RESUMO: No contexto mundial os contratos sempre foram tutelados juridicamente. Ocorre que com o surgimento, expansão, popularização da acessibilidade e o uso da internet para fins comerciais, novos tipos de contratações foram sendo desenvolvidas, originando assim o instituto dos contratos de consumo eletrônicos. Apesar de o Direito brasileiro sempre ter buscado atribuir tutela jurídica aos contratos, a velocidade com que se deram os avanços da informática e o crescimento vertiginoso ao acesso à Internet fez com que o nosso ordenamento não conseguisse acompanhar tal evolução, ensejando assim o surgimento de lacunas normativas, restando demonstrada a insuficiência dos esquemas tradicionais de regulação. Diante da ausência de um diploma legal pertinente às transações realizadas no âmbito virtual, o estudo das regras normativas a serem aplicadas a contratação eletrônica e da necessidade da criação de normatização específica para tutelar o instituto, figura como o objetivo principal dessa monografia, tendo em vista a proteção jurídica dos consumidores diante dos possíveis riscos gerados pela tecnologia. Como o objeto desse estudo é o contrato de consumo não há como ignorar a relevância do Código de Defesa do Consumidor como instrumento legal apto a garantir relações sociais mais equilibradas. Espera-se, portanto, que esse trabalho possa ser uma contribuição válida ao estudo e à prática, ensejando a verificação da tutela existente no ordenamento jurídico brasileiro acerca dos contratos de consumo eletrônicos, uma vez que a defesa do consumidor, alicerçado no princípio da dignidade da pessoa humana, foi elevada na Constituição Federal à condição de direito fundamental, não podendo ser alvo de vulnerabilidade.
Palvras-chave: Contrato eletrônico. Contratante. Consumidor.
ABSTRACT: In a worldwide scenario the contracts have always been under the law’s custody but after the internet has became popular and its usage with commercial purposes has also increased, a wide range of new legal agreements has been developed creating a new type of contract specific for electronic consumption. Despite the fact contracts have always been under the custody of Brazilian laws, the rapid growth of technology and internet access placed the Brazilian jurists in a unpleasant situation in which they are not ready and/or skilled enough to walk along with all those changes and lead us to observe there are some gaps needed to be filled in Brazilian legislation. The fact there is no legal bachelor`s degree specific on virtual environment leads us to study a legislation that could be applied in this new contracts field in order to keep them under the custody of laws. This becomes the main subject of this monograph focused on avoiding consumers from risks created by the new type of contracts. Once the main focus on this study is the consumers` contract it’s imperative that the consumer`s specific Brazilian legislation is taken into consideration as a legal tool designed to keep balanced social relationships. Therefore this monograph is expected to sum up as a contribution to the study and usage of the Brazilian laws focused on contracts regarding electronic consumptions once the Brazilian specific legislation to protect consumers has been taken to a level of constitutional right and because of this it cannot be vulnerable.
Key words: Eletronic contract, contracting party, consumer.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 DA NOÇÃO DE CONTRATO EM GERAL E NUANCES DA NOÇÃO DE CONTRATO DE CONSUMO ELETRÔNICO. 2.1 Conceito de contrato. 2.2 Princípios fundamentais do direito contratual. 2.2.1 Boa-fé. 2.2.2 Autonomia da vontade. 2.2.3 Consensualismo. 2.2.4 Relatividade dos efeitos. 2.2.5 Obrigatoriedade. 2.3. Condições de validade dos contratos. 2.3.1 Subjetivos. 2.3.1.1 Inexistência de manifestação de vontade. 2.3.1.2 Capacidade genérica dos contraentes. 2.3.1.3 Aptidão específica para contratar. 2.3.1.4 Consentimento das partes contratantes. 2.3.2 Objetivos. 2.3.2.1 Licitude do objeto. 2.3.2.2 Possibilidade física ou jurídica do objeto. 2.3.2.3 Determinação de seu objeto. 2.3.3 Formais. 2.4 Formação do contrato. 2.4.1 Fase de puntuação. 2.4.2 Proposta de contratar. 2.4.3 Aceitação. 2.4.4 Local de formação. 2.5 Proteção do consumidor em face da nova realidade contratual. 3. DOS CONTRATOS DE CONSUMO ELETRÔNICOS. 3.1 Princípios da contratação eletrônica. 3.1.1 Princípio da equivalência funcional dos contratos realizados em meio eletrônicos com os contratos realizados por meios tradicionais. 3.1.2 Princípio da neutralidade e da perenidade das normas reguladoras do ambiente digital. 3.1.3 Princípio da conservação e aplicação das normas jurídicas existentes aos contratos eletrônicos. 3.2 Classificação dos contratos eletrônicos. 3.2.1 Contratos eletrônicos intersistêmicos. 3.2.2 Contratos eletrônicos interpessoais. 3.2.3 Contratos eletrônicos interativos. 3.3 Elementos de validade dos contratos eletrônicos. 3.3.1 Elementos subjetivos. 3.3.1.1 Capacidade das partes. 3.3.1.2 Manifestação de vontade. 3.3.2 Elementos objetivos. 3.3.3 Elementos formais. 4 DA AUSÊNCIA DE LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA ACERCA DA CONTRATAÇÃO ELETRÔNICA. 4.1 Meios jurídicos aplicados na resolução de conflitos envolvendo os contratos eletrônicos. 4.2 Da necessidade da elaboração de lei que complemente a abordagem dos contratos de consumo eletrônicos no ordenamento jurídico brasileiro. 5 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
A atual conjuntura da economia brasileira apresenta uma grande alteração no foco das transações comerciais. O comércio mundial eletrônico vem ganhando espaço na dinâmica comercial contemporânea, transformando-se num mercado mundial de proporções gigantescas.
O universo contratual sempre foi alvo de tutela jurídica. Contudo, com o surgimento, expansão, popularização da acessibilidade e o uso da internet para fins comerciais, novos tipos de contratações foram sendo desenvolvidas, originando assim o instituto dos contratos eletrônicos.
As transações contratuais eletrônicas no Brasil movimentam bilhões de reais, merecendo então um estudo aprofundado acerca das normas de contratos em geral que possam ser aplicadas aos contratos eletrônicos e da necessidade de se elaborar uma normatização que complemente a tutela jurídica já existente para tratar do tema em questão. Conferindo assim uma maior segurança à contratação eletrônica e um crescimento de forma sustentável e equilibrado do comércio eletrônico.
A maioria dos contratos realizados virtualmente, desde que contenham os elementos da relação jurídica de consumo, são considerados contratos de consumo, tutelados pelas normas e princípios de proteção e defesa do consumidor.
Apesar de o Direito brasileiro sempre ter buscado atribuir tutela jurídica aos contratos, a velocidade com que se deram os avanços da informática e o crescimento vertiginoso ao acesso à Internet fez com que o nosso ordenamento não conseguisse acompanhar tal evolução, ensejando assim o surgimento de lacunas normativas, restando demonstrada a insuficiência dos esquemas tradicionais de regulação.
O Direito diante de uma situação fática sem legislação compatível com o comércio de bens via computadores e similares, tenta adequá-la à legislação já existente e aos costumes, verificando se determinada prática está em consonância com o nosso modelo jurídico vigente, objetivando a proteção jurídica dos cidadãos diante dos possíveis riscos gerados pela tecnologia.
Atualmente, as transações eletrônicas são regidas por um emaranhado de diversos aspectos, abrangendo jurisprudências, analogias – quando seu uso for cabível –, inúmeras instruções normativas, e logicamente o Código Civil, o Código de Processo Civil e o Código do Consumidor. Ocorre que essa inexistência, e muitas vezes o desencontro dessa normatização legal fomenta a insegurança jurídica que ronda o comercio eletrônico, gerando maiores custos para essa atividade, e oportunizando o seu retardamento.
Diante de uma situação fática tão peculiar, deve ser invocado o bom senso na resolução dos problemas relativos à matéria, prezando pela adaptação das normas jurídicas existentes e pela elaboração de um diploma legal que atenda as particularidades do contrato em tela.
A regulamentação das transações contratuais eletrônicas, trazendo à Internet maior segurança e eficácia para a prática das contratações eletrônicas no modelo trazido pela informatização, ensejaria o incentivo à presença de mais e maiores investimentos desse setor à economia, atribuindo uma imagem de maior segurança e por conseqüência de menor vulnerabilidade das responsabilidades atreladas a tais relações.
A Constituição Federal, ao tratar dos direitos e garantias fundamentais, em seu art. 5º, XXXII, preceitua que: “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. Esta determinação está alicerçada no princípio da dignidade da pessoa humana e calca-se nos direitos humanos fundamentais, a proteção atribuída pelo Estado ao consumidor é fruto de uma lei ordinária, o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), que se utilizando da interpretação analógica pode ser aplicada nas relações contratuais eletrônicas.
Perante a Comissão Especial de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados tramitam vários projetos acerca das relações de contratos eletrônicos, como por exemplo, o PL 4.906/01, seu substitutivo o PL 1.483/99 e os apensos PL’s 1.589/99, 6.965/02 e 7.093/02. O legislador no momento da elaboração dessa legislação irá se deparar com alguns desafios, ocorrendo estes quando da abordagem de questões de nível técnico, com a dificuldade de previsão das condutas que devem ser tratadas para que a lei não se torne insipiente diante da constante evolução tecnológica e também quando da ponderação dos valores a serem tutelados em detrimento de outros que preservem a segurança jurídica das relações contratuais eletrônicas.
Diante da ausência de um diploma legal pertinente às transações realizadas no âmbito virtual, faz necessário vislumbrar o estudo das regras normativas a serem aplicadas a contratação eletrônica e da necessidade da criação de normatização que aborde com maior amplitude os possíveis motivos de suscitação de lacunas de normas jurídicas quando da abordagem dos contratos via internet. Desse modo, restará claro a indispensabilidade da elaboração de um diploma legal específico que complemente a legislação aplicável a contratação em geral.
Este artigo contribui para a compilação de informações acerca do tema e ensejará o esclarecimento de dúvidas quando da aplicação das regras normativas existentes no ordenamento jurídico pátrio e trará à baila a indispensabilidade ou não da abordagem do tema de maneira mais exaustiva por parte da legislação brasileira, ensejando a proteção jurídica dos cidadãos diante dos possíveis riscos ocasionados pela tecnologia atrelada a tais tipos de contratos, gerando uma maior segurança nas relações contratuais eletrônicas.
2 DA NOÇÃO DE CONTRATO EM GERAL E NUANCES DA NOÇÃO DE CONTRATO DE CONSUMO ELETRÔNICO
2.1 CONCEITO DE CONTRATO
O contrato consiste em um instrumento indispensável do universo negocial resultante de um negócio jurídico formado por um encontro de vontades contrapostas das partes contraentes, com o escopo de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos, desde que tal vínculo jurídico esteja em conformidade com a lei.
De acordo com o conceito exposto depreende-se que o contrato gera norma jurídica individual, pelo fato de que as partes envolvidas acordam as obrigações e os direitos apenas para os contratantes, e excepcionalmente a pessoa que não participou da realização do negócio jurídico, que é o caso do denominado contrato em favor de terceiro.
A norma em questão estabelece a conduta ideal observada pelos contraentes, cujo comportamento em sentido oposto irá pressupor uma sanção imposta por norma jurídica geral. Restando claro que a norma jurídica negocialmente elaborada não constituirá norma jurídica autônoma capaz de estatuir sanções.
Segundo Pablo Stolze o contrato consiste em
um negócio jurídico por meio do qual as partes declarantes, limitadas pelos princípios da função social e da boa-fé objetiva, autodisciplinam os efeitos patrimoniais que pretendem atingir, segundo a autonomia das suas próprias vontades. (STOLZE, 2008, p.11).
Assevera Maria Helena Diniz (1997, p. 23) que “o contrato constitui uma espécie de negócio jurídico, de natureza bilateral ou plurilateral, dependendo, para a sua formação, do encontro da vontade das partes, por ser ato regulamentador de interesses privados”.
De acordo com Orlando Gomes (1999, p. 6) “é um acordo de vontades por meio do qual as pessoas formam um vinculo jurídico a que se prendem”.
Segundo preceitua Caio Mario (2008) é “um acordo de vontades, na conformidade da lei, e com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos”.
“É ato jurídico vinculante, que criará ou modificará direitos e obrigações para as partes contraentes, sendo tanto o tato como os seus efeitos permitidos e, em princípio, protegidos pelo direito”. (MARQUES, 2002, p.38).
Fazendo a análise dos conceitos atribuídos pelos renomados autores acima citados, convém estabelecer que a noção de contrato contém dois elementos, sendo estes: o estrutural e o funcional.
