Resumo: O artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal assegura a inviolabilidade ao sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, contudo, mencionado direito, pode ser relativizado para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer. A lei que regulamentou referida relativização foi promulgada em 96 (Lei 9296), e será detalhadamente tratada nesse artigo.
Palavras-chave: Interceptação telefônica. Sigilo. Segredo de Justiça. Autorização judicial. Inviolabilidade. Investigação Criminal. Instrução Processual Penal. Requisitos.
1. Introdução.
Esse artigo irá versar sobre a lei que regulamentou a interceptação telefônica, buscando demonstrar as situações em que as provas obtidas por esse meio serão permitidas e os requisitos necessários para tanto. Cabe ressaltar inicialmente, que o tema tratado visa preservar os direitos fundamentais assegurados constitucionalmente, tendo como objetivo primordial assegurar o sigilo das comunicações, como regra, pois em algumas situações e com preenchimento de determinadas exigências esse direito poderá ser relativizado.
2. Análise do Artigo 5º, XII, da Constituição Federal.
2.1. O direito assegurado pelo artigo 5º, XII, da CF e sua relativização
Para dar início a esse trabalho torna-se necessário relatar acerca do artigo 5º, XII, da Constituição Federal, pois foi a partir de uma exigência trazida por ele que a questão das comunicações telefônicas foi regulamentada.
A garantia constitucional assegurada pelo artigo 5º, XII da CF visa proteger um dos direitos mais importantes assegurados ao ser humano, qual seja, a intimidade. Para tanto, visa-se evitar ingerências alheias de terceiros ou do próprio Estado. Tal prerrogativa é inerente e essencial ao ser humano, pois representa ao indivíduo os limites e o equilíbrio da vida em sociedade, cuja dinâmica requer um mínimo de respeito e tolerância, pois não só o indivíduo tem obrigações perante a sociedade, mas esta também possui obrigações perante o cidadão, entre elas, o respeito dos limites de seu agir.
Ocorre que, referido dispositivo constitucional traz uma exceção, ou seja, a relativização dessa garantia através da interceptação telefônica. Mas para tanto é necessário o preenchimento de alguns requisitos. Ademais, exige-se que isso seja feito na forma que a lei estabelecer, restringindo seu uso para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.
Assim, por ser uma norma de eficácia limitada, a obtenção dessa prova só poderia se dar depois que fosse editada uma lei regulamentando a interceptação telefônica, pois, caso contrário, seria decretada a ilicitude da prova obtida por esse meio.
2.2. Âmbito de abrangência da expressão “no último caso”, presente no artigo 5º, XII da CF.
O artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal dispõe que: “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”. Primeiramente é importante esclarecer que quando o texto do artigo acima transcrito ressalta “no último caso”, este quer fazer referência à inviolabilidade de dados e das comunicações telefônicas, pois se fosse interpretado de forma diferente estaríamos imaginando que o constituinte somente se preocupou com a comunicação via telefone deixando de fora a comunicação de dados sem o uso de telefone. Ou seja, o criminoso da era da informática ou o criminoso via satélite ou da fibra óptica ou ainda o que utilizasse de infravermelho estaria protegido diante da norma constitucional.
No entanto, há entendimento contrário, no qual a ressalva trazida pelo artigo do texto Constitucional estaria se referindo apenas às comunicações telefônicas. Vale ainda ressaltar que, o direito fundamental assegurado no inciso XII, do art. 5º da Constituição Federal não tem caráter absoluto, sendo possível que haja a interceptação extensiva também às correspondências e comunicações telegráficas sempre que as liberdades públicas estiverem sendo usadas como instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas.
Entretanto, nesse trabalho, será tratado apenas os aspectos referentes à interpretação telefônica.
3. A regulamentação do artigo 5º, XII, parte final.
3.1. Impossibilidade de obtenção da prova através da interceptação telefônica sem a devida lei regulamentadora.
Buscando uma forma de se permitir a realização da interceptação telefônica sem a existência de uma lei própria que a regulamentasse, muito se discutiu sobre a possibilidade de o juiz autorizar a interceptação telefônica com base no Código de Telecomunicações.
No entanto, esse não foi o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que entendia imprescindível a edição da lei exigida constitucionalmente pelo artigo 5º, XII, da CF, para que a interceptação telefônica pudesse, enfim, ser realizada, uma vez que o Código de Telecomunicações não seria o suficiente para tanto, pois este não descreve as hipóteses e a forma da interceptação, e em conseqüência, toda a autorização judicial seria inválida quando fosse dada com base neste.
