RESUMO: Este artigo objetiva refletir acerca da insuficiência do critério da pena máxima cominada ao delito para fins de compreensão do conceito de infração de menor potencial ofensivo e, consequentemente, delimitação da competência dos Juizados Especiais Criminais. As orientações aqui apresentadas se fundamentam na premissa de que a relevância do bem jurídico-penal somente pode ser aferida através da análise material da norma incriminadora.
PALAVRAS-CHAVE: Juizados Especiais Criminais. Infração de Menor Potencial Ofensivo. Bem Jurídico-Penal.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Competência dos Juizados Especiais Criminais. 3. O Bem Jurídico-Penal. 3.1. Princípios Constitucionais Relacionados. 4. Discrepância Axiológica Inerente ao Conceito de Menor Ofensividade. 5. Insuficiência do Critério da Pena Cominada ao Delito para Compreensão do Conceito de Menor Potencial Ofensivo. 6. Considerações Finais.
1. INTRODUÇÃO
Os Juizados Especiais Criminais foram recebidos pela comunidade jurídica e, também, pela população, com bastante entusiasmo, devido à expectativa de desafogamento da Justiça Comum e maior celeridade na resolução de litígios penais. As Leis n. 9.099/95, 10.259/01 e 11.313/06, as quais disciplinam a competência instituída no artigo 98, inciso I, da Constituição Federal, contudo, ainda são objeto de variadas.
Impende-se notar que, em face do conceito legal do que constitui “infração de menor potencial ofensivo”, pautado exclusivamente no critério da pena cominada ao delito, despreza-se o conteúdo material do tipo penal ao não se analisar, para fins de delimitação da competência dos Juizados Especiais Criminais, os bens jurídico-penais tutelados pelas normas incriminadoras.
Nesse sentido, impõe-se a controversa questão a respeito da possibilidade de verificação de situações discrepantes no âmbito dos Juizados Especiais Criminais, a partir do momento em que estão inseridos em sua alçada delitos cujos objetos jurídicos em muito se diferenciam quanto às suas características e valoração pela sociedade, submetendo-se a idêntico tratamento processual penal.
Afigura-se, assim, a aparente insuficiência do critério da pena cominada ao delito para fins de delimitação da competência dos Juizados Especiais Criminais, a partir do momento em que o conceito de “menor ofensividade” é definido à revelia da análise dos bens jurídicos tutelados por cada tipo.
Assim posta a questão, o presente artigo traz em seu bojo reflexo prático para o Direito e Processo Penal brasileiro, na medida em que relaciona a compreensão material do delito como condição de delimitação de competência dos Juizados Especiais Criminais, os quais, com fundamento na mera definição formal de menor ofensividade, são competentes para o julgamento de todas as contravenções penais e delitos cuja pena não ultrapasse 2 (dois) anos, sem qualquer análise substancial quanto à relevância do bem jurídico tutelado, valoração socialmente realizada.
2. COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS
Recebidos com bastante entusiasmo pela grande maioria dos juristas – principalmente em face da expectativa de desafogamento da Justiça Comum – os Juizados Especiais Criminais despertaram, e ainda despertam, estudos dos mais diversos, ora pautados nos benefícios trazidos para a Justiça Penal, ora alicerçados nas controvérsias que lhe são inerentes. Com efeito, é cediço que a implantação de tais juizados representou, acima das inovações no sistema de persecução penal, verdadeiro instrumento de política pública do Estado com vistas à promoção da cidadania, sob o prisma da aproximação do povo ao Poder Judiciário e da célere resposta às demandas.
Saudada como verdadeiro avanço na legislação penal e processual penal brasileira, a Lei n. 9.099/95 trouxe propostas despenalizantes que se mostraram, conforme acima referenciado, nítidos reflexos de uma política criminal que visa a menor incidência da pena privativa de liberdade e, por consectário lógico, do encarceramento. Muito embora o escopo do presente trabalho não seja o de analisar o sistema prisional brasileiro, não se pode fechar os olhos para o fato de que as unidades prisionais pátrias passam longe de qualquer proposta de ressocialização, sendo possível notar, ainda, a superlotação nos estabelecimentos espalhados por todo o país.
O contexto de surgimento dos Juizados Especiais Criminais reflete uma sociedade atenta ao fato de que a repressão não se mostra hábil a pôr fim a conflitos sociais específicos. Ademais, os delitos supostamente menos importantes assoberbavam a Justiça Comum, urgindo que o Poder Judiciário respondesse de maneira mais célere. Acerca da promulgação da Lei n. 9.099/95, Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho, Antônio Scarance Fernandes e Luiz Flávio Gomes assim refletiram:
Em sua aparente simplicidade, a Lei 9.099/95 significa uma verdadeira revolução no sistema processual-penal brasileiro. Abrindo-se às tendências apontadas no início dessa introdução, a lei não se contentou em importar soluções de outros ordenamentos, mas – conquanto por eles inspirado – cunhou um sistema próprio de Justiça penal consensual que não encontra paralelo no direito comparado.[1]
Na mesma linha, Fernando da Costa Tourinho Filho ressaltou o emperramento da máquina judiciária como um dos fatores propulsores ao surgimento dos Juizados Especiais Criminais, assim discorrendo:
Os constituintes de 1988, impressionados com o número astronômico de infrações de pouca monta a emperrar a máquina judiciária sem nenhum resultado prático, uma vez que, regra geral, quando da prolação da sentença, ou os réus eram beneficiados pela prescrição retroativa, ou absolvidos em virtude da dificuldade de se fazer a prova, e principalmente considerando a tendência do mundo moderno de se adotar um Direito Penal mínimo, procuraram medidas alternativas que pudessem agilizar o processo, possibilitando uma resposta rápida do Estado à pequena criminalidade, sem o estigma do processo, à semelhança do que ocorria com a legislação de outros países[2].
Por conseguinte, a proposta de aplicação de sanções diversas da privação de liberdade foi recepcionada com bastante entusiasmo, o que não significa que os pontos controvertidos da Lei n. 9.099/95 não devam ser objeto de análise. Neste particular, a controvérsia acerca do critério de fixação da competência dos Juizados Especiais Criminais será o foco deste trabalho, máxime em razão da clara discrepância entre os bens jurídicos tutelados pelos tipos penais inseridos em sua esfera.
O surgimento dos Juizados Especiais Criminais no âmbito do ordenamento jurídico pátrio remonta à disposição constitucional contida no artigo 98 da Magna Carta. De fato, foi em 05 de outubro de 1988 que os Juizados Especiais Cíveis e Criminais foram normatizados, sob o âmbito constitucional, e, a partir de então, puderam ter sua implantação pensada em nível estadual e federal.
O artigo 2º da Lei n. 9.099/95 prevê expressamente que a conciliação e a transação devem ser sempre buscadas. Nesta linha, obviamente que as finalidades dos Juizados Especiais, sejam cíveis ou criminais, serão sempre precipuamente indicadas como a obtenção da conciliação e da transação, evitando-se a solução unilateral, impositiva, do conflito.
A conciliação é instituto também previsto na Constituição Federal que, no inciso I de seu artigo 98, descreveu expressamente tal finalidade a ser atingida pelos juizados especiais. Trata-se da intenção de se buscar o acordo entre as partes, mediante orientação do juiz ou terceiro, que resultará em composição amigável apta a pôr fim ao litígio, a qual não necessariamente dependerá de concessões mútuas por parte dos sujeitos envolvidos.
Importa notar que antes do advento da Lei n. 9.099/95, a conciliação somente era possível em ações privadas referentes a crimes praticados contra a honra, o que não mais se sustenta após o referido diploma legal, que previu a possibilidade de acordo no âmbito de ações penais de iniciativa pública, daí porque se fala em flexibilização da tradicional obrigatoriedade vigente no processo penal pátrio.
No procedimento sob exame, observa-se a existência de fase preliminar que objetiva a concretização de um acordo entre autor do fato e vítima, do que já se infere, de forma reflexa, outra finalidade atribuída ao sobredito rito, qual seja a reparação do dano.
A fim de possibilitar o atingimento da finalidade conciliatória, o procedimento sumaríssimo prevê a atuação dos chamados “conciliadores”, conforme normas de organização judiciária dos Estados Federados. Refletindo acerca da conciliação no âmbito dos juizados, bem como do seu exercício por magistrados e conciliadores, assim discorreu Fernando da Costa Tourinho Filho:
Trata-se de atividade por demais exaustiva e que, às vezes, exige muito tempo, sobretudo paciência, o que não condiz com a já sobrecarregada função do Magistrado. A quantia sugerida por uma das partes, por exemplo, pode ser, aos olhos de muitos, uma nonada, uma insignificância, mas, dependendo da posição social dos envolvidos, transmuda-se e, importância vultosa. Assim, para não sobrecarregar o Magistrado com essas démarches, é preferível entregar a tarefa da conciliação a um terceiro, competindo ao Juiz, então, orientá-lo[3].
Acerca da prática conciliatória, máxime em face da necessidade de adequação da mentalidade dos atores do processo penal e do reflexo do procedimento na diminuição do número de processos, importa transcrever lição de Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho, Anonio Scarance Fernandes e Luiz Flávio Gomes sobre o tema:
É certo que, ante o longo tempo sem experiências de conciliação perante o juízo criminal, houve necessidade de nova postura dos juízes, promotores e advogados, voltada para a solução rápida da causa e para a pronta reparação dos prejuízos sofridos pela vítima, como profunda mudança na forma de atuação do sistema criminal, a qual vem representando verdadeira revolução. A quase totalidade dos casos de infrações de menor potencial ofensivo tem sido resolvida mediante acordo entre o autor do fato e a vítima nas ações penais dependentes de representação, ou entre autor do fato e o Ministério Público nas ações incondicionadas, com rápida solução da causa, pronta atuação da Justiça e diminuição do volume de processos[4].
Nesta senda, cumpre notar que a atuação perante os Juizados Especiais Criminais imprescinde da mudança de mentalidade de todos os envolvidos, sejam estes as partes, o Ministério Público, o juiz ou defensores. Da mesma forma, a inserção dos conciliadores na atividade dos juizados é bastante importante, pois, além de evitar a sobrecarga de trabalho do magistrado, permite a concretização do distanciamento necessário com as partes, que muitas vezes pode ser quebrado em razão da conciliação frustrada por razões julgadas infundadas pelo sujeito que media a conciliação, o que, por consequência lógica, abala fortemente a imparcialidade que deve imperar.
No que tange ao instituto da transação, igualmente previsto expressamente no inciso I do artigo 98 da Constituição Federal, verifica-se a existência de concessões mútuas entre as partes a fim se se obter um denominador comum na solução das infrações de menor potencial ofensivo.
