RESUMO: Pretende-se, neste artigo, ao enfrentar as vicissitudes atinentes à obrigação alimentícia, elucidar a finalidade (função) e os pressupostos da prestação alimentar por ser um nobre direito fundamental.
Palavras-Chave: Obrigação Alimentar, Dignidade da Pessoa Humana, Genitor, Ascendente, Descendente.
Sumário: 1 Introdução; 2 Obrigação alimentar entre ascendentes e descendentes; 2.1 Noções introdutórias; 2.2 A finalidade da prestação de alimentos; 2.2.1 O status de direito fundamental; 2.2.2 As características dos alimentos como afirmação do status de direito fundamental; 2.3 Os pressupostos da obrigação de prestar alimentos; 2.3.1 Existência de vínculo de parentesco entre o alimentando e o alimentante; 2.3.2 Necessidade de quem pede; 2.3.3 Possibilidade daquele a quem se pede; 2.3.4 Proporcionalidade na fixação entre as necessidades do alimentário e os recursos do alimentante; 2.4 Alimentos prestados pelo genitor em favor do descendente; 3 Conclusões.
1 Introdução
A obrigação alimentar é modo de garantir a sobrevivência, pressuposto mínimo de uma existência digna, a fim de preservar o direito à vida, de se ter saúde, educação, lazer, entre outros.
O presente artigo destina-se à análise da obrigação alimentar de ascendentes para descendestes que são de dois tipos: (i) uma oriunda do poder familiar, que perdura até os 18 anos ou até que o filho atinja 24 anos, sendo estudante; e é presumida legalmente a sua necessidade; (ii) outra oriunda do parentesco, de vínculo vitalício, durante a maioridade do filho, quando comprovada a necessidade de receber alimentos.
Também será visto a finalidade e os pressupostos da prestação alimentar porque imprescindível para alcançar o objetivo final desse trabalho.
2 Obrigação alimentar entre ascendentes e descendentes
2.1 Noções introdutórias
Todo ser humano, do nascimento até a morte, precisa se alimentar para permanecer vivo. É com o produto do trabalho ou rendimentos que se obtém o sustento e a sobrevivência digna. Porém, às vezes, o sujeito não consegue prover por si sua mantença, seja por várias razões, tais como, por doença, deficiência, imaturidade ou qualquer outra desqualificação para o trabalho.
Nesses casos, por uma questão de solidariedade, é necessário que alguém assegure o indispensável para sua manutenção.
A tendência mundial é que os necessitados sejam socorridos pelo Poder Público, mediante um efetivo sistema de assistência social. Essa é a política do solidarismo social.
No entanto, quando a assistência social pública não é suficiente para atender as necessidades de todos, o Estado transfere tal responsabilidade, por meio da lei, aos particulares. A escolha dos responsáveis recai naquelas pessoas que estiverem ligadas ao necessitado por vínculo de família, em atenção ao chamado solidarismo familiar, que tem conteúdo ético e moral.
Como demonstra Silvio Rodrigues:
A tendência moderna é a de impor ao Estado o dever de socorro dos necessitados, tarefa que ele se desincumbe, ou deve desincumbir-se, por meio de sua atividade assistencial. Mas, no intuito de aliviar-se desse encargo, ou na inviabilidade de cumpri-lo, o Estado o transfere, por determinação legal, aos parentes, cônjuge ou companheiro do necessitado, cada vez que aqueles possam atender tal incumbência. Com efeito, dispõe o artigo 1.694 do Código Civil que “podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social.” [1]
A obrigação alimentar, como regra, advém do vínculo familiar, onde os parentes que tem recursos devem prover o sustento dos que não tenham bens e, não conseguem, através de seu trabalho, recursos suficientes para sua própria mantença.
Daí se extrai a natureza assistencial desse instituto que tem seu fundamento no princípio da preservação da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF/88) e o da solidariedade social e familiar (art. 3º da CF/88).
No ordenamento jurídico pátrio a relação alimentar está disciplinada na Lei nº 5.478/68 que dispõe sobre a ação de alimentos e no Código Civil de 2002 do artigo 1.694 ao 1.710.