3.2. Prova obtida por meio ilícito.
Dessa forma, a realização da interceptação telefônica foi vedada até a edição de lei própria, pois se a prova fosse colhida com violação e desobediência à norma constitucional, configuraria prova ilícita e, sendo assim, possivelmente ela seria desentranhada do processo, não sendo, portanto, valorada pelo juiz.
Isso se dá em razão da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, pois essas são colhidas com infringência às normas de direito material, inclusive violando dispositivo constitucional que inadmite, no processo, provas obtidas por meios ilícitos.
Em contrapartida, vale ressaltar que em se tratando de prova obtida ilicitamente que comprove a inocência do acusado, essa regra poderá ser relativizada, pois nesse caso irá ocorrer um confronto entre direitos fundamentais e prevalecerá aquele que for favorável ao mesmo, em obediência ao principio da proporcionalidade.
3.3. Provas ilícitas derivadas.
Ainda no que se refere às provas obtidas por meios ilícitos, vale dizer que são consideradas igualmente ilícitas, por contaminação, as provas decorrentes daquelas obtidas ilicitamente em razão da aplicação da doutrina norte americana dos frutos da árvore envenenada.
Sendo assim, as provas ilícitas, bem como aquelas derivadas, são constitucionalmente inadmissíveis. No entanto, não tem o condão de anular o processo, pois continuam válidas as demais provas lícitas e autônomas delas não decorrentes.
Conclui-se que, se fosse permitido realizar a interceptação telefônica antes da edição de lei própria que a regulamentasse, haveria uma clara violação do artigo 5º, XII da Constituição Federal que exige lei para tanto, e dessa forma seria considerada prova obtida por meio ilícito, o que iria comprometer sua validade no momento da valoração. E ainda haveria um inequívoco desrespeito ao principio da legalidade, que também assegurado pela Constituição Federal, visa combater o poder arbitrário do Estado.
3.4. Promulgação da Lei 9.296/96 de 24 de julho de 1996.
No que tange a necessidade da edição de lei regulamentando a interceptação telefônica Luiz Flavio Gomes assevera que: “era indispensável essa “lei” também para tentar coibir tantos abusos, os quais ocorriam frequentemente. A interceptação telefônica, no Brasil, tem muita história. Não como um meio probatório lícito e legítimo, disciplinado pelo ordenamento jurídico e instrumento valioso para a própria preservação do Estado Constitucional e Democrático de Direito, senão, sobretudo, como uma forma reprovável de invasão à privacidade alheia. Durante o regime militar, por exemplo, sabe-se que a vida privada de muitas pessoas ficaram por longo tempo sob controle. Todo tipo de abuso e de devassa já foi praticado neste país por meio de interceptação telefônica. Não só os integrantes do poder valeram-se desse procedimento ilegal, como também os “particulares” (espionagem industrial, operações políticas, casos de infidelidade conjugal etc).
O direito brasileiro, no período de 1988 a 1996 caracterizou-se pela ausência de um regime jurídico adequado (embora isso fosse constitucionalmente exigido), omissão legislativa, autorizações judiciais “controvertidas” (para se dizer o mínimo), incursões duvidosas no âmbito da intimidade de incontáveis pessoas, desrespeito em conseqüência a vários direitos fundamentais, insegurança jurídica, frustrações da atividade persecutória etc.
Diante dessa crítica situação, sobreveio a Lei 9.296/96 para regulamentar a parte final do inciso XII, do artigo 5º da Constituição Federal.
4. Comentários à Lei 9.296/96.
4.1. Distinção entre escuta, gravação e interceptação telefônica.
Antes de analisar a lei, torna-se importante fazer a distinção entre escuta telefônica, gravação telefônica e interceptação telefônica. A escuta telefônica consiste na captação de conversa telefônica alheia por um terceiro com o conhecimento de um dos comunicadores. A gravação telefônica se dá quando um dos comunicadores grava sua própria conversa sem o conhecimento dos demais. E a interceptação telefônica é a captação e gravação de conversa telefônica, no mesmo momento em que ela se realiza, por terceira pessoa sem o conhecimento de qualquer dos interlocutores. A interceptação permite que se tenha conhecimento do conteúdo da comunicação, e isso se dá através da participação de um terceiro que irá captar o que estiver sendo comunicado.
