Modificando entendimento (inexplicavelmente) consolidado, o Plenário do Supremo Tribunal Federal finalmente alterou a jurisprudência da Corte para afastar o conceito de intempestividade para os recursos apresentados antes da publicação do acórdão – data até então considerada marco temporal do início do prazo para a interposição de embargos declaratórios ou agravos.
A decisão foi tomada durante o julgamento de embargos de declaração (convertidos em agravo regimental) no Agravo de Instrumento nº. 703269.
Ao apresentar a questão, o relator, Ministro Luiz Fux considerou que não pode ser considerado intempestivo um recurso apresentado dentro do prazo, ainda que antes da publicação do acórdão, lembrando que jurisprudência atual considera intempestivo o recurso apresentado tanto antes, quanto após o prazo. Disse: “Revela-se uma contradição considerar-se intempestivo um recurso que é interposto antes do escoamento do prazo”, acrescentando que na Primeira Turma já houve discussão em torno da necessidade de mudança de direcionamento quanto aos recursos considerados intempestivos.
Ele ressaltou que a jurisprudência agora superada é “extremamente formalista e sacrifica a questão da justiça” e lembrou que a evolução no entendimento já está prevista no novo Código de Processo Civil.
O Ministro Marco Aurélio, que sempre afastou a intempestividade nestas circunstâncias, lembrou da característica do brasileiro de deixar as coisas para última hora e ressaltou que não se pode punir quem se antecipa: “Geralmente o brasileiro deixa para a undécima hora a prática do ato, mas há aqueles que se antecipam. Se antecipam na interposição de recurso, inclusive em relação ao prazo recursal. Chegam ao protocolo da Corte e interpõem o recurso que tem objeto, que é o acórdão, antes de detonado o prazo inicial desse prazo. Entendo que esse ato é válido”, afirmou.
O Ministro Ricardo Lewandowski, manifestou preocupação (infundada, diga-se de passagem) quanto aos casos em que os embargos são apresentados antes da publicação do acórdão e não guardam relação com a decisão questionada, salientando que se a parte não conhece o acórdão, não pode embargar de modo genérico, sem atacar os pontos específicos.
Com efeito, anteriormente, ainda que por maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal arquivou embargos de declaração opostos nos Inquéritos nºs. 2630 e 2632. A maioria dos Ministros acompanhou o voto do relator, Ministro Carlos Ayres Britto, que aplicou jurisprudência da própria Suprema Corte, que considerava intempestivos, por serem prematuros, os recursos interpostos antes mesmo da publicação do acórdão recorrido. Segundo o relator, a defesa opôs os embargos antes da publicação do acórdão.
Vejam estes antigos julgados:
“ É de se considerar extemporâneo o recurso extraordinário protocolado antes de publicado o acórdão recorrido, tendo em vista que não se abriu o prazo para sua impugnação. Necessidade de ratificação do ato de interposição do apelo extremo, após a publicação do aresto impugnado no órgão oficial. Agravo regimental improvido." (Ministro SYDNEY SANCHES Relator – AI 354872 / MT AGRAVO DE INSTRUMENTO)
“Agravo de instrumento desprovido. 2. Agravo regimental interposto antes da publicação da decisão. 3. Prazo recursal que só começa a fluir após a publicação, no órgão oficial. 4. Razões não ratificadas, no prazo para recorrer. 5. Agravo regimental de que não se conhece." (AI 234509 AgR / PR – PARANÁ AG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTO Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA).
Corroborando o antigo entendimento da Corte Constitucional: AI 441214 Rel. Min. Ellen Gracie; AI 457444 Rel. Min. Gilmar Mendes; AI 404711 Rel. Min. Sepúlveda Pertence.
O Superior Tribunal de Justiça chegou a decidir que "a interposição de recursos contra decisões monocráticas ou colegiadas proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça pode ser realizada antes da publicação dessas decisões na imprensa oficial."
Com efeito, no julgamento do ERESP nº. 492461, a Ministra Eliana Calmon, afirmou que a evolução tecnológica do Poder Judiciário. Ela sustentou que a nova sistemática dará mais agilidade à tramitação dos processos no Tribunal: "Do jeito que estava antes, o advogado ficava preso numa camisa de força. Via a decisão, mas não podia recorrer."
Há muito tempo que acórdãos, relatórios e votos proferidos pelos ministros do Superior Tribunal de Justiça vêm sendo veiculados na página do Tribunal na internet, horas depois de a respectiva decisão ter sido tomada. O Tribunal também dispõe do serviço de intimação das partes por meio eletrônico.
"Entendo que, no momento em que há publicação das decisões pela internet, tendo criado o Tribunal, inclusive, a Revista Eletrônica, é um contra-senso falar em tempestividade recursal a partir da publicação pelo Diário da Justiça da União", ponderou a então Ministra Eliana Calmon, em voto proferido no julgamento de um recurso julgado pela Segunda Turma em outubro de 2002.
A alteração da jurisprudência realizada pela Corte Especial ocorreu no julgamento de um recurso no qual a parte questionava decisão anterior que não conheceu de outro recurso previamente ajuizado, exatamente por ele ter sido interposto antes da publicação da decisão no Diário da Justiça. O argumento utilizado pela parte, um posto de gasolina de Minas Gerais, foi o de que o direito de recorrer não está condicionado à espera da intimação (comunicação) solene.
Amparado na jurisprudência anterior do Superior Tribunal de Justiça e em decisões do Supremo Tribunal Federal, o relator do caso na Corte Especial, Ministro Gilson Dipp, votou contra o provimento do recurso, um agravo regimental. Seu voto foi acompanhado pelos ministros Fernando Gonçalves, Felix Fischer, Paulo Gallotti e Carlos Alberto Direito. Este último, antes de votar, ponderou não ser possível alterar a jurisprudência sobre o tema, sem prévia mudança na legislação processual.
