Resumo: O presente artigo pretende analisar e apontar as principais características e singularidade da Lei 8.072 de 1990, conhecida como Lei de Crimes Hediondos. Para isso utilizar-se-á ampla gama de conceituação de termos chaves para o tema. Será feita análise de preceitos e institutos fundamentais como crimes hediondos, crimes equiparados aos crimes hediondos, sendo feito o apontamento das mudanças ocorridas na legislação no decorrer do tempo, intentando explanar os principais elementos e controvérsias da norma que regulamenta esse tipo de delito.
Palavras-chave: Crimes Hediondos; Crimes Equiparados; Progressão de Regime.
Sumário: Introdução; 1. Dos crimes hediondos e crimes equiparados aos hediondos; 2. Das especificidades da pena para os crimes hediondos e crimes equiparados; 3. Conclusão; Referências Bibliográficas.
Introdução
Nas décadas de 80 e 90 houve uma explosão de ocorrências de crimes como roubos, sequestros e estupros, praticados com emprego de massiva violência e, devido a isto, a sociedade passou a exigir uma rigorização do tratamento dispensado àqueles que praticavamtais delitos.
A solução legislativa encontrada foi a criação da Lei 8.072de 25 de julho de 1990, destinada a enrijecer o tratamento destinado à ocorrência de tais crimes violentos. A tal lei foi dado o nome de “Lei de Crimes Hediondos”.
De início resta aclarar que houveram críticas ao termo “hediondo”, haja vista que, não foi dada definição legal para o mesmo, criando certa esfera de incerteza quanto à interpretação a ser dada.
Competiu aos doutrinadores definir o emprego da palavra “hedionda”, que, nas palavras de Souza e Silva[1] leciona-nos:
“O legislador não definiu o que é hediondo, mas a população brasileira considera hediondo o crime que é cometido de forma brutal, horrível, repugnante e causa indignação as pessoas, o que acaba por revelar o significado qualitativo do crime definido pelo legislador constituinte. Pode ser então chamar de hediondas todas as condutas delituosas de excepcional gravidade, seja quanto a sua execução, seja quanto a natureza do bem jurídico ofendido, bem como, a especial condição da vítima que causam reprovação e repulsão”.
A criação de uma norma específica para a questão dos crimes hediondos encontra respaldo dentro da Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XLIII:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”;
Há de se atentar para o fato de que, a Lei 8.072/90 não criou novos tipos penais, dedicando, exclusivamente, a endurecer as penas de crimes já tipificados no Código Penal Brasileiro ou em leis esparsas.
1. Dos crimes hediondos e crimes equiparados aos hediondos
Conforme já dito, o aumento exponencial da ocorrência de crimes executados com emprego de extrema violência nas décadas de 80 e 90 e a cobrança da sociedade para que o Estado agisse de maneira enérgica na coibição de tal prática, motivaram o Poder Legislativo a criar a Lei dos Crimes Hediondos, qual seja, a Lei 8.072/90.
Quanto à motivação para a criação de tal norma específica e, como uma crítica pela forma por demais acelerada que a mesma foi elaborada, discorre Leal[2]:
“Não devemos esquecer, no entanto, que o conceito eticojurídico de hediondez está diretamente relacionado com os padrões morais e com os interesses grupais vigentes em determinado momento histórico, valores estes que podem ser manipulados por segmentos dominantes da sociedade ou mistificados por um discurso ideológico de aparente legitimidade”.
A Lei 8.072/90 tem seu nascimento atrelado à cobrança de penas mais rigorosas frente aos crimes executados com crueldade, não criando, no entanto, nenhum novo tipo penal, utilizando como base os delitos elencados no Código Penal Brasileiros e em leis esparsas.
Assim como a falta de definição no texto legal para o termo “hediondo” gerou críticas doutrinárias, o mesmo ocorreu com a simples cópia de delitos preexistentes, como expressa Silva Franco[3]:
“O texto legal pecou, antes de mais nada, por sua indefinição a respeito da locução “crime hediondo”, contida na regra constitucional. Em vez de fornecer um noção, o tanto quanto explícita, do que entendia ser a hediondez do crime – o projeto de lei enviado ao Congresso Nacional sugeriu uma definição a esse respeito -, o legislador preferiu adotar um sistema bem mais simples, ou seja, o de etiquetar, com a expressão “hediondo”, tipo já descritos no Código Penal ou em leis penais especiais.
Dessa forma não é “hediondo” o delito que se mostre “repugnante, asqueroso, sórdido, depravado, objecto, horroroso, horrível”, por sua gravidade objetiva ou por seu modo ou meio de execução ou pela finalidade que presidiu ou iluminou a ação criminosa, ou pela adoção de qualquer outro critério valido, mas sim aquele crime que, por um verdadeiro processo de colagem, foi rotulado como tal pelo legislador”.
