RESUMO: O presente artigo trata da análise da constitucionalidade da prisão preventiva com base na garantia da ordem pública e as posições doutrinárias existentes.
Palavras-chave: Constitucionalidade. Prisão Preventiva. Ordem Pública.
1 INTRODUÇÃO
O significado da expressão “garantia da ordem pública”, um dos requisitos exigidos para decretação da prisão preventiva e trazido pela Lei n. 12.403/11, não é pacifico, nem na jurisprudência, e nem na doutrina, encontrando diversos entendimentos sendo alguns a favor da constitucionalidade e outros contra.
Buscando a manutenção da paz do corpo social, a lei quis impedir a prática de reincidência dos réus durante a investigação criminal e do processo bem como, uma intenção implícita, que é resguardar a própria credibilidade da Justiça brasileira reafirmando a autoridade e a validade da ordem jurídica, colocada em xeque pela conduta do criminoso.
Durante o exposto neste trabalho, serão demonstrados os argumentos prós e contras esse requisito específico tentando, de uma forma sintática e educativa entender o porquê de tal conflito doutrinário e jurisprudencial.
2 CONCEITO DE ORDEM PÚBLICA
Observando o art. 312 do Código de Processo Penal encontramos o requisito da garantia da ordem pública como fundamento para a decretação da prisão preventiva, porém, trata-se de um conceito jurídico indeterminado, até mesmo vago, mas que basicamente significa a existência de indícios de que o réu voltará a delinquir, caso permaneça em contato livre com a sociedade.
Entende-se ser uma paz e tranquilidade do meio social. Deste modo, aquele que se encontra absolutamente envolvido na vida do crime têm sua restrição de liberdade justificada em razão de um interesse público maior.
Basileu Garcia entende o tema da seguinte forma:
Para a garantia da ordem pública, visará o magistrado, ao decretar a prisão preventiva, evitar que o delinqüente volte a cometer delitos, ou porque é acentuadamente propenso a práticas delituosas, ou porque, em liberdade, encontraria os mesmos estímulos relacionados com a infração cometida. Trata-se, por vezes, de criminosos habituais, indivíduos cuja vida social é uma sucessão interminável de ofensas à lei penal: contumazes assaltantes da propriedade, por exemplo. Quando outros motivos não ocorressem, o intuito de impedir novas violações determinaria a providência.
O professor Eugênio Pacelli por sua vez entende:
a prisão para a garantia da ordem pública não se destina a proteger o processo penal, enquanto instrumento de aplicação da lei penal. Dirige-se, ao contrário, à ela seria duramente atingida pelo não-aprisionamento de autores de crimes que causassem intranqüilidade social.
Ainda nesse sentido, Antônio Magalhães Gomes Filho leciona:
à ordem pública relacionam-se todas aquelas finalidades do encarceramento provisório que não se enquadram nas exigências de caráter cautelar propriamente ditas, mas constituem formas de privação da liberdade adotadas como medidas de defesa social; fala-se, então, em ‘exemplaridade’, no sentido de imediata reação ao delito, que teria como efeito satisfazer o sentimento de justiça da sociedade; ou, ainda, a prevenção especial, assim entendida a necessidade de se evitar novos crimes.
Acreditamos que a própria brutalidade extraída do delito pode provocar grande comoção no meio social e por seguinte dando uma sensação de impunidade e descrédito pela demora na prestação jurisdicional, de tal forma que, havendo motivo justificante (entenda-se justa causa), não convém aguardar-se até o trânsito em julgado do processo para só então prender o indivíduo.
Neste sentido, o STF, pelas palavra do ministro Celso de Melo:
a prisão preventiva, que não deve ser confundida com a prisão penal, pois não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas sim atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal, não pode ser decretada com base no estado de comoção social e de eventual indignação popular, isoladamente considerados. Também não se reveste de idoneidade jurídica, para efeito de justificação de segregação cautelar, a alegação de que o acusado, por dispor de privilegiada condição econômico-financeira, deveria ser mantido na prisão, em nome da credibilidade das instituições e da preservação da ordem pública.
Através da inovação legislativa provocada pela Lei 12.403/2011, hoje podemos entender que o conceito de ordem pública é extraído do próprio artigo 282, inciso I, do CPP. Entendemos que, garantir a ordem pública significa evitar a prática reiterada de infrações penais. O mencionado dispositivo determina que as medidas cautelares deverão ser adotadas observando-se a necessidade para a aplicação da lei penal, para investigação ou instrução criminal e, por derradeiro, para evitar a prática de infrações penais.
3 CONSTITUCIONALIDADE DO REQUISITO DA ORDEM PÚBLICA
Para aqueles que entendem ser constitucional tal requisito, em estreita síntese, afirmam que a prisão preventiva para a garantia da ordem pública objetiva para, principalmente, evitar a reiteração de crimes por parte do réu quando constatado através de sua vida pregressa, entre outras constatações, a periculosidade do indivíduo.
