RESUMO: O trabalho visa demonstrar de forma clara a impossibilidade do alcance da verdade material no processo penal, trazendo os motivos pelos quais tal posicionamento é defendido por parte da doutrina. No presente cenário jurídico, sustentar a verdade material significa um imenso retrocesso na ciência jurídica, de forma a afetar negativamente o dia-a-dia de inúmeras pessoas. No entanto, este artigo propõe uma análise realística do próprio garantismo, evitando assim teses insustentáveis na prática forense.
PALAVRAS-CHAVES: Processo Penal. Garantismo. Verdade material. Subjetivismo. Subsunção. Verdade formal. Verdade processual.
ABSTRACT: The work demonstrates clearly the impossibility of the reach of material truth in criminal proceedings, bringing the reasons why this position is advocated defended by the doctrine. In this legal scenario, sustain material truth means a huge setback in legal science in order to negatively affect the day-to-day countless people. However, this article proposes a realistic analysis of guaranteeism itself, thus avoiding theses unsustainable in forensics.
KEYWORDS: Criminal Procedure. Guaranteeism. Material truth. Subjectivism. Subsumption. Formal truth. Procedural truth.
INTRODUÇÃO
Ao longo dos anos de estudo durante a graduação e pós graduação, a ciência Processual Penal me sempre despertou um imenso interesse, haja vista que sem este, não haveria como aplicar o próprio Direito Penal. E mais, saliente-se que apenas com a “boa” aplicação deste ramo processual é que se poderiam aplicar as sanções de forma justa. Hodiernamente a doutrina discute qual a natureza da verdade a ser buscada no processo - se a verdade material ou processual -; e o presente artigo jurídico visa defender a busca da verdade formal/processual como medida da mais lídima justiça!
DESENVOLVIMENTO:
O garantismo penal tem por defeito o fato de ser fundado em noções limítrofes do idealismo, pendendo para a crítica de nunca conseguir se tornar realizável. A ideia de que o juiz ao analisar o caso terá o acesso à verdade absoluta do fato criminoso ocorrido, é ilusório, conforme se defende neste trabalho, e em razão disto, as decisões judiciais padecem de uma discricionariedade, em maiores ou menores graus. Diante deste cenário, percebe-se que na prática jurisdicional existem espaços de poder, conforme defende brilhantemente Luigi Ferrajoli (2010, p. 42):
Distinguirei estes espaços – que em seu conjunto formam o poder judicial (...) – em quatro tipos: o poder de indicação, de interpretação ou de verificação jurídica; o poder de comprovação probatória ou de verificação fática; o poder de conotação ou de compensação equitativa; o poder de disposição ou de valoração ético-política.
Diante disso, por mais aperfeiçoado que esteja o sistema de garantias penais, a verificação jurídica dos pressupostos legais da pena nunca pode ser absolutamente certa e objetiva. A interpretação da lei, como hoje pacificamente se admite, nunca é uma atividade exclusivamente recognitiva, mas é sempre fruto de uma escolha prática a respeito de hipóteses interpretativas alternativas. Esta escolha, mais ou menos opinativa segundo grau de indeterminação da previsão legal, se esgota inevitavelmente no exercício de um poder na indicação ou qualificação jurídica dos fatos julgados.
Em segundo lugar, ainda que disciplinada pelo conjunto das garantias processuais, também a verificação fática de uma inserção judicial, da mesma forma que a de qualquer inserção empírica, exige decisões argumentadas. A prova empírica dos fatos penalmente relevantes não é na realidade uma atividade apenas cognitiva, mas constitui sempre a conclusão mais ou menos provável de um processo indutivo, cuja aceitação é, por sua vez, um ato prático que expressa um poder de escolha a respeito de hipóteses explicativas alternativas.