O elemento estrutural diz respeito à união de duas ou mais vontades contrapostas vinculantes em relação aos contraentes, determinando que se comportem de forma idônea para que satisfaçam os interesses objetivados pela avença, de forma que não há a possibilidade de haver alteração unilateral do que foi acordado. Valendo ressaltar que excepcionalmente será admitido em nosso ordenamento jurídico o autocontrato, desde que apenas uma pessoa possa representar ambas as partes. Já o elemento funcional refere-se a função econômica específica do contrato, ou seja, o objetivo almejado quando da formação daquele.
Em se tratando do conceito de contratação eletrônica é notória a falta de consenso existente na doutrina. Encontra-se divergência até mesmo no que tange à designação apropriada para os contratos firmados em ambiente digital, podendo ser denominados de contratos virtuais, telemáticos, eletrônicos, por exemplo. Destacando-se que esta última expressão é a mais difundida não apenas no âmbito brasileiro, como também na comunidade internacional.
Há uma corrente que atrela a conceituação de contrato eletrônico à idéia de que é a realizada por meio de computador. Havendo também uma corrente em sentido de cunho mais amplo que determina que o uso de qualquer meio de telecomunicação é suficiente para caracterizar a realização de uma contratação eletrônica. Posição esta defendida por Oliver Iteanu quando expõe seu entendimento acerca do conceito do contrato eletrônico como sendo: “o encontro de uma oferta de bens ou serviços que se exprime de modo audiovisual através de uma rede internacional de telecomunicações e de uma aceitação suscetível de manifestar-se por meio da interatividade” (ITEANU apud LEAL, 2007, p. 78).
O estimado autor Flúvio Cardinelle Oliveira Garcia posiciona-se contrariamente a denominação de contrato eletrônico advertindo que a expressão mais correta a ser utilizada é contratos por meio de informática:
Trata-se de analisar contratos usuais no meio jurídico, que são aperfeiçoados mediante o concurso da informática. Dessa forma, se apresenta imprópria a denominação de contratos eletrônicos, pois o contrato pode ser de compra e venda, de prestação de serviço, de cessão de uso etc., e o fato de serem realizados por meio eletrônico não lhes retiram as características que lhes dão nome e classificação. Igualmente não se pode falar em contratos por computador, pois o hardware simplesmente dá base para operacionalizar o software, sendo que este, sim, vai oferecer o ambiente para o aperfeiçoamento do contrato. De qualquer forma, ambos, hardware e software integram o conceito mais amplo de informática. Abandona-se, por fim, a opção por contratos on-line, pois a informática também permite a contratação off-line, sem contudo deixar de ser um método informatizado para realização do contrato (GARCIA, 2004).
Contudo, a doutrina majoritária adota o termo contrato eletrônico tendo em vista que a justificativa acima mencionada reveste-se de mera diferenciação de natureza técnica, que se distanciam do objetivado pelas ciências jurídicas tendo relevância apenas no que tange as ciências informáticas.
O contrato eletrônico configura-se como um negócio jurídico bilateral que se forma por meio de uma manifestação de vontade eletronicamente consentida. Nesse sentido:
Ainda que sucintamente os contratos eletrônicos podem ser definidos como instrumentos obrigacionais de veiculação digital, são todas as espécies de signos eletrônicos transmitidos pela Internet que permitem a determinação de deveres e obrigações jurídicos (WIELEWICK apud LEAL, 2007, p. 78-79).
Faz-se necessário ressaltar a diferença existente entre contratos eletrônicos e contratos derivados da informática ou informáticos, sendo estes caracterizados pelo fato de o objeto de seus contratos serem bens ou serviços voltados à ciência da computação, ao mundo digital, como por exemplo os contratos de hot-sites e de criação e veiculação de anúncios publicitários em Internet.
Para Ronaldo Alves de Andrade, citado por André Oliveira, o contrato eletrônico
na maioria das vezes configurará uma relação de consumo, definida como business to consumer ou “b2c”, até porque, a maior parte dos contratos eletrônicos envolve compra e venda de mercadoria ou prestação de serviço. Quando o contrato eletrônico trouxer em seu bojo uma relação de consumo, ela será regida pelo Código de Defesa do Consumidor, de maneira que o contrato será formado, interpretado e executado segundo as normas do aludido micro-sistema (DE ANDRADE apud OLIVEIRA, 2008).
Compreendendo o sentido que denota a expressão “contrato eletrônico”, para que se entenda o que significa a expressão “contrato de consumo eletrônico”, basta que aliado aos requisitos necessários para a configuração de uma contrato, se façam presentes os três elementos formadores da relação jurídica de consumo, a saber : o subjetivo, o objetivo e o finalístico.
Segundo Roberta Densa:
Por elemento subjetivo devemos entender as partes envolvidas na relação jurídica, ou seja, o consumidor e o fornecedor. Já por elemento objetivo devemos entender o objeto sobre o qual recai a relação jurídica, sendo certo que, para a relação de consumo, este elemento é denominado produto ou serviço. O elemento finalístico traduz a idéia de que o consumidor deve adquirir ou utilizar o produto ou serviço como destinatário final (DENSA, 2009, p. 7).
Em se tratando do conceito de consumidor aduz o art.2º do Código de Defesa do Consumidor, que toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final assim pode ser considerado. Já o art.3º do CDC determina que fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Sendo assim, depreende-se que o contrato de consumo eletrônico, nada mais é que um contrato firmado por meio de consentimento garantido eletronicamente, em que o objeto contratual em questão envolve uma relação de consumo.
2.2 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO CONTRATUAL
De acordo com Eugênio Kruchewsky:
Os princípios são normas estruturantes, sobre as quais se assenta e se alicerça determinado sistema. São responsáveis por conferir ao sistema que informam perfil, caráter e identidade. Não é diferente em um sistema jurídico, cujo arcabouço e espírito são na sua mor parte, esculpidos pela força criadora dos princípios (KRUCHEWSKY, 2006, p. 9).
Desse modo, o estudo dos princípios visando à formação de uma teoria geral com aplicabilidade indistinta ao sistema em que atuam dará início a um entendimento sólido acerca do tema em questão.
Os princípios fundamentais que regem o direito contratual são os: da boa-fé, da autonomia da vontade, do consensualismo, da relatividade dos efeitos e da obrigatoriedade.
2.2.1 BOA-FÉ
Encontra-se previsto no art. 422 do Código Civil, aduzindo que: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
Exigindo assim, que as partes possuam conduta idônea não apenas durante as tratativas, como também durante a formação e a fase de cumprimento do contrato.
Esta previsão legal reporta-se ao que se denomina boa-fé objetiva, pois o intérprete considera como os aspectos sociais envolvidos no caso concreto, partindo de um padrão de conduta comum, de um homem médio.
Desta forma, conforme explicita Pablo Stolze: “Assim, em uma dada relação jurídica, presente o imperativo dessa espécie de boa-fé, as partes devem guardar entre si a lealdade e o respeito que se esperam do homem comum” (STOLZE, 2008, p.66).
Este princípio não se atrela apenas a idéia de que as partes devem agir com lealdade e confiança recíprocas, sendo atinente também no que diz respeito à interpretação do contrato, que deve ser feita sobre o que se infere da declaração de vontade das partes, prevalecendo sobre o sentido literal da linguagem.
Acerca da relevância desse princípio nas relações contratuais aduz Rizzardo:
Há uma imposição ética que domina toda matéria contratual, vedando o emprego da astúcia e da deslealdade e impondo a observância da boa-fé e lealdade, tanto na manifestação de vontade (criação do negócio jurídico) como, principalmente, na interpretação e execução do contrato [...]. A segurança das relações jurídicas depende, em grande parte, da lealdade e da confiança recíproca. Impende que haja entre os contratantes um mínimo necessário de credibilidade, sem o qual os negócios não encontrariam ambiente propício para se efetivarem. E esse pressuposto é gerado pela boa-fé ou sinceridade das vontades [...] (RIZZARDO, 1988, p. 45-46).
O princípio em questão assume importância vital quando da contratação eletrônica devido ao fato de não haver qualquer contato físico entre as partes contratantes. Sendo de grande relevância a presença da credibilidade, honestidade e a lealdade dos dois pólos da relação contratual. Deve este princípio ser levado em consideração em conjunto com a teoria da aparência. Demonstrando essa importância a decisão do STF:
Consorcio. Teoria da aparência. Publicidade. Responsabilidade civil. Legitimidade passiva. A empresa que, segundo se alegou na inicial, permite a utilização de sua logomarca, de seu endereço, instalações e telefones, fazendo crer, através de publicidade e de pratica comercial, que era a responsável pelo empreendimento consorcial, é parte passiva legitima para responder pela ação indenizatória proposta pelo consorciado fundamentada nesses fatos. Recurso reconhecido e provido (Supremo Tribunal Federal. Resp 113.012-MG, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar Junior. 18.03.1997).
Doutrina Guilherme Magalhães Martins:
Na contratação eletrônica via internet, a confiança dos contratantes, que integra parte do conteúdo substancial da boa-fé, deve ser tutelada em face da especificidade do meio, garantindo uma expectativa legítima da parte sob o ponto de vista da segurança e informação. (MARTINS in: Revista de Direito do Consumidor, 2007, p.46)
Sobre o assunto em questão assevera Cláudia Lima Marques: “O paradigma novo necessário para realizar ‘ este passo adiante’, de adaptar nosso atual direito do consumidor a este novo modo de comércio”. (MARQUES, 2004, p. 34-35).
Desse modo, ultrapassando os padrões do uso do princípio da boa-fé objetiva, a confiança, em outros casos, tem fundamento em uma aparência de legitimidade jurídica, o que é denominado de teoria da aparência. Esta, conjugada com a confiança garantem prioridade ao que foi objetivamente declarado.
Nas palavras de Pedro Braga Filho:
Do princípio da boa-fé objetiva decorrem os outros princípios da transparência e da confiança. Conforme observa Leonardo Mattieto, "com base na noção de boa-fé objetiva, cobra-se a transparência do contrato, desde a oferta, proíbe-se a publicidade enganosa ou abusiva, constrói-se o dever de informar (ao qual se ligam o dever de confidencialidade sobre as informações obtidas e o direito de acesso às informações e à sua retificação, se necessário), veda-se a abusividade de modo geral e se afirma o dever de cooperação entre as partes". O princípio da transparência, muito importante para os contratos de adesão, predominantes no processo de globalização, especialmente os realizados eletronicamente, exige que a parte capaz de estabelecer o conteúdo do contrato (condições gerais do contrato), informe corretamente à outra, agindo com lealdade (BRAGA FILHO, 2010).
A boa-fé confere um cenário de colaboração entre as partes contratantes, trazendo como conseqüência a valorização da legítima confiança provocada por meio de seu comportamento.
2.2.2 AUTONOMIA DA VONTADE
Consiste no poder de auto-regulamentação dos interesses das partes contratantes, desde que se submetam às normas jurídicas e seus fins se subordinem ao interesse coletivo, de forma que a ordem pública e os bons costumes constituam limites à liberdade contratual.
Incide não apenas na liberdade de criação do contrato, como também da liberdade de decidir se irá estabelecer com outrem uma relação jurídica contratual, e quando isso ocorrerá; na liberdade de escolha de outro contraente, via de regra; e na liberdade de fixação do conteúdo do contrato, exceto quando este for de adesão.
A liberdade contratual é a palavra chave para a denominação do princípio em tela, que se alicerça exatamente na supremacia da vontade dos contratantes, e serve de fundamento para a celebração dos contratos atípicos.
Tal liberdade encontra amparo legal no artigo 421 do Código Civil: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.
E no artigo 425 do Código Civil: “É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código”.
Segundo Pereira o conceito desse princípio ocorre da seguinte maneira:
O princípio da autonomia da vontade particulariza-se no Direito Contratual, na liberdade de contratar. Significa o poder dos indivíduos de suscitar, mediante declaração de vontade, efeitos reconhecidos e tutelados pela ordem jurídica. No exercício desse poder, toda pessoa capaz tem aptidão para provocar o nascimento de um direito, ou para obrigar-se. A produção de efeitos jurídicos pode ser determinada assim pela vontade unilateral, como pelo concurso de vontades. Quando a atividade jurídica se exerce mediante contrato, ganha grande extensão (PEREIRA, 1999.p. 22).
Cabe ressalvar que a liberdade em questão não possui caráter absoluto, estando limitada pela supremacia da ordem pública, submetendo a vontade dos contraentes ao interesse coletivo, vedando a formação de contratos que sejam contrários à ordem pública e aos bons costumes.
Situação peculiar do princípio em comento se dá em relação à autonomia da vontade na contratação eletrônica, mais especificamente quando se trata do contrato eletrônico interativo, em que o aderente manifesta a sua aceitação ao clicar o mouse do computador em ícones de comando que expressam a sua concordância com os termos descritos sem que seja possível a discussão ou alteração das cláusulas contratuais, configurando assim a contratação por adesão com a incidência do Código de Defesa do Consumidor e, com incidência subsidiária dos demais preceitos legais de natureza compatível com os princípios gerais norteadores do Direito Consumeirista.
