Resumo: O presente artigo pretende analisar e apontar as principais características do princípio da insignificância, também conhecido como princípio da bagatela, dentro do contexto do Direito Penal. Para isso utilizar-se-á ampla gama de conceituação de termos chaves para o tema. Será feita análise de preceitos e institutos fundamentais como princípios, a função dos mesmos e dentro do Direito Penal, intentando explanar os principais elementos e razões da temática em questão.
Palavras-chave: Princípios; Insignificância; Bagatela.
Sumário: Introdução; 1. Do princípio da insignificância: origem e conceito; 2. Da aplicação do princípio da insignificância; 3. Conclusão; Referências Bibliográficas.
Introdução
Sendo um tema que vem ganhando destaque nas discussões jurídicas atuais, frente à relevância social que tem desempenhado ao ser recorrentemente empregado como tese de defesa na seara criminal.
Faz-se vital esclarecer o sentido de “princípio”, inserido no contexto do Direito, tarefa essa ajudada pela definição de Reale[1]:
"Verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos ordenados em um sistema de conceitos relativos a dada porção da realidade. Às vezes, também se denominam princípios, certas proposições que, apesar de não serem evidentes ou resultantes de evidências, são assumidas como fundantes de validez de um sistema particular de conhecimentos, como seus pressupostos necessários”.
Em complementar linha de raciocínio preleciona Mello[2], conceituando princípios como sendo:
“Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica a e racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a Tonica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo”.
Por sua vez, versa Nucci[3]:
“Os princípios são normas com elevado grau de generalidade, passível de envolver várias situações e resolver diversos problemas, no tocante à aplicação de normas de alcance limitado ou estreito”.
Notamos, portanto, que, os princípios são normas, de caráter genérico, que dão norte ao ordenamento jurídico, dando direção à aplicação ou criação de novos enunciados legislativos.
Uma das características mais notórias dos princípios é a independência de prescrição legal para a sua existência, conforme afirma Sundfeld[4]:
“Os princípios jurídicos tem em si valor normativo; constituem a própria realidade jurídica. Em relação à ciência do direito, constituem seu objeto. Existem independentemente de sua formulação; são aplicáveis ainda que a ciência os desconheça. A missão da ciência com relação aos mesmos não é outra senão a de sua apreensão. E a ciência será mais ou menos perfeita, segundo logre ou não sua determinação. Porque se o ordenamento jurídico constitui o objeto da ciência do direito positivo, esse conhecimento não será completo enquanto não se alcance a determinação dos princípios que o informam.
Passa-se a discorrer especificamente sobre o “Princípio da Insignificância”.
1. Do princípio da insignificância: origem e conceito
Inexiste um consenso quanto à origem do princípio da insignificância, também conhecido como princípio da bagatela, sendo a teoria de que ele tenha nascido do Direito Romano, com raízes na máxima mínima non curat praetor, que afirmava que ao Direito não cabia a análise de questões que não importavam significativa relevância no meio social, uma das mais aceitas pelos estudiosos.
Com relação à expressão latina mínima non curat praetor, explica Rebêlo[5]:
“A mencionada máxima jurídica, anônima, da Idade Média, eventualmente usada na forma minimis non curat praetor, significa que um magistrado (sentido de praetor em latim medieval) deve desprezar os casos insignificantes para cuidar das questões realmente inadiáveis”.
A crítica a essa hipótese nasce do fato que, à época da criação e aplicação no Direito Romano, o princípio da bagatela tinha a intenção tão somente de justificar e mascarar a grande inércia estatal.
Outra vertente aponta o Direito Alemão como responsável pelo princípio da insignificância tal como conhece-se nos tempos atuais, tendo se originado durante a Primeira Grande Guerra e, se aperfeiçoado durante a Segunda Guerra Mundial, uma vez que, durante esses episódios o números de pequenos furtos cresceu de maneira considerável, tornando-se inviável ao Judiciário ocupar-se com os mesmo, devido ao seu ínfimo potencial ofensivo.
A natureza patrimonial é o que caracteriza e constitui o princípio da insignificância, uma vez que, o dano causado ao patrimônio de outrem é mínimo o suficiente pra dispensar a tutela das normas penais.
