RESUMO: Este artigo apresenta os principais aspectos concernentes ao sistema carcerário no Brasil. Tem como preceito abordar sobre o modo precário em que vivem os presos, com superlotação, sendo visto como um depósito humano e não, apenas, uma forma de punir. Tem uma análise em destaque para os direitos fundamentais usurpados, violando, assim, o direito de viver dignamente, de ter acesso à saúde, à educação e à igualdade. O presente trabalho elenca, também, sobre o número exacerbado de pessoas que são presas injustamente. Trata de evidenciar a função do Estado no que tange aos direitos e as garantias Constitucionais. Constitui uma análise voltada à importância da família tanto para o desenvolvimento da criança, quanto à vida do preso.
PALAVRAS-CHAVE: Sistema carcerário; superlotação de presos; direitos Constitucionais; Estado; desestruturação familiar; poder judiciário.
1 INTRODUÇÃO:
O presente trabalho tem como escopo analisar a situação do sistema carcerário no Brasil, a fim de enxergar a sarjeta onde os detentos são lançados. Constitui uma análise sobre a maneira em que se encontram: enclausurados, sem atendimento médico de qualidade, sem alimentação digna e sem uma estrutura para deixá-los viver. Dessa maneira, tratam os reclusos de forma desumana, deixando-os espremidos em suas celas, muitas vezes, tendo que dormir no chão, ao lado do local onde realizam suas necessidades fisiológicas.
Além dos maus tratos sofridos, outra atenção voltada ao estudo, de suma importância, é o fato de presos serem condenados inocentemente e muitos, realmente culpados, serem absolvidos pela justiça. O artigo tem como preceito, ainda, mostrar as irregularidades no sistema penal, no que tange ao poder judiciário. Inocentes são condenados há anos de prisão, sem ter cometido o delito. Faz menção, também, sobre os presos que estão à espera de julgamentos e, enquanto isso, passam anos presos e, muitas vezes, já estão até com o prazo de prisão vencidos.
A família também é mencionada no trabalho como um alicerce ao preso, para que ele tenha mais força de vontade para querer sair da prisão e tornar-se uma pessoa melhor, tanto para ele quanto para seus familiares. Trata de elencar, ainda, sobre a importância da educação, para que o sistema carcerário seja menos frequentado. O trabalho tem como objetivo, ainda, colocar as formas de melhorias para que o sistema penal seja diferenciado no país. Elenca uma pesquisa sobre o número de presos que estão aguardando decisão judicial, bem como alguns relatos de ex-detentos sobre a forma em que viviam dentro das celas.
2 SISTEMA CARCERÁRIO NO BRASIL E O CONSTITUCIONALISMO:
As penitenciárias, como uma forma de punir, deveriam ser vista como uma orientação para o condenado refletir sobre seus delitos e não mais cometê-los, ao restringir a sua liberdade. Entretanto, a desestruturação do sistema carcerário brasileiro faz-nos enxergar essa prática como uma verdadeira utopia.
As prisões, cada vez mais, estão superlotadas, como um verdadeiro depósito humano. Prisioneiros são vítimas de violência, não tem seus direitos respeitados e a dignidade da pessoa humana passa longe dos ferros em que eles se encontram. Presos são abarrotados numa cela em que ocupam cinco vezes mais a quantidade que deveriam comportar. Muitos detentos adquirem doenças pela falta de higiene no local, não há respeito pela saúde dos presos. Conforme Rizzatto Nunes determina (2002, p.46): “[...] a dignidade humana é um valor preenchido ‘a priori’, isto é, todo ser humano tem dignidade só pelo fato já de ser pessoa”.
A partir da ideia de dignidade da pessoa humana, o principal fundamento da justiça social seria o bem comum, afinal, nada poderia ser tão próximo do bem comum quanto a própria dignidade da pessoa humana, visto não ser possível afastar o bem comum da noção de dignidade da pessoa humana (MELLO, 2009, p.104).
