RESUMO: Este trabalho objetiva incitar uma reflexão acerca das acepções de Estado desenvolvidas historicamente, desde suas bases, na Antiguidade Clássica, até a Época Moderna. Ao final, será possível conceber o Estado como uma esfera inerente à sociedade e ao homem, seja ele da polis grega ou da contemporaneidade.
PALAVRAS-CHAVE: Antiguidade, Estado, Época Moderna.
ABSTRACT: This work aims to encourage a reflection about the meanings of State developed historically, from its bases in classical antiquity until the modern period. At the end, you can conceive the state as a sphere inherent to society and man, whether the Greek polis or contemporary.
KEYWORDS: Antiquity, State, Modern Era.
1 COMPREENSÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE ESTADO
1.1 A Antiguidade Clássica
Iniciaremos as reflexões com os sofistas que embora não tenham desenvolvido um conceito ou uma compreensão propriamente dita de Estado, se caracterizaram na história como os primeiros a se interessarem pelos assuntos relacionados ao homem e o papel que este ocupava na sociedade grega, rompendo assim, com os ideais de pesquisa da escola pré-socrática, na qual havia uma preocupação incessante em desvendar e compreender os fenômenos da natureza. Logo, a partir da mudança de foco dos problemas naturais para o homem e seu meio social, se criariam as bases para a criação de uma futura concepção de Estado. Daí o mérito desta escola filosófica como nos apresenta, em seu livro História da Filosofia do Direito, o jus-filósofo italiano Giorgio Del Vecchio:
Com tudo isso, tiveram o grande mérito de ter desviado a atenção sobre dados e problemas inerentes ao homem, ao pensamento humano. A própria dúvida a respeito deles, levada à consciência pública, foi fecunda e benéfica, tendo projetado o espírito crítico sobre muitos problemas que antes não tinham sido postos para o pensamento. (Del Vecchio 2006 p.16)
A primeira visão proeminente sobre uma idealização de Estado foi, ao que tudo indica desenvolvida por Platão. Ele desenvolveu esse conceito mais precisamente e com maior rigor em um de seus diálogos mais famosos: Politéia ou República.
O Estado, na concepção platônica, tal como se apresenta em um ser vivo, é como um organismo no qual todos os indivíduos são órgãos a desempenhar determinadas funções, tendo a justiça e o direito como meios pelos quais se alcançaria a harmonia nas relações tanto do homem para com seu semelhante, como do homem para com o Estado. Entretanto, a compreensão platônica de Estado era profundamente marcada pelo absolutismo. Para ele, o Estado tinha a finalidade de promover o bem universal para todos e, para atingir tal finalidade, deveria ter poderes ilimitados. Assim:
Para Platão, o Estado é o homem em grande, isto é um organismo perfeito ou, antes, a mais perfeita unidade: um todo formado pelos indivíduos, e firmemente constituído, como um corpo é formado de muitos órgãos, que, juntos, tomam possível a vida deles. Assim no indivíduo, como no Estado, deve reinar alguma harmonia, que se obtém pela virtude. A Justiça é a virtude por excelência, enquanto esta consiste em uma relação harmônica entre as várias partes de um todo. [...] O ser perfeito que basta a si mesmo, que tudo absorve e tudo domina, é o Estado. O fim do Estado é universal, compreende nele, por isso, suas atribuições, tanto quanto a vida de cada um. O Estado tem por fim a felicidade de todos mediante a virtude de todos. [...] O Estado, segundo Platão, domina ainda a atividade humana em todas as suas manifestações; a ele compete promover o bem e todas as suas formas. O poder do Estado é ilimitado, nada é reservado exclusivamente ao arbítrio dos cidadãos, mas tudo está sob a competência e ingerência do Estado. (Del VECCHIO, 2006 pp. 19-20)
Aristóteles, o mais famoso discípulo de Platão e, mais tarde, professor de Alexandre Magno, enxerga no Estado não apenas uma simples associação destinada a alcançar determinado fim, mas principalmente como uma união orgânica necessária em busca da perfeição, que se alcançaria pela realização da felicidade universal. Ainda, o estagirita, compreendia o homem como um animal político destinado, por natureza, à vida política e à realização de suas ações na Pólis, isto é, na cidade-estado, que existe antes mesmo do homem. Entretanto, num aspecto difere Aristóteles de Platão no que diz respeito ao Estado.