Em terceiro lugar, além de comprovar os fatos abstratamente indicados na lei como pressupostos da pena, o juiz deve discernir as conotações que convertem cada fato em diverso dos demais, por mais que estes pertençam ao mesmo gênero jurídico. Tais conotações nunca são legal e totalmente predeterminadas, pois em grande parte vêm remetidas à equidade do juiz, que segundo mostrarei, é uma função cognitiva, que sem dúvida inclui uma atividade valorativa. No plano axiológico, ademais, o modelo penal garantista, ao ter a função de delimitar o poder punitivo do Estado mediante a exclusão das punições extra ou ultra legem, não é em vez de se dirigirem a punir o réu para além dos limites cometidos, servem para particular circunstâncias nas quais os fatos comprovados se tenham verificado. Daí segue que não é só estranha, mas também incompatível com a epistemologia de MONTESQUIEU: “Os juízes da nação não são, como temos dito, mais do que a boca que pronuncia as palavras da lei, seres inanimados que não podem moderar nem a força nem o rigor das leis.”16
Em quarto lugar, dado o nexo que une a estrita jurisdicionalidade à estrita legalidade, na medida em que o modelo penal garantista não se satisfaz com o plano legislativo, abrem-se no plano judicial espaços inevitáveis de discricionariedade dispositiva, que comprometem tanto o caráter cognitivo do juízo quanto sua sujeição exclusivamente à lei. Dentro desses espaços, o juiz, ainda quando em contraste com a natureza de seu papel, não pode subtrair-se à responsabilidade política das escolhas e decisões. Esta é a contradição, nunca de todo resolúvel, que aflige os fundamentos de legitimidade da jurisdição penal e sobre a qual sempre assentou a reflexão da cultura liberal-garantista. Como veremos, nas duas dimensões se mede o grau de irracionalidade e de ilegitimidade política de todo o sistema penal.
Analisado isto, resta demonstrado duas conclusões acerca do enfoque do presente trabalho, a verdade material resta inalcançável, o que será melhor explicitado, e que o garantismo, apesar de sua ligação com a visão processual utópica, é sim alcançável, não em sua plenitude, mas dentro de certos níveis aceitáveis, servindo também e principalmente como uma limitação à atividade jurisdicional.
O modelo do direito penal e processual penal vigente em nosso Estado vem sendo, há séculos, o autoritário. Seja nas práticas legislativas, judiciais ou policiais, além de doutrinas e teorias ao longo do tempo desenvolvidas, flutuando dos esquemas da inquisição ás teorias mais modernas de prevenção, predomina o sistema anti garantista, podendo ser analisados à luz de dois aspectos, a definição normativa e o desvio penal no âmbito judicial.
Vê-se como desvio o fato de que o objeto a ser analisado pelo direito penal não é apenas o crime, formalmente considerado, mas é este delito enquanto uma fuga do comportamento esperado socialmente, o que o faz imoral, além da análise do próprio autor da infração, em seu aspecto negativo, como uma pessoa voltada para a prática delituosa. E este desvio acaba por trazer consigo, uma desvalorização do papel da legislação enquanto caráter único da tipificação de delitos.
E esse desvio que enfraquece a norma, é trazido justamente por ela quando trabalha com conceitos vagos, amplos, que conseguem amoldar em si diversas situações a serem analisadas pelo magistrado. Engana-se quem, no entanto, pensa que apenas os conceitos abertos, já criticados pela doutrina mais avançada, trazem à tona a problemática. Questões qualificadoras do sujeito, estas infelizmente mais aceitas, como “reincidente”, “vagabundo”, “propenso a delinquir”, que sob as vestes da individualização da pena, dão margem clara ao julgamento pela pessoa em si e não pelo delito.
E o enfraquecimento normativo desemboca no esvaziamento da lógica da legalidade, não no sentido de apenas se fazer a subsunção fato e norma, vez a própria norma tem servido como esvaziadora de si mesma, mas no sentido que à lei cabe trazer fatos que se cometidos deverão ser punidos tão somente por seu cometimento, não havendo nenhuma causa de exclusão de tipicidade, ilicitude ou culpabilidade.
Então, se o que fundamenta esse modelo penal e processual penal subjetivo é o criminoso pelo que ele é, a verdade terá, portanto, essa forma, de se buscar demonstrar quem é aquele criminoso, imoral em sua conduta, o que traz uma nítida imbricação, não saudável inclusive neste momento, do direito e da moral.
Ante a falta de fundamentos empíricos, resta fortalecido o decisionismo, subjetivo, na punição por ser o próprio sujeito, e não por seu ato embasado em suspeitas subjetivas do juiz em relação ao autor do fato delituoso. O que, mais uma vez se afasta da realidade que tanto a doutrina clássica busca.
Atenuando-se a legalidade, dando margem à arbitrariedade, à rotulação, com o poder inquisitório jurisdicional, desvinculando-se dos critérios da qualificação penal posto que se baseie não em juízos de fato, mas em juízo de valor, que em sua natureza não são classificáveis como verdadeiros ou falsos. Assim, a única verdade que se mostra alcançável é a verdade processual, que é pode ser exposta a controles objetivos e racionais.
