Resumo: O presente artigo tem como objetivo avaliar a evolução histórica pelo qual passou o sistema de aplicação da pena. Para tanto, faz-se uma análise crítica de cada sistema de aplicação de pena anteriormente utilizado até se chegar ao atual. Por fim, analisa-se o sistema bifásico e trifásico de cálculo da pena.
Palavras-chave: Sistema de Aplicação da Pena. Evolução Histórica. Sistema Trifásico.
1. INTRODUÇÃO
A pena se realiza através de três momentos sucessivos: cominação, aplicação e execução. Somente há aplicação de pena se o fato estiver previsto em lei como crime; havendo violação da norma legal, o magistrado aplica a pena cabível ao caso concreto; a pena aplicada entra em execução, submetendo-se o condenado ao tratamento penal.[1]
Segundo a Exposição de Motivos do Projeto Alternativo alemão, de 1966, a pena é tão-somente a amarga necessidade de uma sociedade de seres imperfeitos. Ela visa à proteção de bens jurídicos de particular valor.[2]
Interessante entender as fases pelas quais passou o sistema de aplicação da pena até chegar a fase atual.
2. DESENVOLVIMENTO
Na antiguidade, a pena era fixada de acordo com o arbítrio judicial, ou seja, a pena aplicada vinha totalmente da cabeça do juiz.[3] Em decorrência disso, aconteciam muitas injustiças e abusos, de tal sorte que acabavam por perseguir os mais fracos e a proteger às classes privilegiadas.[4]
Com o advento do Iluminismo, adotou-se um sistema totalmente oposto. O juiz somente poderia aplicar a pena prevista na lei para cada caso concreto. Tudo isso com o fito de se impedir abusos, imutabilidade e incerteza nas decisões judiciais.[5]
Todavia, tal critério também mostrou-se inadequado, pois não observava as circunstâncias que ocorreram os fatos nem levava em conta as peculiaridades do agente do crime.[6]
Por isso, a Escola Positiva começou a criticar a chamada pena dosimétrica, pena medida, matemática, que se prendia exclusivamente a gravidade objetiva do fato.
Vale dizer que o Código Penal francês, de 1791, cominava penas fixas, de tal maneira que a atividade do magistrado era puramente mecânica.[7]
A partir daí, então, passou-se a individualizar a pena, atentando-se as condições particulares do réu, sua individualização física, antropológica, moral.[8] Assim, concedeu-se ao juiz a atribuição de graduar a pena, de acordo com as peculiaridades do caso.[9]
Tal sistema é adotado por nosso Estatuto Repressivo, eis que se concede bastante discricionariedade ao juiz na fixação da pena, principalmente, na primeira fase da dosimetria.
No Brasil, de início, adotou-se o sistema de penas preestabelecidas, as quais possuíam graus fixados previamente na lei.[10] O denominado sistema de graus fazia com que os julgadores aplicassem quase que automaticamente as penas.
Em um primeiro sistema, abraçado pelo Código de 1830, a pena era determinada por três graus – máximo, médio e mínimo, fixados conforme as circunstâncias agravantes e atenuantes presentes, catalogadas na legislação e estritamente observadas. Em um segundo sistema, agasalhado pelo Código de 1890, além desses graus mencionados, admitiam-se mais dois intermediários, o sub-máximo e o sub-médio, tomados por média entre os primeiros.[11]
Como dito alhures, era um sistema que não levava em conta a pessoa do condenado, mas girava em torno de abstrações e cálculos matemáticos.
Foi no Código de 1940 que o Brasil adotou a dosagem da pena de acordo com o agente do delito e o mínimo e máximo cominado abstratamente para cada crime.[12]
O sistema da individualização da pena deixa ao julgador a difícil tarefa de apreciar o ilícito praticado, o criminoso e os extremos limites entre um mínimo e máximo previsto em cada tipo penal, para, assim, determinar o quantum da pena àquele infrator.[13]
Além disso, adota nosso atual Estatuto Repressivo o critério de fases para se proceder ao cálculo da pena.
No tocante às fases, divergia a doutrina quanto quais fases deveriam ser percorridas, tendo como seus protagonistas e simultaneamente adversários: Nélson Hungria e Roberto Lyra.
Para Roberto Lyra a forma de proceder ao cálculo deveria observar uma operação bifásica. Assim, abibitio, analisavam-se as circunstâncias judiciais do art. 42 (atual 59), com o escopo de se fixar a pena-base. Feito isto, incidiam todas as demais circunstâncias legais: agravantes, atenuantes, causas de aumento ou de diminuição.[14]
Por sua vez, Nélson Hungria defendia que a pena deveria passar por um procedimento trifásico. Desta feita, deveria o juiz analisar, primeiramente, as circunstâncias judiciais previstas, hoje, no art. 59 do CP, para a posteriori levar em consideração as circunstâncias agravantes e atenuantes e, por derradeiro, verificar as causas de aumento e de diminuição, sejam previstas na Parte Geral, sejam na Parte Especial.[15]
A Reforma Penal da parte geral pôs fim a divergência, pois seguiu o pensamento de Hungria e estatuiu o procedimento trifásico.