O homem é um animal político, isto é, chamado pela sua própria natureza à vida política: e o Estado logicamente existe antes dos indivíduos, tal como o organismo existe antes de suas partes. Vale dizer, como não é possível conceber, por exemplo, uma mão viva separada do corpo, assim não pode o indivíduo, propriamente, pensar sem o Estado. [...] O Estado regula a vida dos cidadãos por intermédio das leis. Estas dominam toda a vida, porque o indivíduo não pertence a si, mas ao Estado. [...] Quanto às relações entre o Estado e os indivíduos, enquanto Platão queria afastados os graus intermediários, absorvidos nele, Aristóteles os conserva, concebendo assim o Estado como a mais elevada síntese da convivência, mas síntese que não elimina os agregados menores, como a família, mesmo a tribo, ou os vilarejos. (Del Vecchio 2006 pp. 25-27)
Após Aristóteles, surgem duas escolas filosóficas na Grécia: o estoicismo e o epicurismo. A escola estóica surge como uma ramificação ou uma ampliação da escola filosófica cínica, uma vez que amplia suas ideias, as quais creditavam que o bem maior que se podia alcançar estava na simplicidade, que, para eles era a maior virtude. Nesta filosofia, buscava-se a retomada do Estado primitivo mediante tal virtude e, desta forma, desprezavam-se costumes e até as leis. “O sábio quase não tem necessidades e despreza aquilo que os homens comuns desejam: ele segue apenas a lei da virtude, e não cuida das demais leis positivas” (Id. Ibid. 2006 p. 30).
Portanto, se as leis pouco importavam aos cínicos e estas ideias foram incorporadas pela escola estóica, é evidente que para esta escola, tanto como para àquela, não havia uma preocupação com o poder estatal, desprezado por ela e, diferentemente do que até então se havia proposto, suprime-se o poder do Estado e eleva-se a condição humana. Assim:
De acordo com esta ideia, os cínicos desprezam todas as leis e os costumes dominantes, têm uma postura negativa perante o Estado e buscam desprender os cidadãos dos vínculos que os unem a ele, retomando a simplicidade primitiva do estado de natureza. [...] Até então dominava um ideal estritamente político no qual o fim supremo era, em suma, a pertença do indivíduo ao Estado. Mas com a Filosofia estóica anuncia-se e se prepara uma moral mais abrangente e mais humana. O estoicismo afirma que existe uma liberdade que jamais qualquer opressão poderá destruir, aquela que deriva da supressão das paixões. O homem é livre se segue a sua verdadeira natureza, isto é, se aprende a vencer as paixões, postando-se independente delas. (Id Ibid. 2006 pp. 30-32)
Já a escola epicurista, fundada por Epicuro em meados 306 a.c, em Atenas, agia frequentemente em oposição aos ideais estóicos e era oriunda da escola hedonista, cuja filosofia preconizava que o maior bem que se poderia alcançar seria aquele que gerasse o prazer, porém o prazer ordenado numa escala de valores e utilidades.