Todo ser humano, independente de suas condições, tem a dignidade como um valor único e intransferível. Dworkin, ao ser citado por Sarlet, argumenta (2004, p.49): “[...] a dignidade possui tanto uma voz ativa quanto uma voz passiva e ambas encontram-se conectadas, e mesmo aquele que já perdeu a consciência da própria dignidade merece tê-la considerada respeitada”. Muitos, sequer, têm condições psíquicas de lutar por aquilo que lhes são de direito. Contudo, eles devem ter seus direitos garantidos e respeitados, independente do que aconteça. Mediante os argumentos de Andrade (apud Barboza, 2005, p.112): “os direitos fundamentais são tidos como direitos absolutos, imutáveis e intemporais, inerentes à qualidade de homem dos titulares, e constituem um núcleo restrito que se impõe a qualquer ordem jurídica”. Assim, os direitos fundamentais são preceitos básicos, anteriores ao Estado e devem ser respeitados e garantidos. Bem como, também, pode ser definido como direitos que buscam a dignidade, a liberdade e igualdade humana. Entretanto, ao olhar os cárceres, é notório que tudo isso não passa de uma utopia que não sai do papel.
Prega-se que os direitos fundamentais são garantidos ou, ao menos, deveriam. Rodrigues estabelece a atuação do Ministério Público (2012, p.5477): “apresentando o Ministério Público o papel de defensor do regime democrático, sua obrigação primordial é a defesa dos direitos fundamentais em todas as suas tarefas de atuação [...]”. Essa teoria é um tanto quanto ilusória. É a mesma coisa que está pregada no livro “O cidadão de papel” de Dimenstein. Muitos querem seus direitos, sabem deles, buscam, todavia, não saem do papel. A Constituição estabelece os direitos de forma admirável, mas a prática é decepcionante. O cidadão tem seus direitos respeitados na teoria. Contudo, ao pesquisar a vida dos presidiários, é possível enxergar que não há cidadão, não há cidadania. Há pessoas sendo usadas como bonecos manipuláveis, tratadas com menosprezo, com desleixo e passando por humilhações.
Um trabalho organizado pela Câmara dos Deputados, com finalidade de investigar a realidade do sistema carcerário brasileiro, criou a obra por título “CPI – Sistema Carcerário” e, a respeito da higiene nas prisões, elenca:
Nos estabelecimentos penais inspecionados pela CPI, em muitos deles, os presos não têm acesso a água e, quando o têm, o Estado não lhes disponibiliza água corrente e de boa qualidade. Igualmente, não são tomadas medidas suficientes para assegurar que a água fornecida seja limpa. Em muitos estabelecimentos, os presos bebem em canos improvisados, sujos, por onde a água escorre. Em outros, os presos armazenam água em garrafas de refrigerantes, em face da falta constante do líquido precioso. Em vários presídios, presos em celas superlotadas passam dias sem tomar banho por falta de água. Em outros, a água é controlada e disponibilizada 2 ou 3 vezes ao dia (2009, p.195).
A prisão está se tornando uma escola para que os detentos se aperfeiçoem em seus atos delituosos. Não há um modelo para que ele saia melhor. Não existe educação nas selas, não há momentos para que eles estudem, para que tenham uma hora dedicada para a leitura e para alfabetização. O único incentivo que as prisões fazem é aplicar trabalhos, a fim de minimizar suas penas. Cético, Camargo afirma:
A superlotação devido ao número elevado de presos, é talvez o mais grave problema envolvendo o sistema penal hoje. As prisões encontram-se abarrotadas, não fornecendo ao preso um mínimo de dignidade. Todos os esforços feitos para a diminuição do problema, não chegaram a nenhum resultado positivo, pois a disparidade entre a capacidade instalada e o número atual de presos tem apenas piorado. Devido à superlotação muitos dormem no chão de suas celas, às vezes no banheiro, próximo a buraco de esgoto. Nos estabelecimentos mais lotados, onde não existe nem lugar no chão, presos dormem amarrados às grades das celas ou pendurados em rede (2006, p.57).
O objetivo da prisão perpassa a ideia de punir o criminoso, afrontando sua dignidade, sua integridade e a forma exacerbada em que vivem, sem higiene, tendo que dormirem no chão, pelo excesso de reclusos numa única cela. Em muitos casos, eles dormem próximo ao local de fazerem suas necessidades fisiológicas, já que é uma afronta chamar um buraco de banheiro. Mably, citado por Rigonatti, argumenta que (1789, p.326): “que o castigo, se assim posso exprimir, fira mais a alma do que o corpo”. Contudo, esse cenário extirpado não é limitado. O preso sofre em ambos os sentidos e, se possível, até mais, de formas inimagináveis. Conforme o trabalho realizado pela Câmara dos deputados, é salientado:
Muitos estabelecimentos penais são desprovidos de banheiros e pias dentro das celas e dormitórios ou próximos a esses. Quando tais instalações existem, comprometem a privacidade do preso. Não raras vezes os banheiros estão localizados em outras áreas, e nem sempre os presos têm acesso ou permissão para utilizá-los. O mesmo ocorre para as instalações destinadas a banho. [...] A grande maioria das unidades prisionais é insalubre, com esgoto escorrendo pelos pátios, restos de comida amontoados, lixo por todos os lados, com a proliferação de roedores e insetos, sendo o ambiente envolto por um cheiro insuportável (2009, ps.195-196).