Tais indivíduos colocam em risco toda a sociedade e ameaçam a paz social almejada pelo Estado ofendendo, em outras palavras, o fundamento da segurança garantido pela Constituição Federal de 1988, o que resulta em uma ação por parte do Estado para garantir tal direito através do cerceamento da liberdade daquele que pode ameaçar essa segurança coletiva.
Neste sentido se encontra algumas decisões dos mais diversos Tribunais de Justiça, entre eles:
TJ-PR - 9179631 PR 917963-1 (Acórdão) (TJ-PR) Data de publicação: 21/06/2012 Ementa: HABEAS CORPUS ¬ ESTELIONATO ¬ NEGATIVA DE REVOGAÇÃO DA PRISÃOPREVENTIVA COM BASE NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA ¬ ALEGAÇÃO DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL ¬ IMPOSSIBILIDADE ¬ PACIENTE REINCIDENTE EM CRIMES DA MESMA ESPÉCIE EM COMARCAS DIVERSAS ¬ SEGREGAÇÃO CAUTELAR IMPOSTA COM BASENA PERICULOSIDADE EM CONCRETO DO PACIENTE ¬ NECESSIDADE DE GARANTIA DA ORDEMPÚBLICA EVIDENCIADA ¬ ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO ¬ INOCORRÊNCIA ¬ PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE ¬ MARCHA PROCESSUAL NORMAL ¬ NECESSIDADE DE EXPEDIÇÃO DE CARTA PRECATÓRIA ¬ PRETENSÃO DE ALCANÇAR A LIBERDADE PORQUE PRECISA DE TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO ¬ NÃO CABIMENTO ¬ NÃO FORAM ACOSTADOS AOS AUTOS ELEMENTOS QUE DEMONSTREM QUE A SEGREGAÇÃO IMPEÇA O TRATAMENTO ¬ CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO ¬ ORDEM DENEGADA ¬
Encontrado em: do Paraná, por unanimidade de votos, em denegar a ordem de Habeas Corpus. 3ª Câmara Criminal 9179631 PR 917963-1 (Acórdão) (TJ-PR) Clayton Camargo
TJ-PI - Habeas Corpus HC 201200010063231 PI (TJ-PI) Data de publicação: 13/11/2012 Ementa: CRIMINAL. HABEAS CORPUS. INDÍCIOS DE AUTORIA. NECESSIDADE DE ANÁLISE DE PROVA. DILAÇAO PROBATÓRIA INCABÍVEL EM HABEAS CORPUS. DECISAO QUE DECRETOU APREVENTIVA DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA COM BASENA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA, CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇAO CRIMINAL E PARA ASSEGURAR A APLICAÇAO DA LEI PENAL. EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇAO DA CULPA. COMPLEXIDADE DO FEITO. 08 (OITO) RÉUS. DEMORA JUSTIFICADA. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. PRAZO PARA A CONCLUSAO DA INSTRUÇAO QUE NAO É ABSOLUTO. ORDEMDENEGADA. 1. A via do habeas corpus não comporta dilação probatória, nos moldes da sedimentada jurisprudência dos Tribunais Superiores, razão pela qual não merece prosperar a tese de ausência de indícios de autoria. 2. A prisão preventiva do Paciente está em perfeita harmonia com o art. 93 , IX , da CF e art. 315 do CPP , posto que, levando em conta elementos concretos, narra as razões pelas quais a considera imprescindível. 3. No caso de prisão preventiva com base na garantia da ordempública, faz-se um juízo de periculosidade do agente (e não de culpabilidade) que, em caso positivo, demonstra a necessidade de sua retirada do convívio social, como no caso em espécia. 4. A custódia cautelar do Paciente se faz necessária também para garantir a aplicação da lei pena e por conveniência da instrução criminal, posto que constantemente ameaça os corréus e há fortes indícios que, uma vez livre, vá se evadir do distrito da culpa. 5. O prazo legalmente estabelecido para a conclusão da instrução criminal não é absoluto e o constrangimento ilegal por excesso de prazo só pode ser reconhecido quando a demora for injustificada, o que não se vislumbra na presente hipótese. 6. Por aplicação do Princípio da Razoabilidade, justifica-se o atraso no andamento do processo-crime, quando a demora não for provocada pelo Juízo ou pelo Ministério Público, como é o caso. 7. Na presente hipótese, o feito tramita regularmente, sendo retardado em virtude de sua complexidade, pois, conforme informado pelo MM. Juiz a quo, o feito conta com 08 (oito) réus. 8. Ordem denegada....