O princípio da bagatela não dispõe de definição dada por lei ou códice brasileiro, tendo definição tão somente doutrinária e jurisprudencial construída ao longo dos anos.
Em razão dessa lacuna legal a tarefa de conceituar o princípio da insignificância mostra-se de considerável grau de dificuldade, contanto com o esforços de grandes juristas para ser alcançada, juristas como Mañas[6], que conceitua o referido princípio da seguinte maneira:
“O princípio da insignificância, portanto, pode ser definido como instrumento de interpretação restritiva, fundado na concepção material do tipo penal, por intermédio do qual é possível alcançar, pela via judicial e sem macular a segurança jurídica do pensamento sistemático, a proposição políticocriminal da necessidade de descriminalização de condutas que, embora formalmente típicas, não atingem de forma socialmente relevante os bens jurídicos protegidos pelo direito penal”.
Preleciona Ackel Filho[7]:
“O princípio da insignificância pode ser conceituado como aquele que permite infirmar a tipicidade de fatos que, por sua inexpressividade, constituem ações de bagatela, despidas de reprovabilidade, de modo a não merecerem valoração da norma penal, exsurgindo, pois, como irrelevantes. A tais ações, falta o juízo de censura penal”.
Esclarece-nos Gomes[8] quanto ao que pode ser considerado como infração bagatelar:
“Conceito de infração bagatelar: infração bagatelar ou delito de bagatela ou crime insignificante expressa o fato de ninharia, de pouca relevância (ou seja: insignificante). Em outras palavras, é uma conduta ou um ataque ao bem jurídico tão irrelevante que não requer a (ou não necessita da) intervenção penal. Resulta desproporcional a intervenção penal nesse caso. O fato insignificante, destarte, deve ficar reservado para outras áreas do Direito (civil, administrativo, trabalhista etc.). Não se justifica a incidência do Direito Penal (com todas as suas pesadas armas sancionatórias) sobre o fato verdadeiramente insignificante”.
O princípio da insignificância guarda estreita relação com outros princípios de Direito Penal, como o princípio da igualdade, o princípio da liberdade, o princípio da razoabilidade, o princípio da intervenção mínima, entre outros.
2. Da aplicação do princípio da insignificância
A teoria do crime adotada pelo Código Penal Brasileiro é a Teoria Tripartida que, para constatar a ocorrência ou não de um crime analisa três elementos: tipicidade, ilicitude e culpabilidade.
O princípio da insignificância ataca o elemento da tipicidade material do crime.
Por tipicidade material entende-se a análise do fato antijurídico sob três óticas: a da reprovação da conduta, a lesão ao bem jurídico tutelado e a imputação do resultado.
Uma vez que, a infração bagatelar não lesa de maneira efetiva ao ponto de carecer da rigorosa intervenção do Direito Penal resta superado um dos elementos constitutivos da tipicidade material, acarretando a atipicidade do fato.
O que possibilita a aplicação do princípio da bagatela em pequenas infrações patrimoniais é a falta da lesão real do bem jurídico penalmente tutelado, que culmina na atipicidade material do mesmo, conforme defende Lopes[9]:
“O princípio da insignificância se ajusta à equidade e correta interpretação do Direito. Por aquela acolhe-se um sentimento de justiça, inspirado nos valores vigentes em uma sociedade, liberando-se o agente, cuja ação, por sua inexpressividade, não chega a atentar contra os valores tutelados pelo Direito Penal. Por esta, se exige uma hermenêutica mais condizente do Direito, que não pode se ater a critérios inflexíveis de exegese, sob pena de se desvirtuar o sentido da própria norma e conduzir a graves injustiças”.
Os critérios de análise utilizados para a aplicação do princípio da insignificância pelo Supremo Tribunal Federal e Supremo Tribunal de Justiça, são principalmente quatro, conforme elenca Coimbra[10]:
“1 - A mínima ofensividade da conduta - o agente deve atuar de maneira inofensiva, a conduta deve ser incapaz de causar ofensa a integridade física ou moral da vítima e/ou da sociedade;
2 - A nenhuma periculosidade da conduta - a atuação do agente deve ser de forma que não acarrete em perigo para os demais, sem violência ou grave ameaça;
3 - O reduzidíssimo grau de reprovabilidade da conduta - a insignificância só deve ser aplicada nos casos de crimes irrelevantes, que não causam repugnância na sociedade, crimes cuja reprovação seja mínima em virtude de sua infimidade;
4 - A inexpressividade da lesão ou do perigo de lesão causado no bem jurídico tutelado (é a essência do princípio) - a lesão ou o perigo de lesão causado deve ser inexpressivo o suficiente para não causar prejuízos à vítima e/ou à sociedade”.