Acerca do tema discorre Kruchewsky:
Consoante ponderado, o contrato por adesão representa uma limitação à autonomia da vontade de contratar, não só relativamente ao que contratar como com quem contratar. Nele, o aderente não influi na elaboração das cláusulas, não participa, na lição da doutrina italiana, da chamada fase de puntuazione, do estabelecimento dos ‘puntos’, dos pontos componentes do contrato, só lhe restando aderir ou recusar em bloco (KRUCHEWSKY, 2006, p. 13).
No caso trazido a lume, é notória a grande mitigação do princípio em tela. Desse modo, são vários os dispositivos legais que visam à proteção do consumidor. Como a norma que determina que em caso de haver cláusulas dúbias, contraditórias ou ambíguas, deve-se adotar a interpretação mais favorável ao aderente (artigo 47 do Código de Defesa do Consumidor e artigo 423 do Código Civil) e a norma que aduz que as cláusulas que limitem o direito do consumidor devem ser de fácil identificação e compreensão (artigo 54, parágrafo 4º, do Código de Defesa do Consumidor).
Explicitando a diversidade de tratamento entre o contrato civil e o consumeirista aduz Kruchewsky:
Já no contrato de consumo, à semelhança do que se dá, por exemplo, no Direito Espanhol, no Direito Brasileiro prevalece o princípio da conservação ou manutenção do contrato, pelo qual, ao se constatar a abusividade de uma de suas cláusulas nem por isso será nulo todo o contrato, de modo a ser possível extirpá-la e conservar o pacto, a rigor do que preceitua o parágrafo 2º do art. 51, CDC) (KRUCHEWSKY, 2006, p. 12).
Isso se dá pelo fato de que a preservação do contrato corresponde não apenas ao ideal de circulação de riquezas, mas também é importante às relações consumeiristas, como prestigia o princípio da necessidade da segurança do comércio jurídico.
É notório o grande impacto causado pelo Código de Defesa do Consumidor sobre o princípio da autonomia da vontade que, mesmo não tendo sido extirpado por inteiro do âmbito das relações consumeiristas, teve seu campo de incidência extremamente reduzido, pelo fato de que as normas previstas na Lei 8.078/90 são de ordem pública, não sendo possível sofrer alterações ou restrições por meio de convenção das partes.
2.2.3 CONSENSUALISMO
Assevera Kruchewsky:
Informa o princípio do consensualismo que o contrato se perfaz com o mero consentimento das partes, sendo desnecessária a adoção de formalidades específica. No campo dos contratos a liberdade de manifestação do consenso é a regra, a solenidade desta manifestação é a exceção.
Atrela-se a idéia de que o acordo de vontades basta para gerar o contrato válido, não sendo exigida qualquer forma especial para a relação jurídica contratual. Sendo, pois, os contratos, em regra, consensuais, se aperfeiçoando com a simples manifestação de vontade.
Aduz Carlos Alberti Bittar trazido por Carlos Roberto Gonçalves:
Sendo o contrato corolário natural da liberdade e relacionado à força disciplinadora reconhecida à vontade humana, tem-se que as pessoas gozam da faculdade de vincular-se pelo simples consenso, fundadas, ademais, no princípio ético do respeito à palavra dada e na confiança recíproca que as leva a contratar. Com isso a lei deve, em principio, abster-se de estabelecer solenidades, formas ou fórmulas que conduzam ou qualifiquem o acordo, bastando por si para a definição do contrato, salvo em poucas figuras cuja seriedade de efeitos exija a sua observância (como no casamento, na transmissão de direitos sobre imóveis) (GONÇALVES, 2006, p.25).
2.2.4 RELATIVIDADE DOS EFEITOS
Refere-se ao fato de que, via de regra, os efeitos do contrato não afetam terceiros nem seu patrimônio, somente produzindo efeitos em relação às partes contratantes, razão pela qual se assevera que a sua oponibilidade não é absoluta, e sim, relativa. Devendo ser entendido por parte contratual aquele que estipulou o contrato de forma direta, e como terceiro, aquele que seja estranho ao pactuado, ao vínculo e aos efeitos perseguidos pelo acordo.
Cabe ressaltar que este princípio sofreu certa atenuação após o reconhecimento de que as cláusulas gerais, pelo fato de conterem normas de ordem pública, não são destinadas a tutelar apenas os direitos individuais das partes, mas proteger o interesse coletivo, que deve ter prevalência quando em conflito com aqueles.
É aplicável não apenas em relação às partes, mas também em relação ao objeto, ou seja, o contrato relativo à bem não pertencente aos sujeitos, via de regra, não atingirão terceiros.
2.2.5 OBRIGATORIEDADE
Denominado de pacta sunt servanda, representa o fato de que as estipulações feitas no contrato devem ser cumpridas fielmente, caso contrário haverá execução patrimonial contra o inadimplente. Isso ocorre porque o contrato, tendo sido concluído de maneira livre, torna-se parte do ordenamento jurídico, representando verdadeira norma de direito, sendo assim autorizado o contratante a requerer a intervenção do Estado visando assegurar a execução da obrigação que não venha a ser cumprida de acordo com a vontade constituída.
Todavia, tal princípio não é absoluto, encontrando limitação na teoria da imprevisão, que confere, excepcionalmente, ao magistrado a possibilidade de revisão dos contratos, quando houver desigualdade superveniente das obrigações firmadas e conseqüente enriquecimento ilícito de algum dos contraentes.
Nessa conformidade, pode ser inferida a idéia de que, via de regra, o contrato é imutável, podendo sofrer alteração apenas pelo juiz visando manter o equilíbrio entre as partes que firmaram a relação jurídica contratual.
2.3 CONDIÇÕES DE VALIDADE DO CONTRATO
Tais condições são necessárias para que o negócio jurídico produza efeitos. Os requisitos a serem preenchidos são apresentados como sendo os de sua validade. Possuindo-os, será válido e dele decorrerá os efeitos objetivados pelo agente. Faltando-lhe alguns dos requisitos, o negócio é inválido, e por conseqüência não irá produzir o efeito jurídico em questão, sendo nulo ou anulável.
Desse modo, os requisitos de validade do contrato podem, assim, ser distribuídos em três grupos: subjetivos, objetivos e formais.
Cabendo a ressalva também de que à luz do Código de Defesa do Consumidor alguns aspectos precisam ser observados para que o contrato de consumo eletrônico seja considerado válido, sendo estes: o dever de informação prévia na divulgação de produtos, serviços e informações pela Internet, implicando assim ao fornecedor o dever de esclarecimento ao consumidor acerca do conteúdo do contrato; a proteção à oferta e à publicidade, gerando como conseqüência ao fornecedor o dever de cumprir o conteúdo do contrato, não frustrando assim a expectativa do consumidor pela não conclusão do negócio; a proibição de cláusulas abusivas; a aplicação da lei e do foro mais favorável ao consumidor; o exercício do direito de arrependimento do contrato, equiparando-o ao contrato a distância, visto que o consumidor não mantém contato físico direto com o ofertante, tampouco com o serviço ou produto alvo da contratação, que não pode ser examinado, pessoalmente, aumentando assim os riscos de insatisfação com o negócio.
2.3.1 SUBJETIVOS
2.3.1.1 EXISTÊNCIA DA MANIFESTAÇÃO DE VONTADES
É imprescindível a manifestação de duas ou mais vontades, já que o contrato é um negócio jurídico bilateral ou plurilateral.
2.3.1.2 CAPACIDADE GENÉRICA DOS CONTRAENTES
A capacidade exigida refere-se à capacidade para praticar os atos da vida civil, que pode inexistir em razão da menoridade, da falta do discernimento ou de causa transitória, prevista no art.3 do Código Civil; ou ser reduzida em caso de menoridade relativa, embriaguez habitual, dependência de tóxico, discernimento reduzido, prodigalidade, prevista no art.4 do Código Civil.
2.3.1.3 APTIDÃO ESPECÍFICA PARA CONTRATAR
Refere-se à capacidade especial para contratar. Os contraentes devem ter legitimação para efetuar o negócio jurídico.
2.3.1.4 CONSENTIMENTO DAS PARTES CONTRATANTES
Atrela-se a idéia de que deve haver o consentimento recíproco ou o acordo de vontades. Essa coincidência de vontades refere-se à existência e a natureza do contrato, ao objeto do contrato e às cláusulas que a compõem. Devendo o consentimento ser livre e espontâneo, sob pena de ter a sua validade afetada pelos vícios ou defeito do negócio jurídico, sendo estes: erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude.
2.3.2 OBJETIVOS
Referem-se ao objeto do contrato, que de acordo com o art. 104, II do CC deve ser lícito, possível, determinado ou determinável.
2.3.2.1 LICITUDE DO OBJETO
Objeto lícito é o que não contraria a lei, a moral, os princípios da ordem pública e os bons costumes.
2.3.2.2 POSSIBILIDADE FÍSICA OU JURÍDICA DO OBJETO
A impossibilidade física está atrelada as leis físicas ou naturais, e deve ter caráter absoluto, ou seja, alcançar a todos de maneira indistinta. Já a impossibilidade jurídica do objeto ocorre quando o ordenamento jurídico veda, de forma expressa, negócios relativos a determinado bem. Sendo que o negócio será caracterizado nulo, quando firmado sobre objeto impossível.
Nas palavras de Maria Helena Diniz:
Se o negócio tiver objeto física ou materialmente impossível, de modo que o agente jamais possa vencer o obstáculo à sua realização, por contrariar as leis físico-naturais (p. ex., trazer o Pico do Jaraguá até Brasília), ir além das forças humanas (p. ex., empreender um viagem de volta ao mundo em duas horas), ou por inexistir (p.ex., prometer uma sereia para um aquário), configuram-se hipóteses em que se têm a exoneração do devedor e a invalidade do contrato, pois aquele que se obriga a executar coisa insuscetível de realização a nada se obrigou. Contudo, é preciso esclarecer que a impossibilidade material deve existir no instante da constituição do contrato, porque, se aparecer em momento ulterior, ter-se-á a inexecução do contrato com ou sem perdas e danos, conforme ocorra ou não a culpa do devedor (DINIZ, 1997, p. 27).
2.3.2.3 DETERMINAÇÃO DE SEU OBJETO
O objeto do negócio jurídico necessariamente deverá ser determinado ou determinável. Sendo este indeterminado relativamente ou passível de determinação no momento da execução.
2.3.3 FORMAIS
Estão relacionados à forma do contrato, que é o meio pelo qual se revela a vontade. Esta deve ser prescrita ou não defesa em lei. Todavia, é necessário ressaltar que, atualmente, não existe rigorismo de forma, visto que basta a declaração volitiva para que se estabeleça a relação jurídica contratual entre os contraentes, produzindo efeitos jurídicos independentemente da forma de que se revista, de modo que apenas excepcionalmente a lei exigirá o elemento formal que por conseqüência determinará a observância de certa forma.
2.4 FORMAÇÃO DO CONTRATO
O nascimento do contrato resulta de duas manifestações de vontade, sendo estas: a proposta e a aceitação. No entanto, via de regra, seu surgimento percorre um processo de formação, cujo início caracteriza-se pelas negociações, sendo esta a fase de puntuação, até que os contraentes cheguem a uma proposta definitiva, seguida da aceitação desta.
2.4.1 FASE DE PUNTUAÇÃO
Refere-se ao período em que ocorrem as negociações preliminares, anterior à formação do contrato.
Sobre esse tema Stolze assevera:
É neste momento prévio que as partes discutem, ponderam, refletem, fazem cálculos, estudos, redigem a minuta do contrato, enfim. Contemporizam interesses antagônicos, para que possam chegar a uma proposta final e definitiva (STOLZE, 2008,p.84).
Neste momento, as partes não possuem vinculação ao negócio, pois ainda não manifestaram a sua vontade. Podendo afastar-se com a mera alegação de desinteresse, sem que com isso tenha que responder por perdas e danos. Contudo, embora não produzam obrigações para os que nela estejam envolvidos, não os dispensam da observância de deveres jurídicos decorrentes do princípio da boa-fé, e com os que com este se correlacionam. Como trata Carlos Roberto Gonçalves:
Embora as negociações preliminares não gerem, por si mesmas, obrigações para qualquer dos participantes, elas fazem surgir, entretanto, deveres jurídicos para os contraentes, decorrentes da incidência do princípio da boa-fé, sendo os principais os deveres de lealdade e correção, de informação, de proteção e cuidado e de sigilo. A violação desses deveres durante o transcurso das negociações é que gera a responsabilidade do contraente, tenha sido ou não celebrado o contrato. Essa responsabilidade ocorre, pois, não no campo da culpa contratual, mas da aquiliana, somente no caso de um deles induzir no outro a crença de que o contrato será celebrado, levando-o a despesas ou a não contratar com terceiro etc. e depois recuar, causando-lhe dano (Gonçalves, 2006).