Encontrado em: do presente Habeas Corpus, porém denegar a ordem, em consonância com o parecer do Ministério... Público Superior.Sala das Sessões da Segunda Câmara Especializada Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça
TJ-PR - 9113120 PR 911312-0 (Acórdão) (TJ-PR) Data de publicação: 14/06/2012 Ementa: HABEAS CORPUS ¬ ESTELIONATO ¬ NEGATIVA DE REVOGAÇÃO DA PRISÃOPREVENTIVA COM BASE NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA ¬ ALEGAÇÃO DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL POR NÃO SER AGENTE PERIGOSO, POSSUIR RESIDÊNCIA FIXA E ATIVIDADE LÍCITA ¬ IMPOSSIBILIDADE ¬ PACIENTE REINCIDENTE EM CRIMES DA MESMA ESPÉCIE EM COMARCAS DIVERSAS ¬ SEGREGAÇÃO CAUTELAR IMPOSTA COM BASE NA PERICULOSIDADE EM CONCRETO DO PACIENTE ¬ NECESSIDADE DE GARANTIA DA ORDEMPÚBLICA EVIDENCIADA - ORDEM DENEGADA
Encontrado em: do Paraná, por unanimidade de votos, em denegar a ordem de Habeas Corpus. 3ª Câmara Criminal 9113120 PR 911312-0 (Acórdão) (TJ-PR) Clayton Camargo
Conforme constatado, se restar caracterizada essa tendência a reincidência criminosa por parte do réu, colocando em risco toda coletividade, tal direito (liberdade) poderá ser suprimido em razão da supremacia do interesse público encontrando fundamentos na função objetiva dos direitos fundamentais, que exigem uma intervenção por parte do Estado em benefício do bem estar comum.
4 INCONSTITUCIONALIDADE DO REQUISITO DA ORDEM PÚBLICA
Para outra parte da doutrina, o requisito da “garantia da ordem pública” para fundamentar a prisão cautelar provisória é extremamente subjetivo pois depende de uma valoração axiológica, ou seja, envolve um grande valor de juízo por parte da autoridade competente pela decretação da medida preventiva.
Enquanto aqueles que defendem a constitucionalidade se apoiam na garantia da paz social; credibilidade da justiça; periculosidade do réu; clamor público etc. Aqueles que entendem ser inconstitucional se embasam no fato de que a garantia da ordem pública contraria o princípio da estrita legalidade, porquanto seu conteúdo é extremamente indefinido, subjetivo e amplo, resultando em um insegurança jurídica.
Para Roberto Delmanto Júnior, tal requisito implica em uma dupla presunção de culpabilidade do réu, conforme suas palavras:
Não há como negar que a decretação de prisão preventiva com o fundamento de que o acusado poderá cometer novos delitos baseia-se, sobretudo, em dupla presunção de culpabilidade: a primeira, de que o imputado realmente cometeu um delito; a segunda, de que, em liberdade e sujeito aos mesmos estímulos, praticará outro crime ou, ainda, envidará esforços para consumar o delito tentado.
Nesse sentido Alberto Machado afirma:
Deve-se levar em conta ainda os componentes ideológicos que permeiam a noção de ordem pública, pois uma visão maniqueísta da realidade social tende a identificar a ideia de ordem com a região do bem e da moralidade, onde estão as pessoas que gozam de alguns direitos básicos como a dignidade, o trabalho, o lazer, a escola, a saúde, a moradia etc.
Em razão dessa dificuldade de se definir concretamente a ordem pública o instituto se torna inconstitucional por afrontar os princípios da legalidade, o da dignidade da pessoa humana e o princípio da presunção de inocência, motivo pelo qual não poderia ser utilizado como base para decretação da prisão preventiva.
5 CONCLUSÃO
Exposto esse quadro, encerramos essa síntese do tema ratificando a importância da prisão preventiva para a garantia da ordem pública, pois entendemos ela como um instrumento necessário para a proteção de direitos fundamentais, bem como na garantia da paz social, constantemente abalada pela reiteração de práticas criminosas.
Não podemos admitir que o Estado e a própria sociedade fique “refém” dessas pessoas que fazem do crime seu único meio de vida, abusando de seu direito a liberdade que, apesar de não poder sofrer abusos, não pode prevalecer diante de interesses coletivos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DELMANTO, Roberto Junior. As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p 179.
MACHADO, Antônio Alberto. Prisão Cautelar e Liberdades Fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005. p. 112.
OLIVEIR, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal.ed.11ª. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2009.
GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Presunção de Inocência e prisão cautelar. São Paulo: Saraiva, 2009.
BRASILEIRO DE LIMA, Renato. Nova Prisão Cautelar. Niterói: Impetus, 2011.
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal.ed.10ª. São Paulo: Saraiva, 2003.
BACHAREL EM DIREITO PELA FACULDADE TOLEDO PRUDENTE CENTRO UNIVERSITÁRIO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Mateus Maciel César. Constitucionalidade da prisão preventiva com base na garantia da ordem pública: conceito e posições Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 fev 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43416/constitucionalidade-da-prisao-preventiva-com-base-na-garantia-da-ordem-publica-conceito-e-posicoes. Acesso em: 23 dez 2024.
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