O artigo 1.694 determina a titularidade ou os credores dos alimentos, os alimentandos, como também, os devedores, isto é, os alimentantes. São eles: os parentes, cônjuges e companheiros. A prova da relação de parentesco ou de casamento deve ser feita de plano no processo.
Conforme preceitua a legislação civilista, a obrigação alimentar recai, prioritariamente, aos parentes de grau mais próximo, sendo que, na falta dos ascendentes, caberá a obrigação aos descendentes, e na falta destes, aos irmãos. Assim, em linha reta não há limitação de grau para a obrigação alimentar, enquanto, em linha colateral, estará limitada ao grau mais próximo, ou seja, aos irmãos. A obrigação dos parentes mais distantes é subsidiária e complementar, isto é, vem depois dos mais próximos e limita-se a completar o valor devido.
Sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais serem chamadas a integrar a lide.
O parágrafo primeiro do artigo 1.694 estipula as diretrizes que servem para calcular a verba alimentar: os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do alimentando e dos recursos do alimentante. Assim, a jurisprudência já começou a entender o famoso binômio necessidade/proporcionalidade como um trinômio, qual seja, necessidade/possibilidade/proporcionalidade.
Fixados os alimentos, se sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre, ou na situação de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo, por meio da denominada ação revisional.
Por fim, o direito a alimentos e o respectivo dever cessam pela morte do credor, pois a obrigação alimentar é personalíssima; alteração substancial no binômio ou trinômio alimentar, ou desaparecimento de um de seus requisitos; com a maioridade, entretanto a obrigação do genitor pode permanecer tratando-se de filho estudante, até que complete os estudos, conforme entendimento do STJ[2]; ou comportamento indigno do devedor com relação ao credor.[3]
2.2 A finalidade da prestação de alimentos
2.2.1 O status de direito fundamental
Em sentido jurídico, a palavra “alimentos” possui extensão mais larga do que a da linguagem comum, abrangendo mais do que a alimentação, pois compreende tudo o que é necessário à vida.[4] Tal expressão abarca todas as despesas necessárias para a manutenção do indivíduo, tais como: alimentação, saúde, assistência médica, educação, lazer, vestuário, moradia, entre outros, com o objetivo de manter sua dignidade.
De acordo com a lição de Orlando Gomes, “alimentos são prestações para satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si.” [5] Verifica-se que sua noção está imbricada no direito à vida, garantia esta prevista constitucionalmente no art. 5º, caput.
Não pretendemos aqui dar uma definição do que se chama vida, mas alguma palavra há de ser dita sobre esse direito fundamental.
Como ensina Dirley da Cunha Júnior, “o direito à vida é o direito legítimo de defender a própria existência e de existir com dignidade, a salvo de qualquer violação, tortura ou tratamento desumano ou degradante.” [6]
Já José Afonso da Silva menciona que:
Vida, no texto constitucional (art. 5°, caput), não será considerada apenas no sentido biológico de incessante auto-atividade funcional, peculiar à matéria orgânica, mas na sua acepção biográfica mais compreensiva. Sua riqueza significativa é de difícil apreensão porque é algo dinâmico, que se transforma incessantemente sem perder sua própria identidade. É mais um processo (processo vital), que se instaura com a concepção (ou germinação vegetal), transforma-se, progride, mantendo sua identidade, até que muda de qualidade, deixando, então, de ser vida para ser morte. Tudo que interfere em prejuízo deste fluir espontâneo e incessante contraria a vida.[7]
Tal concepção de vida demonstra que este é o principal direito fundamental proclamado pela Constituição, pois dela derivam os demais direitos fundamentais sendo, por óbvio, condição sine qua non para o exercício deles.
A CF/88 tutela a vida como maior bem a ser preservado, sendo a fonte primária de todos os outros direitos assegurados, como dito.
Já os alimentos apresentam-se como uma das manifestações do direito à vida, por assegurar tanto a vida “física (sustento do corpo) como a intelectual e moral (cultivo e educação do espírito, do ser racional).” [8] Nesse sentido, os alimentos constituem uma espécie de assistência imposta por lei, de conferir os recursos necessários à subsistência e à conservação da vida, tanto a física como a moral e a intelectual do indivíduo.