2.4.2 PROPOSTA DE CONTRATAR
A proposta, que também recebe a denominação de policitação, configura a primeira fase efetiva do contrato, disciplinada por lei. Consiste na declaração de vontade pela qual uma pessoa (proponente) propõe a outra(s) (oblato) os termos para que seja concluído um contrato. Em ocorrendo o aceite o contrato será definitivamente formado. Entretanto, caso o aceite após a realização de alterações ou reservas, ocorrerá a formação de uma nova proposta.
A oferta deve ser séria e concreta para que assim possa valer e ter força vinculante, obrigando o proponente que, via de regra, não poderá desistir. Deve ainda abordar todos os elementos essenciais do negócio em questão, como forma de pagamento, preço, quantidade, dentre outros. E, por fim, há de ser formulada em linguagem clara, completa, compreensível ao oblato, para que não seja alvo de equívocos.
Constitui-se como negócio jurídico receptício, visto que para gozar de eficácia dependerá da declaração de vontade do oblato. Portanto, não terá força absoluta, pois a vinculação se dará apenas em relação ao que a formula, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio ou das circunstâncias. Nas palavras de Maria Helena Diniz:
é um negócio jurídico receptício, pois não é apenas uma informação, mas possui a força de um querer dependente da declaração de uma pessoa à outra (determinada ou indeterminada). É um declaração de vontade que só produz efeitos ao ser recebida pela outra parte, já que, sendo receptícia, subordina-se ao consentimento do destinatário acerca da oferta. Reveste-se,portanto , de caráter pessoal, isto é, deve ser dirigida à pessoa a quem se destina, porque tem de ser conhecida pelo destinatário (DINIZ, 1997, p. 47).
Em se tratando da proposta feita ao público, nota-se que essa modalidade pouco se diferencia das demais, distinguindo-se pelo fato de que, em regra, apresenta reservas, como disponibilidade de estoque, e restrições quanto à escolha de outra parte, e no que tange ao prazo moral da aceitação, devido ao fato de o oblato ser indeterminado. Cabendo mencionar que é admitida a revogação da proposta, desde que feita pela mesma via de divulgação, e que essa faculdade tenha sido alvo de ressalva na própria oferta.
2.4.3 ACEITAÇÃO
Configura-se no ato de aquiescência dos termos da proposta formulada, podendo ocorrer de forma expressa ou tácita. Configurando-se imprescindível a conclusão do contrato. Decorrendo aquela da manifestação de anuência do aceitante; e esta por meio de conduta que demonstre o consentimento. Ressaltando-se que essa manifestação de vontade deverá ocorrer sem que haja vícios de consentimento, e que o agente tenha plena capacidade para realizá-la, caso não seja o caso de estar sendo representado ou assistido.
Segundo Stolze: “Trata-se da manifestação de vontade concordante do aceitante ou oblato que adere à proposta que lhe fora apresentada” (STOLZE, 2008, p. 92).
Diante do conceito ora trazido a lume, infere-se que a aceitação deve ser feita de maneira integral, nos exatos termos da proposta feita pelo proponente. Visto que em caso de ser realizada intempestivamente ou com alterações, irá se converter em contraproposta.
Nesse sentido, afirma Maria Helena Diniz:
Se o aceitante, ao declarar sua vontade relativamente à oferta, não se submeter a esses requisitos, não se terá aceitação, mas uma nova proposta, liberando o primeiro proponente da obrigação de contratar. Realmente, se o ofertante propõe um negócio para ser aceito dentro de determinado prazo, enquanto este não decorrer o proponente estará vinculado à proposta. Com o transcurso do prazo sem que se tenha aceitação, a policitação deixa de ser obrigatória, exonerando, então o policitante” (DINIZ, 1997, p. 54).
Para que ocorra não se faz necessária a obediência de determinada forma, devendo isso ocorrer excepcionalmente nos casos de contratos solenes. Destacando-se também a importância de que esta aceitação seja dada de maneira conclusiva e coerente.
2.4.4 LOCAL DE FORMAÇÃO
Via de regra, em caso de não haver previsão contratual, o local de formação dos contratos entre presentes é o lugar em que as partes contratantes se encontram. E, em se tratando de uma contratação que envolva pessoas distantes, no local em que o contrato foi proposto, segundo o disposto no artigo 435 do Código Civil. Também é possível ser estabelecido o foro de competência por meio de expressa determinação das partes e por lei reguladora, no âmbito do direito internacional.
Assevera Junqueira:
Essas regras aplicam-se, ainda, aos contratos formalizados através de correspondência epistolar ou telegráfica (considerados contratos entre ausentes). Os formalizados por telefone, por ficção legal, são tidos como contratos entre presentes. Os contratos formalizados por meio da informática ou do teleprocessamento poderão ser considerados como sendo realizados entre presentes ou entre ausentes, conforme ocorram por transmissão instantânea (on line) ou diferida no tempo (off line) (JUNQUEIRA, 1997, p. 23).
Entretanto, nem todos os contratos eletronicamente constituídos possuem essa facilidade de determinação do local em que ocorreu a sua formação. No contrato eletrônico interpessoal é possível conhecer o local em que a comunicação se iniciou, determinando-se, assim, o lugar em que a proposta foi gerada. Já no contrato eletrônico interativo, o contrato se forma por meio de um website esse limite torna-se difícil de ser estabelecido, pois as partes podem encontrar-se em locais opostos do mundo e, o contrato ser concluído em um lugar diverso.
O artigo 15 da Lei Modelo da Uncitral foi elaborado visando resolver essa questão. Aduz Leal:
De acordo com este dispositivo, uma declaração eletrônica será considerada expedida e recebida no local onde o remetente e o destinatário, respectivamente, tenham seu estabelecimento. Assim, não se leva em consideração nem o endereço do website, nem o endereço físico do servidor, mas o local do domicílio ou estabelecimento das partes. Caso uma das partes ou ambas as partes possuam mais de um estabelecimento, considera-se como formado o contrato naquele que guarde relação mais estreita com seu objeto, ou o estabelecimento principal. Caso o remetente ou o destinatário não possuam estabelecimento, considera-se como tal o local de sua residência habitual (LEAL, 2007, p. 117-118).
2.5 A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR EM FACE DA NOVA REALIDADE CONTRATUAL
Diante das significativas transformações ocorridas no âmbito econômico, ao longo dos anos, é notório o reflexo causado sobre os antigos postulados atrelados às relações contratuais. A intervenção estatal sobre a autonomia privada se configura como um grande exemplo disso, visto que este princípio contratual, que se encontra restringido por leis imperativas específicas, é decorrente da necessidade da manutenção do equilíbrio imprescindível à ordem e à paz social, contemplando os direitos e deveres das partes visando à proteção da parte dita mais vulnerável da relação.
Atualmente a autonomia da vontade encontra-se bastante mitigada em relação à idéia do contrato clássico, em que a relação de poder entre as partes não era considerada, prestigiando-se assim a ampla liberdade para contratar.
A concepção de que a igualdade formal das partes seria suficiente para manter o equilíbrio dos contratantes passou a não mais ser contemplada. Na prática, foi necessária a interferência estatal no âmbito econômico, trazendo como conseqüência a restrição legal da liberdade de contratar e a mitigação da autonomia privada.
Nesse diapasão, houve uma perceptível transformação no contrato. Afirmam Stolze e Pamplona Filho:
A nova concepção de contrato é uma concepção social deste instrumento jurídico, para o qual não só o momento da manifestação de vontade (consenso) importa, mas onde também e principalmente os efeitos do contrato na sociedade serão levados em conta e onde a condição econômica das pessoas nele envolvidas ganha em importância [...]. À procura do equilíbrio contratual, na sociedade de consumo moderna, o direito destacará o papel da lei como limitadora da autonomia da vontade. A lei passará a proteger determinados interesses sociais, valorizando a confiança depositada no vínculo, as expectativas e a boa-fé das partes contratantes (STOLZE, 2002, p.175).
O Código de Defesa do Consumidor denota a concretização da interferência estatal do legislador nas relações contratuais. Por meio de tal realização legislativa o Direito Contratual assumiu uma visão social, abandonando a visão clássica, liberal e individualista.
Nas palavras de Leal:
Destarte, o Código de Defesa do Consumidor reflete a intervenção do Estado, nas relações contratuais, buscando compensar as disparidades que vêm ocorrendo em função do crescente desequilíbrio social. Com regras de ordem eminentemente social, o Estado reconheceu no consumidor brasileiro a vulnerabilidade, procurando não limitar sua liberdade contratual, mas garantir-lhe a autonomia privada, com o objetivo de protegê-lo como parte contratual mais fraca (LEAL, 2007, p. 68-69).
Esta proteção contratual ocorre tanto na fase pré-contratual, quanto na fase de execução do contrato. Acerca do tema assevera Cláudia Lima Marques:
O método escolhido pelo Código de Defesa do Consumidor para harmonizar ou dar maior transparência às relações de consumo tem dois momentos. No primeiro, cria o Código novos direitos para os consumidores e novos deveres para os fornecedores de bens, visando assegurar a sua proteção na fase pré-contratual e no momento da formação do vínculo. No segundo momento, cria o Código normas proibindo expressamente as cláusulas abusivas nestes contratos, assegurando, assim, uma proteção a posteriori do consumidor, através de um efetivo controle judicial do conteúdo do contrato de consumo (MARQUES apud LEAL, 2007, p. 70).
As regras contidas no Código de Defesa do Consumidor são de ordem pública e de interesse social e garantem a proteção do consumidor considerando a sua vulnerabilidade. Desse modo, contemplam os direitos e garantias individuais, insertas no artigo 5º, inciso XXX, da Constituição Federal Brasileira de 1988.
3. DOS CONTRATOS DE CONSUMO ELETRÔNICOS
3.1 PRINCÍPIOS DA CONTRATAÇÃO ELETRÔNICA
Além da utilização dos princípios gerais que regem o Direito Contratual, a contratação eletrônica também é regida por princípios específicos, sendo estes:
3.1.1 PRINCÍPIO DA EQUIVALÊNCIA FUNCIONAL DOS CONTRATOS REALIZADOS EM MEIO ELETRÔNICOS COM OS CONTRATOS REALIZADOS POR MEIOS TRADICIONAIS
Diz respeito ao fato de que o contrato realizado por meio virtual possuirá validade, produzindo assim os mesmo efeitos jurídicos determinados pelos contratos realizados por escrito ou verbalmente.
Desse modo, verifica-se que é vedada a distinção entre os contratos tradicionais, não sendo possível ser considerado inválido o contrato pelo simples fato de ter sido celebrado eletronicamente.
Tal entendimento pode ser extraído do artigo 5º da Lei Modelo da Uncitral, feita pelos EUA, no ano de 1996. Ao tratar sobre o comércio eletrônico, a lei em questão, dentre outras determinações preceitua que o fato de a informação estar consubstanciada em forma de mensagem eletrônica não impedirá o reconhecimento de efeitos jurídicos, validade ou eficácia desta.
Cabe ainda ressaltar, que o principio em tela pode ser encontrado nos Projetos de Leis brasileiros em trâmite no Congresso Nacional que objetivam a regulamentação do comércio eletrônico. Dentre eles, destaca-se o Projeto de Lei 1.589/99 da OAB de São Paulo que assim dispõe: “o simples fato de ser realizada por meio eletrônico não sujeitará a oferta de bens, serviços e informações a qualquer tipo de autorização prévia”.
3.1.2 PRINCÍPIOS DA NEUTRALIDADE E DA PERENIDADE DAS NORMAS REGULADORAS DO AMBIENTE DIGITAL
Diante da realidade dinâmica da revolução tecnológica, trazendo consigo uma constante transformação. Nota-se o quanto se torna corriqueira a defasagem existente entre uma nova situação fática e jurídica e o ordenamento jurídico. Não obstante a velocidade com que evolui a internet e a necessidade de que o legislador mature as discussões relativas às providências legislativas adequadas a serem tomadas protela ainda mais o surgimento de uma lei que complemente as normas jurídicas aplicáveis a contratação eletrônica. Corroborando com tal entendimento afirma o autor Marco Antônio Machado Ferreira Melo:
Esta nova era digital exige um processo legislativo ágil, capaz de acompanhar a evolução tecnológica e as suas conseqüências sociais. Se é verdade que a solução jurídica precede a solução tecnológica, estamos literalmente desprotegidos. A solução jurídica para as questões das novas tecnologias que evoluem rapidamente, não podem depender do processo legislativo arcaico, moroso por natureza, concebido num outro tipo de sociedade pós moderna. Há a necessidade de adequação de nossa legislação para este novo momento. O Direito e a Ciência do Direito estarão em permanente crise decorrente da velocidade das transformações sociais, culturais, políticas e tecnológicas (MELO apud LEAL, 2005, p.80).