4.2. Âmbito de abrangência da Lei 9.296/96.
A Lei 9.296/96, em seu artigo 1º, refere-se à interceptação telefônica de qualquer natureza, ou seja, aquela feita por terceiro, com ou sem consentimento de um dos interlocutores. Ambas consistem em processos de captação alheia.
Há, no entanto, entendimento no sentido de não se admitir a escuta telefônica (com o consentimento de um dos interlocutores). Ocorre que o fato de um dos interlocutores saber da captação não afasta a idéia de interceptação, mesmo porque é um terceiro que está tomando conhecimento da comunicação. Por outro lado, urge a proteção do sigilo em relação a quem não está sabendo da interceptação. Logo, para se quebrar esse sigilo, é imprescindível autorização judicial. Imagine-se um caso de seqüestro em que a família da vítima está sabendo que o juiz autorizou a interceptação telefônica. Não é pelo fato de que um dos comunicadores tem ciência da captação que se descaracteriza a interceptação (mesmo porque, repita-se, nesse caso, é um terceiro que está tomando conhecimento do conteúdo da comunicação). Em conclusão, a lei se aplica tanto à interceptação em sentido estrito quanto à escuta telefônica.
A lei, no entanto, não abarca a gravação de conversa telefônica feita por um interlocutor sem o conhecimento do outro (gravação telefônica), bem como a gravação ambiental, a interceptação ambiental e a escuta ambiental.
Admite-se, ainda, a interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática, pois, caso contrário, seria muito fácil burlar a Lei: bastaria que a comunicação fosse digitada para não entrar no âmbito de sua incidência.
4.3. Âmbito de admissibilidade das interceptações telefônicas.
Dispõe o artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal, que a interceptação telefônica deve visar à investigação criminal ou instrução processual penal. A investigação criminal consiste na apuração de uma infração penal e de sua autoria, ou seja, são atos de investigação voltados à elucidação de crimes que podem ser realizados tanto pela polícia judiciária como por outras autoridades administrativas (art. 4ºCPP). Já a instrução processual é a fase do processo penal que se destina à produção de prova que posteriormente será valorada pelo juiz. Disso se conclui não ser possível a quebra do sigilo para fins civis, políticos, comerciais, em ação civil pública dentre outros. Sendo assim, ela só se dará em feitos criminais.
4.4. A necessidade da autorização judicial.
4.4.1. Crime de interceptação telefônica.
É importante enfatizar que o sigilo das comunicações telefônicas só poderá ser quebrado quando for dada autorização judicial para tanto, pois, caso contrário, configurará o crime descrito no artigo 10 da Lei 9.296/96, qual seja, realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo de justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei. A tipificação desse crime busca tutelar o sigilo das comunicações, para que estas não sejam conhecidas por terceiros.
O artigo 10 da Lei 9.296/96 menciona três condutas.
A primeira conduta incriminada se refere à realização de interceptação telefônica, de informática ou telemática sem autorização judicial, ou seja, a conduta consiste em tomar conhecimento do conteúdo da comunicação alheia sem autorização judicial. Sendo assim, se houver autorização judicial a conduta será atípica. Esse crime tem como requisito subjetivo o dolo, que consiste na consciência e vontade de praticar a interceptação telefônica tomando conhecimento de seu teor.
A segunda conduta consiste na realização da interceptação telefônica com objetivos não autorizados em lei. Sendo assim, ela somente poderá ter como fim a investigação criminal ou a instrução processual penal.
Por fim, a última conduta trata-se da quebra do segredo de justiça. Com isso, objetiva-se que todo o procedimento da interceptação, como as diligências, gravações e transcrições sejam sigilosas.
4.5. O segredo de justiça.
4.5.1. O sigilo das comunicações e a preservação do segredo de justiça.
A Lei 9.296/96 exigiu que o sigilo das comunicações fosse preservado, pois, sendo uma medida cautelar que envolve a intimidade e a privacidade, torna-se necessário evitar que muitas pessoas tomem conhecimento dessas comunicações que serão interceptadas. Ademais, o segredo de justiça tem como fim impedir que o próprio investigado tome conhecimento da interceptação, pois caso contrário, a sua ciência quanto à medida a tornaria sem sentido.