Assim, a obrigação alimentar é modo de garantir a sobrevivência, pressuposto mínimo de uma existência digna, a fim de preservar o direito à vida, de se ter saúde, educação, lazer, entre outros.
Relação também há entre os alimentos e o princípio da dignidade da pessoa humana posto que aquele instituto visa, especificamente, proporcionar uma vida de acordo com a dignidade de quem o recebe e de quem os presta, já que uma não é superior ou inferior a outra.[9]
Longe de buscar um conceito para a dignidade humana, entende-se como tal, a essência do ser, estando ínsita a ele, e dele não podendo, de maneira alguma, ser retirada, sendo uma condição de todo ser humano. [10]
A proteção constitucional da dignidade da pessoa é oriunda do histórico desrespeito ao ser humano, a exemplo o Holocausto, constituindo-se, portanto, o seu respeito e proteção em meta permanente da humanidade, do Estado e do Direito, como ensina Ingo Sarlet.[11] No Brasil, apenas com o advento da atual CF/88 que ocorreu a primeira aparição desse princípio, que é posto como um dos fundamentos da República Federativa (art. 1º, III).
Por essa condição de princípio que fundamenta a República Federativa do Brasil deve a dignidade da pessoa humana ser utilizada como fundamento às decisões judiciais concessivas ou denegatórias de alimentos, implícita ou explicitamente.
Deve o julgador ater-se a esse princípio no momento da decisão referente ao quantum alimentar, pois a fixação dos alimentos aquém do mínimo necessário à sobrevivência do alimentando ofende frontalmente o princípio da dignidade da pessoa humana. De outra banda, a fixação dessa verba de forma exacerbada, além das possibilidades do devedor, também ofende o mesmo princípio.[12]
Desse modo, toda decisão concessiva ou denegatória de alimentos deve ser presidida pelo princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, a fim de que seja protegida e respeitada a dignidade dos sujeitos da obrigação alimentar, sob pena de incompatibilidade com o texto constitucional.
Pelo exposto, conclui-se que a natureza jurídica dos alimentos é de direito da personalidade, haja vista que eles se prestam à manutenção digna do necessitado, assegurando-o a vida física, intelectual e moral. A obrigação alimentar não pode ser compreendida como uma relação jurídica patrimonial, pois possui natureza assistencial, fundada na solidariedade familiar. O interesse do alimentando não é econômico assim como a prestação não constitui um valor que acrescente seu patrimônio e sirva de garantia aos credores. Sua extrapatrimonialidade se confirma por ser os alimentos uma manifestação do direito à vida que é personalíssimo, e, desse modo, necessário e indispensável.
2.2.2 As características dos alimentos como afirmação do status de direito fundamental
Os alimentos, conforme apresentado, são dotados de carga máxima de direitos fundamentais por estarem intrinsecamente relacionados ao direito à vida, sendo uma manifestação dela, e também, ao princípio da dignidade humana que é a matriz de todos os direitos fundamentais.
Por isso, a doutrina enxerga características do direito à prestação alimentícia que são únicas a esse instituto, diferente de todos os outros direitos e obrigações. A prova disso é que o inadimplemento da obrigação de prestar alimentos fundados em vínculo de Direito de Família possibilitam a prisão do devedor, como consignado no art. 5º, LXVII, CF/88.
São caracteres dessa obrigação: direito personalíssimo, irrenunciável, atual, transmissível, incessível, imprescritível, impenhorável, incompensável, não transacionável, irrepetível, variável e divisível.
DIREITO PERSONALÍSSIMO. O direito aos alimentos é pessoal, pois se destina a tutelar a integridade física e psíquica do alimentando. Dessa forma, não poderá ser transferida sua titularidade a outra pessoa por negócio ou por outro fato jurídico.