Para Epicuro a virtude não é o fim supremo, como para os estóicos, mas um meio para chegar à felicidade. Assim, enuncia-se o princípio utilitário, ou hedonístico, avesso à moral estóica; e pode se afirmar que as escolas éticas posteriores dividiram-se segundo essas duas concepções, em contínuo contraste. (Id. Ibid. 2006 p. 32)
Ainda dentro das concepções desta escola filosófica, o estado natural do homem não é ser social, como acreditavam Platão e Aristóteles. Para o epicurismo, o homem vive permanentemente em relações deveras conflituosas com outros homens e, dessa maneira, o Estado surge usando a força decorrente do direito e da aplicação da justiça para amenizar o sofrimento e dor gerada pelos conflitos existentes:
Merece ainda consideração a parte da doutrina de Epicuro que concerne ao Estado. Também aqui domina a concepção utilitária. Epicuro nega que o homem seja social por natureza. Em sua origem, estaria em luta permanente com outros homens, mas esta luta, gerando dor, vem a ser abolida com a formação do Estado. Assim, para Epicuro, o direito é apenas um pacto utilitário, e o Estado é o efeito de um acordo que os homens poderiam romper toda vez que em tal união não encontrassem a utilidade pela qual a concluíram. Como se vê, o Estado de Epicuro está, pois, em condição de anarquia potencial. Tem-se, aqui, a primeira formulação (prescindindo-se de qualquer aceno dos Sofistas) da doutrina platônica e aristotélica, que, ao contrário, fundava o Estado sobre a natureza mesma dos homens. (Del Vecchio. p. 33)
A partir da edificação do Império Romano, sobretudo na figura de Cícero, responsável por pela introdução da filosofia grega em Roma, a ideia de Estado dá sinais de retorno à concepção aristotélica, embora Cícero tenha recebido grandes influências das escolas estóicas e epicuristas. “Ainda, para Cícero é o Estado um produto da natureza. Um instituto natural leva ao homem à sociabilidade, e precisamente a convivência política.” (Id. Ibid. 2006 p.36). Renova-se, assim, a doutrina aristotélica.
1.2 A Idade Média
No período histórico que compreende do século IV ao XIV, conhecido por Idade Média ou período medieval, sendo quase unânime a ideia de que foi uma era de trevas, verificou-se uma profunda mudança na acepção de Estado, principalmente em decorrência da influência da doutrina cristã de cunho totalmente apolítico. Acreditava-se, sobremaneira, que tudo provinha da revelação divina. Assim, o Estado também era algo intuído por Deus e que somente funcionava com o comando divino. Decorrem dessa tese a diminuição do poder estatal nesse período e o amplo domínio da Igreja Católica Cristã, inclusive sobre o Estado.
Na antiguidade clássica apenas exista o Estado, como unidade perfeita. O indivíduo tinha a suprema missão de ser bom cidadão, de dar ao Estado tudo de si mesmo. Com o Cristianismo, ao contrário, outro fim é proposto ao indivíduo: o fim religioso, do outro mundo. A meta última não é a conquista civil, mas a conquista da felicidade eterna, da beatitude celeste, que se alcança mediante a subordinação à vontade divina representada pela Igreja. No Estado clássico, a religião era uma magistratura a ele submetida; na Idade Média a Igreja tende a sobrepor-se ao Estado, dado que, enquanto que o Estado cuida das coisas terrenas, a Igreja se ocupa das eternas; daí a pretensão de usar o Estado como instrumento do fim religioso. Portanto, a Igreja afirma-se como autoridade autônoma, superior ao Estado. (Id. Ibid. 2006 p. 42)
Destacam-se, pois, nesse período, Santo Agostinho e São Tomás de Aquino. Este desenvolve suas ideias já no declínio do medievo enquanto aquele, no seu início. Santo Agostinho em sua mais importante obra De Civitate Dei escreve sobre o homem, a questão do mal e, principalmente, sobre a Justiça e o Estado. Acredita-se que esta obra, até aquele momento, foi a que concebeu melhor a distinção entre o conceito grego e cristão de Estado.