4.5.2. O contraditório diferido.
Como foi dito acima, a interceptação se dá sem que o investigado tome conhecimento de sua realização, daí se conclui que a interceptação telefônica é uma medida cautelar inaudita altera pars, uma vez que o investigado não é ouvido antes desta ser realizada. Observa-se, assim, que o contraditório é diferido, postergado, ou seja, realiza-se posteriormente. Se não fosse assim haveria violação ao principio da ampla defesa e para que isso não ocorra, o segredo de justiça irá perdurar apenas durante a diligência. Ultimada esta, o segredo de justiça deve ser levantado e o investigado, bem como seu advogado, poderão tomar conhecimento do conteúdo do que foi captado.
4.5.3. Publicidade interna restrita.
O fato do segredo de justiça ter sido levantado não implica no seu conhecimento amplo e irrestrito. Aqui vigora a publicidade interna restrita através da qual, além das pessoas que já sabiam da interceptação (juiz, autoridade policial, Ministério Público e o responsável pelo serviço técnico), apenas o investigado e seu advogado poderão ter ciência da diligência, das gravações e transcrições.
Essa publicidade interna restrita se justifica pelas seguintes razões: estão envolvidos incontáveis valores fundamentais da pessoa, destacando-se, dentre eles: a honra do investigado, a sua presunção de inocência, o direito ao processo justo, a privacidade e a segurança da vitima, a privacidade e a segurança das testemunhas e, particularmente, a privacidade (vida privada, honra, imagem, intimidade) de todos que comunicam com o investigado.
4.6. Pressupostos básicos para a concessão da interceptação telefônica.
4.6.1. Aspectos iniciais.
Findo os comentários no que tange ao artigo 1º da Lei 9.296/96, passaremos a analisar outras exigências para que se realize a interceptação telefônica.
Sendo a interceptação telefônica uma medida cautelar, ela como qualquer outra dessa mesma natureza deve obedecer cumulativamente aos requisitos básicos exigidos para a concessão dessa medida, quais sejam, o fumus boni iuris e o periculum in mora.
Como assevera a própria Lei, é necessário que haja indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal e que a demora na concessão dessa medida possa acarretar prejuízo.
Como se vê, a lei exige que a autoria seja provável e não apenas possível, e para tanto, em regra, é imprescindível que já exista uma investigação criminal em curso ou um processo em andamento.
4.6.2. Fumus boni iuris.
Assim, para que haja a concessão da medida cautelar exige-se a probabilidade da existência de uma infração penal para que o requisito fumus boni iuris seja completamente preenchido. Para que esse requisito seja cumprido deve-se demonstrar a existência da infração penal, bem como a probabilidade de autoria ou participação numa infração penal. Isso pode ser feito por meio de provas inequívocas.
Mas isso, ainda não é o suficiente.
4.6.3. Periculum in mora.
O segundo pressuposto básico da interceptação telefônica é o periculum in mora, ou seja, uma situação de fato, caracterizada pela iminência de um dano, em face da demora de uma providência que o impeça. Trata-se, portanto, que um dano em potência, que ainda não se perfez. O periculum in mora tem como características a necessidade e a urgência.
4.6.4. Cumulatividade dos pressupostos e imprescindibilidade da obtenção da prova obtida através da interceptação telefônica.
Ambos os requisitos devem ser preenchidos para a concessão da medida, pois caso as exigências não sejam cumpridas ou se a prova puder ser obtida por outros meios disponíveis, a interceptação não será admitida, tendo em vista ser uma medida que interfere na intimidade das pessoas. Ademais a lei também exige que o pedido de interceptação telefônica contenha a demonstração de que a sua realização seja necessária à apuração de infração penal, com a indicação dos meios a serem empregados. A medida só será deferida quando se demonstrar a indispensabilidade da mesma.
4.7. Outras exigências da lei. 9.296/96.
4.7.1. Crimes punidos com reclusão.
A Lei dispõe ainda, como requisito básico necessário, que a interceptação telefônica seja admitida apenas quanto aos crimes punidos com reclusão.
Ocorre que, esse critério usado pelo legislador não foi o mais sensato, pois limitou o âmbito de seu cabimento.