O artigo 5º da Constituição Federal determina que todos são iguais perante a lei e é dessa maneira que todos devem ser tratados. Se um detento agiu em desacordo com as normas, ele deve ser punido. É para isso que surgiu as prisões, como uma maneira de punir quem cometeu um ato que contraria a lei. Contudo, os direitos fundamentais não devem ser usurpados, pois, não paga-se uma maldade com outra. Ao praticar um crime, o criminoso deverá receber a punição pelo seu ato infame e não ser tratado como um lixo descartável.
A punição vai se tornando, pois, a parte mais velada do processo penal, provocando várias consequências: deixa o campo da percepção quase diária e entra no da consciência abstrata; sua eficácia é atribuída à sua fatalidade não à sua intensidade visível; a certeza de ser punido é que deve desviar o homem do crime e não mais o abominável teatro; a mecânica exemplar da punição muda as engrenagens (FOUCAULT, 1999, p.13).
A Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, em que se destina a Execução Penal, em seu artigo 10 dispõe sobre a assistência que o preso deve receber. Está elencado: “a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à conveniência em sociedade”. É notório que o Estado tem gastos exacerbados com o preso. Um detento traz um gasto mensal de R$ 1.800,00 aos cofres do Estado, conforme pesquisa realizada pelo site G1; já um aluno, do ensino fundamental ao médio, o valor é de apenas R$ 227,00 e um trabalhador batalha diariamente para ganhar um salário mínimo de R$ 678,00. São exorbitantes os valores, entretanto, a dúvida que percorre entre a sociedade está em como esses valores são gastos, sendo que nada é feito para educar esses detentos. É melhor gastar ao educar, a ter que gastar investindo para que não seja necessário punir depois. No entanto, mesmo após os altos valores, se observa que se gasta muito e pouco é resolvido. No artigo 14, da mesma Lei, ao que concerne a assistência à saúde, em que determina: “a assistência à saúde do preso e do internado, de caráter preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico”. Muitos detentos contraem o vírus da HIV, são molestados e abusados sexualmente. Não há segurança, não há garantia de um atendimento digno. Muitos carcereiros acham graça em vê-los sendo maltratados e jogados na sarjeta, não enxergam o recluso como um ser humano, mas como uma obra desgarrida que merece sofrer até o último suspiro pelos atos infames.
3 O INOCENTE NO BANCO DOS RÉUS:
Foi argumentado sobre os criminosos estarem em condições deploráveis. Porém, e quando os inocentes estão com os culpados ou, até mesmo, no próprio lugar deles? O que mais acontece no Brasil são pessoas inocentes que respondem no lugar dos réus. Se é uma afronta à dignidade da pessoa humana o tratamento ofertado aos criminosos, imagina a violação à honra que seria ser julgado por algo sem ter cometido?
Lamentavelmente, o Brasil anda a passos de cágados. Mediante o argumento de Fernandes (2010, p.45): “o Direito brasileiro é considerado um dos mais avançados em matéria de leis escritas que buscam sensibilizar o operador do Direito na busca pela maximização do uso desses novos recursos”. Entretanto, esse mesmo direito, considerado tão avançado num lado da balança, no outro fica ao ápice, vazio, pois é visto como o que menos cumpre as leis. Não basta apenas criá-las, é de fundamental importância que seja de conhecimento da sociedade, para que elas venham compreendê-las. Porém, não obstante, é necessário que se faça valer, que as execute.
Enquanto o texto das leis não for um livro familiar, uma espécie de catecismo, enquanto forem escritas numa língua morta e ignorada do povo, e enquanto forem solenemente conservadas como misteriosos oráculos, o cidadão, que não puder julgar por si mesmo as consequências que devem ter os seus próprios atos sobre a sua liberdade e sobre os seus bens, ficará na dependência de um pequeno número de homens depositários e intérpretes das leis (BECCARIA, 2012, p.13).
