RESUMO: A administração pública no Brasil passou, ao longo dos anos, por vários modelos de gestão: patrimonialista, burocrático e gerencial. Cada um desses modelos está vinculado a um período histórico e político específico, e possui assim características marcantes que o distingue. A busca constante pela ética e eficiência vem trazendo novas formas de controle, as quais, aliadas a uma gestão gerencial, têm trazido novidades em relação à condução dos atos públicos.
Palavras-chave: Administração pública, modelos de gestão, formas de controle.
1- Introdução
No Brasil, muito se fala sobre a ética e a eficiência na administração pública. Percebe-se que a população vem ficando cada vez mais atenta sobre como as coisas públicas estão sendo conduzidas. Tanto a ética quanto a eficiência na gestão pública estão diretamente relacionadas com a forma como as ações do Estado são direcionadas, e o que guia essas ações são os modelos de gestão.
O país passou, ao longo dos anos, por modificações nos modelos de gestão pública. Cada um deles, seja o patrimonialista, o burocrático ou gerencial, retrata um período específico da história política do país e da visão dos governantes sobre a condução do Estado. O modelo gerencial trouxe consigo uma maior preocupação no que tange a eficiência.
Com o passar do tempo, a busca pela ética e eficiência também vem fazendo surgir novas formas de controle para evitar a corrupção ou atos que comprometam o alcance da maior missão do Estado: garantir o bem estar da sociedade. Assim, esse artigo visa discutir os modelos de gestão que o Brasil já teve ao longo dos anos e as formas de controle das ações do Estado, numa busca constante por uma maior eficiência e um menor índice de corrupção.
2- Modelos de gestão pública no Brasil
A ética na gestão pública está diretamente relacionada com a forma pela qual as ações do Estado são direcionadas e o guia para essas ações são os modelos de gestão. O Brasil passou por três diferentes modelos de gestão: patrimonialista, burocrático e gerencial. As características de cada um desses modelos de administração levam a um caminho para o tratamento da coisa pública e, consequentemente, a uma nova interpretação do que é ser ético na administração pública.
O modelo patrimonialista é típico dos Estados Absolutistas da Europa e chegou ao Brasil com a vinda de Dom João VI e sua corte em 1808. O Estado era tido como uma extensão do poder do governante e os administradores chegavam aos seus postos de trabalho por indicação do soberano.
Na visão patrimonialista, a visão de que a gestão pública deveria servir a população para satisfazer ou dar condições para que suas necessidades fossem atendidas era antagônica, ou seja, entendia-se que o Estado era uma entidade que deveria ter suas necessidades satisfeitas por meio do trabalho dos seus governados. Os governantes consideraram o Estado como seu patrimônio, havendo uma total confusão entre o que é público e o que é privado. (SILVA, 2013)
Segundo Marini (2004, p.4), no modelo patrimonialista, “a gestão dos negócios governamentais caracterizava-se por um modelo fortemente centralizado e pela ausência de critérios e métodos científicos de gestão”. Normalmente, os cargos eram dados como forma de agradecimento ou para preservar interesses particulares. Era uma forma de administrar que privilegiava o clientelismo, o nepotismo e a corrupção, uma vez que o interesse público e privado se misturava.
O modelo Burocrático surgiu na Europa no século XIX com a intenção de reduzir a corrupção e trazer mais impessoalidade às ações da administração pública. No Brasil, esse modelo foi adotado na década de 1930, no governo do então presidente Getúlio Vargas.
Era um momento de crescente industrialização e ao mesmo tempo de um forte nacionalismo e uma grande centralização administrativa. Tinha-se a intenção de acabar com a cultura patrimonialista que havia se alastrado por toda a administração desde antes da independência, tendo passado por todo período imperial e pela chamada “República Velha”, a qual tem como uma das suas mais fortes marcas o “coronelismo”. Em relação à postura do administrador público frente ao modelo burocrático, Osório (2005) afirma:
Nas estruturas burocráticas do domínio legal Weberiano, a administração pública passou a ocupar um lugar de destaque, caracterizando-se não apenas pelo apego às formas instrumentais do governo, mas sobretudo pelo ideal de obediência a legalidade. Daí porque a liberdade do administrador haveria de ser muito restrita, ou mesmo inexistente, dentro dos padrões de divisão dos poderes. (OSÓRIO, 2005)
De acordo com Barbosa (1999), na Constituição de 1934 já havia um artigo que tratava do direito ao livre acesso a todos os brasileiros aos cargos e o fim das discriminações de estado civil e sexo, questões que faziam parte das legislações até ali existentes.