Sobre o sentido contemporâneo da transação, explicam Joel Dias Figueira Júnior e Maurício Antonio Ribeiro Lopes:
A origem da transação penal em seu sentido contemporâneo pode ser buscada no Direito de tradição anglo-saxônica, mormente no sistema norte-americano através do instituto da plea bargaining, que revala a denominada “justiça pactada ou contratada ou negociada. Expressa sobre ela Figueiredo Dias e Costa Andrade que representa a manifestação mais expressiva, embora não a única, da discricionariedade do persecutor americano. A plea bargaining consiste fundamentalmente na negociação entre o Ministério Público e a defesa, destinada a obter uma confissão de culpa em troca da acusação por um crime menos grave, ou por um número mais reduzido de crimes[5].
A aplicação da transação exige a observância a requisitos legais, previstos no artigo 76 da Lei n. 9.099/95, assim como restringe-se a possibilidades determinadas, quais sejam: opção entre pena de multa ou pena restritiva de direitos; fixação do valor da pena de multa; espécie, tempo e forma de cumprimento da pena restritiva de direitos.
De igual modo, também está prevista na lei dos Juizados Especiais Criminais a possibilidade da suspensão condicional do processo, que, de igual forma, obedece a condições específicas insertas no artigo 89 do texto legal. Em breve resumo, destaque-se que a suspensão condicional do processo somente poderá ser homologada se atendidos os seguintes requisitos: reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo; proibição de frequentar determinados lugares; proibição de se ausentar da comarca onde reside sem autorização do juiz; comparecimento mensal ao juízo, obrigatório e pessoal, a fim de que sejam justificadas e comprovadas as atividades do beneficiado. Ainda, ressalte-se que outras condições podem ser fixadas pelo magistrado.
Conforme se depreende dos próprios institutos da conciliação e transação penal, acima analisados, a reparação dos danos representa dimensão bastante prestigiada nos Juizados Especiais Criminais. Come efeito, enquanto que o Código de Processo Penal, vigendo à revelia da legislação específica, apenas dava espaço à ação civil reparatória a partir da ação penal, a composição dos danos passou a ser, após a edição da lei sob exame, questão primordial.
De fato, o prestígio dado à vítima é marca da legislação dos Juizados Especiais Criminais, sendo possível verificar a preocupação da reparação do dano também na previsão da renúncia ao direito de representação ou oferecimento da queixa em razão do acordo civil, o que estimula sobremaneira a realização da composição e fortalece a presença da vítima no processo.
Os artigos 60 e 61 da Lei n. 9.099/95 preconizam que os Juizados Especiais Criminais são competentes para processar e julgar feitos que envolvam infrações denominadas de “menor potencial ofensivo”. Cabe compreender, assim, o que significa a mencionada denominação e, ainda, quais condutas estão inseridas nesta conceituação. Assim preveem os artigos 60 e 61 da Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais:
Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.
Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa[6].
Inicialmente, a partir de simples interpretação gramatical do supracitado dispositivo, entendia-se como infração de menor potencial ofensivo todos os crimes cuja pena máxima não ultrapassasse 1 (um) ano, além das contravenções penais, excetuando-se os casos para os quais houvesse procedimento especial previsto em lei.
Contudo, a Lei n. 10.259/01, em seu artigo 2º - posteriormente alterado pela Lei n. 11.313/06, juntamente com os artigos 60 e 61 da Lei n. 9.099/95 – previu que os crimes de menor potencial ofensivo seriam aqueles cuja pena máxima não fosse superior a 2 (dois) anos, e não a 1 (um) ano, como disposto pela Lei n. 9.099/95.
Após discussões doutrinárias, entendeu-se que a legislação referente aos juizados na Justiça Federal derrogou o artigo 61 da Lei n. 9.099/95, razão pela qual, seja nos juizados estaduais ou federais, os crimes cuja pena máxima cominada não ultrapassasse 2 (dois) anos seriam considerados de menor ofensividade. A este respeito:
Agora, com a lei que instituiu o Juizado Especial Federal Criminal, podemos afirmar que o art. 61 sob comentário, em face do princípio da proporcionalidade, deve ser lido assim: “consideram-se infrações de menor potencial ofensivo as contravenções penais e os crimes cuja pena máxima não supere a dois anos, estejam ou não sujeitos a procedimento especial”. Cometeria erro inominável, a nosso juízo, quem pretendesse criar duas espécies de infrações de menor potencial ofensivo: uma na esfera federal e outra, na estadual[7].
Por conseguinte, o conceito de infração de menor potencial ofensivo sofreu alteração e alargamento após a entrada em vigor da Lei n. 10.259/01, o fazendo de duas maneiras. Isso porque importa lembrar que a lei instituidora dos Juizados Especiais Criminais no âmbito da Justiça Federal não fez qualquer ressalva quanto à sua incidência em face dos delitos sujeitos a procedimentos especiais. Desta forma, ainda que haja previsão de procedimento especial para determinado crime, tal fato não impedirá a conceituação como crime de menor potencial ofensivo.
Ademais, a lei dos Juizados Especiais Criminais Federais considerou como de menor ofensividade os delitos cuja pena máxima não supere 2 (dois) anos, enquanto que, consoante mencionado, a Lei n. 9.099/95 previam como desta natureza as infrações cuja pena máxima não fosse superior a 1 (um) ano.
Acrescente-se que também são da competência dos juizados todas as contravenções penais. Destaque-se que não existem restrições quanto à pena máxima em se falando de contravenções que, em razão de sua própria natureza, são consideradas de menor potencial ofensivo.
Para que reste sedimentado o entendimento acerca do âmbito de incidência dos Juizados Especiais Criminais, seja estadual ou federal, observe-se a conclusão extraída por Luiz Flávio Gomes:
Em conclusão (e desde logo se admitindo a derrogação do art. 61 da Lei 9.099/95 – lex posterior derogat priori) são (agora, inclusive no âmbito dos Estados e do Distrito Federal) infrações de menor potencial ofensivo:
a) todas as contravenções penais;
b) todos os delitos punidos com pena de prisão até dois anos;
c) todas as infrações punidas somente com multa;
d) todos os crimes punidos com pena de prisão até dois anos, ainda que cumulativamente com multa (cf. site www.estudoscriminais.com.br);
e) e não importa (seja nas contravenções, seja nos crimes) qual é o procedimento (se ordinário ou especial)[8].
Destaque-se que, consoante enunciado brevemente acima, a Lei n. 11.313/06 alterou as leis dos Juizados Especiais Criminais estaduais e, também, federais, conforme modificação abaixo transcrita:
Art. 1o Os arts. 60 e 61 da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, passam a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.
Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis.
Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.”
Art. 2o O art. 2o da Lei no 10.259, de 12 de julho de 2001, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 2o Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.
Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrente da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis.”[9] (Grifos acrescidos).
Verifica-se, assim, que a lei acima mencionada pôs fim às controvérsias atinentes à extensão do conceito de delito de menor ofensividade, previsto na lei federal, aos Juizados Especiais Criminais estaduais. A Lei n. 10.259/01, atualmente, não inclui mais a definição de delito de menor potencial ofensivo, restando o mesmo conceituado tão somente na Lei n. 9.099/95. Sedimentou-se, pois, que os crimes cuja pena máxima cominada não ultrapasse 2 (dois) anos são de menor ofensividade, assim considerados no âmbito estadual ou federal.
Acrescente-se que a Lei n. 11.313/06 logrou solucionar, da mesma forma, a divergência que pairava na doutrina quanto o reflexo da cominação de multa para a definição do crime de menor potencial ofensivo, face às dúvidas existentes no tocante à interpretação da última parte do parágrafo único do art. 2º da Lei n. 10.259/01. A este respeito, observe-se o esclarecimento de Rômulo de Andrade Moreira:
A Lei nº 11.313/06 resolve definitivamente a questão: não interessa a cominação da pena de multa para a definição de infração penal de menor potencial ofensivo, pouco importando seja a pena pecuniária cominada alternativa ou cumulativamente (se for cumulada não retira da infração a natureza de menor potencial ofensivo – como afirma a nova lei, com muito mais razão se a cominação for alternativamente).[10]
Por fim, frise-se que a definição de infração penal de menor potencial ofensivo considera eventuais causas de aumento e diminuição de pena, mas não as agravantes e atenuantes genéricas.
À luz de tais considerações, impõe-se concluir que, a título de exemplo, podem configurar infrações penais de menor potencial ofensivo: abuso de autoridade, previsto na Lei n. 4.898/65; calúnia, difamação e injúria; aborto provocado pela gestante com ou sem seu consentimento em sua modalidade tentada. O crime de porte de arma, antes inserido no rol de menor potencial ofensivo, restou excluído face à edição da nova lei, persistindo abarcado pelo sobredito conceito o delito previsto no artigo 13 da Lei n. 10.826/03, qual seja o crime de omissão de cautela.
Breve análise do texto legislativo permite concluir que os delitos abarcados pela Lei n. 9.099/95 possuem bens jurídicos bem diversificados, os quais perpassam, por exemplo, pelo meio ambiente equilibrado, integridade física, propriedade, organização do trabalho, dignidade sexual, dentre outros, o que evidencia, antes mesmo de estudo mais apurado, a discrepância axiológica inerente ao conceito de menor ofensividade para efeito de definição da competência dos Juizados Especiais Criminais.
Por oportuno, cumpre destacar a existência de diferenciação entre lesividade insignificante e delitos de menor potencial ofensivo. Com efeito, considerando que o conceito de menor ofensividade se aproxima mais do direito penal do que do direito processual penal propriamente dito, a aproximação das definições pode ensejar confusão.
Consoante já delineado, o critério da pena máxima cominada pela norma foi o eleito pelo legislador para fins de definição de “menor potencial ofensivo”, à revelia da dimensão da lesão ou relevância do bem jurídico.
Nesta linha, imperioso perceber que o princípio da insignificância relaciona-se à criminalidade conhecida como “bagatela”, vinculada a condutas atípicas, dado à irrelevância da lesão ao bem jurídico tutelado. Por outro lado, o delito de menor potencial ofensivo configura condutas típicas, muito embora o reduzido grau de lesividade autorize o tratamento diferenciado em relação a condutas outras. A este respeito, leia-se o ensinamento de Marcellus Polastri Lima:
De qualquer modo, evidente que delito de pequeno potencial ofensivo não é o mesmo que delito de bagatela, pois naquele existe o crime e o potencial lesivo ao bem jurídico, só que a ofensividade ao bem jurídico é menor, justificando tratamento mais benéfico ou mais adequado.[11]
Imperioso reconhecer que a compreensão dos delitos de bagatela perpassa pela noção dos princípios básicos inerentes ao Direito Penal, os quais constituem orientação para a elaboração do ordenamento jurídico penal pátrio. Sobre os referidos princípios, lecionam Joel Dias Figueira Júnior e Mauricio Antonio Ribeiro Lopes:
Existem efetivamente alguns princípios básicos que, por sua recepção na maioria dos ordenamentos jurídicos-penais positivos contemporâneos, pela significação política de seu aparecimento histórico ou de sua função social, e pela reconhecida importância de sua situação jurídica – condicionadora de derivações e efeitos relevantes – constituem um patamar indeclinável, com ilimitada validade na compreensão de todas as normas positivas[12].