Assim, para que as leis sejam colocadas a saber do povo, Beccaria argumenta que a sociedade acaba conhecendo-as e, com isso, a população praticará menos delitos e, automaticamente, haverá menos punições.
Muitas pessoas passam tanto tempo presas por crimes hediondos. Entretanto, depois, são reconhecidas como inocentes. Beccaria coloca o parâmetro de inocência e culpabilidade das pessoas que são presas. Ele aborda que as leis e os costumes de um determinado povo estão sempre atrasados em relação à atualidade, o que dificulta no discernimento entre culpado e inocente.
A prisão não deveria deixar nenhuma nota de infâmia sobre o acusado cuja inocência foi juridicamente reconhecida. [...] quantos cidadãos não vemos, acusados anteriormente de crimes hediondos, mas em seguida reconhecidos inocentes, receberem da veneração do povo os primeiros cargos do Estado? Porque é tão diferente, em nossos dias, a sorte de um inocente preso? (BECCARIA, 2012, p.15).
Nesse quesito, só deveria ser considerado criminoso, ao provar sua culpabilidade. Conforme Beccaria, as provas podem ser de duas espécies: perfeitas e imperfeitas. A primeira remete às que demonstram que é impossível que o acusado seja inocente. A segunda mostra a probabilidade de sua inocência.
No Brasil, o pobre é visto, muitas vezes, como condenado. Dessa maneira, acaba aprisionando um inocente e deixando-o à mercê das injustiças que o poder judiciário lhe aplicará. Já o verdadeiro culpado, na maioria das vezes, quando sua condição financeira é melhor, é visto como alguém que não fez nada e jamais cometeria algum delito.
O acusado, por sua vez, tenta, de todos os meios, provar a sua inocência. Porém, seu sofrimento é triplicado pelo massacre da mídia, levando informação à sociedade de forma distorcida e exacerbada. Com isso, faz com que ele seja visto como um criminoso cruel e, muitas vezes, desacreditado pela família. O inocente no banco dos réus é uma prática constante, todavia, que prejudica tanto o acusado como seus familiares.
4 A FAMÍLIA DO PRESO E A INFLUÊNCIA DA MÍDIA:
Por meio do massacre exagerado da mídia, muitos inocentes são considerados culpados e, em alguns casos, até linchados perante a sociedade. O Estado deveria investir em medidas que assegurassem o acusado de provar sua inocência de forma válida e eficaz, não apenas como é pregado nas leis: utópicas.
A mídia cria um cenário do delito e uma capa criminosa no acusado, fazendo com que ele seja desacreditado, até mesmo pela família, vendo-o como um criminoso. Com isso, o condenado pela justiça passa a ser condenado por seus familiares também.
A família do preso seria como uma estrutura para o recluso, a fim de ajudá-lo tanto física quanto psicologicamente. Além de facilitar a procura e entrega de evidências para provar sua inocência. Entretanto, com a crueldade aplicada pelos meios noticiosos, muitas vezes, os familiares se convencem de que ele realmente é um criminoso e se revolta. Não presta auxílio, não visita para saber do seu estado e, em grande parte dos casos, deseja até que “mofem” na cadeia.
A família é o alicerce, na vida de um inocente, visto como culpado; de um criminoso, realmente sendo-o. Ela serve como base para que o detento tenha estímulo de sair da prisão, para deixar de fazer as coisas erradas. O papel da família é fazer com que o recluso tenha essa visão de mudança, tenha o anseio para não cometer mais crimes.
4.1 A desestruturação familiar na criminalidade:
Um dos maiores objetivos, no século atual, é fazer com que os pais eduquem seus filhos de forma em que eles venham crescer e transformar-se em adultos com caráter e dignidade. É a família a matriz fundamental para que a criança tenha um desenvolvimento humano e saudável. Conforme Monagle, ao ser citado por Rigonatti, determina (2003, p.81): “a família é vista como o alicerce do grupo social, os pais são, portanto, como os primeiros professores das crianças, o tijolo essencial para a construção de uma pessoa saudável e equilibrada, que exercerá a parentalidade com tranquilidade e segurança no futuro”.
A violência é um problema social e que as famílias buscam coibir a entrada em seus lares. O termo violência pode ser remetido a diversos fatores, seja no ato de estupro, assalto, morte, sequestro. Sendo uma maneira de praticar algo por meio da força para obter aquilo que se deseja.