A Ministra Eliana Calmon foi a primeira integrante da Corte a divergir do voto do relator sob o argumento de que o Superior Tribunal de Justiça deveria curvar-se à modernidade. Às suas ponderações, somaram-se as dos Ministros Ary Pargendler e Peçanha Martins, para quem não é possível apenar quem se antecipa. O então Ministro Luiz Fux ressaltou que o direito de recorrer nasce com a decisão. Já o ministro Franciulli Netto observou que o Superior Tribunal de Justiça precisava se adaptar à nova realidade tecnológica. Além desses integrantes da Corte Especial, seguiram o entendimento da Ministra Eliana Calmon os Ministros Francisco Falcão, Barros Monteiro, Gomes de Barros, Cesar Rocha e José Delgado.
Nada obstante esta última decisão, o Superior Tribunal de Justiça continuava decidindo de maneira diversa:
“AgRg no AGRAVO DE INSTRUMENTO N.º 796.291-SP - Rel.: Min. Aldir Passarinho Junior/4.ª Turma - EMENTA - Processual civil. Recurso especial prematuro. Interposição anterior ao julgamento dos embargos declaratórios. Não exaurimento da instância ordinária. Precedentes do STJ. Improvimento.I. Estando pendente o julgamento dos aclaratórios, é inoportuna a interposição do recurso especial, vez que não houve o necessário exaurimento da instância.II. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ/DJU de 5/3/07, pág. 294).
“AgRg no AGRAVO DE INSTRUMENTO N.º 787.086-SC - Rel.: Min. Nancy Andrighi/3.ª Turma - EMENTA - Processual civil. Agravo de instrumento. Recurso especial. Tempestividade. Interposição antes do julgamento dos embargos de declaração. Precedentes recentes da Segunda Seção. Ausência de fundamentos capazes de ilidir a decisão agravada. - É extemporâneo o recurso especial interposto antes do julgamento dos embargos de declaração, salvo se houver reiteração posterior, porquanto o prazo para recorrer só começa a fluir após a publicação do acórdão integrativo. Agravo não provido.” (STJ/DJU de 4/12/06, pág. 306).
“EDcl no RESP 245417/ SP; EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL 2000/0003881-4. Relator: Ministro FONTES DE ALENCAR. Órgão Julgador: T6 - SEXTA TURMA. Data do Julgamento: 11/03/2003. Data da Publicação/Fonte: DJ 12.05.2003 p. 361. Ementa: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ESPECIAL. - Impetração anterior à publicação do aresto. Embargos não conhecido.”
Aliás, este também era (esperamos...) o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho:
“APRESENTAÇÃO DO RECURSO ANTES DO PRAZO CONFIGURA INTEMPESTIVIDADE. A 4ª turma do TST não examinou o mérito do recurso do Ministério Público do Trabalho da 1ª Região (Rio de Janeiro) por ter sido interposto sete dias antes da publicação do acórdão (04/08/1998) do TRT, que estava sendo alvo do recurso. O Código de Processo Civil (art 184 e 240) deixa claro que o prazo para recurso ‘necessariamente começa a correr após a intimação das partes e/ou do Ministério Público do Trabalho’ . O prazo recursal como de resto, qualquer outro prazo processual – é lapso de temporal caracterizado não apenas pelo termos final mas também pelo termo inicial.” (A 4ª turma do TST, RR n.º 537821/1999).
Este mesmo Tribunal Superior do Trabalho, decidiu que a interposição do recurso de revista fora do prazo previsto em lei, situação juridicamente conhecida como intempestividade, prejudica não só a parte que recorre após a data-limite, mas também aquela que se antecipa ao início do prazo recursal. Sob essa surpreendente observação do Ministro Ives Gandra Martins Filho (relator), a 4ª Turma do TST afastou recurso de revista do Senai - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Departamento Regional de Santa Catarina). Interessado em tornar mais clara a decisão regional, o Senai ajuizou embargos declaratórios ao TRT em 9 de março de 2000. O resultado do julgamento da questão, parcialmente acolhida, foi publicado em 21 de agosto de 2000, momento em que teve início o prazo para recorrer ao Tribunal Superior do Trabalho. Antes dessa data - isto é, no dia 15 de agosto de 2000 - a parte interpôs o recurso de revista. Para tanto, argumentou contestando fundamentos do acórdão, de cujo teor já tivera conhecimento. Segundo o Ministro Ives Gandra a inobservância da data correta em que teve o início do prazo para o recurso de revista impediu o exame da pretensão do Senai. “Assim, tem-se por intempestivo o recurso de revista protocolizado em 15 de agosto de 2000, uma vez que o acórdão regional proferido em sede de embargos declaratórios, em sua integralidade, ainda não havia tido suas conclusões republicadas”, observou ao frisar a necessidade da parte aguardar a conclusão da prestação jurisdicional do TRT. O relator também advertiu que “em virtude do princípio da unirrecorribilidade (segundo o qual contra qualquer decisão recorrível cabe apenas um recurso), é intempestivo o recurso de revista protocolizado em data anterior à publicação do acórdão que analisou os embargos declaratórios da própria parte”. (RR nº 777834/2001.8).