O princípio em tela, observando os constantes avanços tecnológicos na área informática, objetiva a elaboração de normas revestidas de neutralidade para que não se constituam em empecilhos ao desenvolvimento de novas tecnologias e de perenidade para que não se tornem obsoletas, sem necessidade de que sejam modificadas com freqüência.
Nesse sentido, afirma Leal:
Os avanços tecnológicos na área de informática dão conta de que, cotidianamente, são descobertos novos softwares, hardwares e sistemas de processamento de informações e de segurança eletrônica, tornando obsoletas as máquinas e os sistemas até então utilizados. Essa constatação exige que as normas voltadas à regulamentação do comércio eletrônico e do ambiente digital de um modo geral estejam revestidas de duas características principais: a neutralidade e a perenidade (LEAL, 2007, p.90).
Pelo exposto, depreende-se que a futura legislação deve estar aberta a evolução eletrônica, tendo a flexibilidade necessária para comportar as mudanças ocorridas no campo jurídico.
3.1.3 PRINCÍPIOS DA CONSERVAÇÃO E APLICAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICAS EXISTENTES AOS CONTRATOS ELETRÔNICOS
Apesar de haverem aspectos relevantes concernentes à relação contratual eletrônica que não encontram correspondentes na legislação, como o caso da prova e os meios de pagamento, este princípio preceitua que as normas e os princípios gerais do direito contratual devem ser aplicados aos contratos eletrônicos, visto que estes guardam as características básicas dos contratos tradicionais.
O fato de o contrato se formar por meio eletrônico não determina a alteração substancial da natureza jurídica das relações contratuais, sendo assim um contrato típico qualquer não o deixará de ser apenas por ter sido realizado de forma total ou parcial via Internet.
Inexistindo legislação específica acerca desse instituto, não pode o Direito deixar de tutelar as situações jurídicas existentes, sob pena de causar insegurança jurídica nas relações contratuais eletrônicas.
No ensinamento de Jorge José Lawand:
A Internet não cria espaço livre, alheio ao Direito. Ao contrário, as normas legais vigentes aplicam-se aos contratos eletrônicos basicamente da mesma forma que a quaisquer outros negócios jurídicos. A celebração de contratos via Internet se sujeita, portanto, a todos os preceitos pertinentes do Código Civil Brasileiro( Código Civil). Tratando-se de contratos de consumo, são também aplicáveis as normas do Código de Defesa do Consumidor (Código de Defesa do Consumidor) (LAWAND apud LEAL, 2007, p. 92).
No mesmo sentido, assevera Guilherme Magalhães Martins:
Alguns problemas relativos à matéria em estudo podem ser facilmente resolvidos por intermédio da adaptação das normas jurídicas existentes, como ocorre no campo da interpretação do contrato, da disciplina das respectivas cláusulas, da responsabilidade civil ou da liberdade de expressão, dentre outros; [...] (MARTINS apud LEAL 2007, p. 93).
Diante do exposto, conclui-se que as transações efetuadas em ambiente virtual não afastam a regulamentação jurídica tradicional. Devendo o aplicador da lei, usando da analogia e da integração, aplicar a lei que tutela as relações de contrato, no que cabível for à contratação eletrônica.
3.2 CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS ELETRÔNICOS
Devido à falta de regulamentação específica que legisle acerca dos contratos eletrônicos, estes fazem parte da categoria de contratos atípicos e de forma livre, apesar de que haja a possibilidade de o seu conteúdo estar disciplinado em lei.
Visando uma melhor compreensão e identificação das transações contratuais realizadas em ambiente virtual e seus enfoques jurídicos, a doutrina optou por classificar os contratos virtuais considerando-se o nível de interação entre a parte contratante e a máquina, sendo determinados em: contratos eletrônicos intersistêmicos, interativos e interpessoais. Classificação esta sistematizada por Mariza Delapieve Rossi, citada por Erica Barbagalo, em seu livro Contratos Eletrônicos.
3.2.1 CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERSISTÊMICOS
Essa forma contratual tem como característica fundamental o fato de que a comunicação entre as partes ocorre por meio de programas configurados previamente, permitindo que as máquinas automaticamente realizem a contratação. Nesse caso, o computador em nada interfere na formação e declaração das vontades dos contratantes.
Quanto ao seu momento de formação explicita a autora Natália Simões Araújo:
“Vale lembrar que os contratos intersistêmicos são contratos acessórios, ou seja, o local de formação é considerado o do contrato principal que geralmente é firmado de maneira tradicional. Portanto, cada comunicação intersistêmica será mera negociação de contrato principal. Não tem, desta forma, que se falar no momento de formação do contrato eletrônico intersistêmico (ARAÚJO, 2010).
3.2.2 CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERPESSOAIS
Nesse caso, a comunicação entre as partes contratantes ocorre por meio do computador, não somente quando da proposta, mas também quando da aceitação e instrumentalização do acordo.
Os contratos em questão podem ser simultâneos ou não simultâneos. Aqueles, também chamados de contratos “on line”, ocorrem em ambientes virtuais de conversação em tempo real (chat), sendo assim são considerados como contratos formados entre presentes, sendo regidos pelo artigo 1081,I do Código Civil, pelo fato de que permitem a manifestação de aceitação logo após a proposta ter sido feita. Já os contratos não simultâneos, que ocorrem por meio de correio eletrônico (e-mail),consideram-se celebrados entre ausentes, sendo regidos de igual modo ao dos contratos por correspondência ( artigo 1086 do CC) no que tange à formação, pelo fato de que as mensagem eletrônicas encaminhadas armazenam-se no provedor, e somente chegam ao conhecimento do destinatário no momento em que este acessa o programa de correio eletrônico.
Nessa hipótese de contratação, há a possibilidade de se identificar tecnicamente de que lugar se iniciou a comunicação, determinando-se, assim, onde a proposta foi gerada, e consequentemente, conforme dispõe o artigo 435 do CC determinar o local em que se reputa concluído o contrato, que é onde este foi proposto.
3.2.3 CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERATIVOS
Ocorre quando o aceitante interage com um programa de computador que permite o acesso a um banco de dados oportunizando o uso de serviços eletronicamente e a aquisição de bens. O contrato em questão é também denominado de contrato por clique, pelo fato de que apenas com um simples clicar de mouse, o consumidor consentirá na tela do computador os termos de contratação.
De acordo com Leal:
Ressalte-se, ainda, que os contratos eletrônicos interativos se equiparam aos contratos à distância porque realizados com intermediação do computador, sem que as partes possam estar presentes no momento da sua conclusão, a eles se aplicando, por conseguinte, as normas que disciplinam a contratação a distância, inclusive as que visam à proteção dos direitos do consumidor (LEAL, 2007,p.87).
Neste tipo de contrato há certa dificuldade em saber se a sua formação se dará entre partes presentes ou ausentes, em virtude da diversidade de situações. Em caso de haver uma proposta na página eletrônica (web site), a contratação se dará entre ausentes para o proponente, pelo fato de que não terá conhecimento se houve aceitação de sua proposta e quando isso ocorreu. Já para o aceitante será entre presentes, visto que este sabe imediatamente da proposta quando do acesso ao endereço eletrônico.
Em caso de haver mero convite a fazer proposta, quando da posterior proposta e aceitação, em princípio, pode o contrato ser considerado entre ausentes, devido à impossibilidade de imediatidade.
Nas palavras Érica Brandini Barbagalo, citado por Pedro Braga Filho, as exceções existentes são:
a) quando o sistema puder processar imediatamente as informações do proponente e emitir automaticamente a aceitação, o contrato será considerado entre presentes; b) também será considerado entre presentes, o contrato instantâneo de execução imediata, ou seja, quando tiver por objeto a aquisição de bens ou serviços que podem ser entregues ou prestados via Internet, como ocorre na compra de programas de computador (softwares) (BARBAGALO apud BRAGA FILHO, 2010).
Nessa espécie de contratação, a determinação do local de formação do contrato se dá mediante o disposto no artigo 15 da Lei Modelo da Uncitral, que aduz que o lugar de expedição e recebimento da declaração eletrônica será onde, respectivamente, remetente e destinatário tiverem seu estabelecimento.
3.3 ELEMENTOS DE VALIDADE DOS CONTRATOS ELETRÔNICOS
Para que o contrato seja considerado válido, devem estar presentes não somente os elementos de validade para os contratos em geral, sendo estes: a declaração hábil de vontades das partes (consentimento válido), a capacidade dos contratantes, o objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prevista ou não vedada em lei; como também os elementos dos contratos eletrônicos que se dividem em: elementos subjetivos, elementos objetivos e elementos formais.
Segundo Leal:
Em uma acepção axiológica, “válido” equivale ao dever ser”, àquilo que é correto, que é justo, que é ético. Numa acepção de dogmática jurídica, válido é o ato ou negócio jurídico que está em plena consonância com o ordenamento jurídico, ou, em outras palavras, que preenche os requisitos determinados em lei (LEAL, 2007, p.129)
Tal idéia de validade está intimamente atrelada à segurança e a estabilidade que se almeja quando da formação dos contratos eletrônicos. Representa também a possibilidade de uso desse instrumento jurídico como título representativo de uma obrigação ou como prova processual.
3.3.1 ELEMENTOS SUBJETIVOS
Como o próprio nome sugere, se referem às características pessoais dos contratantes, sendo estas a capacidade das partes e o consentimento não eivado de vício.
3.3.1.1 CAPACIDADE DAS PARTES
Assim como nos contratos em geral, na contratação eletrônica não pode se olvidar da necessidade de que devem se fazer presentes à capacidade civil dos contratantes e que estes manifestem a sua vontade necessária a formação do consentimento de maneira válida.
A formação de um contrato por pessoa absolutamente incapaz (menores de 16 anos e/ou elencados pelo artigo 3º do Código Civil, excetuando-se os que tiveram antecipada a maioridade civil) e relativamente incapaz ( pessoa que tiver entre 16 e 18 anos e/ou elencados pelo artigo 4º do Código Civil, excetuando-se os que tiveram antecipada a maioridade civil) pode respectivamente ser declarado nulo e anulável. Para que tal fato não ocorra, deve o absolutamente incapaz ser representado e o relativamente incapaz assistido.
A facilidade de acesso a internet por crianças e adolescentes traz a tona uma questão relevante. Deveria ser considerado válido o contrato por eles realizado pelo fato de tal contratação por se configurar como ato cotidiano?
É cediço que a doutrina e a jurisprudência consideram válidos alguns atos corriqueiros praticados por menores, como por exemplo, a compra de um doce, atos em que há uma presunção de que foi concedida a autorização dos responsáveis.
Sobre o tema posiciona-se Leal:
Em primeiro lugar, ter-se-ia de analisar o que são atos cotidianos dos menores nos dias de hoje. Este conceito é variável de acordo com a classe social a que pertença o jovem. Caso se trate de uma criança ou adolescente de classe média, provavelmente, disporá de um computador em casa ou terá avesso na escola ou em outros estabelecimentos e, consequentemente, estará sujeito a todos os seus benefícios e malefícios. Ter facilidade para manusear o computador e navegar pela Internet não implica necessariamente dizer que a aquisição de produtos via Internet faça parte do cotidiano de um adolescente. Esse fator é meramente circunstancial e sujeito a infinitas variáveis, que passam pelo padrão de vida da família, orientação dos pais aos filhos, e outras (LEAL, 2007, p.132).
Cabe ao juiz no caso concreto, tendo em vista que a lei não pode abordar todas essas questões, fazer uma análise das circunstâncias e resolver o litígio considerando-se a boa-fé objetiva dos contratantes e a proteção dos incapazes. Sendo assim, deve observar se houve a anuência dos pais ou representantes legais para que assim o ato seja declarado válido ou não. Ressalta-se que somente em caráter excepcional poderá um ato como este, devido o seu valor econômico irrelevante, ser considerado válido.
Nas palavras de Ana Paula Gambogi Carvalho:
Os contratos eletrônicos não são ainda, contudo, tão habituais a ponto de poderem ser vistos como os atos cotidianos de um menor de idade. Apesar de sua simplicidade técnica, eles apresentam certa complexidade em face, principalmente, dos métodos de pagamento comuns na Internet (cartão de crédito, autorização para débito em conta etc.). Portanto, caso um contrato eletrônico celebrado por um adolescente de 15 anos se torne objeto de uma disputa judicial, a sua nulidade deverá ser reconhecida pelo magistrado (CARVALHO, 2010).
Desse modo, se faz necessário a disponibilização de formulários em sites ou lojas virtuais requerendo a declaração da idade do contratante e a determinação de que não será permitida a contratação com menores de idade.