4.7.2. Individualização do sujeito passivo.
Vale ressaltar que, em qualquer situação em que seja deferida a interceptação telefônica, o juiz deve fazê-la descrevendo com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada. Como se vê, além da delimitação do objeto da interceptação, da descrição clara da situação fática, torna-se ainda necessário que o juiz ao autorizá-la, individualize o sujeito passivo da medida. Essa formalidade é apenas uma conseqüência do primeiro pressuposto que exige a existência de indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal. Se esse pressuposto não fosse preenchido não teria como o juiz indicar o sujeito passivo, e dessa forma a medida não poderia ser deferida por não ter cumprido os requisitos necessários para tanto. Faz-se fundamental a individualização também da linha telefônica.
4.7.3. O pedido de interceptação.
A interceptação telefônica, na letra da lei, poderá ser determinada pelo juiz de ofício ou a requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público.
Apesar da lei, no que tange a competência do juiz para determinar a medida, ter utilizado o termo “poder” em vez de “dever” entende-se que o juiz, quando preenchidos todos os pressupostos deve determiná-la. Existem entendimentos contrários que alegam tratar-se de uma faculdade.
A lei ainda admite que a interceptação seja determinada a requerimento da autoridade policial, na investigação policial, ou por requerimento do representante do Ministério Público tanto na investigação criminal como na instrução processual penal.
O pedido de interceptação telefônica deve se revestir de um conteúdo mínimo no qual deverá conter a demonstração de que a sua realização seja necessária à apuração da infração penal e a indicação dos meios a serem empregados.
4.7.4. Necessidade de pedido escrito.
Analisando os requisitos formais do pedido de interceptação observa-se, que, em regra, ele deverá ser feito por escrito e excepcionalmente o juiz poderá admiti-lo verbalmente quando se tratar de uma situação de urgência. Para tanto, há necessidade de que estejam presentes os pressupostos que autorizam a interceptação, quais sejam, o periculum in mora e o fumus boni iuris. Sendo dada a concessão do pedido, nesse caso, o juiz deve mandar reduzir a termo o pedido verbal.
4.7.5. Decisão judicial fundamentada.
A decisão judicial deve ser fundamentada, demonstrando as suas razões e os motivos. A fundamentação é necessária uma vez que a motivação das decisões judiciais surge como manifestação do estado de direito de modo que o juízo deve necessariamente exteriorizar a base fundamental de sua decisão. A construção jurisprudencial não discrepa do posicionamento doutrinário, entendendo que a ausência de fundamentação ou motivação, portanto, ao arrepio da lei, acarreta nulidade absoluta da decisão.
A exigência de motivação tem base constitucional (art. 93, IX), e ela deve se dá por vários aspectos. Uma das razões pelas quais a concessão da interceptação telefônica deve ser bem fundamentada é pelo fato dela ser uma medida cautelar inaudita altera pars e sendo assim, sua motivação há de ser bem precisa e exaustiva, pois além da intimidade e da vida privada serem direitos fundamentais, assegurados constitucionalmente, o investigado deve ter conhecimento dos motivos que levaram o juiz a autorizar a interceptação, para, se quiser, impugná-la posteriormente.
É imprescindível ainda que o controle judicial seja prévio, ou seja, todas as exigências da lei devem ser cumpridas antes mesmo da concessão da medida.
A lei, além de exigir que decisão seja fundamentada, sob pena de nulidade, também determina que a decisão deve indicar a forma de sua execução.
4.7.6. Prazo de duração da medida.
Ainda de acordo com o art 5º da Lei 9.296/96, a interceptação telefônica não poderá exceder o prazo de quinze dias, podendo ser renovada por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova. Dependendo do caso concreto, a medida poderá ser deferida por tempo menor.
A contagem deste prazo deve ser feita nos termos do art. 10 do CP e não do §1º do art. 798 do CPP, pois, é mais vantajoso para o investigado ou acusado incluir o dia do começo, já que se trata de medida restritiva de direito constitucional.
Sendo necessária a renovação da medida, essa deve se dar antes do limite máximo fixado pelo juiz na decisão, pois uma vez findo o prazo da medida ela não poderá continuar sendo realizada em período não autorizado. Se isso ocorrer ela será nula.
Quanto a expressão usada pelo legislador “renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova” não pode levar o intérprete a pensar que só há renovação uma única vez, mas sim, que a medida cautelar poderá ser renovada tantas vezes quantas forem necessárias, comprovada indispensabilidade do meio de prova, ou seja, desde que presentes o periculum in mora e o fumus boni iuris..
