Resumo: Intenta-se, ao demonstrar a evolução que a adoção sofreu ao longo dos tempos, chegando a sua atual finalidade, elucidar os efeitos que acarreta que são de duas espécies: os pessoais e os patrimoniais.
Palavras-Chave: Adoção, Constituição Federal, Estatuto da Criança e do Adolescente.
Sumário: 1 Introdução; 2 Adoção; 2.1 O novo paradigma da noção da adoção e sua finalidade a partir da CF/88 e do ECA; 2.2 Os efeitos da adoção; 2.2.1 Efeitos pessoais: a extensão da ruptura do vínculo jurídico entre o adotado e a família biológica; 2.3.2 Efeitos patrimoniais: a alteração do contexto da obrigação alimentar; 2.4 Permissão legal para o adotado conhecer sua origem biológica; 3 Conclusões.
1 INTRODUÇÃO
A adoção, atualmente, é vista como forma de inserção da criança e do adolescente num ambiente familiar de forma definitiva e com a aquisição do vínculo jurídico próprio da filiação. Dessa forma, há o rompimento do liame com a família natural.
O presente artigo trata do instituto da adoção centralizando-se na abordagem dos efeitos que esse instituto acarreta que são de duas espécies: pessoais e patrimoniais. Para tanto, faz-se, inicialmente, uma breve análise da evolução legislativa permitindo, com isso, a total compreensão de seu alcance e importância.
2 ADOÇÃO
2.1 O NOVO PARADIGMA DA NOÇÃO DA ADOÇÃO E SUA FINALIDADE A PARTIR DA CF/88 E DO ECA
A adoção é um instituto milenar integrante dos costumes de quase todos os povos e, por isso, encontra-se na maioria dos ordenamentos jurídicos. Assim, sua definição e finalidade variam de acordo com a época e as tradições.
Na antiguidade, a adoção tinha precípua finalidade religiosa, com a preocupação de assegurar a continuidade do culto doméstico, impedindo a extinção da família. Fustel de Coulanges, citado por Silvio Rodrigues[1], define o instituto da adoção como recurso derradeiro para evitar que a família escapasse da desgraça da extinção representada pela morte sem descendentes.
A Bíblia cita a adoção de Moisés pela filha do faraó depois de ter sido largado por sua mãe em um cesto dentro do rio Nilo no Livro do Êxodo, Capítulo 2, versículos 1 a 10. Também é mencionada nos Códigos de Hamurabi e Manu, todos com a mesma conotação de perpetuar os costumes da família.
No Direito Romano, onde o instituto teve seu apogeu, o conceito empregado foi: “ato solene pelo qual se admite em lugar de filho quem pela natureza não é.” [2] Aqui, além da necessidade de se perpetuar o culto doméstico e dar continuidade à família, a adoção adquiriu uma finalidade política, permitindo que plebeus se transformassem em patrícios, conquistando, desse modo, a cidadania romana.
No Brasil, inúmeros juristas trataram da definição desse instituto:
Adoção é o ato pelo qual alguém aceita um estranho na qualidade de filho.[3]
Adoção é o ato solene pelo qual se cria entre o adotante e o adotado relação fictícia de paternidade e filiação. [4]
Adoção é o ato jurídico pelo qual se estabelece, independentemente do fato natural de procriação, o vínculo de filiação. Trata-se de ficção legal, que permite a constituição, entre duas pessoas, do laço de parentesco do primeiro grau na linha reta.[5]
Adoção é o ato sinalagmático e solene, pelo qual, obedecidos os requisitos fixados em Lei, alguém estabelece, geralmente com um estranho, um vínculo fictício de paternidade e filiação legítimas, de efeitos limitados e sem total desligamento do adotando da sua família de sangue. [6]
Adoção vem a ser o ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consangüíneo, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família na condição de filho, pessoa que, geralmente, lhe é estranha.[7]
Todos os conceitos, por mais diversos que sejam, convergem para um ponto comum: a criação de vínculo jurídico de filiação. Os autores afirmam que a adoção confere a alguém o estado de filho e que esta modalidade de filiação é chamada de parentesco civil, já que desvinculado do laço de consangüinidade, sendo o parentesco constituído pela lei que cria uma nova relação de filiação.
Entretanto, esses conceitos servem à concepção de adoção do Código Civil de 1916 e leis posteriores que regularam o instituto porque a adoção regulamentada no Estatuto da Criança e do Adolescente tem amplitude maior, por ter essa Lei adotado a doutrina da proteção integral, tendo caráter assistencialista e protecionista, sendo, portanto, elementar para o atual conceito a preservação do interesse do adotado.[8]
Antes de chegar a atual noção e finalidade da adoção necessário analisar apertadamente a evolução que esse instituto sofreu. Isso porque o direito experimentou avanços no plano da adoção, que foi sendo estruturada segundo realidades de cada época. Assim, útil comentar as mudanças ocorridas, demonstrando como chegamos a previsão atual. Vejamos:
O Código Civil de 1916 sistematizou o instituto da adoção no Capítulo V, do Título V, do Livro de Família, nos artigos 368 a 378, impondo regras excessivas que acabaram desestimulando sua prática, a exemplo da exigência dos adotantes serem maiores de cinqüenta anos e não possuírem prole legítima ou legitimada. Aqui a adoção era constituída por escritura pública, sem termo ou condição, e sem a assistência do Poder Público (arts. 134, I, e 375), podendo ser extinta pela manifestação unilateral da vontade do adotado, pela manifestação bilateral das partes, e nos casos de ingratidão, capazes de autorizar a deserdação.