Por Civitas Dei Santo Agostinho entende a comunhão dos fiéis, que se organizam como uma cidade divina, uma vez que são destinados a participar da vida e da beatitude celestes. O Estado terreno tem, assim, escopo louvável e deriva, também, da vontade divina e da natureza, enquanto se propõe a manter a paz temporal entre os homens. Mas está sempre subordinado à cidade celeste, isto é, à Igreja, que tende a procurar a paz eterna. Pode o Estado justificar-se apenas relativamente, enquanto deve servir sobretudo como instrumento a fim de que a Igreja atinja os seus próprios fins (portanto, deve ele repelir as heresias). Por último, o Estado terreno desaparecerá, para dar lugar ao restabelecimento do reino de Deus. (Del Vecchio, 2006, p. 44)
Já São Tomás de Aquino desenvolve seu ideário no movimento conhecido como Escolástica, onde houve um retorno parcial a filosofia da antiguidade clássica. Ele teve influência profunda do pensamento aristotélico que, em sua época, vigorava por excelência. Entretanto, utilizou-se de parte da ideia de Estado de Aristóteles, mas imprimiu seu caráter religioso em sua concepção de Estado, de tal forma que atribuía ao Papa – representante direto de Deus – o poder de punir até mesmo o Estado. Assim:
Um Estado que se oponha à Igreja não é legítimo. Como representante do poder divino, tem o papa o direito de punir os soberanos, e pode dispensar os súditos do dever de obediência a eles, desobrigando-os do juramento de fidelidade. Tem isto grande importância na história política da Idade Média. (Id. Ibid. 2006 p. 48)
1.3 O Renascimento
O Renascimento caracterizou-se como fase intermediária entre a Antiguidade e a Época Moderna. Teve seu início ao final do século XIV e perdurou até o século XVI e, neste período, houve uma revitalização maçante dos ideais da Antiguidade Clássica, principalmente a filosofia grega. Isso resultou em uma mudança na forma de se enxergar o mundo e a natureza humana, até então predeterminados pela moral religiosa. O teocentrismo cede lugar ao humanismo, que coloca o homem de volta ao centro das discussões e dos interesses, tal como fizeram os sofistas em oposição à cosmologia pré-socrática.
Em oposição dura à Escolástica, na qual ainda predominava com muita força o dogmatismo religioso, como vimos, subordinando o Estado aos interesses da Igreja, começam a surgir os movimentos contratualistas que vão, posteriormente, influenciar a concepção de Estado Moderno. Surgem ainda correntes de pensamentos que, de um lado, priorizam a soberania do Estado e, de outro, os direitos populares em detrimento até mesmo do comprometimento da estabilidade estatal.
Também no campo teórico, o problema jurídico e político põe-se, portanto, sob novas bases, e assim se procura saber, em primeiro lugar, qual deva ser a relação entre o indivíduo e a sociedade política, entre governados e governantes no Estado. Não mais, como na Idade Média, entre a Igreja e o Império (as teorias escolásticas, por exemplo, a das duas espadas, perdem então muito do seu significado). De uma parte, tende-se a afirmar rigidamente, a soberania do Estado, mesmo com prejuízos das liberdades populares (escritores absolutistas). De outra parte, tende-se a reivindicar os direitos populares, mesmo pondo também em risco a estabilidade e a segurança do Estado (escritores democráticos e liberais). (Del Vecchio, 2006 p. 60)
2 ACEPÇÕES MODERNAS DE ESTADO
Pode-se dizer que a Época Moderna é o período de ampliação do fenômeno renascentista, hajam vista novas mudanças continuarem a ocorrer, ainda mais aceleradas. Foi uma época de grandes teorizações acerca da compreensão do direito, bem como da concepção de Estado que, como vimos teve sua base moderna no contratualismo.
Diante dessa grande produção teórica, destacaram-se vários pensadores com inúmeros sistemas de ideias que, se tentássemos esmiuçá-las aqui, seria como acomodar um oceano em uma garrafa, o que tornaria inconcebível apenas num artigo. Contudo, vale destacarmos sucintamente os pensamentos de alguns teóricos clássicos dessa época por suas ideias ainda estarem presentes nos dias atuais, bem como a visão de Estado de alguns contemporâneos. Dentre os clássicos, ressaltaremos as ideias contrárias entre Thomas Hobbes e John Locke e, dentre os contemporâneos, as perspectivas de John Rawls, Friedrich Hayek e Robert Nozick.
2.1 Hobbes e Locke
Thomas Hobbes foi um dos maiores filósofos de seu tempo e teorizou, sobremaneira, acerca da conceituação de Estado. Como vimos, os movimentos contratualistas remontam ao Renascimento. Ele, contudo, retoma o contratualismo e se configura como um dos grandes nomes dessa vertente, expressando suas ideias absolutistas em o Leviathan de 1651. Partia da premissa de que o homem não é sociável por natureza e estaria sempre em conflito com os demais em decorrência de seu egoísmo. Vale lembrar o contexto de lutas internas pelo qual passava a Inglaterra em sua época. Diante disso e, para fugir do contínuo perigo gerado pelos constantes embates entre os homens, seria conveniente que todo homem saísse de seu estado de natureza e estabelecesse um contrato social hipotético no qual cederia pequenas porções de suas liberdades a um ser superior, representado na figura do Estado, o qual dominaria as lutas e as paixões individuais.