Outra importante questão a ser observada diz respeito à identificação do contratante. Apesar de ser possível identificar o computador em que ocorreu a contratação isso não pode servir de prova absoluta de que o proprietário da máquina realizou o negócio jurídico em questão, pois há a possibilidade de alguém ter feito uso de um computador que não lhe pertencesse.
Desse modo, é notória a necessidade de a lei assegurar a validade dos documentos eletrônicos, equiparando-os aos documentos produzidos em papel,garantindo assim a segurança na identificação dos contratantes.A elaboração de normas específicas visando dar eficácia probatória aos documentos eletrônicos, com destaque para a MP 2.200/2001 e a Lei nº. 11.419/2006, que instituiu o processo eletrônico assume essa função, e atuando em conjunto com as já referidas normas, o Código de Processo Civil, em seu artigo 332, admite quaisquer meios moralmente legítimos como hábeis para provar a verdade dos fatos narrados em juízo.
3.3.1.2 MANIFESTAÇÃO DE VONTADE
Na contratação eletrônica a formação dos contratos ocorre por meio da manifestação de vontades das partes na troca de mensagens eletrônicas. Cabendo explicitar que segundo o artigo 2º da Lei Modelo da Uncitral: “Entende-se por mensagem eletrônica a informação gerada, enviada, recebida ou arquivada eletronicamente, por meio óptico ou similares”.
Há contratos em que o consentimento ocorre no momento em que as partes realizam o acordo que antecede a troca automática das mensagens eletrônicas. Estes, denominados intersistêmicos, se formam por meio de mensagens eletrônicas automáticas entre sistemas previamente configurados para funcionar da maneira com que foi acordado.
Há também, aqueles em que as mensagens podem ser trocadas em tempo real, são os chamados contratos interpessoais. No caso em tela, o consentimento se realizará com o envio da mensagem eletrônica de confirmação.
Existem ainda os contratos em que a manifestação de vontades ocorre do resultado de uma relação de comunicação estabelecida entre uma pessoa e um sistema previamente programado. Acerca do tema assevera Leal:
Nesta hipótese, serviços, informações e produtos são ofertados em caráter permanente através de um estabelecimento virtual, de um site ou homepage. Este tipo de contrato é o mais comum no comércio eletrônico de consumo, sendo que a demonstração volitiva do aceitante se concretiza, via de regra, com o clicar no botão do mouse sobre palavras exibidas na tela do computador, tais como sim, concordo, confirmar, finalizar (LEAL, 2007, p.135).
Há requisitos para a validade do envio das mensagens eletrônicas pelas partes contratantes estabelecidos no Projeto de Lei nº 4.906/2001, possuindo este grande relevância. Apesar disso cabe ressaltar que pelo fato de a lei brasileira, via de regra, não fazer exigência de forma especial para garantir a validade dos atos, qualquer que seja o sistema ou programa de computador adotado para o envio das mensagens que irão configurar a manifestação de vontade dos contratantes irá caracterizar a validade do contrato.
Outro ponto que merece destaque é o que trata da indispensabilidade de o consentimento estar livre não apenas dos vícios de erro, do dolo e da coação, como também da necessidade de que este consentimento seja informado, ou seja, que se dê desde que esteja disponível a informação integral sobre todos os pormenores e riscos que envolvam a formação do negócio jurídico em questão. Tal exigência encontra fundamento legal nos artigos 6º, III , 30, 31 ,46 , 48, do CDC.
3.3.2 ELEMENTOS OBJETIVOS
Podem ser objeto da contratação eletrônica todos os bens lícitos, isto é, que não contrariem a lei, a moral e os bons costumes; possíveis, ou seja, realizáveis, e determinado ou determinável, compreendido como aquele que pode ser individuado e conhecido. Ressalte-se que os bens em questão tanto podem ser coisas corpóreas como bens imateriais, como por exemplo, algum tipo de serviço.
Em se tratando da rede mundial de computadores, cabe a ressalva de que tanto os produtos corpóreos, dito palpáveis, quanto os produtos incorpóreos, como a informação, podem ser objeto de contrato. Nesse meio, o interesse na obtenção de informação a torna um produto de relação de consumo.
Isso se deve ao fato de que as empresas atuantes nesse ramo necessitam conhecer o perfil dos consumidores por meio do acesso as informações de dados pessoais destes, e assim possam direcionar seus produtos e serviços da melhor maneira. Cabendo a tais fornecedores o dever de manter em sigilo os dados do seu cliente.
Acerca das mais usuais modalidades de contratação eletrônica via Internet discorre Leal:
As principais modalidades de contratos eletrônicos via Internet têm por objeto a compra e a venda de produtos em geral, a hospedagem de informações, licenciamento de software, contratos bancários (pagamentos de títulos, empréstimos e financiamentos), jogos e entretenimento e compra e venda de valores mobiliários. Também fazem parte integrante dos elementos reais da contratação eletrônica os instrumentos eletrônicos de pagamento (LEAL, 2007, p. 143).
3.3.3 ELEMENTOS FORMAIS
A forma a ser atendida, a segurança, a validade e a prova dos documentos eletrônicos representa os elementos formais de validade dos contratos eletrônicos.
Afirma Nery Junior que provas são: “Meios processuais ou materiais considerados idôneos pelo ordenamento jurídico para demonstrar a verdade, ou não, da existência da verificação de um fato jurídico” (NERY JUNIOR, 2006, p. 527).
Do conceito acima exposto extrai-se o entendimento de que a prova serve de instrumento ao interessado que visa demonstrar legalmente a existência de determinado negócio jurídico.
Doutrina Venosa: “A matéria encontra-se na zona fronteiriça entre o direito material e o direito processual, razão pela qual o Código Civil traça os contornos principais, enquanto o Código de Processo Civil tece maiores minúcias sobre o tema” (VENOSA, 2008, p. 573).
O Código Civil, em seu artigo 212, elenca as espécies de provas existentes para fins de comprovação do negócio jurídico, sendo estas: confissão, documento, testemunha, presunção e perícia. Cabendo a ressalva de que no que tange ao negócio jurídico em que a lei não tenha exigido forma especial, será admitido qualquer meio de prova pelo ordenamento jurídico, desde que não proibido de forma expressa ou tácita.
Já o Código de Processo Civil, em seu artigo 332, aduz que "todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou defesa". Podendo ser depreendido que o rol existente no Código Processual não é taxativo, sendo possível se admitir qualquer meio de prova, desde que legítimo.
Cabe ao Direito Civil determinar os tipos de prova e seus fundamentos pelos quais poderão ser comprovados fatos, atos e negócios jurídicos; ao Direito Processual Civil cabe a estipulação dos limites de produção da prova, sua apreciação pelo magistrado, e a técnica de tal produção em juízo.
Nesse ponto cabe ressaltar a diferença existente entre prova e forma. Sendo a prova, como já exposto, o meio pelo qual se comprovará a existência e validade do negócio jurídico; e a forma, o modo pelo qual o ato se reveste. Conceitos que embora distintos possuam íntima relação, pelo fato de que se a lei impuser determinada forma especial, não haverá como se provar o ato por outro modo, senão quando aquela for atendida.
Em se tratando da contratação eletrônica assevera Leal:
[...] existe uma relação direta entre o advento do comércio eletrônico como uma nova forma de fazer negócios e o surgimento dos contratos eletrônicos – instrumentos jurídicos de operacionalização do e- commerce. Estes se distinguem dos contratos tradicionais, pelo fato de a manifestação de vontades das partes se dar em ambiente digital, por meio eletrônico (LEAL, 2007, p. 146).
Essa modificação na forma de se realizar uma contratação não é obstaculizada pelo nosso ordenamento jurídico, que em seu artigo 107 do Código Civil adota como regra o princípio da liberdade da forma para os negócios e atos jurídicos em geral.
No que tange a esse tipo de contratação um dos meios de provas mais usuais é o documento, tratado no artigo 212, II, do CC-02. Acerca da espécie de prova em questão conceitua Stolze: “Cuida-se de um escrito representativo de um determinado fato jurídico” (STOLZE, 2006, p. 425). Contudo, em sentido amplo, assevera Venosa: “o termo documento não abrange apenas a forma escrita, mas também toda e qualquer representação material destinada a reproduzir duradouramente um pensamento” (VENOSA, 2008, p. 580).
Cabe aqui uma importante ressalva, pois, em se tratando da contratação eletrônica consumeirista, é louvável trazer a baila o fato de que apesar de o ônus da prova ser da responsabilidade de quem faz a alegação, ou do réu quando pretende desconstituir o direito do autor, poderá ocorrer a inversão do ônus da prova devido a dificuldade que o consumidor tem de provar o alegado. Sendo assim, diante da verossimilhança das alegações, da hipossuficiência e vulnerabilidade do consumidor garante o CDC a facilitação da defesa de seus interesses.
Nos contratos eletrônicos, a manifestação da vontade das partes ocorre em meios eletrônicos. Desse modo, a validade dos contratos eletrônicos atrela-se à validade jurídica concedida aos documentos eletrônicos, tendo em vista que estes instrumentalizam o contrato. Assim, são considerados como a representação material de determinada manifestação do pensamento, contida em um suporte eletrônico.
De acordo com Rosana Ribeiro da Silva:
A validade e eficácia dos documentos eletrônicos como meio de prova em muito difere das dos documentos comuns, isto porque apresentam eles uma série de peculiaridades técnico-informáticas que lhe são próprias.” Em sede de direito comparado, a saída encontrada foi a elaboração de normas específicas sobre o tema que atendessem àquelas peculiaridades. Nos Estados Unidos, p. ex., foi abandonada qualquer tentativa de utilização de processos interpretativos das normas vigentes, tendo vários estados elaborado legislação específica para a legitimação dos documentos eletrônicos (DA SILVA, 1999).
Abordando a diferença ora explicitada acima, assevera Leal:
[...] surgem diferenças importantes entre o documento materializado em papel e o documento eletrônico. O primeiro comporta a qualificação em documento original (único) e cópias (reproduções) daquele. Já o documento eletrônico preso ao meio no qual foi produzido, pode ser transferido e armazenado em outros computadores, em discos flexíveis, em CDs, sem perder a característica de documento digital. Pode ser reproduzido infinitas vezes e, desde que seja seguida a mesma sequência de bits, ter-se-á sempre o mesmo documento, razão pela qual não se pode falar em original e em cópia do documento eletrônico [...] (LEAL, 2007, p.152-153).
Fazendo uma breve abordagem ao direito comparado, a solução encontrada foi a criação de normas específicas acerca do tema que suprissem àquelas peculiaridades. Nos Estados Unidos, p. ex.,a elaboração de legislação específica por inúmeros estados visando legitimar a documentação eletrônica fez com que qualquer tentativa de uso de processos interpretativos das normas vigentes fosse desprezada.
No que concerne ao CC e CPC verifica-se a inexistência de normas específicas que se apliquem ao caso, cabendo então a interpretação do artigo 332 do CPC, já trazido à baila, para que com fundamento neste seja admissível o uso dos documentos eletrônicos como meio de prova do negócio jurídico.
Ocorre que para que seja determinada a validade dos documentos eletrônicos alguns requisitos precisam ser preenchidos. Não podendo olvidar que assim como em qualquer documento, deve este ser datado, os requisitos em questão são: confiabilidade dos dados, autenticidade, integridade e não – repúdio. A possibilidade da existência desses se dá por meio do uso de procedimentos de tecnologia como criptografia, certificação digital e assinatura digital, que tornam a troca de dados eletrônicos mais segura.
A confiabilidade dos dados refere-se ao fato de que os estabelecimentos virtuais devem conferir privacidade aos consumidores e, que os dados por estes fornecidos não sejam utilizados para fins diversos do que foi acordado, nem que sejam disponibilizados a terceiros que não tenha recebido autorização para tanto.
A autenticidade diz respeito à segurança na identificação das partes contratantes visando à verificação da capacidade jurídica para firmar o negócio jurídico em questão. Desse modo, o conjunto de mecanismos de segurança eletrônicos que prove a identidade das partes e confirme a origem das mensagens eletrônicas é crucial na contratação em tela.
Acerca do tema assevera Santolim:
Para que a manifestação de vontade seja levada a efeito por um meio eletrônico (isto é, não dotado de suporte cartáceo, que se constitui no meio tradicional de elaboração de documentos), é fundamental que estejam atendidos dois requisitos de validade, sem os quais tal procedimento será inadmissível:
a) o meio utilizado não deve ser adulterável sem deixar vestígios; e
b) deve ser possível a identificação do(s) emitente(s) da(s) vontade ( s) registrada(s) (Santolim, 1995, p. 33).
A integridade atrela-se a idéia de que as mensagens eletronicamente enviadas possuem a manifestação da vontade dos contratantes, e ao fazerem o percurso de um computador ao outro, podem ser submetidas a modificações por pessoas que sejam autorizadas para tanto ou não, resultando em alteração do próprio objeto contratual. Para que isso não ocorra devem os documentos eletrônicos, assim como os documentos físicos, se revestir de qualidades que não permitam a sua modificação, fraude ou qualquer tipo de alteração, sem que isto seja perceptível.