Tais princípios são alvo de constante estudo pela doutrina, sendo possível sinalizar como majoritariamente mencionados os seguintes: legalidade, intervenção mínima, lesividade, culpabilidade, humanidade, individualização das penas, irretroatividade da lei mais grave, pessoalidade, dentre outros.
É nesse contexto que se insere o princípio da insignificância, diretamente relacionado à concepção utilitarista, no sentido de que o Direito Penal é estruturado conforme os conceitos formal e material, vinculado ao significado lesivo da conduta supostamente delituosa, ou seja, à gravidade do resultado verificado ou que se pretendia obter. Neste sentido, o princípio da insignificância decorre precisamente da estrutura que compõe o tipo penal, que passou a considerar elementos objetivos referentes à utilidade e da justiça na cominação da sanção ao autor do delito.
A respeito da profundidade que emerge do princípio da insignificância no Direito Penal, refletem os mesmos autores acima mencionados:
Implica dizer, o princípio da insignificância é princípio também porque determina, inspirado nos valores maiores do Estado Democrático – proteção da vida e das liberdades humanas –, a validade da lei penal diante de seus métodos de aplicação ordinários, como que exigindo uma extraordinariedade fática para incidência da lei penal em sentido concreto, qual seja, um significado juridicamente relevante para legitimá-la[13].
Considerando os ensinamentos acima acerca do princípio da insignificância e, ainda, já analisado o conceito de menor ofensividade, depreende-se que o artigo 98, inciso I, da Constituição Federal, ao dispor acerca da criação dos Juizados Especiais Criminais competentes para a apreciação das infrações de menor potencial ofensivo, não teve o intuito de prestigiar a insignificância no Direito Penal. Ao contrário, o princípio sob análise foi desprezado neste particular, já que se criou uma competência específica para processamento e julgamento de infrações daquele jaez.
Impende-se, assim, concluir que as infrações de menor potencial ofensivo representam estágio intermediário entre os delitos “comuns” (ofensividade grande) e aqueles que não possuem relevância, se considerado o resultado obtido em face do princípio da lesividade.
3. O BEM JURÍDICO-PENAL
Consoante cediço amplamente, a função prioritária que se atribui ao Direito Penal, hodiernamente, é a de proteção a bens jurídicos. Contudo, a fim de compreender do que se trata a referida função, bem como a sua relação com o trabalho que se apresenta, mister se faz analisar o que se compreende como bem jurídico, e, mais especificamente, bem jurídico-penal.
Preliminarmente, cumpre transcrever breve lição de Luiz Régis Prado acerca do conceito atribuído apenas ao termo “bem”. Veja-se abaixo:
Em sentido amplo, bem vem a ser tudo que tem valor para o ser humano (...). É inerente a esse conceito a peculiar utilidade do objeto, sua aptidão ou propriedade para satisfazer a necessidade humana. A idéia de bem se relaciona com a de utilidade, como condição para satisfazer uma necessidade do homem. Assim, o que é um bem, por ser útil, é útil enquanto é um bem; quer dizer que a utilidade, como predicado de relação entre um sujeito que tem necessidade e um objeto que a satisfaz, é um atributo inseparável dos bens. De sua vez, interesse expressa uma relação de ordem subjetiva-objetiva entre um indivíduo e um certo bem[14].
Em sendo assim, partindo-se da ideia que se tem de “bem” condicionado à utilidade e interesse frente ao homem, analise-se a noção de bem jurídico, notadamente na esfera penal.
A compreensão do “bem jurídico-penal” no âmbito do Estado Social Democrático de Direito está intimamente relacionada com a legitimação do poder de punir estatal.
De fato, a noção de Estado de Direito, por si só, já identifica a existência de um ordenamento jurídico garantidor de direitos e garantias individuais e, principalmente, de necessária observância das liberdades públicas pelo próprio Estado. Nessa linha, pode ser observado o caráter constitucional do Estado de Direito a partir do momento em que se busca a limitação do poder político frente aos cidadãos, considerando a existência do contrato social abordado em tópico precedente, e não mais da tradição como legitimadora da atuação estatal.
Leciona Luiz Flávio Gomes:
A construção de um Direito penal regido pelo paradigma da ofensividade, de cunho constitucional, material e garantista, de qualquer modo, parte da premissa básica de que a norma penal (primária) possui caráter (acentuada e prioritariamente) valorativo, isto é, ela existe para a tutela de alguns bens ou interesses (de especial relevância) consubstanciados em relações sociais valoradas positivamente pelo legislador para constituir o objeto de uma especial e qualificada proteção, como é a penal[15].
A dimensão constitucional do Estado pauta-se em seu texto maior, no qual se fundam os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos e, além disso, os princípios cuja observância afigura-se indispensável no bojo das relações privadas e também públicas.
Importa observar que o Estado de Direito deve ser enfrentado em seu duplo aspecto: formal e material. Isso porque não basta ser compreendido como arcabouço de normas e regras deônticas. Imprescindível se faz, do mesmo modo, atenção especial ao conteúdo das relações entre o Estado e os cidadãos, as quais devem ser fundadas na justiça, e não propriamente na legalidade.
Especificamente no que tange ao Estado Democrático de Direito, saliente-se que tal substrato encontra-se intimamente relacionado com o exercício do poder político pelo povo, ou seja, refere-se ao entendimento que se tem sobre o sufrágio, assembleias e outros meios de participação e debate políticos.
O Estado brasileiro caracteriza-se como Democrático, conforme expressamente previsto no texto Constitucional de 1988, que também enumera valores e princípios fundamentais. Quanto ao aspecto social, registra Luiz Régis Prado:
E por último, no Estado social, as estruturas econômicas do capitalismo subsistem, mas são admitidas intervenções públicas no sentido de corrigir eventuais distorções – propiciando condições de liberdade e de igualdade que o indivíduo muitas vezes não pode conseguir isoladamente. Busca-se promover amplamente os valores supremos da dignidade, liberdade e igualdade, de forma material e concreta, no sentido de propiciar a todos os indivíduos o exercício efetivo dos direitos fundamentais e o livre exercício e pleno desenvolvimento da personalidade[16].
Depreende-se, pois, que ao Estado Democrático e Social de Direito compete, inclusive, promover prestações positivas, se assim mostrar-se necessário à concretização da personalidade do indivíduo e dos valores constitucionais. Pressupõe-se, pois, a intervenção estatal legítima sempre que indispensável à efetivação da igualdade material, por exemplo, quando não passível de obtenção exclusiva pelo cidadão.
Em rápido apanhado, possível vislumbrar que o Estado Democrático e Social de Direito deve apresentar as seguintes características: soberania popular; eleições periódicas por intermédio de voto universal; submissão do poder estatal à legislação e aos comandos exarados pelo Poder Judiciário; responsabilidade estatal por atos, decisões e omissões; preservação constitucional; separação de poderes; observância aos direitos fundamentais; participação ativa do Estado na promoção de políticas públicas; intervenção estatal na organização econômica; estímulo às organizações sociais e culturais, dentre outros. É precisamente nesse contexto que se desenvolveu a noção material de bem jurídico-penal, com foco nos ditames constitucionais. Advirta-se, desde já, que não há como se falar em bem jurídico constitucional à revelia dos princípios da liberdade, igualdade e fraternidade, os quais remontam os tempos da ilustração.
A expressão dos direitos fundamentais é responsável por delimitar a atuação legislativa, seja no campo penal, seja na esfera extrapenal. Os direitos sociais, de igual modo, voltam-se à concretização da justiça social mediante pontuais correções no sistema socioeconômico, notadamente vinculado a decisões políticas que conferem o alicerce necessário à dogmática penal.
Pode-se dizer, assim, que a noção de bem jurídico-penal deve observar parâmetros gerais constitucionais, os quais, como já registrado anteriormente, deverão guiar a definição do injusto penal. Por conseguinte, a primeira e inafastável conclusão refere-se ao fato de que a privação da liberdade pessoal e da dignidade humana apenas pode ocorrer em face de bens jurídicos de relevância análoga.
O conceito de bem jurídico-penal apenas reflete, ademais, a compreensão sociocultural da época, estando a sua idoneidade diretamente vinculada ao seu valor socialmente atribuído. Por isso, o bem jurídico-penal encontra-se atento à realidade, sendo, o objeto de proteção, expressão da essência axiológica verificada no momento.
Aspecto importante quanto à definição dos bens jurídicos-penais pelo Poder Legislativo está no fato de que as divergências de opinião e valores são facilmente encontradas no âmbito de uma sociedade aberta e pluralista. Por isso, a criminalização das condutas deve observar a concepção de “padrão médio”, ou seja, da maioria, a fim de que a previsão do injusto penal limite-se à violação de normas dm face das quais exista o consenso.
Não resta dúvida, pois, que o conceito material de bem jurídico – e, por consectário lógico, também de bem jurídico penal – deve ser encontrado no seio da realidade e experiência sociais. Sobre esse aspecto, leciona Luiz Régis Prado:
Trata-se de um conceito necessariamente valorado e relativo, isto é, válido para um determinado sistema social e em um dado momento histórico-cultural. Isso porque seus elementos formadores se encontram condicionados por uma gama de circunstâncias variáveis imanentes à própria existência humana[17].
Frise-se que a concepção material de bem jurídico-penal não permite a equivocada conclusão de que a tutela penal apenas recairia sobre interesses materiais dos indivíduos. Absolutamente, valores espirituais também podem ser penalmente tutelados, bastando, para tanto, que reflitam concepções dominantes no meio social, as quais, nas sociedades democráticas, restarão evidenciadas sobretudo na Constituição, texto que deve servir como referencial político e jurídico para a criminalização das condutas.
Da mesma forma, o critério observado para a seleção das condutas penalmente relevantes está intrinsecamente relacionado com os princípios da liberdade e da dignidade da pessoa humana. Nessa linha, a privação da liberdade deve representar a intervenção penal como ultima ratio, ficando o ilícito penal definido apenas em face da extrema necessidade.
Imperioso notar, na linha das ideias já trazidas, que, nem todo bem jurídico requer a intervenção especificamente penal, assim como o caráter de relevância social do bem não é suficiente para a sua proteção criminal. Nesse prisma, noções de política criminal e respeito aos princípios que emanam da Constituição, relacionados à função do Direito Penal, são observadas quando da delimitação de quais interesses devem ser elevados à categoria de bem jurídico-penal, conforme será detalhado no tópico seguinte.
A dimensão da tutela penal sofreu significativa alteração a partir do Estado Social e a concomitante criação de deveres outros, não conhecidos no império do liberalismo. Direitos e interesses que transcendem a esfera individual passaram a ser valorados, tais como aqueles relacionados ao conhecimento técnico e científico. O risco passa a estar presente no bojo das relações sociais e começa a evidenciar a existência de bens jurídicos metaindividuais, de difícil identificação e definição extada. Em breves palavras, pode-se afirmar que tais bens jurídicos são aqueles cuja titularidade não pertence ao indivíduo, mas sim a um grupo de pessoas ou a toda a coletividade.