[...] Tal renúncia deve ser inteira, incondicionada, para que, de outra forma, não recaia na anarquia primitiva, em poder do desenfreado egoísmo individual. Por isso, todos os homens devem despojar-se de seu direito originário e deferi-lo a um soberano, que imponha as leis e defina o justo e o injusto, o lícito e o ilícito. O Estado é, pois, uma criação artificial, uma máquina onipotente, que tem um poder ilimitado sobre os indivíduos. Nenhum cidadão pode alegar direito contra ele. O Estado, dotado de autoridade absoluta, é necessário para impedir a guerra entre os indivíduos. Hobbes realça o poder do Estado também perante a Igreja, não admitindo que ela possa opor-se com seus preceitos aos do Estado, nem que a paz pública possa ser perturbada por causas religiosas. (Del Vecchio, 2006 p. 77)
Em oposição às idéias absolutistas de Hobbes, John Locke surge como um importante filósofo e escritor em defesa de uma tendência democrática e liberal, na qual se limita de certa forma o poder do Estado e salienta-se mais os direitos individuais. Locke reconhece o estado de natureza e a necessidade do contrato. Todavia, enquanto Hobbes utilizava essas ideias para reforçar o absolutismo, Locke, usa os mesmos preceitos para justamente demonstrar a necessidade de limites jurídicos a ação do Estado.
Em suas obras políticas, Locke dá uma justificativa teórica do que se vinha realizando então na Inglaterra. Contra o ensinamento de Hobbes, sustenta, antes de tudo, que o homem é naturalmente sociável, não existe estado de natureza sem sociedade; ao contrário, para o homem o estado de natureza é exatamente a sociedade. Aquele estado de bellum omnium contra omnes (= “guerra de todos contra todos”), que Hobbes tinha fantasiado, é contrário a realidade. No estado de natureza, qual concebido por Locke, o homem tem já certos direitos, por exemplo, o direito à liberdade pessoal e o direito ao trabalho, consequentemente à propriedade (que para Locke funda-se, precisamente, no trabalho). [...] O Estado, para Locke, não é, pois, uma negação, mas uma reafirmação, sob certos limites, da liberdade natural, que encontra nele sua garantia. Os indivíduos sacrificam apenas aquele tanto de direito e liberdade, que torna possível a formação do Estado como órgão superior de tutela. (Id. Ibid. 2006, pp. 86-87)
2.2 John Rawls
Rawls foi um professor de filosofia política na universidade de Harvard e autor de The theory of Justice (1971), Political Liberalism (1993) e The Law of Peoples (1999). Em seu livro The Theory of Justice, diante da necessidade histórica de ineficiência na resolução de conflitos, Rawls desenvolve brilhantemente uma teoria relacionada à justiça que ele denominou “justiça como equidade”. De acordo com ele, esta surgiria a partir de um contrato social e um acordo mútuo entre pessoas que gozariam de condições equitativas.