A própria criação do Departamento da Administração do Serviço Público (DASP), em 1936, foi uma tentativa de formar uma nova cultura administrativa, já que esse órgão deveria implementar as diretrizes, formar administradores do alto escalão e supervisionar a administração pública. Sobre o modelo de administração burocrática, Silva (2013) afirma:
Entre as principais críticas à administração pública burocrática, pode-se citar a separação do Estado e sociedade, pelo fato de os funcionários se concentrarem no controle e na garantia do poder do Estado. O modelo burocrático está presente na Constituição de 1988 e em todo o sistema do direito administrativo brasileiro. Ele está baseado no formalismo e na presença constante de normas e rigidez de procedimentos. (SILVA, 2013)
Já em relação ao papel do administrador público, Osório (2005) ressalta:
O legalismo e a burocracia tornaram-se pilares de legitimação do poder político, em detrimento da discricionariedade. A obediência a processos formalmente corretos do ponto de vista jurídico seria mais importante que o atendimento a resultados. (OSÓRIO, 2005)
Com o passar dos anos percebeu-se que a administração burocrática tinha se revelado cara, lenta e pouco efetiva quanto ao atendimento aos cidadãos. Com isso, veio a necessidade de se renovar o modelo administrativo e foi então que surgiu o modelo gerencial. Sobre seu surgimento, Silva (2013) aponta:
Pode-se dizer que a necessidade de uma administração pública gerencial decorreu de problemas não só de crescimento e mudança nas necessidades e exigências da população como também das duvidas a respeito da legitimidade da burocracia perante as demandas da cidadania. Dessa forma, a administração pública gerencial se apresenta como corretor para esses sintomas emblemáticos da burocracia. (SILVA, 2013)
O modelo gerencial tem como base a preocupação com a qualidade dos serviços prestados e a redução de custos. Busca ainda uma cultura gerencial nas organizações, visando resultados e o aumento da governança do Estado.
3- Formas de controle da administração pública
O bem estar social, o bem público, é o objetivo maior da administração pública. No entanto, é comum ocorrer casos de má utilização dos recursos públicos e atos de corrupção. Para buscar resolver tais problemas, tem se pensado em formas de controle que visam uma ação mais ética e eficiente da administração pública.
Nos últimos anos, estão sendo implementados no Brasil mecanismos que possibilitem um maior controle social no que se refere às ações dos agentes públicos e das políticas estatais. A busca pela transparência na gestão pública é um fator importante para que esse controle seja possível. Segundo Figueiredo e Santos (2013), “a Lei de Acesso à Informação, nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, busca tornar menos obscuro o conhecimento da informação por parte dos cidadãos, no que se refere à forma como os nossos recursos públicos são administrados”.
Muitas ações têm sido feitas por parte dos governos, tanto federal quanto estaduais e municipais, referentes a essa questão. A Internet tem ajudado com a disponibilização de informações a partir do chamado “Portal da Transparência”, onde é possível encontrar dados sobre as arrecadações e gastos públicos. Em relação à transparência da gestão pública, a Controladoria-Geral da União (CGU) destaca:
Promover transparência é dar condições de acesso a todas as informações sobre a gestão pública. Uma Administração Pública transparente é aquela que funciona de maneira aberta, sem nada às escondidas, baseada em princípios éticos e democráticos, em função da facilidade que têm os cidadãos em acessar as informações públicas [...] Transparência é, portanto, o que permite a qualquer cidadão, saber onde, como e porque o dinheiro público está sendo gasto. (CGU, 2010)
Outro ponto de destaque nesse sentido foi a Lei de Responsabilidade Fiscal. Sobre essa lei, Henriques e Alcântara (2012) destaca:
A Lei Complementar 101, de 04 de maio de 2000, denominada Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), consagra a transparência da gestão financeira como mecanismo de controle social, correspondendo na atualidade importante ferramenta para o controle e acompanhamento do correto destino dos recursos públicos na seara dos municípios, bem como dos demais entes federativos. Sucedeu-se, então, a Lei Complementar 131, de 27 de maio de 2009, conhecida como Lei da Transparência, a qual garante o acesso dos cidadãos às contas públicas. (HENRIQUES E ALCÂNTARA, 2012, p.2)
Dentro do tema de controle da administração pública, um termo aparece em destaque: accountability. Esse termo ainda não possui uma tradução para o português, mas se relaciona com a prestação de contas dos governantes e a responsabilização dos mesmos.
Para Przeworski (1999), há accountability quando o cidadão percebe quem são os agentes que agem em seu benefício e os aprovam, elegendo-lhes, ou sancionam-lhes, não mais votando neles. O accountability pode ser dividido em vertical, horizontal e social.
O accountability horizontal diz respeito à mútua fiscalização dos três poderes ou entre órgãos como os tribunais de contas, as agências reguladoras, controladorias-gerais e os ministérios públicos, por exemplo. Já o accountability vertical é o controle feito pelos cidadãos, por meio de plebiscitos, referendos e voto ou mediante exercício de controle social.
O accontability social relaciona-se às ações de associações, organizações não-governamentais (ONG) e sindicatos para tornar públicas as falhas da administração pública, incluir novas questões nas agendas políticas ou até mesmo influenciar decisões a serem tomadas pelo poder público. Esse tipo de accontability não é capaz de, por si só, promover sanções, mas ganham efetividade ao sensibilizar outros mecanismos de controle, como os órgãos públicos que possuem essa atribuição e o próprio eleitor.