É assim considerado por tratar-se de uma das formas de assegurar o direito à vida do cidadão. Prova cabal dessa natureza personalíssima é o fato de que os alimentos são fixados de acordo com as peculiaridades da situação do credor e do devedor, consideradas as suas circunstâncias pessoais, como ensinam Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald. [13]
IRRENUNCIÁVEL. Não se pode renunciar ao direito de exigir alimentos. Poderá, porém, deixar de exercê-los, caso não os necessite naquele momento. Não obstante, os alimentos poderão ser pleiteados a qualquer tempo, havendo necessidade por parte do credor. Isto se dá em função de terem os alimentos caráter imperativo, como o próprio direito à vida. Pode-se deixar de exercer, mas não se pode renunciar o direito a alimentos.
Pode-se renunciar o exercício e não o direito; assim o necessitado pode deixar de pedir alimentos, mas não renunciar esse direito. Logo, quem renunciar ao seu exercício poderá pleiteá-lo ulteriormente, se dele vier a precisar para seu sustento.
Nesse sentido, cumpre destacar as palavras de Orlando Gomes:
O que ninguém pode fazer é renunciar a alimentos futuros, a que faça jus, obrigando-se a não reclamá-los, mas aos alimentos devidos e não prestados, o alimentando pode fazê-lo, pois lhe é permitido expressamente deixar de exercer o direito. A renúncia posterior é, portanto, válida.[14]
Estabelece a legislação civilista, em seu artigo 1.707, que pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos. Esse dispositivo encontra-se em sintonia com o art. 11 também do CC/02 que estatui que os direitos da personalidade são, em regra, irrenunciáveis.
Logo, verifica-se, que o direito a alimentos não pode ser objeto de disposição.
ATUAL. Segundo Maria Helena Diniz, é atual a obrigação alimentar, pois visa atender as necessidades atuais ou futuras do alimentando e não as passadas. [15] Como os alimentos se prestam à manutenção da integridade física e psíquica do alimentando, deve ser prestado no tempo presente ou futuro, não no passado, pois ele já se manteve, não havendo explicação para a concessão de alimentos no pretérito.
Porém, Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald interpretam de maneira diversa essa característica. Para eles, o que Maria Helena Diniz comenta como característica atual chamam de futuridade. [16]
Entendem que deve ser atual a obrigação alimentar pelo fato de que como é essa obrigação de trato sucessivo está sujeita aos efeitos inflacionários, o que compromete seu valor. Por isso, necessário que “os alimentos sejam fixados com a indicação de um critério (seguro) de correção de valor, mantendo, desse modo, o seu caráter atual.” [17] Isso evita futuras ações revisionais de alimentos com o fito único de atualizar o valor da pensão alimentícia.
Dispõe o art. 1.710, CC/02 que a atualização da prestação alimentícia será feita segundo índice oficial regularmente estabelecido. Caso não seja possível fixar os alimentos em percentual a ser descontado diretamente dos rendimentos do devedor, a jurisprudência o fixa em salários mínimos, o que não contraria a regra do art. 7º, IV, da CF/88, segundo o STF, porque esse dispositivo não engloba as obrigações de natureza alimentar.
É o que prevê a Súmula 490 do STF: “A pensão correspondente à indenização oriunda de responsabilidade civil deve ser calculada com base no salário mínimo vigente ao tempo da sentença e ajustar-se-á às variações ulteriores.”
Por fim, ensina Carlos Roberto Gonçalves que existe íntima ligação entre o conceito de salário mínimo e o de alimentos por sua natureza e função. “Trata-se, em ambos os casos, de tutela à subsistência humana, à vida humana.” [18]
TRANSMISSÍVEL. Por força do art. 1.700 do CC/02: “A obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.694.” Pela interpretação do comando legal nota-se a transmissibilidade da obrigação de alimentos em relação aos herdeiros do devedor.
A polêmica que paira em torno dessa regra é sobre os limites dessa transmissão. Para doutrina majoritária, a transmissão se dá nos limites da herança com supedâneo no art. 1.792 c/c os arts. 1.821 e 1.997, CC/02 e o Enunciado n. 343 do CJF/STJ, da IV Jornada de Direito Civil: “A transmissibilidade da obrigação alimentar é limitada às forças da herança.” Essa é a opinião de Maria Helena Diniz [19], Yussef Said Cahali,[20] Maria Berenice Dias[21] e Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald.[22]
Segundo Maria Helena Diniz,[23] a obrigação alimentar é considerada dívida do falecido sendo que os herdeiros só respondem até o valor da herança e não conforme suas próprias possibilidades econômicas. Trata-se, na verdade, de débito do espólio, em razão do disposto no art. 1.792, CC/02, não sendo os herdeiros devedores e, por isso, tal imposição não configura exceção ao caráter personalíssimo da obrigação alimentar, como sugerido por Washington de Barros Monteiro.
