RESUMO: O presente artigo trata da análise da possibilidade da qualificação do homicídio privilegiado e as consequências da fixação da pena.
Palavras-chave: Homicídio. Qualificado. Privilegiado. Pena.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo é pauta de uma divergência entre os mais diversos doutrinadores em relação à existência ou não do conhecido homicídio qualificado privilegiado, ou seja, aplicação simultânea de uma qualificadora e um privilégio ao mesmo homicídio.
Em síntese, as circunstâncias de privilégio do §1º do art. 121 do Código Penal só possuem aplicabilidade em hipóteses de homicídios simples, ou tais circunstâncias também poderiam ser enquadradas ao homicídio qualificado, este previsto no §2º do mesmo art. 121, de forma que a diminuição prevista no §1º se estenda ao §2º do referido artigo.
A divergência doutrinária sobre o referido tema não se esgota na compatibilidade ou não do referido instituto com o Código Penal. Há ainda a dúvida quanto a hediondez ou não dessa espécie de crime, uma vez que o homicídio qualificado é classificado como tal pela lei dos crimes hediondos (Lei n. 8.072/90) e o puro homicídio privilegiado não.
Indaga-se. O homicídio qualificado privilegiado é compatível com o Dec. Lei 2.848/40? Se compatível, atribui-se a ele o caráter hediondo ou o privilégio prevalece em relação à qualificadora? Tais indagações serão abordadas no decorrer do presente artigo.
2 HOMICÍDIO PRIVILEGIADO
O homicídio privilegiado se encontra positivado no art. 121, §1º do Código Penal da seguinte forma:
§1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzier a pena de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço).
Tecnicamente falando, a natureza jurídica do homicídio privilegiado é de causa de diminuição de pena, aliás, segundo os critérios de fixação da pena, é aplicado na terceira fase da aplicação da pena.
Embora a letra da lei mencione que o juiz pode diminuir a pena, na verdade, a doutrina e os tribunais tem entendido tratar-se de um dever por parte do magistrado e não uma faculdade.
O privilégio, por ser circunstância subjetiva, não se comunica aos colaboradores no caso de concurso de pessoas, conforme previsto no art. 30 do CP:
Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.
Os casos de privilégio são: relevante valor moral; relevante valor social; domínio de violenta emoção logo após injusta provocação da vítima.
No caso do relevante valor moral, o interesse é puramente individual, ou seja, a exposição dos motivos justifica, na visão moral, a prática do homicídio (exemplo clássico é a eutanásia).
O relevante valor social, por sua vez, é ligado ao interesse coletivo, que, segundo o professor Bittencourt, se caracteriza “Quando a motivação fundamentada no interesse de todos os cidadãos de determinada coletividade”.
A terceira hipótese, para ser configurada como privilégio, deve ser praticada sob o domínio da violenta emoção e logo em seguida a injusta provocação da vítima.
3 HOMICÍDIO QUALIFICADO
O homicídio qualificado se encontra positivado no art. 121, §2º do Código Penal:
§ 2º Se o homicídio é cometido:
I - Mediante paga ou promessa de recompensa ou por outro motivo torpe;
II - Por motivo fútil;
III - Com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;
IV - À traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;
V - Para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade, ou vantagem de outro crime;
Em razão do caráter mais grave dessas condutas, elas recebem uma maior reprovação da população, incidindo em uma punição maior pelo homicídio, nos casos elencados a cima a pena é de 12 (doze) a 30 (anos) de reclusão. Essa maior reprovabilidade é comprovada também pelo fato dessa espécie de crime constar no rol dos crimes classificados como hediondos.
4 HOMICÍDIO QUALIFICADO PRIVILEGIADO
A maioria da doutrina entende ser possível a existência do homicídio qualificado privilegiado, porém, para que tal crime seja possível deve haver uma combinação de uma qualificadora subjetiva com um privilégio, este, subjetivo.
Ou seja, seria, como exemplo, um crime praticado mediante relevante valor social com emprego de fogo (qualificadora do inciso III do §2º do art. 121 do CP). Entende-se ser incompatível a aplicação de uma qualificadora subjetiva, como por exemplo, o motivo fútil, com um privilégio, que também seria subjetivo. Oras, como enquadrar uma conduta criminosa fútil e ao mesmo tempo de relevância social? Os defensores dessa tese apoiam-se no fato da impossibilidade de duas motivações para o mesmo crime, razão pela qual somente é aceito o privilégio ao crimes praticados por qualificadora objetiva.