4.7.7. Aspectos finais.
Passando a análise da fase executiva, observa-se que deferido o pedido, a autoridade policial conduzirá os procedimentos de interceptação, dando ciência ao Ministério Público, que poderá acompanhar a sua realização.
A autoridade policial ao conduzir a diligência não poderá fazê-lo com excessos ou com abusos, sob pena de violar o principio da proporcionalidade que é norteador da medida.
Vale ressaltar que a autoridade policial poderá se valer de serviços e técnicos especializados requisitados às concessionárias de serviço público. Já ao Ministério Público, será dada ciência da realização da medida, porém o mesmo não poderá conduzi-la, mas tão somente acompanhá-la.
O parágrafo 2º do art. 6º da Lei assevera que cumprida a diligência, a autoridade policial encaminhará o resultado da interceptação ao juiz, acompanhado de auto circunstanciado, que deverá conter o resumo das operações realizadas. Recebidos esses elementos, o juiz determinará a providência do art. 8º, que consiste na preservação do sigilo das diligências, gravações e transcrições.
As gravações originais devem ser preservadas, caso haja algum tipo de questionamento a respeito da “autenticidade” da prova.
O art. 8º da lei 9.296/96 com o intuito de buscar a preservação do sigilo ainda dispõe que a interceptação telefônica ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal.
O parágrafo único desse mesmo artigo assevera que a apensação somente poderá ser realizada imediatamente antes do relatório da autoridade, quando se tratar de inquérito policial ou na conclusão do processo ao juiz para o despacho decorrente do disposto nos arts. 407, 502 ou 538 do Código de Processo Penal.
Em obediência ao principio do contraditório e da ampla defesa, o investigado e/ou seu advogado constituído, poderão ter ciência do conteúdo da interceptação telefônica após as transcrições finais. A partir daí não se justifica mais o segredo absoluto. E dessa forma, irá se permitir que seja realizado o contraditório (que nesse caso será diferido, postergado). Não cabe aqui, falar de inconstitucionalidade, pois sendo a interceptação uma medida cautelar inaudita altera pars, o contraditório só poderia ocorrer posteriormente, pois caso contrário, repita-se, a sua concessão seria inútil e não cumpriria sua finalidade.
Das captações que forem feitas, àquelas que não interessarem à prova serão inutilizadas por decisão judicial, durante o inquérito, a instrução processual ou após esta, em virtude de requerimento do Ministério Público ou da parte interessada. Esse dispositivo visa mais uma vez tutelar o direito constitucional a intimidade, a vida privada e ao sigilo das comunicações. A seleção do que será útil ou não para aprova caberá ao juiz, que deverá fazê-la com a devida fundamentação. Ademais, o incidente de inutilização do que não interessa à prova será assistido obrigatoriamente pelo Ministério Público, sendo facultado a presença do acusado ou de seu representante legal. Desse incidente será lavrado laudo auto.
5. Conclusão.
Diante do que foi exposto neste artigo, conclui-se que o legislador admitiu a violação do sigilo telefônico, bem como a interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática e, apesar de entendimentos diversos, da interceptação de dados, para que o conteúdo do que foi interceptado possibilite o desenvolvimento de uma investigação, com o objetivo de buscar a prova que materialize o delito investigado.
Ocorre que, como foi visto, isso deve se dá pela forma estabelecida pela lei com obediência de todas as determinações por ela trazida, bem como cumprir principalmente as exigências constitucionais, sem as quais a obtenção da prova por esse meio se tornaria ilícita e sem nenhuma validade para o processo. Pois, como foi dito, a regra será sempre o sigilo das comunicações uma vez que se trata de direito assegurado constitucionalmente. Excepcionalmente, esse direito poderá ser relativizado para atender os fins visados pela lei.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
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CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Interceptação Telefônica. 2ª Ed. Saraiva, 2010.
GOMES, Luiz Flávio; MACIEL Silvio. Interceptação Telefônica. Revista dos tribunais, 2014.
GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antônio Scarance; FILHO, Antônio Magalhães Gomes. As nulidades no Processo Penal. Revista dos tribunais, 2006.
Formada em direito pela Universidade Fumec em julho de 2004. Analista juciária do Ministerio Público de Minas Gerais.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RABELO, Fernanda Albernaz. Interceptação Telefônica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 fev 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43268/interceptacao-telefonica. Acesso em: 23 dez 2024.
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