De outra banda, para Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald a regra é sim atentatória à natureza personalíssima da obrigação, admitindo ser o mais correto sua extinção automática pelo falecimento do alimentante ou alimentando. “Somente as prestações vencidas e não pagas é que se transmitiriam aos herdeiros, dentro das forças do espólio, por se tratar de dívida do falecido, transmitida juntamente com o seu patrimônio, em conformidade com a transmissão operada por saisine.” [24]
INCESSÍVEL. Tal característica é consequência do caráter personalíssimo da obrigação. O direito aos alimentos, por pertencer exclusivamente ao credor, sendo dele inseparável, não pode ser objeto de transferência ou cessão a outra pessoa. No entanto, o crédito decorrente de prestações já vencidas pode ser cedido.
Pertinente se faz a opinião de Orlando Gomes acerca dessa característica da obrigação alimentar:
Outorgado, como é, a quem necessita de meios para subsistir, e, portanto, concedido para assegurar a sobrevivência de quem caiu em estado de miserabilidade, o direito a prestação de alimentos é, por definição e substância, intransferível. O titular não pode, sequer, ceder o crédito que obteve em razão de se terem reunidos os pressupostos da obrigação alimentar, mas, se a prestação já estiver vencida, pode ser objeto de transação.[25]
IMPRESCRITÍVEL. O direito aos alimentos é imprescritível por envolver estado de pessoas e dignidade humana. Mesmo que o credor deixe transcrever longo tempo sem exigir os alimentos de seus parentes, poderá exercer sua pretensão a qualquer momento.
Importante salientar que não se admite sejam exigidos os alimentos pelas necessidades pretéritas, já superadas.
Vale registrar que não se confunde a imprescritibilidade do direito aos alimentos com as prestações alimentícias fixadas judicialmente. Então, de acordo com o art. 206, § 2º do CC/02, devem estas ser exigidas no prazo de dois anos, a contar de seu vencimento, sob pena de prescrição do respectivo crédito.
Contudo, em se tratando de alimentos em favor de absolutamente incapaz (menor de 16 anos, por exemplo) ou pelo filho menor na constância do poder familiar (até os 18 anos), não haverá a fluência do prazo prescricional, por ser essa uma causa impeditiva, sendo exceção à regra geral, conforme artigos 197, II e 198, I, do CC/02.
IMPENHORÁVEL. Ensina Orlando Gomes que essa característica deriva do fundamento e da finalidade do instituto dos alimentos.[26] Não se pode privar o alimentando dos alimentos que se fazem necessários a sua sobrevivência para satisfazer dívidas com credores. Contudo, a penhora poderá recair nos alimentos provenientes de prestações atrasadas.
O direito aos alimentos, já que visa atender as necessidades pessoais de quem os recebe, não pode ser objeto de penhora por parte de seus credores. A pensão alimentícia configura-se, assim, de pleno direito, isenta de penhora, o que foi previsto expressamente nos comentários do art. 1.707 do CC/02 e arts. 649, IV e § 2º, e 650 do CPC. No entanto, o crédito decorrente de prestações alimentícias vencidas, e que tenham perdido o caráter alimentar, podem ser penhorados como créditos em geral.
Admitem, Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald, a possibilidade de penhora dos alimentos para pagamento de outra obrigação da mesma natureza, como também, bens adquiridos com o montante recebido a título de alimentos, desde que não protegidos pela impenhorabilidade dos bens de família (Lei n. 8.009/90).[27]
INCOMPENSÁVEL. Quando uma dívida for de alimentos, não poderá haver compensação, pois ficaria frustrada a finalidade assistencial desse tipo de obrigação. Portanto, se o filho tem uma dívida com o pai decorrente de empréstimo, por exemplo, não poderá o pai alegar compensação quando o filho vier a exigir dele alimentos.