Marcelo Favalli, comentando o assunto, afirmou:
"O que se deve ter em conta é que os atos processuais (art. 177 do CPC), que traz o comando de que “os atos processuais realizar-se-ão nos prazos prescritos em lei...”, não traduz em intempestividade aqueles praticados anteriormente mesmo à sua publicação, vez que o termo “nos prazos”, não significa que devem ser cumpridos “apenas no prazo”, considerando, como é cediço, que não o seja após. Por seu turno, o Eminente relator do acórdão tirou conclusão diametralmente oposta a entendimento corrente de que “fora do prazo” deva significar algo mais do que “depois de expirado o prazo” (intempestivo), trazendo temerário entendimento de que sendo apresentado recurso antes mesmo de sua publicação deva também ser entendido como intempestivo. O fato de o recorrente ter apresentado recurso antes mesmo do julgamento de seus E. Declaratórios prejudicaria apenas a si próprio, vez que o princípio da unirrecorribilidade (segundo o qual das decisões cabe apenas um recurso), citado ao final do acórdão, obstaria a interposição de novo expediente nas matérias decididas nos Embargos Declaratórios e que lhe fossem desfavoráveis."[1] (grifamos).
Criticando as decisões anteriores do Supremo Tribunal Federal, Cândido Rangel Dinamarco já afirmava:
"A técnica dos julgamentos nos tribunais brasileiros inclui, entre outras providências menores e sem interesse para o presente estudo, (a) a discussão da causa ou recurso pelos integrantes do órgão colegiado, com eventual sustentação oral, (b) a manifestação do voto de cada um, seguida da proclamação do resultado pelo presidente do órgão, (c) a publicação desse resultado pela imprensa oficial, (d) os trabalhos de datilografia, digitação e impressão dos votos e do acórdão, realizados pelo pessoal auxiliar, (e) a assinatura pelo relator ou, quando assim dispõe o regimento interno, também pelo presidente, (f) o registro do acórdão, sua anexação aos autos e finalmente (g) a publicação das conclusões do acórdão, ou de sua parte dispositiva, pela imprensa oficial. Ora, aqueles julgados do Supremo Tribunal Federal têm considerado somente dois desses momentos, a saber: a) o da tomada de votos e proclamação do resultado, em contraposição (b) ao da publicação das conclusões do acórdão pela imprensa; ao dizerem que a mera notícia do julgamento não autoriza ainda a interposição de recurso contra este, sendo indispensável para tanto a publicação das conclusões do acórdão no jornal oficial, deixam de levar em conta outros passos do procedimento recursal, situados entre esses dois. Não levam em conta que entre a mera divulgação do resultado do julgamento e a publicação do acórdão pela imprensa, outros atos muito importantes são praticados, que são a lavratura, assinatura, registro e juntada do acórdão aos autos. Tomados os votos dos juízes em sessão do órgão colegiado e proclamado o resultado do julgamento (CPC, art. 556), não existe ainda um acórdão a ser objeto de intimação às partes pela imprensa oficial. É preciso rever notas taquigráficas, elaborar o acórdão e ementa, colher as assinaturas exigidas por lei ou regimento, registrar o acórdão já então formalizado e juntá-lo aos autos do processo. Só depois de cumpridos esses atos rigorosamente indispensáveis é que se publicarão as conclusões e ementa, para ciência das partes."
"(...) Essas considerações preparam o terreno para a crítica que neste momento principia a ser feita, no sentido de que (a) embora seja absolutamente correto que a mera notícia do resultado do julgamento é insuficiente para tornar desde logo admissível eventual recurso contra este, (b) também não se pode ir diretamente ao ato final do iter acima descrito, para concluir que só a publicação das conclusões do acórdão pela imprensa abra caminho para a possibilidade de recorrer. É mais simples o iter em caso de atos de juiz de primeiro grau de jurisdição. Quando proferida em audiência, a sentença já se reputa integrada desde logo ao processo; se as partes houverem sido intimadas do dia e hora dessa audiência, não será necessária qualquer publicação pela imprensa, porque seus advogados já estarão cientes. Proferida a sentença ou decisão interlocutória fora de audiência, seu texto será entregue ao escrivão, seguindo-se a juntada aos autos e, ao fim, a publicação pelo órgão oficial. E, feitas as fáceis adaptações decorrentes dessas diferenças, o que se diz sobre o tempo hábil à interposição de recursos contra acórdão aplica-se do mesmo modo ao tempo para recorrer de sentenças ou decisões interlocutórias."
"(...) Realmente, uma sentença só existe como ato do processo a partir de quando publicada. Antes disso, é mero projeto de sentença, ou, no caso de julgamento feito por um tribunal, é apenas um ato em via de formação mas ainda não formado porque lhe falta um requisito essencial indispensável. Mas que publicação é essa? Será que estamos a falar da mesma coisa? A publicação do acórdão ou sentença pela imprensa oficial será essa mesma publicação que toda a doutrina aponta como requisito existencial indispensável, sem o qual as decisões judiciárias não comportam ainda recurso algum? A resposta a essas indagações é francamente negativa: a publicação em sentido técnico a que a doutrina se refere não é aquela publicação a ser feita pelo órgão oficial com o objetivo de intimar os defensores das partes. Em sentido técnico, publicar é integrar o ato do juiz ou tribunal ao processo, convertendo-o em verdadeiro ato processual. Tomo a liberdade de transcrever o que a esse propósito já escrevi sobre o tema aqui em exame: “como ato do processo, que é uma instituição de direito público, a sentença é em si mesma um ato público. Mas ela só se considera ato do processo a partir do momento em que for integrada a ele, porque antes disso não passa de um escrito particular de quem a redigiu. Essa integração chama-se publicação da sentença. Quando esta é proferida em audiência, sua publicação é gradual e vai acontecendo à medida em que o escrevente lança no papel ou na memória do computador os dizeres que lhe vai ditando o juiz (art. 457). Depois, a este só resta assinar o termo e àquele, inseri-lo nos autos: a sentença já existe como ato público desde quando foi ditada. Sendo elaborada fora de audiência, a publicação se faz em mãos do escrivão, ou seja, mediante entrega do texto escrito e assinado ao cartorário responsável”.6 No caso de decisões tomadas pelos órgãos colegiados de um tribunal (câmara, turma, seção, plenário etc.), a mera pronúncia de votos em sessão de julgamento não dá corpo ainda a um julgamento acabado, porque os votos são pronunciados oralmente sem serem reduzidos a termo ou registrado em ata o teor de cada um. Por isso, e como verba volant, a formação do ato processual acórdão só se consuma quando este é lavrado e impresso em papel, sendo então registrado e levado aos autos. Apenas depois de realizadas tais providências, com o concurso dos serviços auxiliares do tribunal, é que a decisão dos órgãos colegiados se considera publicada.