O não repúdio tem por escopo assegurar que o remetente da mensagem eletrônica não possa negar que esta foi enviada nem as informações por ela trazidas e, da mesma maneira, que o receptor não tenha a possibilidade de argüir o não recebimento da mensagem. Assim, deve existir segurança em relação à identidade das partes contratantes e à garantia que a mensagem seja integra por meio do sistema de assinatura digital com criptografia assimétrica.
É de suma importância trazer a lume o fato de que já existe em nosso ordenamento uma regulamentação modesta que trata de uma estrutura de certificação pública de documentos públicos e que confere validade jurídica aos contratos eletrônicos, incluindo a identidade das partes.
No que tange o tema em tela cabe trazer a baila a Lei Modelo da Uncitral afirma ter validade e eficácia a declaração de vontade feita por meio de mensagem eletrônica, conforme se depreende do disposto em seus artigos 9º e 12; e a MP 2.200/2001, que ainda se encontra vigente por força do art. 2º da EC nº 32, emenda esta que instituiu a infra-estrutura de chaves públicas brasileiras que tem por escopo conferir autenticidade aos documentos eletrônicos, conforme se depreende do disposto em seu art.1º.
Contudo, as regulamentações imediatamente explicitadas são aplicáveis apenas aos contratos eletrônicos tidos como formais, que são aqueles celebrados com a utilização de assinaturas digitais que conferem certeza quanto à identidade das partes e o objeto do contrato, cujas informações não se podem remover sem que seja perdida a assinatura digital dos contratantes.
Os contratos eletrônicos informais são aqueles firmados sem o uso de mecanismos que possibilitem um razoável grau de confiabilidade a certo documento eletrônico em que estejam presentes todas as condições especiais do contrato. Para melhor elucidação dessa espécie cabe explicitar que sua comprovação se dá por meio de indícios, como impressão de tela e e-mails, por exemplo. Tais contratos, não podem se utilizar da MP 2.200/2001, já que esta não reconhece expressamente a sua validade jurídica por norma especial. Sendo assim, para elucidação do caso em questão, basta invocar, consoante já disposto, a regra geral da liberdade quanto aos meios de expressar manifestação de vontade e o que dispõe o art. 131 do CPC que determina o livre convencimento motivado do juiz na apreciação das provas. Além disso, o CC em seu artigo 225 entende que as reproduções eletrônicas também têm força probatória.
Desse modo, arremata-se que é plenamente possível a comprovação de determinada contratação eletrônica por meio de documento eletrônico, visto que se verificando a confiabilidade da assinatura eletrônica, do sistema criptográfico ou da autoridade certificadora a negociação realizada terá força probante.
4 DA AUSÊNCIA DE LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA ACERCA DA CONTRATAÇÃO ELETRÔNICA
4.1 MEIOS JURÍDICOS APLICADOS NA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS ENVOLVENDO OS CONTRATOS ELETRÔNICOS
O Direito a se ver diante de uma situação fática sem legislação compatível com o comércio de bens via computadores e similares, tenta adequá-la à legislação já existente e aos costumes, verificando se determinada prática está em consonância com o nosso modelo jurídico vigente, objetivando a proteção jurídica dos cidadãos diante dos possíveis riscos gerados pela tecnologia.
Atualmente, as transações eletrônicas são regidas por um emaranhado de diversos aspectos, abrangendo jurisprudências, analogias – quando seu uso for cabível –, inúmeras instruções normativas, e logicamente o Código Civil, o Código de Processo Civil e o Código do Consumidor.
Demonstrando a relevância da aplicação do supracitado emaranhado de diversos aspectos norteadores da relação contratual em tela assevera Leal:
[...] mesmo após a regulamentação específica por lei da contratação em meio eletrônico, em observância ao princípio da conservação, as normas e os princípios gerais reguladores do direito contratual continuarão sendo aplicados aos contratos eletrônicos (LEAL, 2007, p. 93).
Em se tratando de princípios, assunto oportunamente abordado no capítulo anterior, pode-se perceber a sua relevância na resolução de conflitos envolvendo a contratação em questão. Tanto os princípios da contratação em geral, merecendo destaque o princípio da boa-fé objetiva, quanto os princípios específicos da relação contratual em tela revestem-se de suma importância, não podendo olvidar dos princípios regentes das relações de consumo.
A analogia também pode ser usada como meio jurídico para dirimir eventuais conflitos. Exemplo disso é a analogia feita entre os contratos por telefone e os contratos eletrônicos interpessoais firmados de maneira simultânea. Esta relação pode ser feita pelo fato de que ambos tem a possibilidade de resposta imediata. Sendo assim, o art. 428, I,do CC ao dispor que: “deixa de ser obrigatória a proposta se, feita sem prazo a pessoa presente, não foi imediatamente aceita. Considera-se também presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação semelhante”, traz uma regra que é plenamente passível de uso analógico para o contrato ora trazido a lume.
A mediação e arbitragem também configuram-se em alternativas viáveis para a solução das questões concernentes a contratação eletrônica. Explicita Patrícia Peck:
Consideramos que a solução mais célere e eficiente para resolver questões de direito digital é a aplicação da mediação e arbitragem. Para as questões em que não se puder aplicar a arbitragem, como as questões penais, encontramos guarida em um modelo misto que possa incluir uma jurisdição virtual, como a que já vem sendo aplicada por vários países. O Direito Digital atua em ambiente global, num regime de alianças e parcerias, com estrutura de mercado de `coopetição`, ou seja, competição mais cooperação. Portanto, a rivalidade que atinge as partes em lide deve ser sempre evitada, uma vez que a sociedade digital tem relações de dependência e efeitos em cascata muito maiores, pois estamos todos conectados (PECK apud LEAL, 2007, p.122).
Outro meio jurídico utilizável é a auto-regulamentação, que desloca a questão do âmbito legislativo para os participantes e interessados diretos visando proteger determinado direito e solucionando determinada questão controversa. Nas palavras de Peck:
Um bom exemplo de auto-regulamentação são os provedores de serviço de acesso à Internet que têm contribuído e criado normas padrão a serem seguidas não apenas em nível local, mas principalmente, em nível global, no que tange às questões de privacidade e de crimes virtuais. A auto-regulamentação já existe em nosso Direito há muito tempo. Uma série de categorias profissionais criam as suas próprias normas e diretrizes de trabalho, como a dos médicos, advogados, e setores como o mercado publicitário e de telecomunicações. O princípio que norteia a auto-regulamentação é o de se legislar sem muita burocracia, observando a Constituição e as leis vigentes. Isto permite maior adequação do Direito à realidade social, assim como maior dinâmica e flexibilidade para que ele possa perdurar no tempo e manter-se eficaz (PECK apud LEAL, 2007, p.123).
O uso de jurisprudências também orienta o magistrado quando do surgimento de conflitos. Cada vez mais, os tribunais têm se manifestando acerca do assunto. Como exemplo, podemos trazer à baila as seguintes jurisprudências:
CIVIL. OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. Autor, que compra automóvel através do sítio da fabricante na internet. Contrato que foi ratificado nas concessionárias da marca, conforme instrução da vendedora. Dano material que não restou comprovado. Improcedência. Dano moral. Ocorrência que supera o simples inadimplemento contratual. Reforma da sentença que se impõe para acolher o pleito de reparação do dano moral. Verba indenizatória que se fixa em R$ 12.000,00, a serem pagos solidariamente pelas rés. Demais recursos que restaram prejudicados ante o acolhimento parcial do recurso do autor. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO DO AUTOR, RESTANDO PREJUDICADOS OS DEMAIS APELOS (TJRJ, Décima Quinta Câmara Cível, AC Nº. 2006.001.15023, Rel. Des. Celso Ferreira Filho - Julgamento: 26/04/2006).
COMPRA E VENDA. INTERNET. DIREITO DE ARREPENDIMENTO. PEDIDO DE CANCELAMENTO. CARTAO DE CRÉDITO. COBRANÇA INDEVIDA. Apelação Cível. Consignação em pagamento. Compra pela internet de pacote de viagem. Pedido de cancelamento dentro do prazo de reflexão. Denúncia vazia do contrato de consumo. Cobrança indevida das parcelas pela administradora de cartão de crédito. Declaração de inexistência do débito. Procedência da consignação. 1. O "caput" do artigo 49 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor resguarda o direito de arrependimento da declaração de vontade do consumidor manifestada no ato de celebração da relação jurídica, bastando, para tanto, que o contrato tenha sido celebrado fora do estabelecimento comercial e que o contratante o exerça dentro do prazo de reflexão de sete dias. 2. O direito de arrependimento pode ser exercido unilateralmente, mostrando-se prescindível, para tanto, a concordância da empresa contratada, pois não se pode transferir o risco do negócio ao consumidor, nem lhe exigir que busque o desfazimento do negócio por via judicial, sob pena de se transformar o texto legal em letra morta. É hipótese de resilição unilateral do contrato. 3. Indevida a cobrança e regulares os depósitos consignados judicialmente, impõe-se a procedência do pedido, para declarar a inexistência dos débitos cobrados nas faturas dos meses de fevereiro a setembro de 2005, no patamar excedente ao que foi consignado em juízo, autorizando-se ao réu levantar os depósitos, com inversão dos encargos da sucumbência. 4. Provimento do recurso (TJRJ, Décima Quarta Câmara Cível, AC Nº. 2006.001.42097, Rel. Des. José Carlos Paes - Julgamento: 17/08/2006).
A primeira jurisprudência acima colacionada trata do reconhecimento do direito indenizatório à parte que contratou eletronicamente e em virtude do inadimplemento do proponente sofreu danos. Já a seguinte resguarda o direito de arrependimento do consumidor que contratou eletronicamente. Com base nesses entendimentos duas questões bastante corriqueiras podem ser solucionadas, e estas são apenas duas das inúmeras questões que possuem guarida jurisprudencial, facilitando a atuação do magistrado.
Outro meio viável para solucionar as possíveis divergências é o uso da Lei Modelo da Uncitral (United Nations Commission on Internet Trade Law) sobre o comércio eletrônico que dentre outras informações versa sobre a formação e validade dos contratos, reconhecimento pelas partes das mensagens de dados e admissibilidade e força probante das mensagens de dados.
Por fim, deve se ressaltar que a principal forma de resolução de controvérsias no que tange a contratação eletrônica de consumo refere-se à aplicação do CDC, pelo fato deste Código estabelecer normas de ordem pública, cogentes e indisponíveis. Cabendo ressaltar que obviamente a sua aplicação se dará juntamente com a do Código Civil (ao tratar das relações contratuais).
4.2 DA NECESSIDADE DA ELABORAÇÃO DE LEI QUE COMPLEMENTE A ABORDAGEM DOS CONTRATOS DE CONSUMO ELETRÔNICOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
O surgimento e a expansão das transações contratuais eletrônicas trouxeram uma grande revolução e ampliação no meio jurídico. Permitiram a interação entre as pessoas e as empresas em um ambiente novo caracterizado pela possibilidade de comunicação de maneira instantânea e global, proporcionando o surgimento de relações jurídicas atípicas, que ensejam o aparecimento de conflitos inéditos a serem solucionados pelos operadores de Direito.
Acerca da íntima relação entre a estrutura econômica e jurídica assevera Orlando Gomes:
As relações econômicas habituais travam-se sob as formas jurídicas que, por sua freqüência, adquirem tipicidade. As espécies mais comuns são objeto de regulamentação legal, configurando-se por traços inconfundíveis e individualizando-se por denominação privativa. É compreensível que a cada forma de estrutura econômica da sociedade correspondam espécies contratuais que satisfaçam às necessidades mais instantes da vida social. Em razão dessa correspondência, determinados tipos de contratos preponderam em cada fase da evolução econômica [...] (GOMES apud JUNQUEIRA, 1997, p. 16-17).
Não há em nosso ordenamento legislação específica que trate dessa “espécie contratual”, diante dessa situação, posicionam-se três correntes doutrinárias: a que defende a necessidade de regulamentação que apenas complemente a que trata da contratação em geral; a que defende ser imprescindível a criação de uma nova lei que regulamente totalmente os contratos em tela e a que entende ser desnecessário a criação de qualquer norma para tratar o tema em questão.
Discorrendo acerca da necessidade de regulamentação que complemente a contratação eletrônica afirma Martins:
Alguns problemas relativos à matéria em estudo podem ser facilmente resolvidos por intermédio da adaptação das normas jurídicas existentes, como ocorre no campo da interpretação do contrato, da disciplina das respectivas cláusulas, da responsabilidade civil ou da liberdade de expressão, dentre outros; porém há searas que exigem uma nova regulação, não se mostrando suficientes os esquemas tradicionais, tais quais a formação, prova e forma do contrato, bem como no que tange aos meios de pagamentos (MARTINS, 2000, p.141).