Nesse diapasão, a doutrina assentou entendimento no sentido de que os valores atinentes à pensão alimentícia são incompensáveis e irrepetíveis, porque restituí-los seria privar o alimentando dos recursos indispensáveis a própria mantença, condenando-o, assim, a inevitável perecimento. Daí que o credor da pessoa alimentada não pode opor o seu crédito, quando exigida pensão.
Em contrapartida, a jurisprudência vem admitindo a compensação de alimentos pagos a mais pelo devedor, aplicando a vedação do enriquecimento sem causa constante nos arts. 884 a 886, CC/02, a saber:
Alimentos. Compensação. Pagamento a maior em razão da inclusão indevida do 13º salário. Necessidade de aplicação ponderada do princípio da não compensação. Possibilidade dos valores pagos a maior serem computados nas prestações vincendas. Recurso provido para que sejam abatidos mensalmente 20% sobre a pensão devida, até ser completado o valor do crédito. (TJ/SP, 4ª Câmara de Direito Privado, Agravo de Instrumento 257.458-4/4 – comarca de São Paulo, Rel. Des. Armindo Freire Mármora, j. 06.02.03). [28]
NÃO TRANSACIONÁVEL. O direito de pedir alimentos não pode ser objeto de transação, isto é, de contrato pelo qual a dívida é extinta por concessões mútuas ou recíprocas (art. 840 a 850 do CC/02), mas o valor das prestações vencidas ou vincendas é transacionável.
IRREPETÍVEL. A quantia paga a título de alimentos não pode ser restituída pelo alimentando por ter servido à sua sobrevivência. O pagamento dos alimentos é sempre bom e perfeito, sejam eles provisionais, provisórios ou definitivos. Assim, ainda que venha a ser julgada improcedente a ação, ao final, os alimentos já prestados não poderão ser objeto de ação de repetição de indébito. Uma vez pagos, os alimentos não devem ser devolvidos, são irrestituíveis.
VARIÁVEL. A obrigação alimentar é variável por ensejar a redução, majoração ou exoneração em caso de alteração da situação econômica e da necessidade dos envolvidos, na forma do art. 1.699 do CC/02. Dessa forma, autoriza a lei, a modificação da pensão por meio de ação revisional ou de exoneração.
DIVISÍVEL. A obrigação de prestar alimentos, em regra, é divisível (art. 1.698, CC/02). Não é solidária porque a solidariedade não se presume, tendo que resultar, expressamente, de lei ou acordo entre as partes (art. 265, CC/02). Logo, havendo pluralidade de devedores aptos a prestar os alimentos e considerando que a obrigação é conjunta e não solidária, cada um responderá, apenas, pela parte correspondente às suas possibilidades.
A exceção é quando o alimentante é idoso, idade igual ou superior a 60 anos, hipótese em que a obrigação se torna solidária, como consta no art. 12 do Estatuto do Idoso - Lei 10.741/03. Determina o dispositivo que os prestadores dos alimentos ao idoso respondem solidariamente, podendo, cada um deles ser acionado sozinho e responder integralmente pela dívida.
2.3 Os pressupostos da obrigação de prestar alimentos
O Código Civil estabelece que os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do alimentando e dos recursos do alimentante, ou seja, atendendo-se aos critérios de necessidade, possibilidade e proporcionalidade.
A prestação alimentar não poderá acarretar prejuízos ao patrimônio do obrigado, e tão pouco servir de enriquecimento para o beneficiado. Para que surja a obrigação alimentar, o vínculo de parentesco é fundamental, bem como a possibilidade econômica do alimentante e a necessidade do alimentando, além da proporcionalidade entre a necessidade e a possibilidade.
A prestação de alimentos está, assim, fincada na: existência de vínculo de parentesco entre o alimentando e o alimentante; necessidade do credor; possibilidade do devedor; proporcionalidade na fixação do quantum, entre a necessidade e a possibilidade dos sujeitos. São esses diretivos que balizam a prestação conhecidos como trinômio alimentar.