"(...) Mas, realizadas as providências de lavratura, assinatura, registro e juntada aos autos, o julgamento reputa-se acabado e portanto existente, não sendo adequado afirmar que um recurso interposto antes da publicação pela imprensa caísse no vazio por voltar-se contra um ato juridicamente inexistente. Realizadas tais providências, o julgamento do tribunal já existe perante o direito; ele já será então, a partir daí, um autêntico ato do processo. Como todo ato jurídico, os atos do juiz existem a partir de quando integrados todos seus elementos constitutivos (os essentialia negotii, a que alude a doutrina de direito privado). À luz de preciso ensinamento de Tullio Ascarelli, temos que o ato processual só existe perante o direito quando espelhar em concreto a situação típica resultante da aplicação das normas relativas a ele; e essa situação típica é composta pela forma determinada em lei, pelo sujeito qualificado a realizar o ato, pela vontade do agente e pelo objeto admissível em direito. Faltando algum desses requisitos, o ato é nenhum perante o direito; presentes todos eles, o ato existirá. Outro significado e outra finalidade têm as publicações de conclusões e ementas, a serem feitas pela imprensa oficial (CPC, art. 506, incs. II-III). Elas são feitas com o objetivo de levar aos defensores das partes o conhecimento de uma sentença, decisão ou acórdão já previamente existente. São, pois, puros atos de comunicação processual, sabendo-se que, por força de uma determinação legal bastante ampla, as intimações aos advogados se realizam por esse meio (CPC, art. 236). Publica-se pela imprensa, para intimar. Mas intimam-se os advogados do teor de uma sentença, decisão ou acórdão já presente nos autos e existente perante o direito. O publicar uma decisão tomada por um órgão colegiado, tornando-a um ato juridicamente acabado do processo (julgamento existente perante o direito) não é pois sinônimo daquele outro publicar, consistente em intimar pelos jornais oficiais. A assimilação desses dois conceitos assim tão diferentes, vista nos acórdãos aqui sob crítica, colide inclusive com as lições doutrinárias invocadas nos votos dos srs. relatores. As assertivas dos autores citados, no contexto de suas exposições sobre a publicação como providência que dá ao ato o predicado de ato público e existente perante o direito, não se confundem com o que eles também disseram sobre a publicação como ato destinado a levar ciência aos patronos das partes. José Frederico Marques.
(...) Não é verdadeira a assertiva de que um acórdão só se torne eficaz a partir de quando feita a intimação de suas conclusões pela imprensa. Sem falar no efeito puramente processual de abrir prazos para recorrer (os quais, como visto, começam antes dessa publicação sempre que existir nos autos um ato de ciência inequívoca pela parte), às vezes também alguns efeitos substanciais da decisão se produzem e são impostos em momento anterior. Não se pode dizer que sejam usuais ou freqüentes, mas também não constituem aberrações ou raridades extremas as determinações que em casos de urgência um órgão colegiado faz na própria sessão de julgamento, mandando expedir ofícios, efetivar tutelas, suspender de imediato uma decisão do juiz inferior etc. Decisões como essas, antecipando a eficácia do julgamento colegiado, partem obviamente da premissa de que esse julgado existe, porque se não existisse não poderia produzir efeito algum. Mas o presente estudo não gira em torno de casos excepcionais como esses. Não bastassem essas prestigiosas lições colhidas na doutrina nacional, vê-se ainda, sempre no mesmo sentido, o magistério superior do Mestre Liebman, o qual ensinou: “a sentença torna-se pública mediante entrega no cartório do juiz que a proferiu. O escrivão passa a certidão da entrega ao pé da sentença, datando-a e assinando-a; dentro de cinco dias dará ciência dela às partes constituídas, mediante aviso contendo o dispositivo. Entende-se pacificamente que é com o ato da entrega [em cartório] e a contar daí, que a sentença se torna juridicamente existente”. Esse pensamento é reiterado mais adiante na mesma obra, praticamente com as mesmas palavras: “la sentenza è resa pubblica mediante deposito in cancelleria del suo originale e il cancelliere ne dà notizia alle parti mediante biglietto contenente il dispositivo, comunicato ai rispettivi procuratori”. (...) Qual o significado da disposição, contida no art. 463 do Código de Processo Civil, segundo a qual "ao publicar a sentença de mérito, o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional" só podendo alterá-la em casos bastante específicos? Alguém sustentaria que uma sentença assinada e posta nos autos após proferida em audiência ou regularmente entregue ao escrivão, poderia ser livremente alterada pelo juiz enquanto não publicadas suas conclusões na imprensa oficial? O publicar, ali referido, equivaleria ao intimar as partes pela imprensa? Decididamente, não! Particularmente explícito a esse propósito, ensinou Liebman que “a partir desse momento (o da entrega da sentença em cartório) ela não pode mais, por motivo algum, ser revogada ou modificada, exceto através dos recursos”. E Barbosa Moreira: “com a publicação da sentença de mérito - qual será, normalmente, a proferida em audiência de instrução e julgamento ou depois dela - exaure-se a competência funcional do órgão de primeiro grau, no tocante à apreciação da lide (art. 463). Desde que publicada (antes mesmo de intimada!)14 a sentença, pois - salvo disposição em contrário [...] - é defeso ao juiz alterá-la, ainda que se convença de não ter julgado corretamente”. O exaurimento da competência do juiz, imposto pelo art. 463 do Código de Processo Civil, é ao mesmo tempo uma regra moralizadora e um fator de segurança das partes. Visa a impedir vacilações