Os crimes considerados hediondos pela Lei 8.072/90, bem como pelas demais leis que a alteram a legislação supramencionada no passar do tempo, como a Lei8.930 de 1994, a Lei 9.677 de 1998, a Lei 9.695 de 1998, a Lei 11.464 de 2007, a Lei 12.015 de 2009 e a Lei 12.978 de 2014,integram um rol taxativo, estando elencados em seu artigo 1º[4]:
“Art. 1o São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados:
I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2o, I, II, III, IV e V);
II - latrocínio (art. 157, § 3o, in fine);
III - extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2o);
IV - extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada (art. 159, caput, e §§ lo, 2o e 3o);
V - estupro (art. 213, capute §§ 1o e 2o);
VI - estupro de vulnerável (art. 217-A, capute §§ 1o, 2o, 3oe 4o);
VII - epidemia com resultado morte (art. 267, § 1o
VII-A – (VETADO)
VII-B - falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1o, § 1o-A e § 1o-B, com a redação dada pela Lei no 9.677, de 2 de julho de 1998).
VIII - favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (art. 218-B, caput, e §§ 1º e 2º).
Parágrafo único. Considera-se também hediondo o crime de genocídio previsto nos arts. 1o, 2o e 3o da Lei no 2.889, de 1o de outubro de 1956, tentado ou consumado”.
Uma das maiores críticas tecidas com relação à Lei de Crimes Hediondos é que, ao ver de muitos doutrinadores e juristas a mesma ignora o princípio da individualização da pena, ao ignorar totalmente as circunstâncias da ocorrência do tipo penal, preocupando-se quase que tão somente com o resultado obtido.
Sobre o Princípio Constitucional da Individualização da Pena versa Souza e Silva[5]:
“O princípio da individualização da pena da fase executiva deve ser sempre observado porque assegurado constitucionalmente e pela própria Lei de Execução Penal que estabelece critérios para: a progressão de regime, a regressão, o livramento condicional, o indulto, a comutação depena, e a remição. A individualização também deve ser oportunizada quando da aplicação do sursis, penas restritivas de direitos e prestação pecuniária”.
Quanto ao suposto desrespeito do Princípio Constitucional da Individualização da Pena por parte da Lei 8.072/90, opina Monteiro[6]
“Como já tivemos oportunidade de mencionar, diversos foram osprojetos de lei que cuidavam do tema. Alguns de forma maisabrangente deixavam a critério do juiz definir no caso concreto se a conduta tipificava ou não o crime hediondo. Neste caso ele ia analisar a presença da violência física ou da grave ameaça; o requinte na execução; a dimensão do bem jurídico atingido; a intensidade da repulsa causada na comunidade; enfim, o crime hediondo seriadefinido pelo chamadosistema judicial. Contudo, não foi este oadotado, como vimospela Lei n. 8.072/90. Ela preferiu utilizar a forma mais fácil, não deixar nada em aberto. Definiu o crimehediondo pelo chamado sistema legal, ou seja, enumerou-os de forma exaustiva. Assim,crime hediondo é simples e tãosomente aquele que independentementedas características de seu cometimento, dabrutalidade do agente, ou do bem jurídico ofendido, estiverenumerado no art. 1º da lei.
Estamos assim diante de um grupo de crimes que, embora de objetos jurídicos distintos e de outroselementos de afinidade discutível, têm o mesmo tratamento processual pela simples razão de que a lei assim o quis”.
Existem ainda os crimes constitucionalmente equiparados aos crimes hediondos, estando os mesmos elencados no artigo 5º, inciso XLIII da Constituição Republicana de 1988 e no artigo 2º da Lei 8.072/90, consistindo nos crimes de tortura, terrorismo e tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins.
2. Das especificidades da pena para os crimes hediondos e crimes equiparados
Toda a problemática que envolveu a criação da Lei de Crimes Hediondos surgiu da ideia de punir mais severamente àqueles que incorrerem na prática dos crimes cuja sociedade deseja reprimir com maior veemência, frente à sua natureza de violência regada à crueldade.
A Lei 8.092/90 trouxe consigo, em seu artigo 2º, penas mais duras, algumas já constitucionalmente expostas, dentre as quais inclui-se a insuscetibilidade da anistia, da graça e do indulto. É negado também aos autores dos referidos delitos o direito de fiança.
A pena pelos crimes elencados no rol da Lei de Crimes Hediondos deve ser cumprida inicial e obrigatoriamente no regime fechado. Vejamos o texto legal[7]:
“Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:
I - anistia, graça e indulto;
II - fiança.
§ 1o A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado.
§ 2o A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente
§ 3o Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade.
§ 4o A prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei no 7.960, de 21 de dezembro de 1989, nos crimes previstos neste artigo, terá o prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade”.
Quando a Lei 8.072/90 passou a viger no ordenamento jurídico interno ela vedava, expressamente, em seu artigo 2º, § 1º, a progressão de regime para réu condenado por crime hediondo ou a ele equiparado, conforme segue o dispositivo à época de sua entrada em vigor[8]:
“Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:
§ 1º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado”.
Ocorre que, o cumprimento integral no regime fechado contrariava cabalmente o já citado Princípio Constitucional da Individualização da Pena, sendo duramente criticado por incontáveis doutrinadores e juristas.