Em face dos ensinamentos já trazidos, conclui-se que o conceito de bem jurídico tem especial relevância na função contemporaneamente atribuída ao Direito Penal. Com efeito, a proteção aos referidos bens é consequência do postulado da garantia, impedindo a interferência penal sobre condutas que, muito embora afigurem-se juridicamente relevantes, não ofendam bens jurídicos. Afirma-se, pois, se por um lado a função do Direito Penal é essencialmente a de proteção a bens jurídicos, por outro o conteúdo do injusto penal é definido a partir da noção de bem jurídico-penal.
Nessa linha, observe-se lição trazida por Márcia Dometila Lima de Carvalho:
Se, como sabido, o conteúdo da tipicidade é o bem jurídico, se só a partir dele se pode dar um conteúdo ao injusto, ele se torna, então, o ponto de união entre a dogmática e política criminal, isto é, entre teoria do delito e realidade social. Ao lado de sua função garantidora, indicando o que e por que se protege e por isto se sanciona, apresenta uma função material, qual seja a de fornecer conteúdo ao injusto, isto é, à tipicidade e à antijuridicidade[18].
Verifica-se que a sobredita autora procura enfatizar, justamente, a necessária correspondência entre o conteúdo da tipicidade da conduta e a realidade social. Ainda no que concerne à função do bem jurídico na definição do conteúdo do injusto penal, ensina Cézar Roberto Bitencourt:
Admite-se atualmente que o bem jurídico constitui a base da estrutura e interpretação dos tipos penais. O bem jurídico, no entanto, não pode identificar-se simplesmente com a ratio legis, mas deve possuir um sentido social próprio, anterior à norma penal e em si mesmo decidido, caso contrário, não seria capaz de servir a sua função sistemática, de parâmetro e limite do preceito penal e de contrapartida das causas de justificação na hipótese de conflito de valorações[19].
Assim, assentou, o referido autor, a relevante função do bem jurídico enquanto estrutura de interpretação dos tipos penais, possuidor de sentido social próprio, ou seja, identidade com a realidade social. Segundo o referido autor, pois, não basta entender o bem jurídico como a própria razão da lei.
Ainda no que tange à relação existente entre bem jurídico e o conceito de injusto, valorosa é a lição de Luiz Flávio Gomes:
Se a fundamentação do injusto penal reside, como vimos, na infração do aspecto valorativo da norma (que significa uma conduta lesiva ou concretamente perigosa para o bem jurídico), torna-se impossível, para se manter coerência com a premissa assinalada, compartilhar a fundamentação ou mesmo as conclusões das chamadas teorias subjetivas, que dão realce prioritário não à violação do bem jurídico, senão à infração do dever (quebra da fidelidade à norma, delito de desobediência)[20].
Considerando todas as considerações feitas até então, cumpre transcrever o conceito de bem jurídico penal nas palavras de Luiz Régis Prado, autor que bem sintetizou todas as nuances atinentes à referida definição:
A partir do exposto, resta precisar o conceito de bem jurídico-penal, como sendo um ente (dado ou valor social) material ou imaterial haurido do contexto social, de titularidade individual ou metaindividual, reputado como essencial para a coexistência e o desenvolvimento do homem. Não há, pois, que confundi-lo com o objeto da ação ou material que é o elemento (v.g., coisa móvel, no delito de furto) sobre o qual incide o comportamento punível do sujeito ativo da infração penal. O objeto material não é uma característica comum a qualquer delito, pois só tem relevância quando a consumação depende de uma alteração da realidade fática ou do mundo exterior.[21]
O conceito fornecido por Luiz Régis Prado, consoante se observa, prestigia a realidade social e o desenvolvimento humano enquanto fatores de determinação dos bens jurídicos. Na mesma linha, porém com enfoque no caráter penal da tutela e na relação de disponibilidade do indivíduo com o objeto, sintetizam Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli:
Devemos averiguar em que consiste este conceito da teoria do tipo, isto é, o que é o bem jurídico. Se tivéssemos que dar uma definição a ele, diríamos que bem jurídico penalmente tutelado é a relação de disponibilidade de um indivíduo com um objeto, protegida pelo Estado, que revela seu interesse mediante a tipificação penal de condutas que o afetam. Como toda definição, peca pr tautologia se prescindimos de sua explicação. Costuma-se dizer que os bens jurídicos são, por exemplo, a vida, a honra, a propriedade, a administração pública, etc. Na realidade, embora não seja incorreto afirmar que a honra é um bem jurídico, isto não passa de uma abreviatura, porque o bem jurídico não é propriamente a honra, e sim o direito de dispor da própria honra, como o bem jurídico não é propriedade, e sim o direito de dispor dos próprios direitos patrimoniais[22].
Observa-se, assim, que a noção de bem jurídico-penal deve ser extraída do contexto social vivenciado, pautando-se em tudo aquilo que é necessário ao desenvolvimento da personalidade do homem, mas que apenas será tutelado pelo direito penal na medida da relação de disponibilidade do bem em face do indivíduo.
Analisada a noção de bem jurídico no âmbito do Estado Social e Democrático de Direito, restou claro que o texto constitucional possui elevada importância no que tange à definição dos bens jurídicos merecedores da tutela penal. Nessa linha, impõe tecer breves considerações acerca dos princípios constitucionais intrinsecamente relacionados à delimitação dos bens jurídicos-penais, os quais, por via de consequência, exercem a função de limitadores do poder punitivo estatal.
Com efeito, a tutela penal do bem jurídico imprescinde da verificação de impossibilidade de sua proteção, de forma suficiente, por outros meios de defesa menos lesivos à personalidade humana, tão impactada com as sanções penais. Por isso, referidas sanções apenas devem incidir sobre as condutas que afrontem bens de maior relevância, devendo as demais, com notório teor ofensivo menor, ser objeto de sanções provenientes de outras esferas, a exemplo da cível e administrativa.
A conclusão acima posta decorre do conteúdo material extraído de diversos princípios constitucionais aplicáveis ao Direito Penal, notadamente os seguintes: intervenção mínima, fragmentariedade, adequação social, insignificância, ofensividade e proporcionalidade. Destaque-se, por oportuno, que, a despeito dos princípios mencionados acima, podem ser citados inúmeros outros que se relacionam com a função de limitação do poder de punir do Estado, tais como os princípios da legalidade e reserva legal, irretroatividade da lei penal, culpabilidade e humanidade. Contudo, no que tange especificamente ao tema que se propõe abordar, ou seja, à principiologia constitucional relacionada à definição de bens jurídicos penais em face da criminalização de condutas pelo legislador, apenas serão tecidos comentários referentes aos que mais se destacam nesta perspectiva.
3.1. Princípios Constitucionais Relacionados
Em primeiro lugar, lembre-se do princípio da intervenção mínima, decorrente da necessidade de se impor limites ao legislador no que tange a criminalização de condutas iníquas. Segundo o referido princípio, também conhecido como ultima ratio, o poder incriminador do Estado só será legítimo se representar meio necessário à prevenção de ofensas aos bens jurídicos considerados relevantes. Por isso, extrai-se que, conforme já enunciado em tópico precedente, a criminalização de condutas não se justificará em havendo outra forma de sanção ou controle social passível de tutelar satisfatoriamente o bem.
O princípio da intervenção mínima, desta maneira, expõe a noção de Direito Penal Mínimo, ou seja, faz-se necessário o esgotamento de todas as esferas de controle social possíveis, objetivando tutelar determinado bem, para que, frustradas todas elas, seja possível valer-se da intervenção penal, dado que, obviamente, as consequências das sanções penais são muito mais violadoras dos direitos da personalidade do indivíduo do que, por exemplo aquelas advindas das esferas cível e administrativa.
O Direito Penal como ultima ratio está intimamente ligado às lições trazidas linhas acima, atinentes à função do sistema como essencialmente protetora de bens jurídicos. Observe-se a reflexão trazida por Cézar Roberto Bitencourt a este respeito:
Quando nos referimos à proteção subsidiária de bens jurídicos como limite do jus puniend estatal, avançamos, portanto, ainda mais na restrição do âmbito de incidência do Direito Penal. Pois o caráter subsidiário da proteção indica que a intervenção coercitiva somente terá lugar para prevenir as agressões mais graves aos bens jurídicos protegidos, naqueles casos em que os meios de proteção oferecidos pelos demais ramos do ordenamento jurídico se revelem insuficientes ou inadequados para esse fim[23].
É nesse contexto que se torna possível mencionar o subprincípio da fragmentariedade, corolário da intervenção mínima e, também da reserva legal. Isso porque não se pode conceber o resultado prático do princípio da intervenção mínima – qual seja compreender a tutela penal como ultima ratio e apenas para casos em que outras esferas não se façam suficientes a proteção de bens jurídicos socialmente importantes – sem que vislumbre o caráter fragmentário do Direito Penal.
A fragmentariedade do Direito Penal expõe a existência de seleção entre os bens jurídicos socialmente identificados, estabelecendo-se que apenas aqueles mais relevantes e que forem mais gravemente ofendidos devem ser objeto de tutela penal. Nessa linha, possível se afirmar que o Direito Penal não expõe um sistema exaustivo de proteção a bens jurídicos, mas, ao contrário, constitui-se pela descontinuidade, fragmentariedade, haja vista que a intervenção desta natureza apenas terá lugar quando falharem outras formas de controle social.
Neste jaez, importa transcrever trecho de lição proferida por Claus Roxin, exposto em sua obra “Introducción Al Derecho Penal y Al Derecho Penal Procesal”, nos seguintes termos:
La razón por la que se estima que sólo se debe recurrir al Derecho Penal cuando, frente a la conducta danosa de que se trate, ha fracassado el empleo de otros instrumentos sociopolíticos, radica en que el castigo penal pone em peligro la existencia social del afectado, se le sitúa al margen de la sociedade y, com ello, se produce también um daño social.[24]
Por conseguinte, também o renomado autor enfatizou a necessidade de que o Direito Penal seja a última forma de controle social a ser utilizada na prática, tendo em vista os reflexos que podem ser produzidos nos indivíduos em face da sanção aplicada. Por isso, tratando-se de intervenção que mais afronta os direitos fundamentais, deve a tutela penal, por consequência, ser a ultima ratio, não devendo incidir caso exista outros meios menos gravosos de proteção aos bens juridicamente tutelados.
Em segundo lugar, o princípio da adequação social também em muito se relaciona à noção de bem jurídico-penal. Bem explicado pelo alemão Hans Welzel, fundador de teoria a este respeito, destaca a necessidade da relevância social da conduta para que seja possível a sua tutela pelo Direito Penal. O conceito de delito, assim, estaria intimamente relacionado com a efetiva constatação da relevância da conduta, sob pena de se configurar a atipicidade.
Assim, em se percebendo a adequação social da conduta, não há que se falar em tipicidade e criminalização, uma vez que somente os comportamentos selecionados, por valoração prévia, conformam o tipo penal.