ou mesmo manipulações capazes de transformar o vencido em vencedor e o vencedor, em vencido. Por isso, seria muito pouco proibir o juiz de inovar somente depois que a sentença fosse divulgada pela imprensa oficial, podendo ele fazê-lo enquanto sua decisão, embora já inserida no processo, ainda pendesse de intimação às partes. O que aquele dispositivo contém é um severíssimo veto a qualquer alteração da sentença de mérito, depois de existente como ato processual. O publicar, ali contido, tem o significado técnico, já referido, de integrar a sentença ao processo, o que acontece (repete-se) quando ela é proferida em audiência ou quando, havendo sido proferida mediante conclusão dos autos, vem a ser entregue ao pessoal de cartório (tal é, segundo a linguagem comum, a publicação em mãos do escrivão). As coisas se passam um pouco diferentemente em relação aos julgamentos tomadas pelos órgãos colegiados de um tribunal, em razão daquele complexo iter que principia com a prolação dos votos em sessão de julgamento e culmina com a juntada do acórdão aos autos, já lavrado, registrado e assinado (supra, n. 4). Essas diferenças procedimentais significam apenas que tais julgamentos passam por um processo gradual de publicação, tomado esse vocábulo no sentido técnico com o qual é empregado pelo art. 463 do Código de Processo Civil - com a conseqüência de que, já a partir de quando é proclamado o resultado do julgamento pelo presidente do órgão colegiado, aos juízes é proibido rever seus próprios julgamentos ou inovar no processo (ressalvadas, como sempre, as hipóteses de admissibilidade de embargos de declaração, retificação de inexatidões materiais etc.). Essa pacífica interpretação do art. 463 do Código de Processo Civil reconfirma que, no sistema do direito positivo e na técnica do direito processual, publicar é integrar o ato judicial ao processo, como ato público - não se admitindo, pois, qualquer confusão com aquele outro publicar, que não passa de uma intimação (publicar pela imprensa). Não há dúvida de que, em princípio, os prazos para recorrer começam a correr no dia em que a decisão ou as conclusões de uma sentença ou acórdão são levadas ao conhecimento dos advogados mediante a intimação feita por meio da imprensa oficial. A lei é particularmente expressa a esse respeito (CPC, art. 506, incs. II-III). Sendo portadora de uma intimação, a publicação pela imprensa associa-se muito intimamente à garantia constitucional do contraditório (Const., art. 5o, inc. LV), uma vez que esta impõe, segundo clássica definição muito reverenciada pela doutrina deste país, a “ciência bilateral dos atos e termos do processo e possibilidade de contrariá-los” (Joaquim Canuto Mendes de Almeida). Sabido que contraditório é participação e participar significa reagir contra atos adversos (respondendo às iniciativas da parte contrária, recorrendo das decisões desfavoráveis), mas também não se podendo ignorar que para participar é preciso saber da existência e teor desses atos, toda a doutrina aponta sempre a necessidade de dar ciência deles às partes, para que possam participar, reagindo. Na lição superior de Mauro Cappelletti, "contraditório significa direito à participação...participar conhecendo, participar agindo". Por isso, sendo o próprio direito de recorrer um relevantíssimo aspecto da cláusula due process of law, também residente em sede constitucional (Const., art. 5o, inc. LIV), chega a ser intuitivo que, sem a ciência do ato, não seria legítimo impor a alguém a fluência de um prazo recursal. Daí a função da publicação dos atos judiciários pela imprensa, como ato destinado a fazer com que os prazos principiem a fluir.
E, citando Liebman, continua:
"(;;;) Mas, como hoje todos reconhecem, nenhum ato processual tem um valor em si mesmo, senão um valor associado ao escopo em razão do qual a lei o exige. Liebman: “cada ato tem também um escopo imediato e próprio, que o qualifica em sua individualidade; mas esse escopo imediato não tem outra razão de ser senão a de representar um passo em direção a um escopo mais distante, comum a todos os atos, que é a formação do ato final, o qual resumirá todo o procedimento e constituirá o seu resultado”. Assim se dá, como não poderia deixar de ser, também com as intimações - quer quando feitas pela imprensa, quer quando por algum outro modo autorizado em lei. Elas valem para levar ao espírito de alguém, ou ao seu íntimo (daí, intimar), o conhecimento de algum ato realizado no processo, para que a pessoa saiba como se comportar em face desse ato; e segue daí que, já chegado o conhecimento ao espírito da parte por algum outro modo, inclusive por iniciativa dela mesma (aposição de ciente nos autos, retirada destes), não há por que insistir em levar a ela o conhecimento daquilo que inequivocamente já conhece. Estamos no campo do princípio da instrumentalidade das formas, segundo o qual estas não têm “um valor intrínseco próprio, sendo estabelecidas apenas como meio para atingir plenamente o escopo de cada ato; a necessidade de observá-las deve, por isso, ser medida em cada caso com o metro da consecução desse escopo” (ainda Liebman). Ora se o valor das publicações, de decisões, sentenças ou acórdãos pela imprensa oficial é representado pela ciência desses atos, a ser obtida através delas, é imperioso, em cada caso, dar muito mais atenção à obtenção desse resultado do que ao cumprimento da formalidade consistente em publicar. Publica-se para intimar e intima-se para fazer saber. Por isso, não tem qualquer necessidade ou relevância uma intimação a quem já sabe. Recolhidos esses elementos básicos em teoria geral do processo, chega-se com facilidade à conclusão de que, se a parte tiver ciência do ato judicial sem a publicação pela imprensa e sem qualquer intimação, o que importa é que teve essa