um serviço público como, por exemplo, a destruição de ônibus de empresa permissionária do serviço de transporte público municipal, a atuação da Guarda Municipal é justificada, pois estaria atuando no interesse coletivo ao atuar na proteção de um bem, embora particular seja afetado a um serviço público.
Quanto aos bens em espécie dos municípios, a Constituição Federal (BRASIL, 1988) não os enumerou, embora ela tenha elaborado um rol exemplificativo dos bens da União, no artigo 20 e dos Estados, no artigo 26. Mas são numerosos os bens públicos municipais, porque, “Como regra, as ruas, praças, jardins públicos, os logradouros públicos pertencem ao Município. Integram-se entre seus bens, da mesma forma, os edifícios públicos e os vários imóveis que compõem seu patrimônio. E, por fim, os dinheiros públicos municipais, os títulos de crédito e a dívida ativa também são bens municipais” (CARVALHO FILHO, 2010, p. 1405).
Os bens de uso comum do povo são utilizados, regra geral, sem formalidades específicas, por qualquer pessoa. Explica Gasparini (2012, p. 960) que “O uso e o gozo desses bens é permitido a qualquer ser humano, sem distinção entre nacionais e estrangeiros, entre pessoas físicas e jurídicas, ou entre pessoas públicas ou privadas”. No caso dos municípios são exemplos mais expressivos desses bens de uso comum do povo: as ruas, as praças, os parques municipais.
Por sua vez os bens de uso especial, são os bens móveis e imóveis utilizados na prestação de serviços públicos. São exemplos de bens públicos de uso especial dos municípios os edifícios onde se prestam serviços públicos como as escolas, os museus, os postos de saúde, além dos veículos, maquinários, equipamentos. Enfim, todos aqueles bens destinados, direta ou indiretamente, a prestação de algum serviço público.
Por fim os bens dominiais são aqueles que compõem o patrimônio público disponível, ou seja, “são os destituídos de qualquer destinação, prontos para ser utilizados ou alienados, ou ainda, ter seu uso trespassado a quem por eles se interesse” (GASPARNI, 2012, p. 962). No entanto a alienação desses bens deve observar normas legais, como, por exemplo: licitação, autorização legislativa, avaliação, conforme disposições legais aplicáveis.
Portanto, as guardas municipais podem atuar na proteção de todos esses bens municipais (uso comum do povo, uso especial e os dominiais) e ainda conforme previsto no seu estatuto, atuar na proteção sistêmica da população que utiliza os bens, serviços e instalações municipais (BRASIL, 2014).
Conforme definido anteriormente as ruas, as praças, os logradouros públicos, os bosques, os parques são bens municipais de uso comum do povo. Assim, uma importante conclusão pode ser obtida: as guardas municipais podem, por exemplo, realizar “patrulhamento preventivo” nas ruas das cidades, na proteção das pessoas que utilizam as vias municipais.
Nesse último aspecto, a atuação da guardas municipais se confunde com a própria atuação das Polícias Militares, embora com fundamentação conceitual e legal ligeiramente diferente, já que as guardas municipais se fundam no princípio do “patrulhamento preventivo” uniformizado, conforme previsto no artigo 3°, inciso III do Estatuto das guardas municipais (BRASIL, 2014), enquanto as Polícias Militares compete realizar o “policiamento ostensivo” fardado, conforme previsto no artigo 3°, letra “a” do Decreto 667 (BRASIL, 1969).
3. Considerações Finais
Conforme disposto no artigo 3° do Estatuto das Guardas Municipais, os princípios que regem sua atuação é a proteção dos direitos humanos fundamentais, do exercício da cidadania e das liberdades públicas; da preservação da vida, redução do sofrimento e diminuição das perdas e o patrulhamento preventivo, entre outros (BRASIL, 2014, g. n.).
Como a competência geral das guardas municipais é a proteção de bens, serviços, logradouros públicos municipais e instalações do Município e tais bens compreendem os de uso comum, os de uso especial e os dominiais, a nova lei legitimou o policiamento ostensivo (patrulhamento preventivo) nas ruas, estradas, praças, jardins, parques, etc. do Município (bens são de uso comum do povo).