Hans Welzel relaciona o sentido do tipo com a teoria da adequação social, sustentando que o injusto penal não deve ser interpretado estritamente em função de seu texto formal. Ao revés, a tipicidade deve ser aferida de acordo com os valores morais da vida social, podendo ser consideradas como adequadas as condutas que se inserirem na ordem social. O referido autor, assim, define as atividades socialmente adequadas:
Ações que se movem dentro do marco das ordens sociais, nunca estão compreendidas dentro dos tipos de delito, nem ainda quando pudessem ser entendidas em um tipo interpretado ao pé da letra; são as chamadas ações socialmente adequadas. Socialmente adequadas são todas as atividades que se movem dentro do marco das ordens ético-sociais da vida social, estabelecidas por intermédio da história [...] Somente as ações que ultrapassam a adequação social são fatos tipicamente ajustados a homicídios, lesões, danos, prejuízos, coações e diversos mais. A função metódica da adequação docial consiste em recortar das palavras formais dos tipos, aqueles acontecimentos da vida que materialmente a eles não pertencem, e em que, com isso, se consegue que o tipo seja realmente uma tipificação do injusto penal[25].
Na mesma linha de entendimento caminha Cézar Roberto Bitencourt, autor que reconhece a possibilidade de se afastar a tipicidade material em função do reconhecimento do caráter adequado de determinados comportamentos sociais. Observe-se:
A tipicidade de um comportamento proibido é enriquecida pelo desvalor da ação e pelo desvalor do resultado lesando efetivamente o bem jurídico protegido, constituindo o que se chama de tipicidade material. Donde se conclui que o comportamento que se amolda a determinada descrição típica formal, porém materialmente irrelevante, adequando-se ao socialmente permitido ou tolerado, não realiza materialmente a descrição típica[26].
A adequação social, após longo debate após sua natureza jurídica, passou a ser enfrentada como princípio geral de interpretação, auxiliando na identificação de comportamentos perigosos que são adequados à produção de determinados resultados, considerados legalmente como típicos.
Desta maneira, havendo a adequação social da conduta praticada, não se constata o desvalor do resultado, muito embora seja plenamente possível se estar diante de eventual desvalor do estado das coisas que, por si só, não configura resultado típico.
Ademais, não se olvide do princípio da proporcionalidade, previsto desde a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que também se relaciona com o estudo do bem jurídico-penal.
Paulo Queiroz entende que o princípio sob análise é, atualmente, o mais importante para toda a construção do Direito e, como não poderia deixar de ser, também do Direito Penal. Com efeito, defende o mencionado autor que tudo está relacionado à proporcionalidade, desde a própria existência do Direito Penal, até os conceitos de erro de tipo, legítima defesa, extinção da punibilidade, dentre outros assuntos, já que, em última análise, tudo imprescinde da verificação quanto à necessidade, adequação e proporcionalidade da intervenção jurídico-penal[27].
Especificamente no que tange à cominação de sanções, pode-se dizer, em breves linhas, que deve ser observada a proporcionalidade entre a gravidade da conduta criminosa praticada pelo agente e, por outro lado, a sanção que lhe corresponde. A pena, assim, precisa estar em plena conformidade com a intensidade da lesão ao bem jurídico atingido pela conduta delituosa praticada e, ainda, com a providência atinente à segurança contra o grau de periculosidade do agente.
Contudo, não somente assim se vislumbra a incidência do princípio da proporcionalidade no Direito Penal. Nesta linha, explica a autora Mariângela Gama de Magalhães Gomes, observe-se:
É neste contexto que se insere o papel a ser desenvolvido pelo princípio da proporcionalidade na esfera penal. No processo de identificação do alcance que possuem os vínculos aos direitos fundamentais e à reserva de lei, resta clara a insuficiência da simples finalidade de se proteger bens jurídicos para impor limitações de todo tipo aos direitos fundamentais, uma vez que o vínculo ao respeito a estes poderia ser esvaziado com o recurso a espécies de limitação onde tais direitos terminariam por serem reduzidos a puras e simples normas programáticas[28].
Consoante se verifica, a referida autora ressalta a importância do princípio da proporcionalidade, no Direito Penal, também enquanto auxiliar da identificação dos limites a serem impostos aos direitos fundamentais, já que apenas a finalidade de proteção a bens jurídicos não seria suficiente para a aferição da razoabilidade de tais limitações.
A despeito de sua antiga previsão no Direito Internacional, o princípio da proporcionalidade é conquista do constitucionalismo moderno, estando visivelmente presente na Constituição da República Federativa do Brasil. São exemplos de sua expressão, nessa linha, a previsão de individualização das penas, a imposição de penas graves para delitos igualmente mais graves e a vedação a determinados tipos de sanções.
Especificamente no que tange ao campo de estudo dos Juizados Especiais Criminais, pode-se afirmar que, em observância ao princípio da proporcionalidade, exige-se moderação na aplicação das sanções.
O espírito fundante do princípio da proporcionalidade está na necessidade de se evitar intervenções desnecessárias ou desproporcionais do Estado na vida das pessoas. É nesse contexto que o princípio se desenvolveu no período iluminista, atrelando-se à mudança na concepção filosófica de indivíduo e respeito à dignidade da pessoa para completo desenvolvimento da personalidade.
Assim, considerando que a liberdade e a dignidade da pessoa humana constituem imposições constitucionais, o princípio da proporcionalidade deve ser usado como fundamento para a aferição da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito da sanção a ser cominada.
Em rápida digressão acerca da proporcionalidade enquanto mandado de otimização do respeito máximo aos direitos fundamentais (Alexy), lembre-se que o subprincípio da adequação visa perquirir se a medida restritiva que será imposta é realmente adequada aos fins esperados normativamente. Assim, refere-se a efetiva adequação entre meio e fim. Nessa linha, explica Paulo Queiroz:
Se a finalidade declarada do direito penal é a prevenção geral e especial (conforme doutrina hoje majoritária) de comportamentos socialmente lesivos, como forma de proteção de bens jurídicos, então a sua intervenção há de pressupor uma relação lógica de adequação (utilidade) entre meio (direito penal) e fim (prevenção de delitos)[29].
O subprincípio da necessidade, por seu turno, refere-se à definição da medida que será necessária à proteção de determinado bem jurídico, devendo sempre ser almejada a medida menos gravosa que seja eficaz à mencionada proteção. Ademais, o referido subprincípio relaciona-se à verificação, em cada caso concreto, se a intervenção penal realmente mostra-se necessária à proteção dos bens jurídicos tutelados.
Por fim, a proporcionalidade em sentido estrito envolve a comparação entre as possibilidades jurídicas de aplicação das medidas. Ademais, relaciona-se à noção de que a sanção aplicada deve variar conforme a gravidade da conduta praticada, guardando justa proporção com o seu grau de ofensividade.
Acerca da incidência, na prática, dos referidos subprincípios quando da decisão acerca da tutela penal, assim ensinou Juarez Cirino dos Santos:
O princípio da adequação e o princípio da necessidade têm por objeto a otimização das possibilidades da realidade, do ponto de vista da adequação e da necessidade dos meios em relação aos fins propostos, formulados em forma interrogativa: a) a pena criminal é um meio adequado (entre outros) para realizar o fim de proteger um bem jurídico? b) a pena criminal (meio adequado, entre outros) é, também, meio necessário (outros meios podem ser adequados, mas não seriam necessários) para realizar o fim de proteger um bem jurídico? O princípio da proporcionalidade em sentido estrito (ou princípio da avaliação) tem por objeto a otimização das possibilidades jurídicas, ao nível de criminalização primária e da criminalização secundária, do ponto de vista da proporcionalidade dos meios (pena criminal) em relação aos fins propostos (proteção de bens jurídicos), também formulado em forma interrogativa: a pena criminal cominada e/ou aplicada (considerada meio adequado e necessário, ao nível da realidade) é proporcional em relação à natureza e extensão da lesão abstrata e/ou concreta do bem jurídico?[30]
Por conseguinte, faz-se possível afirmar que o princípio da proporcionalidade é importante ao Direito Penal na medida em que evidencia a necessidade de balanceamento entre a medida penal a ser adotada, principalmente em se falando em privação de liberdade, e o bem jurídico objeto de proteção da norma.
Referindo-se ao princípio da proporcionalidade e, também, à fragmentariedade inerente ao Direito Penal e sua função de proteção de bens jurídicos, leciona Luiz Flávio Gomes, in verbis:
De qualquer modo, considerando que a sanção penal é o instrumento de controle social mais contundente com que conta o Estado, por força do princípio da proporcionalidade-necessidade (ou proibição do excesso) somente resultará justificada sua intervenção, dentro do Direito penal do ius libertatis, quando – em virtude do princípio da fragmentariedade – (a) entrem em jogo “bens” muito relevantes para a convivência humana (princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos) e (b) unicamente a partir do momento em que seja intolerável o ataque; de outro lado – em razão do princípio da subsidiariedade –, desde que não exista outra forma de tutela mais adequada ou mais idônea [Direito civil, administrativo, trabalhista, etc.].[31]
Daí porque o princípio da proporcionalidade mostra-se relacionado à noção de bem jurídico. Determinada medida poderá ser considera razoável quando mostrar-se apta ao atingimento dos objetivos com base nos quais foi proposta. Por conseguinte, a partir do momento em que se verifica a geração do menor prejuízo possível aos direitos fundamentais, sem desprezar o alcance da finalidade proposta, pode-se afirmar a proporcionalidade da medida, sob o prisma das três vertentes (necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito).
Por fim, imperioso mencionar o princípio da lesividade, também denominado pela doutrina de ofensividade, o qual possui duplo efeito no ordenamento jurídico pátrio: por um lado, serve de guia para a atividade do legislador no momento da formulação dos tipos, vinculando-os a existência de real conteúdo ofensivo a bens jurídicos considerados pela sociedade como relevantes; por outro, o mesmo princípio dirige-se ao magistrado, a partir do momento em que serve de orientação para que o intérprete observe a efetiva ocorrência de lesão ao bem jurídico protegido em cada caso.
Por conseguinte, pode-se dizer que o princípio da lesividade possui função de política-criminal e, também, de interpretação, sendo que tal dupla função constitui o limite ao direito de punir do Estado, seja mediante o exercício do jus puniendi ou do jus poenale. Quanto à função limitadora do poder de punir, e especificamente a respeito da alteração na sistemática dos Juizados Especiais Criminais, advinda com a Lei n. 10.259/2001 – tema já abordado em capítulo próprio – observe-se explicação de Luiz Régis Prado, por ser de grande pertinência ao tema tratado no presente trabalho:
Por força da Lei 10.259/2001, que cuida dos Juizados Especiais Criminais no âmbito federal, deu-se nova definição às infrações de menor potencial ofensivo, elevando-as ao limite máximo de dois anos. O crime de desacato, por exemplo, contra um policial federal, será de menor potencial ofensivo. O mesmo desacato contra um policial estadual não pode receber tratamento jurídico distinto, sob pena de violação do princípio da igualdade (ou isonomia). Conclusão: o limite de dois anos deve ser estendido para o âmbito dos Juizados Estaduais. O legislador definiu, na lei, os limites do ius puniendi. Os intérpretes, por ora (e seguramente os aplicadores da lei depois), estão dizendo o que essa lei realmente significa (estão estabelecendo os limites do ius poenale)[32].