O ciclo de violência não começa nas prisões, e sim, no início da vida. Começa quando uma família tem dificuldades em educar e criar uma criança não saudável, que necessita de atenção especial. Começa quando uma criança faminta, abusada, maltratada aprende que sua vida é insignificante e de pouco valor. Começa quando uma criança aprende que resolve seus problemas através da violência. Começa quando há fracasso escolar que é compensado por uso de drogas e por sua inclusão em gangs, para ser aceito no mundo (CHILES, apud Rigonatti, 2003, p.81).
Parte-se dessa premissa que, é através da família, por meio de seu ensinamento, que a criança é capaz de tornar-se uma pessoa exemplar. Se a criança, desde o início da vida, passa por frustrações, ouve gritos, xingamentos, é tratada com insignificância e parte de sua infância é marcada por algum vazio, é notório que ela crescerá com deficiências. Essas deficiências não são físicas, mas psíquicas. Terá dificuldades em relacionar-se com os outros, até mesmo poderá agir de forma agressiva.
A criança é o elo mais fraco e exposto da cadeia social. Se um país é uma árvore, a criança é um fruto. E está para o progresso social e econômico como a semente para a plantação. Nenhuma nação conseguiu progredir sem investir na educação, o que significa investir na infância. Por um motivo bem simples: ninguém planta nada se não tiver uma semente (DIMENSTEIN, 2000, p.4).
Os pais são a estrutura dos filhos, para que eles cresçam e sejam educados a fazer as coisas certas. Quando há lacunas na infância, poderão existir brechas para que sejam cometidos delitos. A criança está em fase de conhecimento, de desenvolvimento, não pode passar por traumas desde pequeno. Ser maltratado, molestado, ouvir gritos, ser espancado, são indícios de que o filho tenderá a nascer frustrado e traumatizado. A desestruturação familiar é capaz de tornar o pequeno, futuramente, como um dos maiores criminosos no Brasil.
5 O PAPEL DO ESTADO NAS FORMAS DE PUNIR:
É possível observar a desigualdade socioeconômica no país, é por esse fator que é preciso investir em políticas públicas, para que esse desequilíbrio seja modificado. Mesmo que houvesse a criação de um novo Código Penal, o problema carcerário ainda permaneceria, pois, está além do que a legislação determina. A problemática não está na criação das leis, mas na educação investida e na falta de aplicabilidade das normas, a fim de punir de forma eficaz. Observa-se, com isso, um Estado que deveria ser, mas age o oposto com as suas devidas obrigações. Neves cauciona (2002, p.27): “o direito realizado não existiria totalmente ou não estaria afinal todo já existente e objetivado nas normas do sistema ‘o direito que é, não o direito que deve ser’”. Com isso, a aplicação se dá como uma garantia entre as relações entre o geral e particular. Dessa maneira, faz com que seja evidenciada a realidade e não a utopia, como um sonho muito bom, mas que não sai do constante devaneio.
O ser humano deve ter seus direitos respeitados, não é porque é um detido que devemos usurpar o direito dele viver com dignidade. Cadin e Galdino argumentam (2012, p.3666): “a vida tem outras dimensões que não somente existir e respirar. O direito deve pautar-se no bem estar do ser humano”. Portanto, é dever do Estado em salvaguardar a vida humana, a saúde, a liberdade, os direitos de viver bem e com dignidade, são interesses do Estado e eles não podem ser subordinados. O Estado deve subordinar-se para que realize o que é função dele: garantir a efetivação dos direitos do cidadão, do preso que está sendo humilhado e tratado de maneira patife.
O direito de ter direitos é uma conquista da humanidade. Da mesma forma que a anestesia, as vacinas, o computador, a máquina de lavar, a pasta de dente, o transplante do coração. Foi uma conquista dura. Muita gente lutou e morreu para que tivéssemos o direito de votar. E outros batalharam para você votar aos dezesseis anos. Lutou-se pela idéia de que todos os homens merecem a liberdade e de que todos são iguais diante da lei (DIMENSTEIN, 2000, p.7).
O Estado ingressa na função que perpassa o fato de investir numa melhor qualidade de vida dos cidadãos, é necessário estar atento à educação disponibilizada e à segurança. Muitas crianças são vítimas de maus tratos, porém, o Estado não pune os pais da forma que deveriam, isso quando sabem dessa existência. Muitos vão até a delegacia para falar dos atos sofridos, entretanto, os funcionários preferem deixar a queixa sem ser registrada, já que é menos trabalho para eles, sendo, também, um problema do Estado.