É exatamente nesse último aspecto, ou seja, na atuação em relação aos bens de uso comum do povo é que ocorreu o alargamento das funções das Guardas Municipais. Nesse sentido as Guardas Municipais são competentes para, entre outras: prevenir e reprimir pelo patrulhamento os crimes e atos infracionais que ocorram nas ruas da cidade; proteger a população que circula pelas ruas da cidade; prestar o atendimento de ocorrências emergenciais em locais públicos; prender pessoas em flagrante delito; desenvolver ações preventivas contra a violência em espaços públicos municipais, etc. Em outras palavras é isso que está previsto no artigo 5° do Estatuto. Observe, portanto, que tanto as Guardas Municipais quanto às Polícias Militares possuem competência para atuar de maneira preventivas e repressivas em relação aos crimes que ocorram nas ruas e locais públicos municipais, embora com fundamentação constitucional e legal diversas.
Embora possam surgir questionamentos sobre a (in) constitucionalidade do Estatuto das Guardas Municipais, observa-se claramente uma tendência das alterações constitucionais e legais no sentido de inserir o Município no sistema de segurança pública.
Nota-se pelo simples inserção no Estatuto que atuação das Guardas Municipais inclui também os bens de uso comum do povo, podendo elas agir preventivamente nesses locais, ocorreu o aumento das atribuições dessas Guardas Municipais. Antes elas podiam atuar somente em escolas, prédios e instalações municipais, ou praças, jardins e logradouros públicos municipais. Embora partes desses bens sejam considerados bens de uso comum do povo como praças e jardins era corrente o entendimento que as Guardas Municipais não podiam atuar preventivamente nas ruas e estradas municipais.
Entende-se que o papel das Guardas Municipais deve ser potencializada, devendo ela atuar com os demais órgãos de segurança na defesa da sociedade. Dessa forma levando em consideração o conceito bem público aqui desenvolvido são atividades executadas pelas guardas municipais que podem ter impacto na melhoria do sistema de segurança pública, tais como: 1) prevenir, proibir, inibir e restringir ações irregulares de pessoas que atentem contra os bens, serviços e instalações municipais; 2) atuar no controle de trânsito, durante eventos; 3) vigiar e proteger o patrimônio ecológico, cultural, arquitetônico e ambiental do município; 4) colaborar, com os órgãos estaduais para o desenvolvimento da segurança pública no município; 5) participar das atividades de Defesa Civil, em casos de desastres e catástrofes; 6) atuação em eventos esportivos, em espaços públicos municipais; 7) monitoramento de câmeras em espaços públicos; 8) policiamento em espaços públicos municipais como escolas, praças, parques e ruas; 9) participação de atividades integradas de segurança pública, entre outras.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto-Lei n. 667, de 02-07-1969, Reorganiza as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares dos Estados, dos Territórios e do Distrito Federal, e dá outras providências. DOU de 03-07-1969. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0667.htm, acesso em 12-08-2014.
__________. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, de 05-10-1988. Diário Oficial da União n. 191-A, de 05-10-1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm, acesso em 12-08-2014.
_________. Lei 10.406, de 10-01-2002, Institui o Código Civil Brasileiro. DOU 11-01-2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm, acesso em 20-08-2014.
________. STJ, AgRg no REsp 1070735/RS, Relator: Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 18-11-2008, DJe 15-12-2008. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=838862&sReg=200801352880&sData=20081215&formato=PDF, acesso em 20-08-2014.
________. Lei n. 13.022, de 08-08-2014, Dispõe sobre o Estatuto Geral das Guardas Municipais. DOU de 11.8.2014 - Edição extra. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13022.htm, acesso em 12-08-2014.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo, 24 ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Administrativo, 11ª edição. Salvador: Jus Podivm, 2012.
GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo, 17ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012
MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo, 3ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 27ª edição. São Paulo: Malheiros, 2010.
MORAES. Alexandre de, Direito Constitucional, São Paulo: Atlas, 2010.
Mestre em políticas públicas pela Universidade Estadual de Maringá (2016), graduado no Curso de Formação de Oficiais pela Academia Policial Militar do Guatupê (1994), graduado em Administração pela Faculdade Estadual de Ciências Econômicas de Apucarana (1998) e graduado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (2009), com aprovação no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Possui experiência na docência militar nas disciplinas de Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito Administrativo. Possui ampla experiência em Polícia Judiciária Militar e experiência no setor público, principalmente em gestão de pessoas e formulação de projetos.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Douglas Pereira da. Bens públicos municipais e sua importância na delimitação da atuação das guardas municipais conforme Lei n. 13.022, de 8 de agosto de 2014 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 jan 2015, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43116/bens-publicos-municipais-e-sua-importancia-na-delimitacao-da-atuacao-das-guardas-municipais-conforme-lei-n-13-022-de-8-de-agosto-de-2014. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
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