Em verdade a jurisdição por um modelo inquisitório processual não se realiza, conforme pode ser aduzido da obra de Luigi Ferrajoli (2010, p. 47):
Se, com efeito, “juris-dição” designa um procedimento de comprovação dos pressupostos da pena que se expressa em assertivas empiricamente verificáveis e refutáveis, qualquer atividade punitiva expressamente contrária a este esquema é algo distinto de jurisdição. Trata-se precisamente, de uma atividade substancialmente “administrativa” – ou, se quisermos, “política” ou “governativa” – caracterizada por formas de discricionariedade que, ao afetar as liberdades individuais, inevitavelmente desembocam no abuso. A estrita legalidade, como veremos, constitui, ao final e ao cabo, o traço distintivo da jurisdição penal: no sentido de que seus pronunciamentos, diferentemente do que ocorre em qualquer outra atividade pública, a lei pretende predeterminar não apenas as formas, mas também os conteúdos.
A verdade material ou substancial é aquela absoluta, sem limite em suas buscas, sendo alcançável por qualquer meio, fugindo, portanto, das rígidas regras procedimentais. A busca ilimitada, por óbvio desemboca nos juízos de valores, sabidamente arbitrários, arraigado com a noção irracional do processo penal.
No entanto, alguns autores, entendem o princípio da verdade real no processo penal, em verdade como um posicionamento a ser adotado pelos magistrados, no sentido da busca, pelo mesmo, de provas que mais se aproximem da verdade possível. A título exemplificativo, um ilustre autor, defensor da presente teoria, é o autor Nucci, Guilherme no livro Manual de Processo Penal, 2008, p. 105:
“O princípio da verdade real significa, pois, que o magistrado deve buscar provas, tanto quanto as partes, não se contentando com o que lhe é apresentado, simplesmente.”
O entendimento desta corrente doutrinária é o que o Código de Processo Penal brasileiro adota a verdade material conforme se pode verificar em diversos artigos, tais como os art. 147; 156; 209; 234, entre outros.
Assim, na busca da verdade real, caberia ao julgador, na esfera criminal, atuar como co-autor na produção de provas, não podendo o mesmo se contentar com as provas produzidas pelas partes, como um mero espectador.
Ainda sobre o princípio da verdade material, mesmo dentre aqueles que defendem sua aplicabilidade no Processo Penal brasileiro, há os que falem na existência de uma limitação. É o entendimento do Autor Júlio Fabbrini Mirabete, 2006, Editora Atlas, 2006, São Paulo, p. 25:
“No processo penal brasileiro o princípio da verdade real não vige em toda a sua inteireza. Não se permite que, após uma absolvição transitada em julgado, seja ela rescindida, mesmo quando surjam provas concludentes contra o agente. A transação é permitida, por exemplo, nas ações privadas com o perdão do ofendido. A omissão ou a desídia do querelante pode provocar a perempção. Há, também, inúmeras outras causas de extinção da punibilidade que podem impedir a descoberta da verdade real.”
A verdade formal, caracterizada pela inércia judicial durante a produção probatória, para os que assim entendem, apenas seria possível no âmbito cível, onde, em regra, prepondera o interesse do particular e não o estatal. E mais, a aplicação a verdade formal, mesmo no processo cível, estaria sendo relativizada.
Faz parte de um ideal iluminista ingênuo a noção de que haverá perfeita correspondência entre a previsão legal e os fatos concretos, desembocando na aplicação da lei de forma mecânica.
Para a construção do direito penal iluminista, se faz fundamental que se busque uma teoria adequada da verdade. Logo, para que se chegue à noção mais próxima de verdade processual, se faz necessário analisar primeiramente o que é a verdade.
Do fato analisado pelo direito penal, tem-se duas premissas, que o sujeito cometeu um fato, e que este fato é caracterizado como um fato delituoso, são estas as assertivas. A primeira assertiva é uma assertiva baseada no plano fático, sendo provada pela ocorrência ou não do fato, já a segunda se configura como a verdade jurídica, provada por meio da interpretação dos enunciados normativos, o que nos leva às verdades fática e jurídica.
A verdade, no entanto, é inalcançável. E tem esta característica de não ser “palpável”, porque a verdade se faz com os conhecimentos técnicos existentes à época da análise, com o que se tem naquele momento condições de se alcançar para a análise das informações obtidas. Então, a verdade não é absoluta, é apenas a verdade alcançável com o que temos até este determinado momento. O princípio da verdade se torna, portanto, o princípio que justifica a melhor tese apresentada, mais plausível e que possui o maior poder de explicação.