É função do Estado educar desde cedo para que não seja necessário gastar mais para punir, seja com mais prisões, mais funcionários e mais verbas para a família do preso. É preciso estabelecer uma forma de educação desde criança, para que eles cresçam com uma concepção diferente.
Nota-se a ausência de cidadania quando uma sociedade gera um menino de rua. Ele é o sintoma mais agudo da crise social. Os pais são pobres e não conseguem garantir a educação dos filhos. Eles vão continuar pobres, já que não arrumam bons empregos. E aí, seus filhos também não terão condições de progredir. É a famosa pergunta: Quem nasceu antes: o ovo ou a galinha? O garoto é pobre porque não conseguiu estudar em uma boa escola ou é porque não estudou que continua pobre? Esse círculo vicioso não atinge só os pobres. Revela uma sociedade que fecha oportunidades a todos, inclusive para você (DIMENSTEIN, 2000, p.5).
A falta de investimento do Estado, ao que concerne a qualidade de vida dos presos, se dá pelo motivo óbvio: não há interesse pessoal. Os governantes não têm interesse algum em levar boas condições aos reclusos, já que não apresenta um retorno político para eles. Vale mais deixá-los à mercê das desigualdades, dos maus tratos e investir em retorno, tanto diretamente aos próprios cofres e a outras áreas que propicie mais vantagem política, a ter que fazer o oposto. É mais conveniente investir em campanha política, a ter que ajudar os criminosos, assassinos, estupradores; com uma visão limitada e desumana. Essa concepção se dá, não apenas pelo egoísmo político, todavia, pela visão da sociedade em que anseia, cada vez mais, por medidas punitivas mais rígidas. Grande parte da população acredita que tratá-los de forma inescrupulosa é o melhor a ser feito. Ledo engano.
6 O INFERNO E O PRESÍDIO: RELATOS DE PRISIONEIROS NO MESMO LADO DA MOEDA:
Uma entrevista realizada pelo site G1, no ano de 2012, com alguns ex-detentos, relata a situação em que vivem os reclusos, de forma deplorável. Um dos entrevistados afirmou com veemência: “o inferno não é embaixo da terra, o inferno é o presídio”. Pedindo para não ter sua identidade revelada, R.S., de 39 anos, passou um ano tendo que dividir sua cela com mais outros cinquenta e seis presos, sendo que o lugar tinha capacidade apenas para seis.
Ao lembrar os momentos de tortura, R.S. declarava ter vivido os piores momentos de sua vida. “É horrível. Você não tem privacidade, não tem lugar para todo mundo dormir. Ficava todo mundo no chão, no banheiro. Às vezes, tinha que revezar, cada um dormia um pouco”. Ainda sobre a saúde, o ex-recluso prosseguiu dizendo que não tinha assistência. “Fiquei doente, porque aquele lugar é imundo, tem barata para tudo que é lado. Tive muita tosse. [...] O único remédio que eles dão é dipirona e laxante. Os medicamentos que tomei foram depositados pela minha mãe no dia de visita”. Ainda, em entrevista, R.S. relembrou os momentos de violência sofridos durante as revistas, o que, de acordo com ele, acontecia em média uma vez ao mês. “O pior de tudo é o que eles fazem com a gente durante as revistas. Eles batem em todo mundo com pedaços de pau, soltam bomba de gás, soltam cachorro, jogam nossas roupas no chão”.
O segundo ex-detento entrevistado também pediu o sigilo sobre sua identidade, M.S., casado e pai de duas meninas, mencionou que já tinha conseguido um emprego e que estava feliz com a nova vida que ele teve a oportunidade de aproveitar. “Hoje sou um trabalhador registrado, não quero mais saber de coisa errada. Tirei uma lição disso tudo que passei: coisa errada não compensa. Não ganhei nada com isso e perdi um ano de liberdade”.