2.3.1 Existência de vínculo de parentesco entre o alimentando e o alimentante
Só se verifica a obrigação alimentar se houver uma relação de parentesco, de casamento ou de união estável entre o credor e o devedor. Na primeira, os alimentos são expressão da solidariedade (social e familiar) e da dignidade humana. É o que interessa nesse estudo.
Não são todas as pessoas ligadas por laços familiares que estão sujeitas a obrigação alimentar, mas somente os ascendentes, descendentes, irmãos e cônjuges. O art. 1.696, CC/02 estabelecendo ordem preferencial para a cobrança dos alimentos dispõe que a obrigação alimentar recai sobre os ascendentes de grau mais próximo, depois no de grau mais remoto. Por fim, caberá aos irmãos prestá-los caso não existam ascendentes ou descendentes do credor ou não tenham as pessoas dessas classes condições de cumprir o encargo.
2.3.2 Necessidade de quem pede
Não basta existência de vínculo de família para que a obrigação se torne exigível. É imprescindível que o titular do direito à prestação alimentar encontre-se em estado de miserabilidade.[29] Afinal, o instituto dos alimentos foi criado para socorrer os necessitados e não para favorecer ou estimular a ociosidade.
Nesse diapasão, o parente só pode exigir alimentos do outro se, além de não possuir bens, estiver impossibilitado de prover sua própria subsistência por meio de seu trabalho, não importando a causa que o reduziu à condição de necessitado.
Não importa, também, a causa da falta de trabalho, seja ela social (desemprego), física (enfermidade, invalidez, imaturidade), moral (ausência de ocupação na categoria do necessitado), ou outra qualquer desde que efetivamente coloque o indivíduo em situação de não poder prover o próprio sustento.
A necessidade do alimentando deve ser comprovada em juízo e engloba: moradia, alimentação, vestuário, assistência médica, educação, entre outras necessidades básicas para a sobrevivência digna, como visto. Porém, tratando-se de filho menor, a necessidade é legalmente presumida, ou seja, independe de prova.
2.3.3 Possibilidade daquele a quem se pede
Os alimentos devem ser prestados por aquele que os forneça sem desfalque do necessário ao próprio sustento. A capacidade econômica do prestante deve ser analisada sendo obrigado a pagar alimentos apenas quando tiver condições financeiras para tanto, não sendo justo que passe privações ou faça sacrifícios para atender o parente necessitado.
Não se pode condenar ao pagamento de pensão alimentícia quem somente possui o indispensável para própria mantença. Desse modo, se “enormes são as necessidades do alimentário, mas escassos os recursos do alimentante, reduzida será a pensão; por outro lado, se se trata de pessoa de amplos recursos, maior será a contribuição alimentícia.” [30]
Se o alimentante não puder fornecer os alimentos em razão de seu próprio sustento, prestá-los-á dentro de suas condições, cumprindo ao alimentando reclamar de outro parente a complementação, como leciona Pontes de Miranda.[31]
É problemática a apuração, na prática, das possibilidades do devedor de alimentos. Não há grande dificuldade de verificação quando o devedor tem relação empregatícia, está vinculado ao serviço público ou possui rendimentos conhecidos. Nesse caso, a possibilidade do alimentante é conhecida e, assim, os alimentos são fixados em percentual do seu rendimento para que a obrigação se mantenha atualizada automaticamente.
Porém, quando é o alimentante autônomo, profissional liberal ou empresário, com rendimentos variáveis em razão da sua produtividade, difícil fazer a constatação de suas reais possibilidades para fixar a verba alimentar. Muito comum o devedor, para se escusar ao cumprimento da obrigação, em conluio com empregador ou sócios, entrar na informalidade para fazer desaparecer os registros de seus rendimentos. [32]
Nessas circunstâncias, diante da dificuldade de provar os ganhos do alimentante, a declaração de renda constitui um bom meio de prova. Outros meios de prova também podem ser obtidos através de informação bancária, dos bens, da qualidade de vida, como: carros importados, viagens, casas luxuosas, de praia e/ou de campo, roupas de grife, entre outros. E, não trazendo o alimentante informações sobre seus ganhos (art. 24 da Lei de Alimentos – Lei n. 5.478/68), a pensão será fixada por indícios que evidenciam seu modo de vida.