A verdade processual é uma verdade aproximada por diversas razões, dentre as quais, quatro tomam mais força e serão vistas a seguir.
A verdade processual não pode ser afirmada pela observação direta do fato analisado. Quando da ocorrência do processo, este se destina à análise de fatos ocorridos em um tempo anterior à ocorrência da audiência, quando estes apenas serão contados ao juiz, com base numa visão histórica. Então cabe à verdade processual classificar os fatos narrados, posto que o juiz não poderá experimentar o fato narrado, a lesão sofrida.
A função jurisdicional se aperfeiçoará, portanto, com o alcance da versão sustentada por uma das partes com maior capacidade da aproximação da verdade, de acordo com as provas coletadas. A investigação, no entanto, em algum momento terá que se findar e sendo o dilema irresolúvel, prevalecerá a versão mais benéfica ao acusado.
A segunda razão está na própria subsunção do fato à norma. Diante dos conceitos normativos constantes em nosso ordenamento jurídico, de natureza aberta, a análise pelo magistrado passa a ser invariavelmente em algumas situações, opinativa. As normas, em regra, trazem definições, tentando impor balizas limitadoras dos conceitos vagos, no entanto, jamais se conseguirá eliminar o subjetivismo quando do momento da subsunção.
A terceira razão está na figura do próprio julgador, ser humano que por mais que busque realizar o julgamento isento de carga valorativa, conforme dito, é um ser vivo, que carrega consigo experiências de vida, o que invariavelmente influi em seu julgamento. Pensar de forma diferente é minimamente ingênuo.
O quarto fator impeditivo da plenitude da verdade está na própria estrutura do processo penal. O processo, como a junção de atos processuais concatenados que ao final culminam em uma sentença, possui uma série de regras que regulamentam sua existência, através de seu desenvolvimento. Dentre as regras que dão forma ao processo, temos regras que geram a preclusão processual, que regulam as provas e suas causas de nulidade. Assim, um fato provado por determinada prova pode ser desconsiderado em razão da nulidade da prova, por exemplo. Considerando que este fato não consiga ser provado por outra maneira, ele restará fora da verdade extraída naquele processo.
Diante das razões demonstradas do motivo pelo qual a verdade material é inalcançável, se fortalece o princípio da verdade formal, mesmo em razão de sua importante função limitadora, regulador da função jurisdicional, quando da busca implacável de provas para o alcance de um objetivo inatingível, o que viola as garantias processuais, remetendo ainda o cenário jurisdicional ao passado. Reforçando a função limitadora, Luigi Ferrajoli aduz (2010, p. 53):
Tudo isto vale com a maior razão para a verdade processual, que também pode ser concebida como uma verdade aproximada a respeito do ideal iluminista da perfeita correspondência. Este ideal permanece apenas como um ideal. Mas nisto reside precisamente seu valor: é um princípio regulador (ou um modelo limite) na jurisdição, assim como a ideia de verdade objetiva é um principio regulador (ou um modelo limite) na ciência.
Assim, traz Lopes Júnior (2009), a noção de que a sentença, não sendo uma forma de revelar a verdade, passa a ser um ato de fé, mesmo porque o resultado pode não ser fiel à verdade, que provavelmente ficará desconhecida, permanecendo como o resultado de um convencimento. E para se alcançar a satisfação social através de um ato de fé, faz-se necessário todo um aparato psicológico, como a semelhança dos Tribunais com a Igreja, a presença do crucifixo nas salas de audiência, a toga do juiz, dentre outros elementos.
No entanto, o supracitado autor, nesta mesma obra, p. 560, traz a idéia de equilíbrio nesta assunção da não existência da verdade real, tendo como limitador as garantias processuais:
Então é fundamental destacar que as regras do devido processo legal, fundadas na instrumentalidade constitucional por nós defendida, impõem os limites que devem impedir o decisionismo e o substancialismo. Esse respeito às regras do jogo cria condições de possibilidade para o equilíbrio entre o relativismo cético e a mitológica verdade real.
É relevante que se ressalte que a verdade em si jamais poderia ser alcançada. Quando o juiz está na análise de um processo, ele está analisando fatos passados, que já ocorreram em um outro momento que, inequivocamente, não é o processual.
O processo, se referindo ao passado, estará então a mercê da reconstrução de uma história, que se dará com base principalmente em testemunhos, falíveis por natureza.