Para Ralws, a sociedade se caracterizava como um sistema equitativo de cooperação. Ao mesmo tempo em que ela deveria fundamentar-se em sua constituição, ela também deveria fundamentar-se em suas leis mais básicas. E, levando em conta as ideias familiares, ele propõe que as ideias fundamentais são aquelas que são utilizadas para organizar e dar estrutura à justiça como equidade. Para tanto, em uma sociedade haveria a conjugação de duas concepções: a de cidadãos que cooperam como pessoas livres e iguais, e a de sociedade bem ordenada, que deveria ser efetivamente regulada por uma concepção pública de justiça. Uma sociedade bem ordenada seria, assim, uma sociedade efetivamente regulada por uma concepção pública de justiça. Seria necessária, ainda, uma ideia de “estrutura básica”, para que tudo se tornasse inteligível. Assim:
Estrutura básica na sociedade é a maneira como as principais instituições políticas e sociais da sociedade interagem formando um sistema de cooperação social, e a maneira como distribuem direitos e deveres básicos e determinam a divisão das vantagens provenientes da cooperação social no transcurso do tempo. [...] Um importante aspecto da justiça como equidade é que, nela, a estrutura básica é o objeto primário de justiça política. (Rawls, 2003 pp. 13 – 14):
Para que a justiça como equidade funcione, os cidadãos devem estar envolvidos em cooperação social e ser capazes de fazer isso durante toda a vida. Pessoas que gozam dessas duas características possuem “as duas faculdades morais” (Id. Ibid. 2003 p. 26). Ao dizer que as pessoas possuem ambas as faculdades morais, dizemos que elas têm capacidade para envolver-se numa cooperação social mutuamente benéfica e honrar os termos equitativos dessa cooperação. Logo:
(I) Uma dessas faculdades é a capacidade de ter um senso de justiça: é a capacidade de compreender e aplicar os princípios de justiça política que determinam os termos equitativos de cooperação social, e de agir a partir deles (e não apenas de acordo com eles);
(II) A outra faculdade moral é a capacidade de formar uma concepção do bem: é a capacidade de ter, revisar e buscar atingir de modo racional uma concepção do bem. Tal concepção é uma família ordenada de fins últimos que determinam a concepção que uma pessoa tem do que tem valor na vida humana ou, em outras palavras, do que se considera uma vida digna de ser vivida. Os elementos dessa concepção costumam fazer parte de, e ser interpretados por certas doutrinas religiosas, filosóficas ou morais abrangentes à luz das quais os vários fins são ordenados e compreendidos. (Id. Ibid. 2003 p. 26)
É necessária, ainda, a discussão dos dois princípios de justiça que se aplicam à estrutura básica. Para isso, é mister o exame de três pontos básicos que retomam temas previamente discutidos e fazem parte da concepção desses mesmos princípios.
Primeiro: em uma sociedade democrática como um sistema equitativo de cooperação social entre os cidadãos livres e iguais, quais princípios são mais apropriados pra ela?
Segundo: para a justiça como equidade o objeto primário da justiça política é a estrutura básica da sociedade, ou seja, suas principais instituições políticas e sociais. Como elas se harmonizam num sistema unificado de cooperação?
Terceiro: a justiça como equidade é uma forma de liberalismo político que articula valores morais que, por sua vez, são aplicados às instituições políticas e sociais da estrutura básica. Segundo o autor esses três pontos podem ser mais bem explicados com uma análise dos dois princípios básicos de justiça como equidade:
(a) Cada pessoa tem o mesmo direito irrevogável a um esquema plenamente adequado de liberdades básicas iguais que seja compatível com o mesmo esquema de liberdade para todos; e
(b) As desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer duas condições: primeiro, devem estar vinculadas a cargos e posições acessíveis a todos em condições de igualdade equitativa de oportunidades; e, em segundo lugar, têm de beneficiar ao máximo os membros menos favorecidos da sociedade (o princípio da diferença). (Rawls, 2003 p. 60)
2.3 Friedrich Hayek
Foi um economista austríaco que trouxe grandes contribuições nas áreas de direito, economia, política e até psicologia. Hayek se apegava aos valores liberais e defendia a ideia de que deveria haver a mínima interferência do Estado na sociedade. A visão político-filosófica de Hayek tem origem no Iluminismo britânico, onde Locke, já mencionado neste trabalho, fez parte.