Conclusão
De inquestionável valor social o princípio da insignificância vem sendo reiteradamente confirmado pelos Tribunais do Brasil, visando afastar as pesadas punições do Direito Penal para àqueles que, com condutas antijurídicas, não lesaram efetivamente bem juridicamente tutelado.
Não dispondo de definição legal dentro do Direito Brasileiro, a jurisprudência e os doutrinadores encarregaram-se de conceituar o princípio da bagatela, a fim de dar maior clareza quanto ao seu conteúdo e aplicação.
A aplicação do referido princípio condiz com inúmeros princípios que integram o Direito Penal, servindo como ferramenta para o desafogamento do sistema judiciário, para que este encarregue-se de crimes cujo potencial lesivo afetem verdadeiramente a sociedade.
Referências bibliográficas
ACKEL FILHO, Diomar. O princípio da insignificância no direito penal. Revista de jurisprudência do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, v. 94, p. 72-77, abr-jun. 1988 apud Maurício Antonio Ribeiro Lopes. Princípio da Insignificância no direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2000.
COIMBRA, Taciane Aparecida. Princípio da insignificância no direito penal brasileiro. Disponível em < www.unipac.br/site/bb/tcc/tcc-2c8c4f165ec63b87ab216c545f7e7f6a.pdf > Acesso em 15 mar. 2015.
GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Princípio da Insignificância no direito penal: análise a luz da lei 9.099/95: juizados especiais criminais, lei 9.053/97, Código de Transito Brasileiro e da jurisprudência atual. 2ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.
MAÑAS, Carlos Vico. O princípio da insignificância como excludente de tipicidade no direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994.
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros. 1999.
NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios Constitucionais Penais e Processuais Penais. 1 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
REALE, Miguel. Lições Preliminares de direito. São Paulo: Saraiva. 1998.
REBÊLO, José Henrique Guaracy. Princípio da Insignificância: Interpretação jurisprudencial. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.
[1] REALE, Miguel. Lições Preliminares de direito. São Paulo: Saraiva. 1998. p. 305.
[2] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros. 1999. p. 545-546.
[3] NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios Constitucionais Penais e Processuais Penais. 1 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 35.
[4] SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. São Paulo: Malheiros. 2002. p.143.
[5] REBÊLO, José Henrique Guaracy. Princípio da Insignificância: Interpretação jurisprudencial. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 31. apud SILVA, op. cit., p. 93.
[6] MAÑAS, Carlos Vico. O princípio da insignificância como excludente de tipicidade no direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994. p.55. apud SILVA, op. cit., p.100.
[7] ACKEL FILHO, Diomar. O princípio da insignificância no direito penal. Revista de jurisprudência do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, v. 94, p. 72-77, abr-jun. 1988 apud Maurício Antonio Ribeiro Lopes. Princípio da Insignificância no direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2000. p. 51.
[8] GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. v. 1, p.15.
[9] LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Princípio da Insignificância no direito penal: análise a luz da lei 9.099/95: juizados especiais criminais, lei 9.053/97, Código de Transito Brasileiro e da jurisprudência atual. 2ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.
[10] COIMBRA, Taciane Aparecida. Princípio da insignificância no direito penal brasileiro. Disponível em < www.unipac.br/site/bb/tcc/tcc-2c8c4f165ec63b87ab216c545f7e7f6a.pdf > Acesso em 15 mar. 2015.
Advogada e pós-graduanda em Direito no Complexo Educacional Damásio de Jesus.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROSA, Rafaela Miareli. O princípio da insignificância no Direito Penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 mar 2015, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43672/o-principio-da-insignificancia-no-direito-penal. Acesso em: 23 dez 2024.
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