Logo, a verdade que se busca no processo é a verdade formal, pois a busca desta verdade não é feita de forma descontrolada, ao contrário, é preciso que se respeitem os procedimentos e as garantias processuais. As provas apresentadas precisam ser produzidas com a observância de técnicas estabelecidas, previamente, em leis.
Conforme mencionado anteriormente, a sentença, pela própria etimologia da palavra deriva ao fim do sentir “sentire”, pois a sentença, ao final, exprime o sentimento de convencimento jurisdicional, acerca das doutrinas apresentadas.
Assim, a busca deverá pela verdade formal em nome da boa aplicação do sistema acusatório, não só por este ser o sistema escolhido e apresentado no ordenamento jurídico vigente, mas porque esta escolha se deu devido às características democráticas deste sistema.
Por óbvio não se está a dizer que o juiz não buscará se aproximar ao máximo da verdade, no entanto, esta busca deverá ocorrer dentro das provas apresentadas a este magistrado dentro do processo.
CONCLUSÃO
Diante da análise das correntes doutrinárias de maior relevância – quais sejam: a da defesa da busca da verdade material, a da busca da verdade material de forma limitada e a da busca da verdade formal/processual -, conclui-se que a busca pela verdade formal é a solução mais adequada à realidade. Conforme restou demonstrado, não há como o magistrado retornar ao momento da ocorrência do delito e saber de fato o que ocorreu, portanto, o que resta demonstrado no processo nada mais é do que a representação de possibilidades do que poderia ter ocorrido no passado.
Ademais, da análise do passado histórico percebe-se quantos prejuízos aos direitos individuais e à própria dignidade humana ocorreram em razão da busca da verdade, elemento justificador de verdadeiras atrocidades. Cumpre saltar à memória, que quando da vigência da inquisição, a verdade, fim buscado, justificava todos os meios – cruéis e desumanos – utilizados.
Vige no ordenamento jurídico brasileiro a garantia do in dubio pro reo, logo, quando o juiz segue na busca da verdade material, ele estaria, de fato, partindo na busca de provas para uma condenação, vez que havendo dúvida, a decisão que deveria ser tomada, seria a da absolvição. Então, os dispositivos legais que dão ao magistrado o poder de produzir prova estariam de certa forma, em confronto com a máxima constitucional ora apresentada.
A atuação de ofício da figura imparcial do processo soa, então, como um paradoxo violador não só da imparcialidade judicial, como da própria inércia do Poder Judiciário.
Ademais, o Órgão Acusador, titular previsto constitucionalmente, art. 129, inciso I da Constituição Federal, das ações penais públicas, maioria dos delitos tipificados no Código Repressivo, é um órgão bem estruturado, que em regra estará em paridade plena com a defesa, quando não for superior.
E, acerca dos delitos de ação penal privada, estes apenas o são porque o legislador entendeu que os mesmos ferem muito mais o indivíduo em si do que a sociedade, razão pela qual o princípio vigente não é o da obrigatoriedade, mas o da oportunidade. Logo, igualmente descabida atuação de produtor de provas do juiz.
Logo, é perceptível que a busca da verdade material é um entendimento falido, não só porque a verdade em si é inalcançável, o que é reconhecido por todos os doutrinadores, mas pela violação do sistema acusatório, vigente no país no âmbito processual, e as suas desastrosas conseqüências, e pelo prejuízo ao acusado, beneficiário da dúvida.
Entretanto, é importante que se ressalte que não se está a criticar a produção, por parte dos julgadores, das provas que não mais poderão ser produzidas em juízo, por um risco real no perecimento das mesmas. É fundamental que sempre, em qualquer sustentação de posicionamentos, esteja presente a razoabilidade, e seria desarrazoado não fazer a diferenciação das referidas provas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FERRAJOLI, Luigi; Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Volume I. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2009.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas. 2006.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual e Processo Penal e Execução Penal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2008.
ADVOGADA. PÓS-GRADUADA EM DIREITO DO ESTADO PELO INSTITUTO DE EXCELÊNCIA (PODIVM), GRADUADA EM DIREITO PELA UNIVERSIDADE SALVADOR - UNIFACS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOARES, Gabriela Freire de Carvalho Ribeiro. A impossibilidade do alcance da verdade material no Processo Penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 abr 2015, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43949/a-impossibilidade-do-alcance-da-verdade-material-no-processo-penal. Acesso em: 23 dez 2024.
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