Com o advento da Lei 3.133 de 1957 houve uma reestruturação do instituto, deixando de servir à satisfação do interesse do adotante e passando a ter função assistencial: a de garantir a melhora na condição de vida do adotado. Os artigos 368, 369, 372, 374 e 377 do Código Civil de 1916 foram alterados o que acarretou na redução do limite mínimo de idade do adotante para 30 anos; imposição de prazo de cinco anos após o casamento, independente de ter ou não filhos para poder adotar; entre outras. Percebe-se, através dessas marcantes modificações, a intenção do legislador em incentivar essa prática.
Novidade importante no instituto da adoção ocorreu com a criação da legitimação adotiva pela Lei 4.655 de 1965 cujos princípios acabaram acolhidos na adoção plena implementada pelo Código de Menores.
A legitimação adotiva autorizava a adoção de menores expostos e abandonados, de idade não superior a sete anos, por casais com mais de cinco anos de casamento, sem filhos e dos quais pelo menos um dos cônjuges tivesse mais de 30 anos. Era dispensável o decurso do prazo de cinco anos de matrimônio provada a esterilidade de um dos cônjuges, por perícia médica. Essa adoção atribuía a condição de filho para todos os efeitos legais, salvo no caso de sucessão, quando concorresse com filho legítimo superveniente. Era irrevogável, constituída apenas por sentença judicial e rompia a relação de parentesco do legitimado com a família de origem.
Com o surgimento do Código de Menores (Lei 6.697 de 1979) a legitimação adotiva foi substituída pela adoção plena, que manteve as mesmas características daquela e também previu a adoção simples, regulada pelo Código Civil. Ou seja, o novo diploma bipartiu o instituto, passando a regular duas espécies de adoção: a simples e a plena.
A primeira (arts. 27 e 28) foi tratada com remissão ao Código Civil. Dependia de autorização judicial e o interessado indicava os apelidos de família que seriam usados pelo adotado, os quais, se deferida a adoção, deveriam constar do alvará e da escritura, para averbação no registro de nascimento do menor. Exigia-se estágio de convivência com o menor, com prazo fixado pela autoridade judiciária, sendo dispensado na hipótese de adotado com até um ano de idade.
Tal adoção, de acordo com Silvio Rodrigues, estabelecia um parentesco civil entre adotante e adotado, parentesco este que se circunscrevia a essas duas pessoas, não se apagando, jamais, a circunstância de como ele se constituíra.[9] Ela era revogável pela vontade das partes e não extinguia os direitos e deveres decorrentes do parentesco natural.
A segunda, a adoção plena, regida nos artigos 29 a 37 da legislação minorista, atribuía a condição de filho ao adotado, apagando todos os sinais do parentesco natural, diferente da simples. Desligava-o dos vínculos com os pais e parentes naturais, salvo os impedimentos matrimoniais. Recebia os direitos sucessórios e a pensão alimentícia do adotante. Era irrevogável. Só poderia ser adotado menor de até sete anos de idade, em situação irregular, não eventual, ou com idade até dezoito anos, se antes dos sete estivesse sob a guarda dos adotantes.
Os adotantes deveriam ser casados há mais de cinco anos. Tal prazo era dispensado caso ficasse provado a esterilidade de um dos cônjuges e a estabilidade conjugal. Era permitida a adoção plena ao viúvo ou viúva desde comprovado que o menor estava integrado em seu lar, onde tinha iniciado estágio de convivência três anos ainda em vida do outro cônjuge. Também era possível que os cônjuges separados judicialmente, havendo começado o estágio de convivência de três anos na constância da sociedade conjugal, requeressem a adoção plena, se estabelecessem a respeito da guarda do menor após a separação judicial.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 veio atribuir nova feição ao instituto da família “de forma a prestigiar a dignidade humana, personalizando as relações entre seus componentes e afastando-se do modelo patriarcal que vigorou por muito tempo.”[10] Reduziu os poderes do homem como chefe da sociedade conjugal e da família visando ampliar os direitos da esposa e dos filhos tornando a família uma instituição democrática.
Na visão de Galdino Augusto Coelho Bordallo:
Com a nova sistemática constitucional, houve mudança mais do que significativa com referência à hipótese de colocação dos filhos no seio da família. No sistema anterior à Constituição Federal de 1988, os filhos pertenciam às famílias, sem que tivessem qualquer direito, pois, na hierarquia familiar, ficavam em plano inferior. Na nova sistemática, com a consagração do Princípio da Igualdade trazido para a família, combinado com o Princípio Fundamental da Dignidade Humana (art. 1º, III, da Constituição Federal), a família se torna instituição democrática, deixando de ser encarada sob o prisma patrimonial e passando a receber enfoque social, o que se denomina despatrimonialização da família. Isso faz com que os filhos passem a ser tratados como membros participativos da família, tornando-se titulares de direitos. O filho passa a ser o centro de atenção da família. [11]
No tocante a adoção, por ser esta uma forma de filiação, também foi abarcada por essa nova sistemática, passando a ser tutelada pelos princípios citados, a saber: o da igualdade e o da dignidade humana. Como conseqüência, a CF/88 avançou equiparando os direitos de todos os filhos, oriundos ou não do casamento, naturais ou adotivos (art. 227, § 6º), afastando a repudiada discriminação antes existente.