Muito embora possa se inferir das funções acima tratadas, a outro objetivo serve o princípio da ofensividade, qual seja o de controle do conteúdo material da lei penal, refletindo tal função, por óbvio, no princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos. Nesta linha, perpassadas considerações acerca do referido princípio e, já agora, examinada a ofensividade ou lesividade na definição dos tipos penais, impende-se concluir que o Direito Penal só possui legitimidade para incriminar aquelas condutas que lesionem ou ponham em perigo o bem jurídico tutelado, razão porque parte da doutrina pátria entende que todo delito comporta lesão ou perigo de lesão concreto a bem jurídico, o que encerra controvérsia cuja extensão foge ao objeto deste trabalho.
Ademais, decorre do conteúdo do princípio sob estudo, ao menos implicitamente, que apenas condutas consideradas lesivas a bens jurídicos alheio público ou particular, e que forem exteriorizadas, podem ser consideradas criminosas. Infere-se desta noção, desde já, que o referido princípio veda a criminalização da autolesão, suicídio tentado e dano à coisa própria, dentre outras condutas que atentem contra bens e direitos do próprio agente, como atos preparatórios ao cometimento do delito.
Por conseguinte depreende-se que nenhum dano, independentemente de sua gravidade, será considerado relevante para o Direito Penal se não for devidamente exteriorizado, daí porque o indivíduo não pode ser responsabilizado por seus pensamentos e intenções, nem mesmo em razão de sua personalidade ou forma de ser.
Frisando o delineamento do princípio da ofensividade de acordo com os direitos fundamentais constitucionalmente assegurados, assevera Paulo Queiroz:
Com efeito, se é objetivo fundamental da República, como declarado no art. 3º, constituir uma sociedade livre, se são invioláveis a liberdade, a intimidade (art. 5º e a vida privada, e se é explícita a sua vocação libertária, segue-se que nenhum ato de constrição à liberdade pode ser tolerado, salvo quando, em virtude do abuso no seu exercício, resultar dano/lesão à liberdade de outrem. Em consequência, condutas meramente imorais, por mais escandalosas, não autorizam a intervenção penal, tampouco presunções legais de violência ou de perigo podem vingar em caráter absoluto, como ainda prevê o Código Penal, sob pena de absolutizar o que é relativo[33].
Conclui-se, assim, que o princípio da ofensividade relaciona-se diretamente à função do Direito Penal de proteção a bens jurídicos compreendidos como relevantes, contribuindo para a construção de um modelo de delito como ofensa aos referidos bens, de dimensão claramente constitucional. Abre-se espaço, assim, à concepção realista do delito, a qual pressupõe a idoneidade da conduta para a configuração do fato punível.
4. DISCREPÂNCIA AXIOLÓGICA INERENTE AO CONCEITO DE MENOR OFENSIVIDADE
Inicialmente, lembre-se que o legislador infraconstitucional optou em estabelecer, como critério de fixação da competência dos Juizados Especiais Criminais, a pena máxima cominada à infração penal. Assim, seja na Justiça Estadual, seja na Justiça Federal, os mencionados juizados são competentes para processar e julgar as infrações de menor potencial ofensivo, assim compreendidas todas as contravenções penais e, ainda, os delitos cuja pena máxima cominada em lei não ultrapasse 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa e independentemente de previsão de procedimento especial, conforme anteriormente explicado.
Ora, considerando que se observa tão somente a pena máxima cominada para a definição de quais crimes são objeto de processos nos Juizados Especiais Criminais, impõe-se questionar sobre a ausência de critérios pautados na compreensão dos bens jurídicos tutelados pelas referidas infrações e, desta forma, eventuais discrepâncias atinentes à valoração dos mencionados bens jurídicos no meio social.
É cediço que as sanções impostas às infrações penais, em observância ao princípio da proporcionalidade, devem corresponder à gravidade do delito e de seu resultado. Sobre a medida da pena, leia-se lição do professor Fábio Roque Araújo:
O estabelecimento das penas, por parte do legislador, é campo de atuação em que se deve obedecer à função do Direito Penal. Se a função primordial deste ramo do Direito é a tutela subsidiária dos bens jurídicos mais relevantes da sociedade, é natural que a maior reprimenda penal recaia sobre aquelas condutas que constituam violação aos bens considerados mais importantes[34].
Assim, entende-se que a relevância do bem jurídico tutelado pela norma penal influencia diretamente na cominação de sanções, devendo ser reavivados os registros já feitos acerca do subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito e a sua incidência na definição da pena, que deve variar de acordo com a gravidade da conduta praticada e guardar justa proporção com o seu grau de ofensividade.
Na mesma linha de entendimento caminha Luiz Régis Prado, autor que menciona a necessidade de valoração dos bens jurídicos para efeito de cominação das respectivas sanções. Observe-se:
A relação entre bem jurídico e pena opera uma simbiose entre o valor de bem jurídico e a função da pena: de um lado, tendo-se presente que se deve tutelar o que em si mesmo possui valor, o marco da pena não é senão uma consequência imposta pela condição valiosa do bem; de outro lado, e ao mesmo tempo, a significação social do bem se vê confirmada precisamente porque para a sua proteção vem estabelecida a pena. Tudo isso contribui para concretizar os requisitos de capacidade e necessidade de proteção, que é comum se exigir dos bens jurídicos por ocasião de prever sua tutela[35].
Contudo, não se olvide que a desproporcionalidade na cominação de penas a condutas delituosas, no ordenamento jurídico pátrio, é algo presente na prática e amplamente discutido. O próprio Fábio Roque Araújo, em sua obra “O Princípio da Proporcionalidade e o Legislador Penal”, registra inúmeros casos em que a comparação entre os bens jurídicos tutelados e as sanções cominadas demonstram o desrespeito ao princípio da proporcionalidade, ao menos se observada a gradação entre bens jurídicos mais ou menos relevantes.
Destaque-se, por oportuno, que não se defende a existência de hierarquia entre os bens jurídicos tutelados, assim como não o faz o autor acima mencionado. Com efeito, em consonância com o posicionamento sedimentado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) entende-se que os direitos e garantias fundamentais, constitucionalmente previstos, não são absolutos, devendo ser realizada análise casuística e particular para que seja aferida a prevalência de um sobre o outro.
A este respeito, e apenas para que reste clara a afirmativa acima posta e a sua influência na análise da relevância dos bens jurídicos penais, observe-se o julgado abaixo colacionado, da lavra da Ministra Ellen Gracie, no âmbito da Suprema Corte:
PROCESSO PENAL. PRISÃO CAUTELAR. EXCESSO DE PRAZO. CRITÉRIO DA RAZOABILIDADE. INÉPCIA DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. INOCORRÊNCIA. INDIVIDUALIZAÇÃO DE CONDUTA. VALORAÇÃO DE PROVA. IMPOSSIBILIDADE EM HABEAS CORPUS. 1. Caso a natureza da prisão dos pacientes fosse a de prisão preventiva, não haveria dúvida acerca do direito à liberdade em razão do reconhecimento do arbítrio na prisão - hipótese clara de relaxamento da prisão em flagrante. Contudo, não foi o que ocorreu. 2. A jurisprudência é pacífica na admissão de relaxamento da prisão em flagrante e, simultaneamente, do decreto de prisão preventiva, situação que em tudo se assemelha à presente hipótese, motivo pelo qual improcede o argumento de que há ilegalidade da prisão dos pacientes. 3. Na denúncia, houve expressa narração dos fatos relacionados à prática de dois latrocínios (CP, art. 157, § 3º), duas ocultações de cadáveres (CP, art. 211), formação de quadrilha (CP, art. 288), adulteração de sinal identificador de veículo motor (CP, art. 311) e corrupção de menores (Lei nº 2.252/54, art. 1º). 4. Na via estreita do habeas corpus, não há fase de produção de prova, sendo defeso ao Supremo Tribunal Federal adentrar na valoração do material probante já realizado. A denúncia atende aos requisitos do art. 41, do Código de Processo Penal, não havendo a incidência de qualquer uma das hipóteses do art. 43, do CPP. 5. Somente admite-se o trancamento da ação penal em razão de suposta inépcia da denúncia, em sede de habeas corpus, quando houver clara constatação de ausência de justa causa ou falta de descrição de conduta que, em tese, configura crime. Não é a hipótese, eis que houve individualização das condutas dos pacientes, bem como dos demais denunciados. 6. Na contemporaneidade, não se reconhece a presença de direitos absolutos, mesmo de estatura de direitos fundamentais previstos no art. 5º, da Constituição Federal, e em textos de Tratados e Convenções Internacionais em matéria de direitos humanos. Os critérios e métodos da razoabilidade e da proporcionalidade se afiguram fundamentais neste contexto, de modo a não permitir que haja prevalência de determinado direito ou interesse sobre outro de igual ou maior estatura jurídico-valorativa. 7. Ordem denegada.[36].
Assim, adota-se o entendimento preconizado pelo Supremo Tribunal Federal e destacado pelo professor Fábio Roque, no sentido da impossibilidade de serem estabelecidas regras estanques para a aferição da relevância dos bens jurídicos.
Contudo, a par da ciência acerca da inexistência se supremacia plena de determinados interesses em face dos demais, é cediço que alguns bens jurídicos possuem relevância destacada, costumando prevalecer na maioria dos casos. É o que se verifica, por exemplo, na tendente supremacia do interesse público sobre o particular e, do mesmo modo, do direito à vida sobre o direito à propriedade. Todavia, não se pode prescindir da análise do caso concreto, sendo certo que a regra geral pode ser objeto de exceção a depender das circunstâncias ventiladas.
A despeito da constatação de que a cominação das sanções penais deve ser diretamente proporcional ao bem jurídico tutelado, tal assertiva não se verifica com plena correção na prática, sendo possível registrar, por exemplo, a desproporção entre a pena cominada ao delito de roubo se comparada ao delito de infanticídio[37]. Com efeito, nem sempre a relevância do bem jurídico é devidamente sopesada para fins de atribuição da pena, conforme acima adiantado, o que pode ser verificado com mais clareza ao se realizar comparações entre os preceitos primário e secundários dos tipos penais.
Registre-se, ainda, que não somente a sanção penal deve ser proporcional à gravidade da conduta praticada em face do bem jurídico tutelado, mas todo o sistema penal que incidirá sobre o fato supostamente delituoso objetivando sua apuração, no que se insere o procedimento de persecução penal previsto para o processamento e julgamento das condutas delituosas. Verifica-se, nessa linha, a tendência do nosso ordenamento penal e processual penal em estabelecer os ritos mais complexos para o processamento de delitos cuja sanção cominada mostra-se mais gravosa e, por outro lado, rito mais célere e simplificado para a apuração de delitos sancionados com penalidades menos graves.