No mesmo sentido entende Leal, sob o pretexto de alcançar segurança jurídica na contratação em questão:
Não obstante os contratos eletrônicos estarem protegidos pelo ordenamento jurídico vigente, faz-se necessária a disciplina jurídica dos meios eletrônicos que ao menos garanta à contratação em meio eletrônico a mesma segurança dos contratos realizados por escrito, em suporte de papel, o que pode ser alcançado pelo sistema de criptografia assimétrica com assinatura e certificação digital, que garante a confiabilidade, autenticidade, integridade e não – rejeição dos documentos eletrônicos, adotado pelas propostas em trâmite no Congresso Nacional. [...] Somente com uma lei específica voltada à regulamentação do comércio e da contratação em meio eletrônico estes passarão a integrar a categoria de contratos formais, típicos, cuja validade e eficácia ficará subordinada não apenas aos requisitos gerais de validade dos contratos em geral, mas também aos requisitos específicos de validade dos contratos eletrônicos, o que certamente criará uma esfera de maior confiabilidade na contratação em meio virtual e contribuirá para o desenvolvimento do comércio eletrônico no Brasil ( LEAL, 2002, p.180-181).
Posicionando-se no sentido de que é necessário a elaboração de uma lei específica que aborde todo o tema em questão, e não somente o complemente aduz Gustavo Testa Corrêa:
A legislação deverá abraçar um novo entendimento: o de que as mudanças fundamentais resultantes de um novo tipo de transação requererão regras comerciais compatíveis com o comércio de bens via computadores e similares. [...] Seria necessária a criação de uma nova lei comercial objetivando a modificação, transferência e distribuição de softwares, produtos multimídia interativos, bens materiais, dados e base de dados de computadores, através da Internet ou outro meio semelhante, contribuindo para a facilitação da realização do comércio eletrônico, em todo o seu potencial, e para uniformização legal brasileira (CORRÊA, 2002, p.39-40).
Corroborando com o autor imediatamente citado acima afirma Marco Antônio Machado Ferreira Melo:
Esta nova era digital exige um processo legislativo ágil, capaz de acompanhar a evolução tecnológica e as suas conseqüências sociais. Se é verdade que a solução jurídica precede a solução tecnológica, estamos literalmente desprotegidos. A solução jurídica para as questões das novas tecnologias que evoluem rapidamente, não podem depender do processo legislativo arcaico, moroso por natureza, concebido num outro tipo de sociedade pós moderna. Há a necessidade de adequação de nossa legislação para este novo momento. O Direito e a Ciência do Direito estarão em permanente crise decorrente da velocidade das transformações sociais, culturais, políticas e tecnológicas (MELO apud LEAL, 2005, p.80).
De corrente doutrinária divergente encontramos os pensamentos de Analice Castor de Matos (2007, p. 8) de sua dissertação de mestrado. Entende a autora ser desnecessária a criação de qualquer norma específica acerca do tema em tela:
[...] se aplicam às relações de consumo virtuais as regras do Código de Defesa do Consumidor e, subsidiariamente, do Código Civil, sendo desnecessária a criação de normas específicas sobre a matéria.
Demonstrando que a contratação em questão reveste-se de aguçadas divergências doutrinárias, merecendo assim, uma lei que consiga extirpar as dúvidas que rondam o tema em tela doutrinam Sampaio e Souza (2002):
Trata-se de um dos mais complexos temas no novo ramo do direito da Internet. Sua importância reside em que na rede muitos dos fatos e atos jurídicos têm implicações internacionais, ensejando a aplicação das denominadas normas de sobredireito para a solução de conflitos de leis no espaço.
Merece muita atenção a situação em questão, considerando que segundo o art.9º, § 2º da LICC se reputará constituída a obrigação no lugar em que residir o proponente, e que conforme dispõe o art. 435 do CPC se reputará o contrato no lugar em que for proposto.
Ocorre que mesmo o Código Civil tendo adotado a teoria da expedição da aceitação, sob o enfoque do tempo do contrato, adotou, quanto ao seu lugar de celebração, o local em que a oferta foi expedida.
É cediço que um internauta que não possua conhecimentos técnicos, configurando assim grande parcela dos usuários, não conseguirá determinar o local em que um proponente lhe ofertou seus serviços e/ou produtos. Diante disso, parte da doutrina como Sampaio e Souza, cita Silva para aduzir que:
se deva reputar celebrado o contrato no país que estiver determinada a extensão do dome de domínio, por constituir uma segurança para o oblato, que saberia desde o momento em que recebe a proposta onde seria constituída a obrigação.
Acerca do tema manifesta-se Alexandre de Paula:
Em caso de inadimplência do contrato eletrônico através, v. g., da existência de vícios, entendemos ser perfeitamente aplicável o disposto no art. 9º da LICC, de forma que a obrigação deverá ser processada segundo a égide do CDC, atendendo ainda o contido no inciso II do art. 88 do CPC, que preceitua que a obrigação deve ser cumprida no Brasil. O próprio CDC em seu art. 101 é taxativo em afirmar que o consumidor pode optar onde prefere propor a ação contra o fornecedor, ou seja, pode ajuizá-la no Brasil e executá-la segundo os limites da lei alienígena, ou já ingressar no juízo estrangeiro (DE PAULA, 2010).
Depreende-se então que o Código de Defesa do Consumidor pelo fato de conter normas de proteção e defesa dos consumidores que são cogentes e indisponíveis devem ser aplicadas aos contratos de consumo internacionais eletrônicos, para que assim protejam os direitos dos consumidores brasileiros.
Considerando ainda os limites da lei alienígena acima mencionado, cabe explicitar que apesar de ser possível a aplicação de lei estrangeira pelo magistrado brasileiro, deve se considerar o disposto no art. 17 da LICC que estabelece a ineficácia de lei e declaração de vontade estrangeiras, se estas ofenderem a soberania nacional, à ordem pública e os bons costumes.
Além da dificuldade enfrentada pra se estabelecer o foro competente para o julgamento de ações que tratem das relações jurídicas estabelecidas virtualmente, outro ponto controverso é o que diz respeito à força executiva dos contratos eletrônicos, se o documento eletrônico em questão poderia se revestir de uma das formas dos títulos já trazidos pela legislação, ganhando assim força executiva. Não se podendo deixar de considerar também que há uma necessidade de que regras claras sejam estabelecidas acerca da validade e efeitos dos documentos e assinaturas eletrônicos,formação,prova e forma do contrato, e que também se crie uma estrutura certificadora que conceda autenticidade aos documentos formados virtualmente.
Como já foi dito, há inúmeros meios jurídicos capazes de levar a determinada interpretação e aplicação de normas referentes à contratação eletrônica. Fora exposto também que a criação da estrutura de chaves públicas brasileira atribui validade jurídica aos documentos eletrônicos. Contudo, ainda assim há muita imprecisão e divergência quando da aplicação de tais normas pelo fato de terem sido elaboradas de forma pouco detalhada, pormenorizada.
Pelo fato de existirem muitos meios jurídicos viáveis na solução dos conflitos envolvendo a contratação em tela seria totalmente dispensável uma legislação que regulasse de modo total os contratos em questão, já que o ordenamento jurídico brasileiro aborda muitas regras plenamente aplicáveis a esse tipo de contrato. Contudo, ainda assim muita imprecisão ronda o tema em questão. Desse modo, depreende-se que se faz necessário a elaboração de legislação que apenas complemente a normatização já existente acerca dos contratos em geral. Tal regulamentação esclareceria conceitos técnicos e extirparia controvérsias existentes quando da aplicação de regras na solução dos conflitos corriqueiramente existentes na relação em questão.
As peculiaridades dessa contratação necessitam de regulamentação própria, sendo incipiente a simples adaptação das normas já existentes sem que seja elaborada uma regulamentação que a complemente. A elaboração de tais normas porá fim a essa atmosfera de dúvidas e garantirá maior segurança a contratação eletrônica.
Nosso ordenamento já caminha nesse sentido, prova disso se dá com o surgimento de projetos de lei que visam regular o tema tratado. Maiores destaques merecem o Projeto de Lei n º 1.589, de 1999 que dispõe dentre outros temas acerca do comércio eletrônico, da validade jurídica do documento eletrônico e a assinatura digital e o Projeto de Lei n º 4.906, de 2001, que trata do valor probante do documento eletrônico e da assinatura digital, regula a certificação digital, institui normas para as transações de comércio eletrônico, dentre outros temas.
5 CONCLUSÃO
A influência das tecnologias de informação e comunicação sobre as formas de organização social, política, administrativa, sobretudo econômica, fazendo surgir a denominada sociedade da informação, na qual a Internet assume uma posição de destaque propiciou uma grande alteração no foco das transações comerciais, que a partir de então passaram a ter um novo meio para o desenlace de relações jurídicas, o denominado ambiente virtual.
A facilidade de acesso à Internet ensejando o vertiginoso crescimento das transações contratuais eletrônicas aumenta a necessidade de afastar o consumidor da angustiosa situação de insegurança jurídica em relação à contratação em tela.
A preponderância da liberdade de uso da Internet, a escassa regulamentação, a relatividade com que se tratam os conceitos de tempo e de espaço, a certa inclinação à dispensabilidade dos documentos físicos em suporte de papel e a grande divergência doutrinária acerca da interpretação cabível a aplicação de determinada norma a contratação eletrônica comprovam a necessidade de se elaborar uma normatização que complemente a tutela jurídica já existente acerca da contratação eletrônica.
As transações em questão são regidas por um emaranhado de leis e de meios jurídicos que visem a sua tutela. O CC, o CPC, o CDC, a Lei Modelo da Uncitral revestem-se de grande relevância no que tange a contratação eletrônica. A analogia, a mediação e arbitragem, a jurisprudência, a auto-regulamentação e os princípios norteiam a aplicação desse conjunto de leis aplicáveis a tais relações.
Em se tratando da validade dos contratos de consumo eletrônicos foi visto que basta ocorrer a observância dos elementos previstos expressamente em lei indispensáveis aos contratos em geral, como também os determinados pelo Código de Defesa do Consumidor para que o contrato objeto do presente trabalho seja considerado válido. Restando claro que a ausência de leis específicas que regulamentem os contratos não impede a garantia de validade e obrigatoriedade jurídica destes, já que a inovação trazida não altera a natureza jurídica do contrato, pois apenas diz respeito à mudança do meio pelo qual se opera a contratação.
É sabido que a intangibilidade e a vulnerabilidade do ambiente cibernético aumentam os riscos da contratação, exemplos disso são: a facilidade com que este contrato fique sujeito a negativa de que foi realizado, a dificuldade de que seja feita a identificação segura das partes contratantes e a possibilidade de que haja invasão ao sistema visando fins ilícitos.
As peculiaridades que rondam essa contratação reclamam por uma lei específica que afastem os pontos controversos deste instituto e que também sistematizem as regras esparsas desse emaranhado de normas orientadoras da relação jurídica em questão. Como ficou evidenciado, por exemplo, a elaboração de tal lei poderá extirpar a dúvida que paira acerca da determinação de qual será o foro competente para o julgamento de ações que tratem das relações jurídicas estabelecidas virtualmente; e também no que diz respeito à força executiva dos contratos eletrônicos, se o documento eletrônico em tela poderia se revestir de uma das formas dos títulos já trazidos pela legislação, ganhando assim força executiva.
Esse diploma legal poderá também abordar regras claras acerca da validade e efeitos dos documentos e assinaturas eletrônicos, explicitar conceitos técnicos e determinar a criação de uma estrutura certificadora no que tange aos documentos formados virtualmente.
Atualmente tramitam perante a Comissão Especial de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados vários projetos acerca das relações de contratos eletrônicos, como por exemplo, o PL 4.906/01, seu substitutivo o PL 1.483/99 e os apensos PL’s 1.589/99, 6.965/02 e 7.093/02. Tais projetos atendem ao anseio de segurança do consumidor que deseja utilizar-se da contratação eletrônica.
Acredita-se, portanto, que ao elaborar um diploma legal específico que supra a deficiência da tutela dos contratos de consumo eletrônicos no ordenamento jurídico brasileiro, o Estado atenderá o que dispõe a Constituição Federal, em seu art.5º, XXXII, e promoverá, assim, a defesa do consumidor. Inspirando maior credibilidade na contratação em meio virtual e ensejando o maior desenvolvimento do comércio eletrônico no Brasil.
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Advogada especialista em Direito e Processo do Trabalho.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Taciara de Almeida. A tutela dos contratos de consumo eletrônicos no ordenamento jurídico brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 abr 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43742/a-tutela-dos-contratos-de-consumo-eletronicos-no-ordenamento-juridico-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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