Em complemento, o art. 227, CF/88 elucida o compromisso do Brasil com a doutrina da proteção integral, assegurando às crianças e aos adolescentes a condição de sujeitos de direito, de pessoas em desenvolvimento e de prioridade absoluta. Inverteu-se, desde então, o foco de prioridade. No sistema jurídico anterior, privilegiava-se o interesse do adulto. Com a nova carta constitucional, o interesse prioritário passa a ser o do jovem.
Em decorrência dessa nova roupagem conferida ao Direito de Família e, via de conseqüência, a adoção, trazida pela CF/88, surge a Lei 8.069 de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente – que nas palavras de Salomão Resedá:
[...] ao entrar em vigor, rompeu com a doutrina da situação irregular e passou a considerar a criança e o adolescente como sujeitos de direito, independentemente da situação em que se encontrem, considerando-os como titulares dos mesmos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana e de todos os direitos reconhecidos aos brasileiros pela Constituição Federal. [12]
A criança e o adolescente deixam, portanto, de ser objetos para serem sujeitos de direitos, gozando dos mesmos direitos fundamentais das pessoas adultas com prioridade em relação aos direitos destas e, ainda, com direitos específicos por estarem em situação de desenvolvimento.
Seguindo os preceitos constitucionais, o ECA estabeleceu normas protetivas que ganham relevo em função da condição peculiar de desenvolvimento, alicerçadas pelo princípio do melhor interesse, garantindo à criança e ao adolescente todas as oportunidades e facilidades a fim de auxiliar no seu desenvolvimento físico, mental, moral, social e espiritual com liberdade e dignidade.
Dispôs o ECA expressamente sobre a proteção integral à criança (até 12 anos de idade) e ao adolescente (entre 12 e 18 anos), além de expor o seu caráter assistencial e protetor. Consagrou inúmeros mecanismos de defesa, criando procedimentos informais, impondo uma participação ativa da sociedade e do próprio Município, por meio do princípio da municipalização. Estatuiu deveres à sociedade e ao Estado, a fim de “assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (art. 227, CF).[13]
Trouxe em seu bojo nova sistemática para a adoção de crianças e adolescentes. Conferiu-a unicidade, não mais existindo a adoção simples e a plena do Código de Menores, estabelecendo uma única forma, cujos efeitos são o da antiga adoção plena. Passou a atribuir a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com os pais e parentes naturais, salvo os impedimentos matrimoniais (art. 41).
Vislumbra-se da análise do texto legal que o que o legislador estatutário almeja com a adoção é promover a integração da criança ou adolescente na família do adotante, em tudo igualando o filho adotivo ao filho natural (art. 20, ECA). Caracteriza-a como medida excepcional, concedida apenas quando a manutenção do menor em sua família natural não for possível (arts. 19 e 39, § 1º, ECA).
O Código Civil de 2002 disciplina a adoção no Capítulo IV, do Título I, do Livro de Família, nos artigos 1.618 a 1.629. Através desse diploma legal o instituto foi unificado, deixando de existir dois regramentos: o do CC/1916 que regia a adoção de pessoas maiores de 18 anos, instrumentalizada através da escritura pública; e o do ECA que regula a de pessoas com idade inferior a 18 anos, promovida judicialmente.
Ao entrar em vigor, dúvidas surgiram se esse diploma legal havia revogado o ECA na parte referente à adoção por ter sido a lei omissa. Concluiu a doutrina que o aparente conflito surgido entre as normas do ECA e as do CC/02 foi resolvido com o reconhecimento de que apenas foram derrogadas as disposições que entre si eram incompatíveis, permanecendo a disciplina da legislação especial naquilo que não contraria a lei civil.[14]
Com a entrada em vigor da Lei 12.010/09, deixa o Código Civil de tratar da adoção de menores. Foram expressamente revogados pelo art. 8º da nova lei, os art. 1.620 a 1.629 da legislação civilista restando apenas dois dispositivos, o art. 1.618 e o art. 1.619 que tiveram redação alterada. O primeiro deles dispõe que a adoção de crianças e adolescentes será regida pelas normas constantes do ECA. O segundo cuida da adoção de pessoas maiores de 18 anos, determinando que sua constituição se dará através de processo judicial e que serão aplicados, no que couber, as regras do ECA.
A referida lei deixou mais claro que a atuação do Poder Público deve ser voltada para a melhoria da qualidade de vida do jovem no seio de sua família natural, sendo a colocação em família substituta medida excepcional concedida apenas quando não for possível sua manutenção na família biológica.
Em linhas gerais, foi esse o transcurso que o instituto da adoção percorreu em nossa ordem jurídica. Voltemos agora a atual noção e finalidade da adoção.
Hoje a adoção é vista como forma de inserção da criança e do adolescente num ambiente familiar de forma definitiva e com a aquisição do vínculo jurídico próprio da filiação. Nesse procedimento, será atendido e respeitado o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente e a doutrina da proteção integral, assegurados pelo ECA, e o critério primordial da adoção é o bem estar dos jovens e a garantia de seu desenvolvimento saudável.
A real finalidade da moderna adoção é oferecer um ambiente familiar favorável ao desenvolvimento de uma criança ou adolescente, que, por algum motivo, ficou privada da sua família biológica. Assim, só será posto em família adotiva que apresente condições em dar-lhe um ambiente familiar decente e uma vida digna, com carinho, amor, atenção e respeito.
Transformou-se de um mecanismo para dar filhos a quem não podia tê-los para dar uma família a quem não possui.[15] Com isso, busca-se uma família para a criança e não o inverso, a fim de garantir àquela o direito à convivência familiar. O único benefício auferido pelo adotante é o de ter um filho.