Importante registrar que foram proferidas críticas tanto ao procedimento bifásico como ao procedimento trifásico.
No que se refere ao método bifásico, critica-se o fato de que, misturando-se todas as circunstâncias legais na segunda fase, aumenta-se o grau de incerteza na fixação da pena.[16]
Quanto ao método trifásico, critica-se a possibilidade de o magistrado levar em consideração duas vezes a mesma circunstância. É o caso de o agende cometer o delito por motivo torpe. O juiz, na fixação da pena-base, teria de levar em conta o motivo (artigo 59, caput, do Estatuto Repressivo). Após, na segunda fase, também deveria considerar outra vez o mesmo motivo, por força do disposto no artigo 61, inciso II, alínea a, do Código Penal, pois as circunstâncias agravantes são obrigatoriais.[17]
Contudo, pelo princípio do ne bis in idem, não pode o juiz considerar a mesma circunstância em mais de uma fase.
3. CONCLUSÃO
Destarte, os sistemas anteriormente estabelecidos para aplicação da pena eram ou arbitrários ou reduziam o juiz a mero matemático, não levando em consideração a pessoa do condenado e as peculiaridades do crime.
Com a evolução do sistema de aplicação da pena, hoje adota-se o sistema trifásico, o qual atende melhor a individualização da sanção penal, pois pormenoriza e detalha as fases percorridas, divide cada circunstância judicial/legal e causa de aumento e diminuição da pena, o que leva a uma maior fundamentação no decreto condenatório.
O sistema de individualização da pena deixa ao julgador a difícil tarefa de apreciar o crime praticado, o criminoso e os extremos limites entre um mínimo e máximo previsto em cada tipo penal.
REFERÊNCIAS
- BRUNO. Anibal. Direito penal: parte geral. 3. ed. São Paulo: Editora Forense, 1967.
- FRAGOSO. Heleno Cláudio. Lições de direito penal: a nova parte geral. 14. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 1992.
- GARCIA. Basileu. Instituições de direito penal. 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 1956. v. 1. Tomo II.
- JESUS. Damásio E. de. Direito penal: parte geral. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 1991.
- LISZT. Franz Von. Tratado de direito penal alemão. Campinas: Russell Editores, 2003.
- MIRABETE. Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2006.
- SHECAIRA. Sérgio Salomão; CORRÊA JUNIOR. Alceu. Pena e constituição: aspectos relevantes para sua aplicação e execução. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995.
- SIQUEIRA. Galdino. Tratado de direito penal. 2. ed. Rio de Janeiro: José Konfino, 1950. Tomo II.
[1] BRUNO. Anibal. Direito penal: parte geral. 3. ed. São Paulo: Editora Forense, 1967. p. 101.
[2] FRAGOSO. Heleno Cláudio. Lições de direito penal: a nova parte geral. 14. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 1992. p. 277.
[3] MIRABETE. Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 23. Ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 297.
[4] GARCIA. Basileu. Instituições de direito penal. 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 1956. v. 1. Tomo II. p. 461-463.
[5] GARCIA. Basileu. Instituições de direito penal. 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 1956. v. 1. Tomo II. p. 461-463.
[6] MIRABETE. Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 23. Ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 297.
[7][7] FRAGOSO. Heleno Cláudio. Lições de direito penal: a nova parte geral. 14. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 1992. p. 319-321..
[8] GARCIA. Basileu. Instituições de direito penal. 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 1956. v. 1. Tomo II. p. 461-463.
[9] LISZT. Franz von. Tratado de direito penal alemão. 1. Ed. Campinas: Russell Editores, 2003. p. 405.
[10] MIRABETE. Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 23. Ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 297.
[11] SIQUEIRA. Galdino. Tratado de direito penal. 2. Ed. Rio de Janeiro: José Konfino, 1950. Tomo II. p. 747-749.
[12] MIRABETE. Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 297.
[13] SIQUEIRA. Galdino. Tratado de direito penal. 2. Ed. Rio de Janeiro: José Konfino, 1950. Tomo II. p. 747-749.
[14] SHECAIRA. Sérgio Salomão; CORRÊA JUNIOR. Alceu. Pena e constituição: aspectos relevantes para sua aplicação e execução. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995. p. 174-175.
[15] SHECAIRA. Sérgio Salomão; CORRÊA JUNIOR. Alceu. Pena e constituição: aspectos relevantes para sua aplicação e execução. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995. p. 174-175.
[16] SHECAIRA. Sérgio Salomão; CORRÊA JUNIOR. Alceu. Teoria da pena: finalidades, direito positivo, jurisprudência e outros estudos de ciência criminal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 275.
[17] JESUS. Damásio E. de. Direito penal: parte geral. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 510-511.
Defensora Pública do Estado de Santa Catarina. Graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRAUN, Raquel Paioli. A evolução histórica do sistema de aplicação da pena Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 mar 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43550/a-evolucao-historica-do-sistema-de-aplicacao-da-pena. Acesso em: 23 dez 2024.
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