3 – Considerações Finais
Ao se analisar a relação entre modelos de gestão, formas de controle, eficiência, ética e administração pública no Brasil, percebe-se que tem se caminhado na direção do estreitamento desses campos. A história dos modelos administrativos demonstra que houve avanços no sentido de buscar garantir que os princípios explícitos na Constituição Federal de 1988: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência sejam praticados efetivamente, garantindo assim a ética no serviço público.
Outro avanço a ser destacado são as formas de controle que vêm sendo implementadas para garantir uma ação mais ética dos agentes públicos. No entanto, ainda há muito que fazer. É necessário que todos os servidores conheçam profundamente o código de ética que os rege e que haja na sociedade uma cultura de cidadania que deixe de lado o “jeitinho brasileiro”.
A própria população precisa compreender que a ética nos serviços públicos passa pelo conhecimento de seus direitos e deveres e que quando um cidadão tenta burlar uma regra para conseguir vantagens, ele também contribui para que a corrupção ocorra.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARBOSA, Lívia. Meritocracia à brasileira: o que é desempenho no Brasil? Revista do Serviço Público, 120(3), set./dez. 1996. Disponível em: <http://seer.enap.gov.br/index.php/RSP/article/view/396/402>. Acesso em: 20 de junho de 2014.
BRASIL. CGU – Controladoria Geral da União. Manual de integridade pública e fortalecimento da gestão: orientações para o gestor municipal. 2. Ed. Brasília: CGU, 2010. Disponível em: <http://www.portaldatransparencia.gov.br/controleSocial/ documentos/ManualIntegridade.pdf>. Acesso em: 23 de junho de 2014.
BRASIL. Decreto No. 1.171, de 22 de junho de 1994. Aprova o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D1171.htm>. Acesso em: 10 de junho de 2014.
BRASIL. Senado Federal. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: http://www.senado.gov.br/legislacao/ const/con1988/con1988_05.10.1988/con1988.pdf. Acesso em: 08 de novembro de 2014
HENRIQUES, Helder Luís: ALCANTARA, Debora Gerlane Gomes de. A transparência como instrumento de combate aos desvios de recursos públicos: um estudo de caso no município de Campina Grande-PB. Universidade Federal da Paraíba, 2012. Disponível em: <http://portal.virtual.ufpb.br/ biblioteca-virtual/files/a_transparancia_como_instrumento_de_combate_aos_ desvios_de_recursos_pablicos_um_estudo_de_caso_no_municapio_de_campina_ grande__pb_1343397704.pdf>. Acesso em: 21 de junho de 2014.
MARINI, Caio. Gestão pública no Brasil: temas preservados e temas emergentes na formação da agenda. 2004. Disponível em: <http://www.aedes.org.br/downloads/Texto_GestaoPublica_0004.pdf>. Acesso em: 20 de junho de 2014.
OSÓRIO, Fábio Medina. Novos rumos da gestão pública brasileira: dificuldades teóricas ou operacionais? Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado. Salvador: IDPB, n. 1, mar./maio de 2005. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/RERE-1-MAR%C7O-2005-FABIO%20 MEDINA%20OSORIO.pdf>. Acesso em: 18 de junho de 2014.
PRZEWORSKI, Adam, Susan C. Stokes e Bernard Manin. Democracy, Accountability e Representation. New York: Cambridge University Press. 1999.
SANCHES, Rafael A. da Luz. Representação e Accountability na Teoria Democrática. Universidade Estadual de Londrina. 2013. Disponível em: <http:// www.uel.br/eventos/semanacsoc/pages/arquivos/GT%208/644-36741-6167-2013-04-17-Representacao%20e%20Accountability%20na%20Teoria%20Democratica%20-%20Rafael%20Sanches.pdf>. Acesso em: 23 de junho de 2014.
SILVA, Adival do Carmo. Evolução da administração pública no Brasil e tendências de novos modelos organizacionais. 2013. Disponível em: <http://www.ice.edu.br/TNX/storage/webdisco/2013/12/13/outros/27b4d512efbac7d37520bc37aa78cac1.pdf>. Acesso em: 19 de junho de 2014.
SOUZA, Carlos Aurélio Mota de. Ética no serviço público e exercício da cidadania. Disponível em: <http://www.academus.pro.br/professor/carlosaurelio/material_pdf/007.pdf>. Acesso em: 25 de junho de 2014.
Analista de Sistemas, graduado em Tecnologia em Informática pelo Unicentro Newton Paiva, pós-graduado em Análise de Sistemas pela UFMG e em Gestão de TI pela PUC Minas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BATISTA, Vagner de Souza. Gestão pública no Brasil: modelos e formas de controle na busca pela ética e eficiência Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 fev 2015, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43438/gestao-publica-no-brasil-modelos-e-formas-de-controle-na-busca-pela-etica-e-eficiencia. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Por: BRUNO SERAFIM DE SOUZA
Por: Fábio Gouveia Carneiro
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Precisa estar logado para fazer comentários.