A impossibilidade da progressão de regime também era alegada violação ao Princípio da Dignidade Humana, conforme salienta Souza e Silva:[9]
“A proibição da progressão de regime estabelecida no antigo art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, afrontou diretamente o princípio da dignidade da pessoa humana, pois estabeleceu pena cruel ao sentenciado, tratando-o como sujeito que merece o pior dos castigos, qual seja: ser mantido recluso nas dependências físicas do presídio durante todo o período da reprimenda”.
Este era um ponto que, entendiam os doutrinadores, viola o Princípio da Ressocialização do Detento, conforme aponta Franco[10]:
“A execução integral da pena em regime fechado contraria, de imediato o modelo tendente à ressocializaçãodo delinqüente e empresta à pena um caráter exclusivamente expiatório ou retributivo, a que não se aperfeiçoam nem o princípio constitucional da humanidade da pena nem as finalidades a ela atribuídas pelo Código Penal (art.59) e pela Lei de Execução Penal(art.1º)”.
Tal entendimento de que a obrigatoriedade do cumprimento integral de pena no regime fechado fosse aplicado aos condenados por crime hediondo ou a ele equiparado era norma inconstitucional foi definitivamente expresso pelo Supremo Tribunal Federal através do julgamento do Habeas Corpus nº82.959
-7.
Na data de 23 de fevereiro de 2006, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do parágrafo 1º, do artigo 2º da Lei 8.072/90, culminando com a criação da Lei 11.464 de 2007, que passou a dar a seguinte redação à lei[11]:
“Art. 2º [...]
§ 1o A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado”.
Conclusão
Diante da natureza de excruciante violência e lesão à paz social, os crimes hediondos e os crimes constitucionalmente a eles equiparados provocaram o clamor que retumbou no Poder Legislativo, culminando na criação da Lei de Crimes Hediondos.
Tendo sua gênese inquestionavelmente justificada é certo que tal norma objetivara a coibição de maneira mais severa da prática dos delitos que mais acendiam o clamor público e traziam comoção em conjunto com a sensação de insegurança.
O que não pode-se tolerar é que, o desejo de uma resposta célere à sociedade tolha a quem quer que seja de seus direitos basilares, constitucionalmente defendidos, por isso foi e é necessária a contínua humanização da norma, visando atender e convalidar os princípios norteadores de um Estado de Direito Democrático.
A declaração de inconstitucionalidade do parágrafo 1º, do artigo 2º da Lei 8.072 pelo Supremo Tribunal Federal deixa transparecer o acertado desejo de responder ao clamor da sociedade, mas sem ignorar a lei máxima que rege o ordenamento jurídico interno.
Referências bibliográficas
BRASIL, Lei N. 8.072, de 25 de julho de 1990. Lei dos crimes hediondos. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8072.htm> Acesso em 10 jan. 2015.
FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos.6 ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
LEAL, João José. Crimes hediondos.2ªed., Curitiba: Juruá, 2009.
MONTEIRO, Antonio Lopes. Crimes hediondos: texto, comentários e aspectos polêmicos.8 ed.rev., atual. e ampl., São Paulo: Saraiva, 2008.
SILVA, Marisya Souza e.Crimes hediondos & progressão de regime prisional.2ed., Curitiba: Juruá, 2009.
[1]SILVA, Marysia Souza. Crimes hediondos e progressão de regime prisional. 2. Ed. Curitiba: Juruá, 2009, p.130.
[2]LEAL, João José. Crimes hediondos. 2ª ed., Curitiba: Juruá, 2009, p. 37-38.
[3]FRANCO, AlbertoSilva. Crimes hediondos. 6.Ed.SãoPaulo: Editora Revistados Tribunais, 2007, p.95/96.
[4]BRASIL, Lei N. 8.072, de 25 de julho de 1990. Lei dos crimes hediondos. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8072.htm> Acesso em 10 jan. 2015.
[5]SILVA, Marisya Souza. Crimes hediondos e progressão de regime prisional. 2. Ed. Curitiba: Juruá, 2009, p.180.
[6]MONTEIRO, Antonio Lopes. Crimes hediondos: texto, comentários e aspectos polêmicos. 8 ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Saraiva, 2008, p. 16.
[7]BRASIL, Lei N. 8.072, de 25 de julho de 1990. Lei dos crimes hediondos. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8072.htm> Acesso em 10 jan. 2015.
[8]BRASIL, Lei N. 8.072, de 25 de julho de 1990. Lei dos crimes hediondos. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8072.htm> Acesso em 10 jan. 2015.
[9]SILVA, Marisya Souza e. Crimes hediondos & progressão de regime prisional, 2 ed., Curitiba: Juruá, 2009, p. 176.
[10]FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 6 ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 210
[11]BRASIL, Lei N. 8.072, de 25 de julho de 1990. Lei dos crimes hediondos. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8072.htm> Acesso em 10 jan. 2015.
Advogada e pós-graduanda em Direito no Complexo Educacional Damásio de Jesus.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROSA, Rafaela Miareli. Crimes Hediondos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 mar 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43491/crimes-hediondos. Acesso em: 23 dez 2024.
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