Lamentavelmente, muitos são os casos de pessoas presas inocentemente e que estão provando o gosto amargo de serem presos sem motivo. Um caso que repercutiu na mídia foi do pernambucano Marcos Mariano. Segundo Antônio Pessoa Cardoso, desembargador do TJ/BA e corregedor das comarcas do interior, Marcos passou dezenove anos preso por um crime que não cometeu. Ele foi acusado de matar um homem em Cabo de Santo Agostinho e por portar um revólver calibre 38. O Supremo Tribunal de Justiça (STJ), ao reconhecer sua inocência, ordenou que a vítima fosse indenizada em R$ 2 milhões, pelo Governo de Pernambuco.
Outro caso de prisão injusta, alegado pelo desembargador, foi o caso de Valdimir Sobrosa, ficou preso por 11 anos e oito meses, cumprindo o regime sem julgamento, por um homicídio que não cometeu. O estado do Rio de Janeiro foi condenado a pagar indenização de R$ 2 milhões.
Ainda, Antônio Pessoa mencionou um caso muito inusitado. Um advogado foi condenado a 24 anos de prisão por sequestro, extorsão e assassinato de um homem. Aldenor Ferreira, o condenado, ficou preso por um ano e sete meses. Porém, o STJ reconheceu o erro, já que o homem que, supostamente foi morto, estava preso e não havia atestado de óbito.
São inaceitáveis as condições que os condenados vivem, contudo, é inadmissível pagar por um erro quando não se cometeu.
7 ÍNDICE DE PRISIONEIROS NO BANCO DE ESPERA DO PODER JUDICIÁRIO:
Segundo uma pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Rio de Janeiro é o estado com maior percentual de presos aguardando julgamento, estando com 72%; o segundo estado é o Rio Grande do Norte, alcançando 71%, seguido do Mato Grosso com 70%. No país há 196.860 detentos provisórios, esperando serem julgados.
Muitos estão com o prazo de prisão já vencido e, de acordo com o juiz do CNJ, Francisco Seráphico Nóbrega, eles ainda permanecem presos aguardando decisão judicial. Para o juiz, ele defende que é uma falta de estrutura das Defensorias Públicas, pois, se fosse realizado um trabalho de competência, de qualidade, nada disso estaria acontecendo. Há presos que ficam longos períodos, de forma exacerbada, por delitos considerados de bagatela. Como o caso em que o próprio juiz afirma, de um jovem que roubou uma escova de dente e estava aguardando ser julgado há mais de um ano.
Foi criada a Lei Nº 12.403, dia 04 de maio de 2011, com intuito de criar medidas para combater a banalização do tempo de prisão provisória no país. Porém, mesmo a criação dessa legislação não foi o suficiente para diminuir o número exorbitante de pessoas numa cela.
8 CONCLUSÃO:
De acordo com o que foi mencionado, é possível observar que o preso está sendo tratado de forma vil, infame. Por mais que ele tenha agido de forma delituosa, indo contra os preceitos da legislação, não cabe ao governo deixá-lo sendo maltratado. É horrenda a maneira que os reclusos são tratados. Não tem uma assistência médica, são vítimas de abusos, são violentados, contraem doenças e, sequer, tem como ser tratado.
Não existem direitos e garantias fundamentais. Eles não passam de bonecos manipuláveis, lá dentro. Não há um lugar digno para encostarem suas cabeças, a fim de refletirem sobre os atos patifes e abjetos que praticaram. Não basta apenas criar leis dizendo que todos são iguais perante a lei, é necessário que se faça valer. O Estado deve garantir os direitos constitucionais, não apenas declará-los. É necessário que saia do papel e faça valer os direitos que deveriam ser adquiridos.
Diante desse cenário de vergonha, para estigmatizar a situação precária em que os presos vivem, é preciso que o Estado se atente aos cuidados em tratá-los como humanos, com dignidade. É preciso, também, que tenha uma medida mais rígida para desvendar os verdadeiros réus nos crimes cometidos. Não se pode simplesmente sair prendendo pela cor da pele, pelo baixo poder aquisitivo ou porque estava passando, próximo ao local, no momento do crime. É necessário que tenha certeza, pois, um culpado não merece passar por tanta humilhação dentro da prisão, muito menos um inocente que nada fez, porém, sofre as consequências injustamente.
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Discente da Faculdade de Direito - AGES; estagiária da magistrada no TJ de Araci - BA; revisora de livros literários e jurídicos.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NATALIA ARAúJO, . As misérias do sistema carcerário brasileiro e as formas de punir Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 abr 2015, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44058/as-miserias-do-sistema-carcerario-brasileiro-e-as-formas-de-punir. Acesso em: 23 dez 2024.
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