Deixou de ser remédio para a esterilidade, ato de caridade, forma de salvar o casamento, ou mesmo conforto para a solidão, como outrora, para ser um ato a proporcionar à criança ou adolescente uma vida familiar compatível com as suas necessidades e direitos.
É condição imposta pelo art. 43 do ECA que a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos. Esse dispositivo consagrou o princípio do melhor interesse da criança e da doutrina da proteção integral, já comentados.
A adoção enseja a possibilidade concreta de efetivação de um direito fundamental de toda criança e adolescente: o direito à convivência familiar. Em decorrência, o processo de adoção é todo pautado no melhor interesse da criança e do adolescente, tendo-os como seu centro de atenções.
2.2 OS EFEITOS DA ADOÇÃO
2.2.1 Efeitos pessoais: a extensão da ruptura do vínculo jurídico entre o adotado e a família biológica
O instituto da adoção gera quatro efeitos pessoais: a ruptura dos vínculos jurídicos entre o adotado e a sua família anterior; impedimentos matrimoniais; poder familiar; e alteração do nome do adotado.
Em harmonia com o princípio constitucional do art. 227, § 6º, da CF/88, o legislador estatutário dispôs que a adoção atribui a condição de filho ao adotando, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com os pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais (art. 41, caput, ECA).
A ruptura dos vínculos jurídicos com a família biológica é total envolvendo todo tipo de direitos e obrigações sendo o adotado plenamente integrado na família do adotante, diferente do que ocorria no direito anterior em que a integração do adotado não era absoluta e, também, não desligava por completo o vínculo com sua família natural, pois os pais biológicos conservavam direitos hereditários.
Foi a partir da Lei 4.655/65, que regulava a legitimação adotiva, que os direitos dos adotados foram ampliados. O Código de Menores, disciplinando a adoção plena, previu o desligamento total do adotado com a família natural não inovando o ECA em tal regra.
A única vinculação que persiste entre adotado e família natural são os impedimentos para contrair matrimônio previstos no art. 1.521, I, III, e V, do CC/02. Esses impedimentos, caso não obedecidos, tornam o casamento nulo.
Esses óbices possuem fundamento religioso e moral porque não há na natureza nenhum empecilho quanto à procriação entre pais e filhos.[16] Todavia, a fim de evitar o incesto, além do nascimento de crianças com doenças congênitas, portadoras de problemas físicos ou mentais, a Lei estipulou tais obstáculos.
Apesar do art. 41 do ECA estabelecer que a adoção desliga o adotado de qualquer vínculo com os pais e parentes, entendemos que não há intenção de extinguir os laços de sangue que devem perdurar, daí a ressalva no que toca aos impedimentos matrimoniais, demonstrando, assim, que algum interesse jurídico remanesce na preservação do liame biológico.
Disso decorre que a previsão legal de extinção dos vínculos jurídicos entre o adotado e a sua família consangüínea não caracteriza um óbice para a concessão de alimentos àquele em face destes.
No que concerne ao poder familiar, inicialmente, cumpre registrar que o atual Código Civil optou pela expressão “poder familiar” em vez de “pátrio poder” e a Lei 12.010/09 alterou o ECA para seguir a mesma linha. Essa modificação deriva, principalmente, da igualdade de direitos entre o homem e a mulher conferida pela Constituição Federal no art. 226, § 5º. A expressão anteriormente usada fazia referência apenas ao papel do pai (pátrio) como figura notável na relação parental.
Rompeu-se a idéia de que este poder familiar era um poder que os pais detinham sobre os filhos para ser mais um dever, decorrente da paternidade, voltado ao exclusivo interesse destes, tendo em vista que a CF/88 igualou os direitos entre pais e filhos.
De acordo com os ensinamentos de Maria Helena Diniz:
Esse poder conferido simultânea e igualmente a ambos os genitores, exercido no proveito, interesse e proteção dos filhos menores, advém de uma necessidade natural, uma vez que todo ser humano, durante sua infância, precisa de alguém que crie, eduque, ampare, defenda, guarde e cuide de seus interesses, regendo sua pessoa e seus bens.[17]
Como visto, com a adoção rompem-se, em definitivo, os vínculos com os pais e parentes naturais, extinguindo-se o poder parental. Este é transferido para os adotantes se o adotado for menor de 18 anos (art. 1.630 e 1.634 do CC/02).
Segundo o ECA consiste o poder familiar em: o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo aos pais, ainda, de acordo com os interesses daqueles, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais (art. 22); o poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, assegurando a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária para a solução da divergência (art. 21). Estabeleceu também hipótese para a perda e suspensão do poder familiar: nos casos previstos na legislação civil e na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que aludem o art. 22 (art. 24). Ressalvou que a falta ou carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou suspensão desse poder (art. 23).
É cediço que o art. 169, do ECA não exige a prévia destituição do poder familiar em processo autônomo para o exercício da ação de adoção. Ao contrário, a perda do poder familiar e a adoção podem ser processadas concomitantemente, visto que o primeiro pedido está implicitamente vinculado ao segundo. Ademais, os pedidos são compatíveis entre si, o mesmo juízo é competente para processar ambos e, por fim, o procedimento, também, é o mesmo para os dois.
O descumprimento, pelo adotante, dos deveres inerentes ao poder familiar gera a destituição desse poder e não a nulidade da adoção. Mesmo nessa situação, o poder familiar dos pais naturais não é restabelecido porque ao ser constituída a adoção rompe-se o vínculo com a família anterior, não havendo chances de ele ser restabelecido (art. 49, ECA).