ciência, estando pois suficientemente informada para que possa reagir, recorrendo (lembrar, ainda uma vez, os dois pólos do contraditório oferecido aos litigantes - informação e reação). A própria lei dispensa qualquer intimação ou publicação, para que tenha início o prazo para apelar de sentença proferida em audiência (CPC, art. 506, inc. I) - porque, obviamente, aquele que já tem conhecimento não precisa ser intimado. E a própria citação para a causa, que é o mais nobre e vital de todos os atos de comunicação impostos pela lei processual, deixa de ser necessária e sua falta não inquina o processo, quando o réu comparece espontaneamente, oferecendo sua resposta à inicial sem haver sido citado: também quanto a isso a lei é expressa e clara (art. 214, § 1o). No trato específico dos recursos, os próprios tribunais proclamam insistentemente que o prazo para interpô-los tem início em seguida a qualquer ato de ciência inequívoca, isto é, à prática de qualquer conduta mediante a qual a parte tome ou demonstre haver tomado conhecimento do ato judicial recorrível. A retirada dos autos do cartório ou secretaria do tribunal antes de feita a publicação pela imprensa é um desses atos - e, com razão, a jurisprudência diz que, havendo o conhecimento da decisão, sentença ou acórdão em razão de um acontecimento como esse, a publicação pela imprensa se torna indiferente, de modo que o prazo começa, flui e termina independentemente de quando ela tiver sido feita ou mesmo que jamais se venha a fazer.
"(...) Não é coerente (a) negar conhecimento a um recurso porque a parte teve ciência antes da publicação da sentença mas contou o prazo a partir desta, (b) mas, contraditoriamente, negar-lhe também conhecimento nos casos em que a parte se antecipa à publicação, demonstrando conhecimento do ato e efetivamente recorrendo sem que haja sido feita a intimação pela imprensa. Se a falta dessa intimação deixasse o julgamento à margem do direito, como naqueles acórdãos se disse, com a conseqüente intempestividade por prematuridade, não haveria como dizer, depois de decorrido o prazo contado da ciência inequívoca, que o recurso seja intempestivo por ter sido interposto tardiamente. Ou a ciência inequívoca dispensa a intimação e abre o prazo para recorrer, ou não; ou ela fixa o dies a quo dos prazos recursais, ou não o fixa. Estabelecido que prazo é a distância temporal a ser observada entre dois atos (preciosa conceituação de Carnelutti).20 sabe-se também que em direito processual há prazos dilatórios, caracterizados como distâncias mínimas fixadas em lei, não devendo o ato ser praticado antes (p.ex., a audiência no procedimento sumário não pode ser realizada antes de decorridos dez dias da citação – CPC, art. 278) e prazos aceleratórios, que são a distância máxima entre dois atos, de modo que o segundo deles deve ocorrer antes que haja decorrido um tempo maior. As regras instituidoras de prazos dilatórios impõem esperas (ou dilações); as instituidoras de prazos aceleratórios impedem demoras e impõem preclusões, para que o procedimento caminhe avante e chegue aos resultados desejados em um tempo razoável, não sendo lícito às partes retardar indefinidamente seus atos segundo sua própria conveniência. No trato dos prazos, sua natureza e seus efeitos, emprego os adjetivos aceleratório e dilatório como portadores de significados opostos entre si. A linguagem do Código de Processo Civil é extremamente irracional, ao opor prazos dilatórios a peremptórios. Alinguagem que utilizo, inspirada em Carnelutti, leva em conta o óbvio, ou seja, (a) que aceleratório é o que acelera e (b) que dilatório é o que dilata.21 Os prazos que se opõem aos peremptórios são dispositivos, ou seja, não-cogentes.22 Em resumo: a) dilatório é oposto de aceleratório e (b) o antônimo de peremptório é dispositivo (ou impróprio, meramente ordinatório). Postos em destaque esses conceitos elementares, resta evidente que os prazos recursais se enquadram com toda comodidade entre os aceleratórios, porque visam a fixar o tempo máximo para o exercício de uma faculdade processual - sabendo a parte vencida que ou recorrerá dentro do tempo estabelecido em lei, ou ficará definitivamente colhida por uma preclusão (conforme o caso, pela própria coisa julgada formal). Ao permitir que o vencido se valha de todo o tempo de duração do prazo, podendo interpor seu recurso até no último momento útil do último dia deste, a lei está dando corpo e substância ao direito de recorrer, inerente à garantia constitucional do devido processo legal; ao limitar no tempo o exercício desse direito, está impedindo que o processo tenha duração ilimitada, a dano da efetividade e tempestividade da tutela jurisdicional, também garantida pela Constituição. E, por dizerem respeito à ordem pública, os prazos recursais são peremptórios, o que significa que seu decurso faz perimir faculdades ou poderes processuais não exercidos em tempo (eles são prazos próprios, ou preclusivos); são também insuscetíveis de alterações por vontade das partes, ainda que de comum acordo (CPC, art. 182). Toda a disciplina legal dos prazos para recorrer converge portanto à sua natureza aceleratória, destinando-se eles a evitar demoras intermináveis e, assim, a favorecer a pronta terminação do processo. Com aguda sensibilidade aos fenômenos do processo, o tributarista Hugo de Brito Machado demonstrou haver captado muito bem a natureza aceleratória desses prazos e também a relevância dessa colocação para a solução de nosso problema. Disse, em oportuno ensaio, que “o prazo para a interposição de recursos é sem dúvida um prazo aceleratório [...]