Muito embora tal aspecto não seja objeto do presente trabalho, advirta-se, de logo, que considerando a noção de “processo” como verdadeira garantia direcionada ao suposto autor da infração penal, mostra-se adequada a previsão de ritos procedimentais mais complexos para apuração de fatos mais graves, já que nestes o acusado possui mais prerrogativas de defesa do que naqueles em que se abrevia o trâmite procedimental.
Fato é que não há espaço para outra conclusão senão aquela que evidencia a ausência de consideração do bem jurídico tutelado pelo tipo penal para a definição de competência dos Juizados Especiais Criminais, os quais acabam por inserir em seu âmbito de incidência delitos dos mais diversos, cujas respectivas previsões normativas buscam tutelar bens jurídicos de naturezas também distintas e que, partindo-se de uma análise abstrata e afastada da casuística, podem conduzir à situação de incompatibilidade valorativa no bojo do mesmo procedimento penal.
Nesta linha, observe-se que o critério da pena máxima cominada insere no mesmo rol de delitos de menor potencial ofensivo condutas de diversas naturezas, as quais afrontam interesses e direitos de naturezas igualmente distintas, em face dos bens jurídicos tutelados pela norma penal. Apenas a título de exemplo, em razão da vasta diversidade, cumpre mencionar que são objeto de processos nos Juizados Especiais Criminais delitos que visam proteger os seguintes bens jurídicos: meio ambiente equilibrado, integridade física, dignidade sexual, trânsito, fé pública, saúde pública, propriedade, organização do trabalho, dentre tantos outros.
Verifica-se, por conseguinte, que tal constatação já indica a discrepância axiológica inerente ao conceito de menor ofensividade, por definir a competência dos Juizados Especiais Criminais desconsiderando qualquer análise dos bens jurídicos tutelados pelos delitos assim compreendidos como “de menor potencial ofensivo” tão somente em razão das penas que lhe são cominadas. Trata-se, pois, de verdadeira tentativa do legislador pátrio de atribuir a um conceito eminentemente material um caráter formal que não o define suficientemente, à revelia da análise do conteúdo e significado substancial das condutas delituosas descritas em lei e a gravidade de seus resultados, independentemente de ser cominada sanção penal mais ou menos gravosa.
Consoante estudado em tópico anterior, o conteúdo da norma penal imprescinde de uma análise em seu aspecto material, inclusive para efeito de constatação acerca da tipicidade ou atipicidade da conduta praticada pelo agente. Desta afirmativa decorre a pacífica aplicação do princípio da insignificância no Direito Penal, segundo o qual as condutas que não lesionarem de forma relevante bens jurídicos não devem ser criminalizadas, considerando-se a gravidade da sanção imposta ao agente em comparação ao resultado da ação. Trata-se, como já analisado, de uma das decorrências do princípio da proporcionalidade no Direito Penal.
Não de forma diferente, a apreensão do conteúdo material das normas penais deve ser realizada para efeito de conclusão acerca da maior ou menor relevância do bem jurídico tutelado, lembrando-se que, neste ponto, não se trata mais de verificar a atipicidade da conduta, mas sim de aferir o grau de sua relevância em face da lesão ao bem jurídico para efeito de, como consequência, cominar as sanções penais e estabelecer os ritos processuais adequados à apuração dos fatos.
Por conseguinte, verifica-se que se impõe a análise do conteúdo material inerente à norma penal para efeito de se estabelecer não somente a respectiva sanção penal, mas também o rito procedimental que se compatibiliza com a sua apuração, não sendo suficiente a determinação de critérios formais que, por si só, desprestigiem a finalidade da norma e a relevância da proteção que se pretende.
5. INSUFICIÊNCIA DO CRITÉRIO DA PENA COMINADA AO DELITO PARA COMPREENSÃO DO CONCEITO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO
O excesso de formalismo no conceito legal de infração de menor potencial ofensivo, assim, implica na pretensão de se tratar de forma idêntica, por intermédio do mesmo sistema processual previsto na Lei n. 9.099/95, delitos que em quase tudo se diferenciam, seja pela relevância de seus objetos jurídicos, seja pelo contexto que os permeiam, o que, a partir de uma rápida análise, impõe o questionamento acerca da suficiência do conceito formal de menor ofensividade para a definição de competência dos Juizados Especiais Criminais.
Não se pode pretender, com efeito, definir o grau de ofensividade de um delito apenas de acordo com a sanção a este cominada. De fato, a observância ao princípio da proporcionalidade entre a pena e a gravidade da conduta é o que se espera do legislador penal, mas o que nem sempre se verifica na prática, dado as desproporções que são visivelmente encontradas e que, inclusive, foram objeto de exemplificação em tópico próprio.
Aliás, a medida da pena em relação ao bem jurídico penalmente tutelado é imposição derivada dos preceitos constitucionais, conforme bem enunciou Luiz Régis Prado:
Daí ser importante a congruência entre o bem jurídico penalmente tutelado e os valores fundamentais. Em termos constitucionais, a desproporcionalidade – entre bem jurídico e espécie/medida da pena – encontra seu veto nos preceitos que amparam a justiça e a igualdade em sentido substancial, a partir do momento em que uma sanção desproporcionada seria uma evidente injustiça comparativa, contrária a ambos os princípios[38].
Em conclusão analogicamente extraída do entendimento sustentado pelo doutrinador acima, pode-se afirmar que não só a reprimenda penal deve ser proporcional à conduta delituosa praticada, mas também a persecução penal deve ocorrer de forma compatível com o grau de ofensividade do delito e de seus resultados lesivos, o que se relaciona diretamente com o procedimento penal a ser observado na apuração dos crimes, considerados em seu conteúdo material, e não exclusivamente em relação a sua pena.
Ademais, ainda que se verificasse uma perfeita proporção entre a gravidade da conduta delituosa e a sanção a esta imposta, tal fato não seria suficiente para servir de premissa à definição de competência do rito penal sumaríssimo, ou de qualquer outro procedimento penal, visto que o ofensividade a determinado bem jurídico e, ainda, a sua relevância, não são passíveis de aferição tão somente por critérios formais, que desprezem a análise material do objeto jurídico do tipo.
No que tange ao fato de que o grau de ofensividade dos delitos não deve ser aferido meramente por critérios formais, Luiz Flávio Gomes exemplifica tal entendimento com o crime de abuso de autoridade, sustentando, o referido autor, que “a gravidade dos delitos de abuso de autoridade, que afetam os direitos humanos fundamentais, não pode se conciliar com noção de infração de pequeno potencial ofensivo”[39].
Trata-se, assim, de entendimento que nega a qualidade de menor potencial ofensivo ao delito de abuso de autoridade, considerando a relevância dos bens jurídicos tutelados – relacionados aos direitos humanos fundamentais – e a gravidade das condutas descritas nos tipos penais. Infere-se, pois, que o mencionado autor compreende como indispensável a análise do conteúdo material do delito para fins de sua qualificação como de pequeno potencial ofensivo.
Na mesma linha de entendimento, Ronaldo Leite Pedrosa afirma:
Sustento que a escolha do legislador em caracterizar como delito de menor potencial ofensivo apenas aquele que trouxer previsão de determinada pena mínima, data vênia, não foi a de melhor técnica. Isto porque o tipo penal é um todo: preceito primário + preceito secundário. Inexiste pena criminal solta no ar, sem qualquer vinculação a determinado tipo. Assim como não há preceito sem a correspondente sanção, pois, senão, seria vazia de conteúdo. Logo, o tipo penal há de ser entendido materialmente, ou seja, não apenas com a catalogação legal, prévia e abstrata, como também inteiramente descritivo da atividade considerada agressiva à norma (BINDING), e, principalmente, dotada daquela força social de repulsa, que condiciona a edição dessa regra[40].
Depreende-se do posicionamento acima esposado que o autor supracitado coaduna com a tese de que não andou bem o legislador penal ao pretender condicionar o conceito de delito de menor potencial ofensivo à quantidade de pena atribuída, ou seja, tão somente levando em consideração o preceito secundário do tipo penal e, por isso, desprezando o caráter material inerente ao seu preceito primário.
Caminhado mais além em seu raciocínio, o mesmo autor propõe alternativas para adequar incongruências por ele verificadas em decorrência da conceituação legal imposta aos delitos de menor ofensividade, fazendo-o nos seguintes termos:
Assim, de lege ferenda, sugerimos que passem a ser considerados delitos de menor potencial ofensivo, independentemente da pena, as contravenções penais, os crimes culposos, e os praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa. Isto porque está excluída a enorme maioria da chamada “clientela baixa”, cujas infrações cometidas poderiam, tranquilamente, estar sob a égide da Lei nº 9.099/95. Exemplificamos com o furto simples, onde o maior interesse do lesado é o ressarcimento do prejuízo causado e, pela exclusão existente, apenas com a hipótese de suspensão poder-se-ia chegar a esse resultado. Adotamos o cuidado de excluir, todavia, aqueles crimes que, a despeito de não se realizarem com violência, atingem o ofendido em seu status de cidadania. Afastaria, pois, os crimes dolosos contra a administração pública, contra a natureza, os de entorpecentes, os de responsabilidade dos funcionários públicos, os de sonegação fiscal, os de “lavagem de dinheiro”, quando a lei específica for aprovada, os crimes eleitorais, etc[41].
Nos termos acima expostos, o autor propõe a adequação do conceito de infração de menor potencial ofensivo com base na efetiva valoração do bem jurídico tutelado pelo tipo penal, ao aduzir, por exemplo, que os delitos que atingem o status de cidadania do indivíduo não devem se inserir neste rol, independentemente da pena. Ademais, a pena também deveria ser desconsiderada para que fossem da alçada dos Juizados Especiais Criminais todos os delitos culposos e os praticados sem violência grave ou ameaça à pessoa, sugestão que também se fundamenta nas características de tais delitos, vislumbrando-se a viabilidade de solução dos litígios por intermédio da composição, por exemplo.
Independentemente da solução a ser adotada e, mais, das adequações que se fazem necessárias considerando a legislação em vigor, fato é que se deve refletir acerca da adoção de outros critérios para a definição do conceito de infração de menor potencial ofensivo, notadamente aqueles que levem em consideração a substancialidade inerente à descrição típica, a ofensividade da conduta em face do valor do bem jurídico tutelado, bem como a gravidade do resultado criminoso, as circunstâncias de sua prática, dentre outros elementos que em muito se distanciam da rasa previsão legislativa de caráter formal, hodiernamente observada.