As causas de suspensão do poder familiar estão dispostas no art. 1.637 do CC/02, a saber: abuso do poder pelo pai ou mãe; falta aos deveres paternos; dilapidação dos bens do filho; ou condenação por sentença irrecorrível quando a pena for superior a dois anos. O ECA também estipula, no art. 24, que o poder familiar será suspenso em caso de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22, acima examinado.
Já as hipóteses de extinção desse poder estão dispostas no art. 1.635 do CC/02 que são: morte dos pais ou do filho; emancipação do filho; maioridade do filho; adoção; por decisão judicial, na forma do art. 1.638, do CC/02.
Os contornos para o procedimento de decretação da perda ou suspensão do poder familiar estão previstos nos arts. 155 a 163 do ECA.
Por fim, a transmissão do nome de família é o último efeito pessoal a ser analisado decorrente da adoção. Verifica-se que de acordo com o § 5º do art. 47 do Estatuto, “a sentença conferirá ao adotado o nome do adotante e, a pedido de qualquer deles, poderá determinar a modificação do prenome.”
O adotado não pode manter os apelidos de família dos pais biológicos já que através da adoção há desvinculação total dele com a família de origem. Manter o patronímico da família natural do adotado seria deixar uma marca de sua origem, o que a Lei veda.
É sabido que o nome é um direito de personalidade composto, basicamente, do prenome (nome da pessoa) e patronímico ou apelido de família (sobrenome), podendo conter elementos contingentes como pseudônimo, títulos, entre outros. Sua função é individualizar a pessoa evitando confusão com outra.
O ECA, no art. 47, § 5°, abrindo exceção à regra geral de imutabilidade do prenome, contida no art. 58 da Lei dos Registros Públicos (Lei nº 6.015/73), permite que a pedido do adotante ou adotado, o juiz determine a sua modificação. Antes, o prenome só poderia ser alterado em caso de erro gráfico ou quando expunha ao ridículo seu portador.
A inovação trazida pelo ECA não é vista com bons olhos por parte da doutrina que afirma ser o nome elemento de identificação da pessoa, devendo o magistrado ter cautela ao conceder esse pleito para não acarretar na criança ou adolescente um problema de auto-identificação.[18]
2.3.2 Efeitos patrimoniais: a alteração do contexto da obrigação alimentar
A adoção desencadeia quatro efeitos patrimoniais: a obrigação alimentar, direitos sucessórios, administração dos bens do adotado e responsabilidade civil.
Como a adoção gera a constituição do vínculo paterno-filial, estabelecido pela sentença, surge a obrigação de prestar alimentos. O direito do adotado a alimentos decorre da influência do princípio constitucional da igualdade entre as filiações (art. 227, § 6º, CF) e da obrigação constitucional de que os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores.
Não é demasiado frisar que a adoção faz surgir o vínculo de parentesco entre o adotante, sua família, e o adotado, rompendo-se os vínculos deste último com a sua família anterior. Assim, não mais subsistem os deveres decorrentes do parentesco natural, dentre eles o de prestar alimentos, para a maioria da doutrina.
Essa corrente advoga no sentido de a obrigação alimentícia ser exclusiva da família adotiva, excluindo da prestação a família natural, apesar de não haver previsão legal expressa nesse sentido, sendo este raciocínio construído através do alargamento do alcance do efeito do rompimento dos vínculos jurídicos entre o adotado e a família de sangue.
Através do art. 227, § 6º, a Constituição Federal equiparou os filhos naturais e adotivos passando estes a possuir os mesmos direitos, garantias e deveres do filho biológico, como já explanado. Assim, por óbvio, o adotado tem direito em suceder o adotante como qualquer outro filho, na mesma proporção.
No CC/16 o adotado sucedia o adotante integralmente, quando este não possuía filho legítimo (art. 1.605, caput, CC/16) ou recebia somente metade da herança dos filhos naturais quando concorria com filhos supervenientes do adotante (art. 1.605, § 2º, CC/16). Lembrando que essa Lei só permitia pessoas acima de 50 anos, sem prole legítima ou legitimada a adotar.
Com o advento da Lei 3.133/57 a disciplina sobre o direito sucessório do filho adotivo foi alterada. Aqui, a idade mínima para adotar caiu para 30 anos e era permitido que pessoas que já tivessem filho adotar. Logo, para preservar a prole natural, dispunha o art. 377 dessa Lei que a relação de adoção não envolvia a de sucessão hereditária quando o adotante tivesse filhos legítimos ou reconhecidos.
Esse dispositivo foi revogado pelo art. 227, § 6º da CF/88, que dispôs terem os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, os mesmos direitos e qualificações. Então, foi a partir da Carta Magna que os filhos adotivos passaram a ter direito aos mesmos quinhões hereditários dos demais filhos, sem distinção.
E o ECA, no art. 41, § 2º, prevê a igualdade entre filhos, naturais ou adotivos, no campo do direito sucessório.
No que tange a administração e usufruto dos bens do adotado, declara o art. 1.689, CC/02: “O pai e a mãe, enquanto no exercício do poder familiar: I – são usufrutuários dos bens dos filhos; II – têm a administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade.” Percebe-se que o poder de administração dos bens dos filhos é conseqüência do poder familiar.