. Ele se destina a acelerar a marcha do processo, evitando que ele se eternize. E uma vez decorrido o ato já não pode ser praticado. Seu decurso opera a perempção do direito ao recurso”.23 Ora, quando o prazo é dilatório, destinando-se a impor esperas e conseqüentemente a conter impulsos de sofreguidão ou açodamento de sujeitos interessados em apressar, é muito natural que ele valha por proibição de realizar determinado ato antes de vencido - mesmo porque, do contrário, de nada valeria haver na lei prazos dilatórios. Mas, se o prazo é aceleratório, é também natural que ele acelere mas não retarde. Se tenho um prazo de quinze dias, posso realizar o ato desde o primeiro momento de sua fluência, ou seja, desde o momento em que ele se inicia, até ao último momento do décimo-quinto dia. O que importa é acelerar, não desacelerar ou retardar. E, se o objetivo é acelerar e não retardar, posso também, por ato meu, dar início a um prazo que, começando a correr, correrá contra mim. Se demonstro inequivocamente ter ciência da sentença ou acórdão, esse momento será o termo a quo do prazo à minha disposição, independentemente de qualquer intimação ou publicação em jornal; e é precisamente esse o raciocínio posto à base da farta jurisprudência que considera tardios os recursos interpostos depois de decorrido o tempo iniciado pela prática de um daqueles atos de ciência inequívoca. É portanto da mais absoluta legitimidade o reconhecimento de que o sujeito que teria o direito a um recurso depois de intimado, tê-lo-á também quando ele próprio se antecipar, recorrendo desde logo sem lhe haver sido feita qualquer intimação. Essa posição apóia-se inclusive naquela premissa posta pelo próprio Supremo Tribunal Federal, o qual, como os demais tribunais do país, proclama a plena eficácia de um ato de parte como elemento capaz de desencadear prazos aceleratórios: como já lembrado, a jurisprudência brasileira é iterativa no sentido de que a ciência inequívoca faz fluir prazos contra o sujeito que de algum modo demonstre conhecer perfeitamente o ato recorrível (supra, n. 8). À vista do que ao longo deste estudo se disse, são dois os pilares sobre os quais se edifica a conclusão de ser admissível a interposição de recurso contra sentença ou acórdão ainda não publicado pela imprensa. O primeiro deles consiste no duplo significado com que o verbo publicar é empregado na lei processual e nas práticas judiciárias - aqui para designar a intimação que pelo jornal oficial se faz, ali indicando a integração do ato do juiz ou do tribunal ao processo. A segunda ordem de raciocínios desenvolve-se em torno da natureza aceleratória dos prazos para recorrer, os quais não visam a impor esperas, como se dá com os prazos dilatórios, mas a evitar a eternização da pendência da relação processual. Os significados do verbo publicar. As decisões tomadas pelos órgãos colegiados de um tribunal são sujeitas a um complexo iter de formação, principiando pela discussão da causa ou recurso em sessão de julgamento, tomada dos votos dos julgadores, proclamação do resultado pelo presidente e intimação desse resultado pela imprensa, seguindo-se a tudo isso uma série de providências destinadas à lavratura, assinatura e registro do acórdão, o qual será afinal anexado aos autos. Nesse momento o acórdão está publicado, ou seja, a partir daí existe no mundo jurídico um julgamento que poderá ser objeto do recurso que em cada caso o sistema processual admitir. Estamos no campo da existência de um ato jurídico processual perfeito e acabado, o qual poderá então ter a eficácia que a lei lhe atribuir. A outra publicação, aquela que pelo jornal oficial se faz, não se confunde com aquela primeira. O acórdão cuja ementa e conclusões são enviados à imprensa já está previamente publicado, no sentido de que já é um ato público, um ato processual perfeito e acabado e, portanto, recorrível conforme as disposições legais pertinentes (recorrível pela via de embargos infringentes, recurso especial, extraordinário etc.).
E, conclui:
"Se tenho diante de mim uma sentença ou acórdão já juridicamente existente porque tornado público no processo, e se esse ato às vezes já é até capaz de produzir efeitos inconvenientes ao meu interesse, o recurso que interponho antes de ser intimado pela imprensa concorre para uma aceleração maior, vindo ao encontro do objetivo de aceleração concebido pelo legislador, não de encontro a ele. A coroar a presente demonstração, é pertinente invocar o sempre oportuno reclamo à lógica do razoável, da obra monumental de Luís Recaséns Siches, porque colide como o senso-comum a idéia de que a interposição de um recurso contra decisão já perfeitamente formalizada nos autos dependa sempre da formal intimação daquele que pretende recorrer. Quero ressaltar, com o prestigioso jurisfilósofo, que “la única proposición válida que puede emitirse sobre la interpretación es la de que el juez en todo caso debe interpretar la ley precisamente del modo que lleve a la conclusión más justa para resolver el problema que tenga planteado ante su jurisdicción”. É dever do juiz “interpretar essas leis de modo que o resultado da aplicação aos casos singulares produza a realização do maior grau de justiça” - porque, segundo diz ele próprio, a lógica do razoável é acima de tudo a lógica da justiça."[2]
Também Adriana Pereira Franco:
"Hoje, é perfeitamente possível conferir o conteúdo das decisões judiciais publicadas na Internet, sendo comum ao advogado tomar conhecimento do inteiro teor daquelas, mesmo antes de sua publicação no órgão oficial. (...) Ora, através do Sistema Push, disponibilizado no website dos próprios Tribunais, o advogado pode acompanhar via Internet o andamento processual dos feitos em que atua. Nesse contexto, quando se deixa de conhecer um recurso prematuramente interposto por considerá-lo intempestivo, em verdade, está-se negando a modernização do Poder Judiciário. O ilustre professor Hugo de Brito Machado aconselhar que, ao se analisar os prazos para a prática de atos processuais, é necessário levar em consideração a finalidade para a qual eles são estabelecidos, porquanto nem todos os prazos têm a mesma finalidade. Alguns se destinam a assegurar o andamento rápido do processo, enquanto outros visam garantir à parte o tempo necessário para exercitar a defesa de seus direitos, impedindo que certos atos sejam praticados antes do decurso desses prazos.Dessa forma, quando a lei determinar a distância mínima para evitar que o ato se pratique antes do vencimento do prazo, este diz-se dilatório (Ex.: prazo estipulado para comparecer em juízo, art. 192, CPC); mas quando ela estabelece a distância máxima durante a qual se pode praticar o ato, o prazo é aceleratório (Ex.: razos recursais). Pode-se afirmar que, em regra, os prazos mínimos são os dilatórios e os prazos máximos são aceleratórios. É possível distinguir, destarte, a existência de duas espécies de prazos com finalidades distintas, lição apregoada por Cândido Rangel Dinamarco, que na visão do professor Hugo de Brito pode também ser assim entendida:a) prazos impeditivos da prática imediata do ato, isto é, prazos cujo decurso é necessário para que o ato possa ser praticado; b) prazos preclusivos ou peremptórios, aqueles cujo decurso extingue o direito de praticar o ato.O prazo dito aceleratório destina-se a apressar a marcha do processo, impedindo que ele se eternize. Compreendendo-se a finalidade dos prazos, fica claro que a interposição de recurso antes do início do prazo não o torna intempestivo, posto ser o prazo recursal um prazo aceleratório (segundo classificação de Cândido Dinamarco; ou preclusivo/peremptório, na visão de Hugo de Brito). Se o ato pode ser praticado durante o decurso do prazo, e o término deste é que torna inadmissível o ato, então este poderá perfeitamente ser praticado antes do início do prazo. A interposição prematura do recurso, aliás, contribui para a rapidez no andamento do processo, o que tem sido sempre por todos reclamado. A rigor, é desnecessário aguardar a publicação do julgado na imprensa oficial para estabelecer o dies a quo do prazo recursal. Defender o contrário "seria negar a realidade da crescente evolução dos meios de comunicação que possibilitam às partes tomar ciência de atos processuais disponíveis via Internet."Como bem leciona o e. Ministro Humberto Gomes de Barros:"A publicação do acórdão não constitui ato-condição de sua existência. Ela é, simplesmente, a formalidade que marca o início do prazo recursal. A parte sucumbente pode antecipar-se a tal formalidade, manejando, antes dela, o recurso apropriado. Ignorar recurso interposto antes de publicado o acórdão seria inverter o sentido da velha máxima, dormientibus non succurrit jus. Seria proclamar que o Direito não socorre os diligentes".Da mesma forma, o advogado cearense Hugo de Brito Machado Segundo assegura que a interposição de recurso antes de publicada a decisão recorrida não é "fora do prazo", nem intempestiva. Em excelente estudo sobre o tema, o nobre articulista enumerou os seguintes motivos a favor da tempestividade recursal:a) O termo inicial do prazo para a interposição do recurso é a intimação da parte, ou seja, o momento no qual a parte toma ciência da decisão recorrida, sendo que a intimação torna-se induvidosa no momento em que é manejado o recurso. Afirma que a publicação é apenas uma forma de intimação, estabelecida para a segurança das partes e por isso não pode ser invocada em prejuízo das mesmas; b) O prazo para recorrer não é de natureza dilatória (antes do qual não se pode praticar o ato), mas sim de natureza aceleratória (depois do qual não se pode praticar o ato). Assim, a parte não está obrigada a interpor recurso, no mínimo, com a publicação da decisão respectiva. Está obrigada, tão-somente, a interpor recurso no máximo em 15 dias contados da publicação (em se tratando de recurso extraordinário, por exemplo). Por conta disso, pode manejá-lo tão logo disponha dos elementos materiais para a elaboração do recurso, quais sejam: o conhecimento de que a decisão ocorreu e os termos dessa decisão. c) Além de ser completamente irrazoável, considerar o recurso intempestivo em tais casos, implicaria impor às partes restrição ao seu direito de recorrer completamente inútil, desnecessária e desproporcional. (...) Não se pode ignorar os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da instrumentalidade do processo a pretexto de se conter recursos meramente protelatórios. Deve-se utilizar de outros meios, mais eficazes e menos gravosos, que não violem a garantia constitucional da jurisdição."[3]
Decisão acertadíssima da Suprema Corte, pois não faz nenhum sentido (do ponto de vista jurídico) que se puna com a pena da intempestividade e do não conhecimento do recurso, a parte que, de forma diligente, antecipou-se à publicação do acórdão.
Nem mesmo a preocupação manifestada pelo Ministro Ricardo Lewandowski é suficiente para não afastar o antigo entendimento, pois, se prejuízo houver, a parte que se antecipou é que com ele arcará.
[1] www.migalhas.com.br, acessado dia 14 de abril de 2005.
[2] www.migalhas.com.br, acessado dia 11 de maio de 2005.
[3] http://jus.com.br/artigos/6761/recurso-interposto-antes-da-publicacao-da-decisao-recorrida-e-intempestivo
Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da UNIFACS. Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela UNIFACS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOREIRA, Rômulo de Andrade. A questão da tempestividade do recurso interposto antes da publicação do acórdão Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 mar 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43527/a-questao-da-tempestividade-do-recurso-interposto-antes-da-publicacao-do-acordao. Acesso em: 23 dez 2024.
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