De fato, em face das reflexões feitas ao longo do trabalho a partir dos ensinamentos doutrinários estudados, uma conclusão mostra-se inarredável: o conceito de infração de menor potencial ofensivo não pode ser delimitado exclusivamente em função da pena cominada ao delito, sob pena de se desmerecer toda a teoria do bem jurídico e a sua necessária observância no Estado Social Democrático de Direito. A definição da alçada dos Juizados Especiais Criminais não pode prescindir da análise do conteúdo material de cada tipo, a fim de que seja aferida a real compatibilidade entre o procedimento criminal a ser adotado e a relevância do bem jurídico-penal tutelado pela norma, em meio às características e contexto que permeiam o cometimento da infração penal.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A implantação dos Juizados Especiais Criminais no Brasil trouxe, sem dúvida, inúmeros benefícios à Justiça Penal. Verdadeiros instrumentos de política criminal, os referidos juizados despertam, desde a sua previsão constitucional e regulamentação legal, o interesse de muitos doutrinadores, existindo infindáveis debates acerca dos novos institutos trazidos pela Lei n. 9.099/95.
Previstos no artigo 98, inciso I, da Constituição Federal e, posteriormente, estendidos ao âmbito da Justiça Federal através da Emenda Constitucional n. 22, de 18 de março de 1999, as disposições concernentes ao rito procedimental dos Juizados Especiais Criminais estão estabelecidas nas Leis n. 9.099/95, 10.259/01 e 11.313/06, textos legislativos que, em conjunto, dispõem sobre a alçada dos mencionados juizados.
Compete aos Juizados Especiais Criminais o julgamento de processos que envolvam as denominadas “infrações de menor potencial ofensivo”, definidas legalmente como todas as contravenções penais (independentemente da pena cominada) e os delitos cuja pena máxima cominada não ultrapasse 2 (dois) anos, cumulada, ou não, com multa, e sendo indiferente a existência de procedimento específico previsto em lei própria.
O conceito de infração de menor potencial ofensivo, outrossim, não se equipara à noção de insignificância para o Direito Penal, já que, conforme registrado ao longo do trabalho, o artigo 98, inciso I, da Constituição Federal, ao dispor acerca da criação dos Juizados Especiais Criminais competentes para a apreciação das infrações deste jaez, desprezou a insignificância, caso contrário não haveria criado uma competência específica, mas sim as considerado figuras atípicas.
A evolução conceitual da noção de bem jurídico evidencia que do texto constitucional advêm os princípios norteadores do conteúdo material do Direito Penal, dentre os quais se inserem, por exemplo, os princípios da liberdade, reserva legal, responsabilidade pessoal subjetiva e dignidade da pessoa humana. Com base nos referidos princípios é possível identificar o arcabouço material dos bens jurídico-penais, chegando-se à inafastável conclusão de que somente os valores constitucionais fundamentais merecem a tutela penal.
Verificou-se, assim, que a expressão dos direitos fundamentais é responsável por delimitar a atuação legislativa, seja no campo penal, seja na esfera extrapenal. Os direitos sociais, de igual modo, voltam-se à concretização da justiça social mediante pontuais correções no sistema socioeconômico, notadamente vinculado a decisões políticas que conferem o alicerce necessário à dogmática penal. Dessa forma, conclui-se que a privação da liberdade pessoa e da dignidade humana, por exemplo, apenas pode ocorrer em face de bens jurídicos de relevância análoga.
Ademais, não se olvide que o conceito de bem jurídico-penal é reflexo da compreensão sociocultural da época, estando a sua idoneidade diretamente vinculada ao seu valor socialmente atribuído. Por outro lado, é cediço que tal noção relaciona-se diretamente à legitimação da intervenção penal, considerando o entendimento prevalecente de que o Direito Penal serve à proteção dos bens jurídicos.
Nessa linha, a compreensão do bem jurídico-penal no seio do Estado Social e Democrático de Direito deve observância a princípios como intervenção mínima (e subprincípio da fragmentariedade), adequação social, insignificância, proporcionalidade e lesividade, ao se pretender elevar determinado interesse ou direito a esta categoria.
Levando em conta tão somente o critério da pena máxima cominada, os Juizados Especiais Criminais acabam inserindo em seu âmbito de incidência delitos dos mais diversos, cujas respectivas previsões normativas buscam tutelar bens jurídicos de naturezas também distintas e que, partindo-se de uma análise abstrata e afastada da casuística, podem conduzir à situação de incompatibilidade valorativa no bojo do mesmo procedimento penal.
Nessa perspectiva, são da alçada dos Juizados Especiais Criminais, por exemplo, delitos que tutelam os bens jurídicos vida, integridade física, dignidade da administração, patrimônio, fé pública, segurança viária, meio ambiente ecologicamente equilibrado, dignidade sexual, dentre outros, considerando a vastidão que condutas que se amoldam à definição legal de menor ofensividade.
A discrepância valorativa inerente ao conceito formal de menor ofensividade pôde ser observada concretamente da análise dos bens jurídicos tutelados pelos crimes ambientais, crimes de trânsito, assédio sexual e abuso de autoridade, os quais possuem objetos jurídicos completamente discrepantes (além de características e contextos também divergentes), mas que recebem o mesmo tratamento procedimental por se amoldarem perfeitamente ao conceito legal de “menor potencial ofensivo”.
Conclui-se, a partir dos ensinamentos doutrinários estudados ao longo do trabalho, que não se pode pretender definir o grau de ofensividade de um delito apenas de acordo com a sanção a este cominada, do que se infere que o conceito de infração de menor potencial ofensivo não pode estar submetido exclusivamente a critério formal, sob pena de se desmerecer toda a teoria do bem jurídico e a sua necessária observância no Estado Social Democrático de Direito. Por isso, o excesso de formalismo no conceito legal não se mostra compatível com os preceitos estabelecidos constitucionalmente, nem com a real análise da relevância do bem jurídico tutelado pela norma incriminadora, que jamais atingirá a sua compreensão à revelia da análise de seu objeto material.
Por conseguinte, a definição da alçada dos Juizados Especiais Criminais não pode prescindir da análise do conteúdo material de cada tipo, a fim de que seja aferida a real compatibilidade entre o procedimento criminal a ser adotado e a relevância do bem jurídico-penal tutelado pela norma, em meio às características e contexto que permeiam o cometimento da infração penal.
REFERÊNCIAS
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[1] FERNADES, Antônio Scarance; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; GOMES, Luiz Fávio; GRINOVER, Ada Pellegrini. Juizados especiais criminais: comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 37.
[2] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos juizados especiais criminais. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 1.
[3] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, 2002, p. 85.
[4] GRINOVER, Ada Pellegrini et al, 2002, p. 64.
[5] FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias; LOPES, Antonio Ribeiro, 2000, p. 602.
[6] BRASIL. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Cíveis e Criminais e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 27 set. 1995. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm>. Acesso em: 11 nov. 2014.
[7] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, 2002.
[8] GOMES, Luiz Flávio. Juizados criminais federais, seus reflexos nos juizados estaduais e outros estudos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 23.
[9] BRASIL, Lei nº 11.313, de 28 de junho de 2006. Altera os arts. 60 e 61 da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, e o art. 2o da Lei no 10.259, de 12 de julho de 2001, pertinentes à competência dos Juizados Especiais Criminais, no âmbito da Justiça Estadual e da Justiça Federal. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 29 jun. 2006. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11313.htm>. Acesso em: 13 nov. 2014.
[10] MOREIRA, Rômulo de Andrade. Juizados Especiais Criminais. 2 ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Podvum, 2009, p. 20.
[11] LIMA, Marcellus Polastri. Juizados Especiais Criminais na forma das Leis nº 10.259/01, 10.455/02 e 10.741/03. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 17.
[12] FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias; LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro, 2000, p. 483.
[13] Ibid., p. 486.
[14] PRADO, Luiz Régis. Bem jurídico-penal e constituição. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 19-20.
[15] GOMES, Luiz Flávio. Norma e bem jurídico no direito penal: normas penais primárias e secundárias, normas valorativas e imperativas, introdução ao princípio da ofensividade, lineamentos da teoria constitucional do fato punível, teoria do bem jurídico-penal, o bem jurídico protegido nas falsidades documentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 18.
[16] PRADO, Luiz Régis, 2003, p. 77.
[17] PRADO, Luiz Régis, 2003, p. 98.
[18] CARVALHO, Márcia Dometila Lima de. Fundamentação constitucional do direito penal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1992, p. 35.
[19] BITENCOURT, Cezar Roberto, 2013, p. 348.
[20] GOMES, Luiz Flávio, 2002, p. 21.
[21] PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro - parte geral. 10 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 147.
[22] PIERANGELI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Manual de direito penal brasileiro – parte geral. 8 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 399.
[23] BITENCOURT, Cezar Roberto, 2013, p. 55.
[24] ARTZT, Gunther; ROXIN, Claus; TIEDEMANN, Klaus. Introduccuión al derecho penal y al derecho penal procesal. Barcelona: Ariel Derecho, 1989, p. 23.
[25] WELZEL, Hans. Direito penal. Campinas: Romana, 2003, p. 106-109.
[26] BITENCOURT, Cezar Roberto, 2013, p. 58.
[27] Cf. QUEIROZ, Paulo, 2012, p. 79.
[28] GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. O princípio da proporcionalidade no direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 36.
[29] QUEIROZ, Paulo, 2012, p. 81.
[30] SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal - parte geral. Florianópolis: Conceito Editorial, 2012, p. 27.
[31] GOMES, Luiz Flávio, 2002, p. 51.
[32] GOMES, Luiz Flávio. O princípio da ofensividade no direito penal: não há crime sem lesão ou perigo concreto de lesão a bem jurídico (nullum crimen sine iniuria), funções político-criminal e dogmático-interpretativa, o princípio da ofensividade como limite do ius puniendi, o princípio da ofensividade como limite do ius poenale. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 29.
[33] QUEIROZ, Paulo, 2012, p. 95.
[34] ARAÚJO, Fábio Roque, 2011, p. 165.
[35] PRADO, Luiz Régis, 2003, p. 23.
[36] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 93250-MS. Relator: Min Ellen Gracie, Brasília, D.J. 26 jun. 2008. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 29 dez. 2014.
[37] Roubo: pena de reclusão de 04 (quatro) a 10 (dez) anos. Infanticídio: pena de detenção de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
[38] PRADO, Luiz Régis, 2003, p. 101.
[39] GOMES, Luiz Flávio, 2002, p. 27.
[40] PEDROSA, Ronaldo Leite. Juizado criminal: teoria e prática. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997, p. 44-45.
[41] PEDROSA, Ronaldo Leite, 1997, p. 45.
Bacharela em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Pós Graduanda em Ciências Criminais pela Faculdade Baiana de Direito. Assessora Administrativa da 1ª Vice-Presidência do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Yosadhara de Araújo. Insuficiência do critério da pena máxima cominada ao delito para delimitação da com-petência dos juizados criminais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 abr 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44060/insuficiencia-do-criterio-da-pena-maxima-cominada-ao-delito-para-delimitacao-da-com-petencia-dos-juizados-criminais. Acesso em: 23 dez 2024.
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