Como os adotantes assumem, integralmente, a condição de pais do adotado, são administradores legais dos seus bens. Explica Maria Helena Diniz que o adotante possui direito de administração e usufruto sobre os bens do adotado menor para custear as despesas com a sua educação e manutenção, perdendo esse direito o pai e/ou a mãe natural, por terem perdido o poder familiar.[19]
Previa o CC/16 que o encargo de administração cabia ao pai e, na sua ausência, a mãe o assumia. Porém, o art. 226, § 5º da CF/88 declara que são iguais os direitos e deveres do pai e da mãe referentes à sociedade conjugal. E, com a regra do art. 21 do ECA não resta mais dúvida: o poder familiar é exercido em igualdade de condições pelo pai e pela mãe; havendo discordância entre eles, qualquer um poderá recorrer à autoridade judiciária competente para solucionar a divergência, como outrora examinado.
Cabe aos pais a administração dos bens do filho até que este atinja a idade de 18 anos ou até a data em que for emancipado, o que pode ocorrer quando alcançar 16 anos. Levando em consideração o disposto no art. 1.690, CC/02, quando o menor contar com mais de 16 anos, os pais devem compartilhar com ele a administração e usufruto de seus bens, haja vista que os pais passam a assisti-lo, não mais exercendo o poder de usufruto e administração com exclusividade.
Os pais podem alienar ou gravar de ônus real os imóveis pertencentes aos filhos e contrair obrigações que superem as necessárias para administração regular, desde com autorização judicial (art. 1.691, caput, CC/02). Essa autorização não poderá ser concedida se o pedido não for feito por ambos os pais. Em havendo divergência ou recusa injustificada por parte de um deles, poderá o outro requerer ao juiz a solução necessária (art. 1.690, parágrafo único, CC/02), inclusive o suprimento.
A restrição legal quanto a alienação diz respeito apenas aos bens imóveis. Logo, como consectário lógico, os pais não precisam de autorização judicial para alienar bens móveis do filho, desde que reverta o montante adquirido em prol dele.
Da lição de Paulo Lôbo extrai-se que os atos de alienação ou oneração dos bens imóveis dos filhos e as dívidas e obrigações contraídas em nome deles, sem autorização judicial, são considerados nulos.[20] É nulo o ato por falta de requisito considerado essencial pela Lei: a autorização judicial. E a nulidade é imprescritível por força do art. 169 do CC/02. Estatui o parágrafo único do art. 1.691, CC que essa nulidade só pode ser pleiteada pelo próprio filho proprietário, pelos herdeiros deste ou seu representante legal.
É conferido ao filho menor, diante da colisão de interesses com os pais, direito de requerer diretamente, ou mediante o MP, ao juiz, a designação de curador especial (art. 1.692, CC/02).
O art. 1.693 enumera quatro hipóteses de bens e valores que não podem ser objeto de usufruto e administração dos pais. A primeira diz respeito aos bens ou valores pecuniários que já estavam na titularidade do menor quando foi reconhecido por um dos pais. A restrição é referente apenas ao genitor que reconheceu tardiamente seu filho, podendo o que registrou o menor exercer a administração exclusivamente. A lei não deseja punir o genitor que reconheceu o filho tardiamente. Seu objetivo é evitar que o reconhecimento seja feito com o único intuito de usufruir dos bens deste.
A segunda hipótese refere-se aos valores obtidos pelo filho maior de 16 anos, no exercício de sua atividade profissional. A restrição diz respeito aos valores auferidos por qualquer tipo de trabalho ou atividade profissional do relativamente incapaz e aos bens que tenha adquirido com eles. Essa é uma das formas do menor adquirir a capacidade civil, independentemente da vontade de seus pais, de acordo com a redação do art. 5º, V, do CC/02 que estipula que a incapacidade será automaticamente cessada em virtude da existência de relação de emprego que proporcione economia própria ao menor.
A terceira hipótese trata dos bens que o filho tenha recebido por herança ou doação, com cláusula de impedimento para usufruto ou administração pelos pais. Por derradeiro, a última hipótese concerne aos bens deixados aos filhos através de herança, a qual os pais foram excluídos.
Por fim, quanto a responsabilidade civil, sabe-se que em decorrência do poder familiar, os pais respondem pelos danos causados pelos filhos menores.
É cediço que através da adoção, os adotantes assumem, na plenitude, a posição dos pais, passando a responder civilmente pelos atos do adotado.
É condição imposta pelo art. 932, I, CC/02 que os pais são responsáveis pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia. Consagra, esse dispositivo, a responsabilidade por fato de outrem ou transubjetiva, haja vista que a responsabilidade pela reparação é imputável a quem não causou diretamente o dano.
Ensina Sergio Cavalieri Filho que a responsabilidade dos pais em relação aos filhos menores é objetiva. Para que se configure, gerando o dever de indenizar, o ato deve ser considerado culposo pelo agente, se fosse pessoa imputável. Caso contrário - fato não puder ser imputado ao agente a título de culpa - não deverão os pais indenizar.[21]
Ademais, explica que os pais terão o dever de indenizar simplesmente porque são pais do menor causador do dano. O propósito da norma é aumentar a possibilidade da vítima receber a indenização, tendo em vista que o menor, por si só, não tem condições patrimoniais para reparar o dano.[22]
O ECA, no art. 116, traz hipótese de responsabilidade pelo adolescente causador de ato infracional com reflexões patrimoniais. Observa-se, pela dicção do texto legal, que a responsabilidade dos pais é afastada quando o infrator repara integralmente o dano causado, de acordo com a medida imposta pelo Juiz da Infância e da Juventude.