Para Hayek, o Estado deve ser uma esfera que respeita prioritariamente a liberdade individual dos seres humanos. Esse Estado de liberdade seria aquele em que o homem não se encontra sujeito a vontade de outro através da coerção. Nesse sentido, o Estado não poderia ser coercitivo, ou pelos menos, essa ação estatal deveria ser minimizada.
descrever um estado do qual o homem em sociedade espera aproximar-se, mas que dificilmente pode aspirar a realizar com perfeição. A tarefa de uma política de liberdade deve consistir, portanto, em minimizar a coerção ou seus efeitos negativos, ainda que não possa eliminá-la completamente. (Hayek, 1983, p.5)
Dessa forma, essa definição de liberdade está enraizada na antiga e mais clássica definição do que seria liberdade, ou seja, um sujeito livre pode agir segundo suas próprias vontades, independente da vontade arbitrária de outros. Por isso o Estado deve ser limitado em relação ao poder coercitivo que pode exercer sobre os cidadãos livres, pois estes devem ter garantida uma esfera privada de liberdade que deve ser protegida da influência de outros.
Outra questão que surge da relação liberdade e Estado é o conflito através da coerção, pois para Hayek, a coerção é o controle de uma pessoa ou grupo de pessoas em relação a um terceiro ou um grupo em uma determinada circunstância. Enquanto um sujeito é forçado ou coagido a agir de determinada maneira, ele tentará minimizar ao máximo a opressão que sofre; por isso a coerção é tão maléfica, porque anula o indivíduo enquanto ser pensante. A solução encontrada pela sociedade par evitar a coerção foi dar poder coercitivo ao Estado para controlar as relações entre os civis de dada sociedade. A questão é que
Isto só será possível se o Estado proteger as esferas privadas conhecidas contra a interferência de outras pessoas e, também, se forem delimitadas essas esferas privadas, não por designação específica, mas pela criação de condições nas quais o indivíduo pode determinar sua própria esfera, pautando-se em normas que lhe dirão qual será a atitude do governo em diferentes tipos de situações. (Hayek, 1983 p. 17)
Ainda segundo o autor, essa coerção estatal deverá ser mínima e regulada por leis gerais, de modo que o indivíduo quase nunca precise sofrer ações coercitivas pelo Estado, garantindo assim sua liberdade individual, e quando elas ocorrerem, sejam em uma esfera a qual o sujeito saiba que está se colocando em situação de coerção.
Desse modo, em sua teoria, Hayek defende um Estado mínimo e sem liberdade para criar situações de coerção em que o indivíduo não saiba ou não tenha concordado com aquela determinada ação coercitiva, ao mesmo tempo em que garante a liberdade individual do sujeito na sociedade.
2.4 Robert Nozick
Foi também um filosofo e professor da universidade de Harvard; a sua filosofia se voltou para a política e ele obteve um grande destaque nas décadas de 80 e 90 com o livro Anarquia, Estado e Utopia, no qual faz uma dura crítica a teoria utilitarista de John Rawls, se caracterizando como uma obra da corrente de pensamento libertária.
Na sua obra, Nozick defende a ideia de um Estado ultramínimo a partir de uma ótica do liberalismo radical, na qual tem como base a atuação de um estado neutro. Na mudança do Estado para o Estado ultra mínimo, Nozick comenta
O estado ultramínimo mantém o monopólio do uso da força, exceto a necessária à autodefesa imediata e dessa maneira exclui a retaliação privada (ou de alguma agência) por lesões cometidas e exigência de indenização. Mas proporciona serviços de proteção e cumprimento das leis apenas àqueles que adquirem suas apólices de proteção e respeito às leis. Pessoas que não adquirem ao monopólio um contrato de proteção nenhuma proteção recebem. (Nozick, 1991 p. 42).
É perceptível que Nozick defende um Estado cuja função é apenas proteger a liberdade contratual, a segurança e a propriedade dos indivíduos. Tais direitos devem ser assegurados e protegidos sob qualquer circunstância em uma mínima atuação estatal na vida dos seres humanos.
Nesse sentido, o autor ainda argumenta que seria necessário, uma vez que não haveria Estado, criar associações que teriam como objetivo garantir a proteção pessoal das pessoas. Assim, ele aceita que essa agência reguladora seria o Estado ultramínimo, que protegeria os cidadãos contra o uso da força de outras instâncias, pois esse Estado ultramínimo teria o monopólio da força podendo se valer dela para garantir os direitos individuais. Mas a ação dessa agência reguladora terminaria nessa função básica, pois qualquer coisa, além disso, violaria o direito das pessoas.