Quanto ao tema, ensina Magalhães Noronha:
Trata-se de questão bastante controvertida: Pode um homicídio ser, ao mesmo tempo, qualificado e privilegiado? Embora difícil pode uma qualificadora coexistir com uma circunstância do §1°, o caso do sertanejo, v. g., que mata de tocaia o estuprador de sua filha: emboscada e motivo moral. Será esta a opinião do Código? A intepretação dos tribunais é variada: ora decidem negativamente, ora se pronunciam pela admissibilidade
O tema é extremamente controvertido, pois não há consenso nem mesmo no âmbito dos tribunais, principalmente quando o assunto se refere a classificação ou não deste crime como hediondo.
Quanto aos crimes hediondos, explica o notável Miguel Reale Jr:
A lei dos crimes hediondos, aprovada de afogadilho, foi uma resposta penal de ocasião, para dar satisfação diante do sequestro de Roberto Medina, sem que o legislador sopesasse as vantagens em matéria de execução de pena das limitações impostas, que quebram o sistema do Código Penal, com a gerando-se uma fera no meio prisional, que nada tem a perder. O importante, no entanto, é verificar que, editada a lei bem mais rigorosa, aumentaram vertiginosamente os sequestros, a mostrar a nenhuma correspondência entre a gravidade da pena e a redução da criminalidade.
Ainda, sobre a adequação do homicídio qualificado privilegiado aos crimes hediondos, disserta Bittencourt:
O concurso entre causa especial de diminuição de pena (privilegiadora) 121 §1 e as qualificadoras objetivas, que se referem aos meios e modos de execução do homicídio, a despeito de ser admitido pela doutrina e jurisprudência, apresenta graus de complexidade que demandam alguma reflexão. Em algumas oportunidades o Supremo Tribunal manifestou-se afirmando que as privilegiadoras e as qualificadoras objetivas podem coexistir pacificamente; mas o fundamento desta interpretação residia na prevalência da privilegiadora subjetivas sobre as qualificadoras objetivas, seguindo por analogia, a orientação contida no artigo 67 do Código Penal, que assegura a preponderância dos motivos determinantes do crime.
A doutrina dominante, em consonância com os tribunais, tem entendido o crime de homicídio qualificado privilegiado como não hediondo pelo fato do elemento subjetivo do privilégio predominar em relação à qualificadora objetiva. Como explica o professor Damásio de Jesus:
Se no caso concreto, são mesmo reconhecidas ao mesmo tempo a circunstância do privilégio e outra a forma qualificada do homicídio, de forma objetiva, aquela sobrepõe sobre esta, uma vez que o motivo determinante do crime tem preferência sobre a outra. De qualquer forma que, para efeito de qualificação legal do crime, o reconhecimento do privilégio descaracteriza o homicídio qualificado.
Após tal síntese, entendemos ser plenamente possível a prática do crime de homicídio qualificado privilegiado nos casos em que a circunstancia qualificadora for de caráter objetivo, e o privilégio, ser composto de caráter puramente subjetivo.
Assim como a não aplicação da lei dos crimes hediondos (Lei n. 8.072/90) a estes crimes por acreditarmos que o caráter subjetivo do privilégio deve falar mais alto que o meio empregado ao crime, no caso, a qualificadora objetiva da conduta.
5 CONCLUSÃO
Buscamos, através do presente artigo, defender a existência do questionado homicídio qualificado privilegiado, ou seja, daquela conduta que ao mesmo tempo se encontra abarcada por valores subjetivos como por meios de alta reprovabilidade por parte da sociedade, positivada como qualificadoras do referido crime.
Ainda, quanto à aplicação ou não dos institutos da lei dos hediondos a esses crimes, entendemos não ser cabível o enquadramento do objeto do artigo a referida lei pelo fato de se tratarem de objetos conflitantes, pois como seria possível enquadrar uma conduta revestida de relevante valor social aos institutos severos da lei dos crimes hediondos, pois a circunstância subjetiva, atrelada ao privilégio, deve prevalecer sobre a circunstância objetiva das qualificadoras de meio-crime.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal 2- Parte Especial – dos Crimes Contra a Pessoa. 9ª ed. São Paulo. Saraiva, 2009.
NORONHA, Magalhães. Direito Penal. Volume 2, 20° edição, editora Saraiva, 1987.
BACHAREL EM DIREITO PELA FACULDADE TOLEDO PRUDENTE CENTRO UNIVERSITÁRIO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Mateus Maciel César. Crime de homicídio qualificado privilegiado: conceito e consequências na fixação da pena Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 fev 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43424/crime-de-homicidio-qualificado-privilegiado-conceito-e-consequencias-na-fixacao-da-pena. Acesso em: 23 dez 2024.
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