2.4 PERMISSÃO LEGAL PARA O ADOTADO CONHECER SUA ORIGEM BIOLÓGICA
Foi só a partir da Lei 12.010/09 que, alterando a redação do art. 48 do ECA, ficou previsto expressamente nesta legislação a possibilidade do adotado conhecer sua origem genética. Eis a redação do mencionado dispositivo:
Art. 48. O adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito) anos.
Antes disso, era assegurado à criança a prerrogativa de conhecer seus pais no art. 7º da Convenção sobre os Direitos da Criança ratificada pelo Brasil em 1989.
Entretanto, antes de haver artigo específico cuidando deste direito, ele já era reconhecido por grande parte da jurisprudência e também da doutrina. É que, o sistema jurídico brasileiro assegurava a proteção desse peculiar direito à informação por meio de um trabalho hermenêutico, extraído da combinação de diversos princípios constitucionais, quais sejam, no princípio da igualdade (art. 5º, caput); proteção integral à criança e ao adolescente (art. 227, caput); plena igualdade entre os filhos (art. 227, § 7º) e, principalmente, no princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), como ensina Tatiana Gonçalves Miranda Goldhar.[23]
O princípio da igualdade emana que não haverá tratamento diferenciado entre os filhos naturais e os advindos da adoção competindo a estes o direito de conhecer suas origens biológicas. Já a proteção integral da criança e do adolescente resguarda a esses indivíduos o direito de buscar sua ancestralidade. A garantia estende-se ao filho adotivo adulto pelo já citado princípio da igualdade. E, no que concerne a dignidade da pessoa humana, a proteção desse direito é manifestação absoluta desse princípio, por dizer respeito à personalidade humana.
A dúvida que pairava na doutrina e jurisprudência sobre a possibilidade ou não do conhecimento do acervo genético girava em torno de dois direitos em conflito: a preservação da intimidade dos supostos pais biológicos e a ciência da origem genética do filho.
Porém, o entendimento era que devia preponderar o direito do filho em detrimento dos pais, não sendo a preservação da intimidade mais um óbice para o direito de conhecer a ascendência biológica.
Dentre os motivos que levaram a ordem jurídica a tutelar esse direito estão: a necessidade de conhecimento dos genitores para evitar uniões incestuosas ou consangüíneas e verificar impedimentos matrimoniais; possibilidade da pesquisa genética para fins médicos, protegendo o direito à saúde e sua preservação por permitir a adoção de tratamento adequado e eficaz para prevenir ou minimizar futuras enfermidades; e, principalmente, o pleno direito à informação assegurado a todo e qualquer ser humano.
Não há dúvidas que o conhecimento das origens biológicas tem relevância crucial na formação da personalidade do indivíduo que, muito embora inserido numa família adotiva que lhe dê carinho, amor, cuidados, proteção, educação e tudo o que for necessário para seu desenvolvimento como ser humano, “deve ter assegurado o direito de integrar sua personalidade com o descobrimento de suas origens ou ainda de assegurar sua saúde nos casos em que esse desdobramento é essencial para sua manutenção.” [24]
Atualmente, a identidade biológica dos genitores é revelada por meio do exame de DNA que possui altíssimos índices de certeza, considerado prova científica incontestável. Mas, adverte-se que o conhecimento da origem biológica não enseja qualquer possibilidade de retorno à família natural,[25] com a desconstituição da filiação gerada pela adoção, por ser ela irrevogável (art. 39, § 1° do ECA). [26]
O descobrimento da origem genética também não acarreta, teoricamente, qualquer efeito jurídico ou patrimonial em relação ao genitor e o gerado, sendo esta a principal diferença desse direito para o de filiação.
Com efeito, a pretensão aduzida não deve ser feita pela via da ação investigatória de paternidade, já que o reconhecimento da paternidade/maternidade ensejará no estabelecimento da filiação, o que não se pretende quando se busca a identificação genética do adotado, por já estar inserido numa família.
Pertinente fazer a distinção entre o direito à informação sobre as origens genéticas do direito de filiação em busca da paternidade eis que possuem efeitos jurídicos totalmente distintos, não podendo ser confundidos.
Paulo Lôbo, tratando da diferenciação, afirma que:
Para garantir a tutela do direito da personalidade não há necessidade de investigar a paternidade. O objeto da tutela do direito ao conhecimento da origem genética é assegurar o direito da personalidade, na espécie direito à vida, pois os dados da ciência atual apontam para a necessidade de cada indivíduo saber a história de saúde de seus parentes biológicos próximos para prevenção da própria vida. Não há necessidade de se atribuir a paternidade a alguém para se ter o direito da personalidade de conhecer, por exemplo, os antecedentes biológicos paternos do que foi gerado por doador anônimo de sêmen, ou do que foi adotado, ou do que foi concebido por inseminação artificial heteróloga. São exemplos como esses que demonstram o equívoco em que laboram decisões que confundem investigação da paternidade com direito à origem genética. [27]
Portanto, conhecer a origem genética é diferente de investigar a paternidade, pois enquanto a primeira está relacionada com o direito de personalidade, a segunda se liga ao Direito de Família, uma vez que objetiva declarar a paternidade.
Em outras palavras, o conhecimento da origem genética conferido ao indivíduo que foi adotado, e que já desfruta do estado de filiação, é um direito fundamental, direito da personalidade, mas que não desencadeia relação de parentesco e os efeitos legais decorrentes desta, pois não significa direito à filiação.