Não se trata de imposição injusta de um monopólio: o monopólio de facto cresce mediante um processo de mão invisível e através de meios moralmente permissíveis, sem que o direito de pessoa alguma seja violado e sem que sejam apresentadas reivindicações a um direito especial que outros não possuem. (Nozick 1999, p.132).
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desde os sofistas, percebemos que o homem passa a se preocupar com a relação que se dá entre as pessoas no âmbito da sociedade. A partir dessas primeiras análises sobre o homem é que surge a ideia de Estado; então, o Estado existe porque o homem existe e se relaciona em sociedade. Já em Platão, o Estado tinha a função de servir ao homem baseado em poderes ilimitados.
Aristóteles coloca o Estado como essência e o homem como o ser destinado a viver na polis, tornando-o uma esfera indissociável do homem. Já os estoicos e os epicuristas divergem da noção aristotélica e diminuem a importância do Estado. Na idade média, o Estado abrange também a religião, sendo uma extensão e uma esfera de atuação de Deus na terra.
Durante o Renascimento, a noção de Estado muda devido ao predomínio da razão e surge a noção de contrato social que irá se desenvolver mais inda durante o iluminismo, além de diversas acepções acerca do papel do Estado na sociedade: às vezes com maior poder, às vezes com menor, dependendo da discussão acerca do quanto o Estado poderia interferir na propriedade privada.
Concluímos que, a partir desta breve discussão acerca de como se construiu o Estado e as diferentes noções que derivaram dele, ele sempre esteve como ponto chave nas discussões acerca do homem e da sociedade, nas relações que se desencadeiam em seu meio e que, às vezes mais e às vezes menos, sempre se coloca como mediador das relações humanas na polis, como foi discutido desde os sofistas até a contemporaneidade.
Há ainda que se apontar outra inferência que deriva dessa pesquisa que é a seguinte: embora em alguns momentos da história o Estado tenha perdido sua hegemonia ou se tenha questionado suas ações e seu poder, ele sempre aparece como algo necessário mesmo que seja minimante. Pelas teorias expostas aqui, é visível que o Estado se configura como estrutura essencial e, portanto, indispensável nas sociedades de todas as épocas.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HAYEK, Friedrich August von. Os fundamentos da liberdade. Introdução de Henry Maksoud. Tradução de Anna Mara Capovilla e José Ítalo Stelle. São Paulo: Visão, 1983. p. 523
NOZICK, Robert. Anarquia, estado e utopia. Tradução de Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda, 1991. p. 395
RAWLS, John. Justiça como equidade: uma reformulação. Organizado por Erin Kelly. Tradução Cláudia Berliner. Revisão técnica e da tradução Álvaro de Vita. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 306
VECCHIO, Giorgio Del. História da filosofia do direito. Tradução e notas de João Baptista da Silva. Belo Horizonte: Editora Líder, 2006. p. 284
Graduado com Licenciatura Plena em Ciências Naturais pela UNIVERSIDADE TIRADENTES - UNIT (2009). ATUALMENTE: Graduando do bacharelado em Direito pela UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE - UFS; Oficial Administrativo da Secretaria de Estado da Educação de Sergipe - SEED/SE; Atua como Articulista Voluntário do Portal CONTEÚDO JURÍDICO (http://www.conteudojuridico.com.br), onde contribui com a publicação de artigos científicos; Atua como Articulista Voluntário do Portal WEBARTIGOS.com (http://www.webartigos.com), contribuindo aqui com artigos diversos; É idealizador do BLOG JURÍDICO: www.dissertandosobredireito.wordpress.com, onde escreve crônicas jurídicas e artigos de opinião. Atua também como editor e revisor, no próprio blog, uma vez que recebe contribuições externas de outros autores. http://lattes.cnpq.br/6328264229593421
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Luiz Tiago Vieira. Evolução histórica das acepções de Estado: da antiguidade a era moderna Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 mar 2015, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43487/evolucao-historica-das-acepcoes-de-estado-da-antiguidade-a-era-moderna. Acesso em: 23 dez 2024.
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