Pelo exposto, toda pessoa tem direito de conhecer sua verdadeira identidade que é um direito natural e constitucional da personalidade, substrato fundamental para a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana consagrado na CF/88 na condição de princípio fundamental, sem que isso interfira no estado de filiação já firmado. Ademais, o ECA, no art. 27, consagra que o reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, imprescritível e indisponível.
3 Conclusões
O direito experimentou avanços no plano da adoção, que foi sendo estruturada segundo realidades de cada época. Atualmente, é vista como forma de inserção da criança e do adolescente num ambiente familiar de forma definitiva e com a aquisição do vínculo jurídico próprio da filiação. A ruptura dos vínculos com a família biológica é definitiva, segundo previsão do art. 41, ECA. Entretanto, constatamos que este dispositivo não tem o condão de extinguir em absoluto os laços naturais, haja vista ser direito fundamental do jovem a possibilidade de conhecer sua origem biológica.
Também, vimos os efeitos decorrentes da adoção que são de duas espécies: pessoais e patrimoniais. Foi examinado cada um dos quatro efeitos pessoais: a ruptura dos vínculos jurídicos entre o adotado e a sua família anterior; impedimentos matrimoniais; poder familiar; e alteração do nome do adotado. E, os quatro efeitos patrimoniais: a obrigação alimentar, direitos sucessórios, administração dos bens do adotado e responsabilidade civil.
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[1] COULANNGES, Fustel de apud RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 335-336, vol. VI.
[2] RODRIGUES, Dirceu A. Victor. Dicionário de Brocardos Jurídicos. São Paulo: Ateniense, 1995, p. 22.
[3] BEVILÁQUA, Clóvis. Direito de Família. 7. ed. São Paulo: Livraria Editora Freitas Bastos, 1943, p. 351
[4] MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito de Família. 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 1947, p. 177, vol. III.
[5] GOMES, Orlando. Direito de Família. 13. ed. revis. e atual. por Humberto Theodoro Júnior. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 369.
[6] CHAVES. Antonio. Adoção. Belo Horizonte: Del Rey, 1995, pg. 23.
[7] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 546, vol. 5.
[8] Nesse sentido, GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: Doutrina e Prática. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2010, p. 29.
[9] RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 338, vol. VI.
[10] SILVA FILHO, Artur Marques da. Adoção. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 43.
[11] BORDALLO, Galdino Augusto Coelho. Adoção. In: MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 203
[12] RESEDÁ, Emílio Salomão Pinto. Da criança e do adolescente: aspectos peculiares da Lei 8.069/90. São Paulo: Baraúna, 2008, p. 35-36.
[13] Nesse sentido, SILVA FILHO, Artur Marques da. Adoção. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 41.
[14] A este respeito, GRANATO. Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: Doutrina e Prática. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2010, p. 117-118; BORDALLO, Galdino Augusto Coelho. Adoção. In: MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 201; SILVA FILHO, Artur Marques da. Adoção. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 44.
[15] Nesse sentido entende o doutrinador Silvio Rodrigues (RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 320, vol. VI).
[16] Nesse sentido, Galdino Bordallo em: BORDALLO, Galdino Augusto Coelho. Adoção. In: MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 245.
[17] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 589, vol. V .
[18] A esse respeito: BORDALLO, Galdino Augusto Coelho. Adoção. In: MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 246.
[19] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 567, vol. V.
[20] LÔBO, Paulo. Direito Civil – Famílias. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.292-293.
[21] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 181-187.
[22] Ibid., p. 188.
[23] GOLDHAR. Tatiana Gonçalves Miranda. O direito à informação e ao conhecimento da origem genética. In: ALBUQUERQUE, Fabíola Santos; EHRHARDT JR, Marcos; OLIVEIRA, Catarina Almeida. Família no Direito Contemporâneo. Estudos em homenagem a Paulo Luiz Neto Lôbo. Salvador: Jus Podivm, 2010, p. 276.
[24] GOLDHAR. Tatiana Gonçalves Miranda. O direito à informação e ao conhecimento da origem genética. In: ALBUQUERQUE, Fabíola Santos; EHRHARDT JR, Marcos; OLIVEIRA, Catarina Almeida. Família no Direito Contemporâneo. Estudos em homenagem a Paulo Luiz Neto Lôbo. Salvador: Jus Podivm, 2010, p. 276.
[25] Nesse sentido, Guilherme Calmon Nogueira da Gama em: GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O biodireito e as relações parentais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 482-483. Para esse autor, “o direito à identidade pessoal deve abranger a historicidade pessoal e, aí inserida a vertente biológica da identidade, sem que seja reconhecido qualquer vínculo parental entre as duas pessoas que, biologicamente, são genitor e gerado, mas que juridicamente nunca tiveram qualquer vínculo de parentesco.”
[26] Uma vez aperfeiçoada, torna-se irretratável a adoção, sob pena de torná-la instável, frustrando o objetivo principal que é a proteção e integração familiar do adotado à família adotiva. Logo, uma vez deferida a adoção, não cabe revogação e tampouco arrependimento. Nenhum ato de vontade das partes, nem mesmo decisão judicial, terão força para extinguir esse vínculo de filiação depois de concretizado.
[27] Lôbo, Paulo Luiz Netto. Direito ao Estado de Filiação e Direito à Origem Genética: Uma Distinção Necessária. Revista Brasileira de Direito de Família, n. 19, vol. 5, ago./set., 2003, p. 151.
Advogada formada pela UNIFACS - Universidade Salvador. Pós-Graduada em Direito do Estado pela Juspodivm.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Joanna Massad de. Adoção Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 abr 2015, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44046/adocao. Acesso em: 23 dez 2024.
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