Também corriqueira é a ocorrência de fraude contra credores (art. 158, CC/02) em processos de alimentos. Aqui, o devedor aproveita a demora processual para se desfazer dos bens, frustrando a necessidade do alimentado, alegando não ter condições de poder prestar os alimentos.
É por isso que, conhecendo essas práticas, os Tribunais não tem flexibilizado à alegação de impossibilidade de cumprimento da obrigação pelo devedor. Ainda que esteja desempregado ou que tenha constituído nova família, possuindo novas despesas, por exemplo, é obrigado a pagar alimentos aos membros da antiga.
2.3.4 Proporcionalidade na fixação entre as necessidades do alimentário e os recursos do alimentante
Segundo o parágrafo primeiro do artigo 1.694, CC/02, os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada. O requisito da proporcionalidade estabelece balanceamento equilibrado entre os dois primeiros requisitos, a saber: necessidade e possibilidade.
Para a fixação do quantum alimentar, leva-se em conta a proporcionalidade entre a necessidade do pretendente e a capacidade do prestador. Deve o juiz fazer um balanço entre esses dois requisitos, chegando a um montante com base na equidade entre os interesses dos sujeitos envolvidos.
Não deve, pois, o magistrado fixar a pensão em valor exagerado ou reduzido, devendo estimá-la de forma razoável, sopesando os dois vetores analisados: necessidade x possibilidade. Na lição de Caio Mário da Silva Pereira:
Não tem cabida exigi-los além do que o credor precisa, pelo fato de ser o devedor dotado de altas posses; nem pode ser este compelido a prestá-los com sacrifício próprio ou da sua família, pelo fato de o reclamante os estimar muito alto, ou revelar necessidades maiores.[33]
Vislumbra-se, então, que o requisito da proporcionalidade é um instrumento balizador entre a necessidade x possibilidade.
Pertinente destacar o raciocínio de Silvio Rodrigues quanto a esse requisito, trazido à colação por Yussef Said Cahali:
[O dispositivo 1.694] não significa que, considerando essas duas grandezas (necessidade e possibilidade), se deva inexoravelmente tirar uma resultante aritmética, como, por exemplo, fixando sempre os alimentos em um terço ou em dois quintos dos ganhos do alimentante. Tais ganhos, bem como as necessidades do alimentado, são parâmetros onde se inspirará o Juiz para fixar a pensão alimentícia. O legislador daqui, como o de alhures, quis deliberadamente ser vago, fixando apenas um standard jurídico, abrindo ao Juiz um extenso campo de ação, capaz de possibilitar-lhe o enquadramento dos mais variados casos individuais.[34]
Nesses termos, verifica-se importante campo de cognição para o magistrado, devendo levar em consideração as peculiaridades de cada caso ao fixar o valor da pensão. Por isso não há um percentual fixo ou recomendável para a fixação do quantum alimentar devendo, no caso concreto, estipular um valor proporcional, consideradas as particularidades dos interessados.
Ademais, como a pensão alimentícia é pautada no binômio necessidade/possibilidade e sendo esses dois requisitos variáveis com o tempo, é possível a mutabilidade do valor arbitrado a título de alimentos.
Assim, em ocorrendo mudança na situação econômica das partes, rompendo-se o equilíbrio econômico-financeiro, decorrente do binômio necessidade/possibilidade, é revisto o valor outrora arbitrado, por meio de ação revisional, em que se pleiteia a exoneração, redução ou majoração do encargo.
É que na fixação dos alimentos não há formação da coisa julgada material,[35] devido a seu caráter continuativo, podendo a decisão ser revista a qualquer tempo, quando alterada a situação financeira de quem os supre ou de quem os recebe (art. 15 da Lei 5.478/68).
Nas palavras de Yussef Said Cahali:
Diz-se, mais, hoje tranquilamente, que a decisão ou estipulação de alimentos traz ínsita a cláusula rebus sic stantibus: o respectivo quantum tem como pressuposto a permanência das condições da possibilidade e necessidade que o determinaram; daí a sua mutabilidade, em função do caráter continuativo ou periódico da obrigação.[36]
Várias situações autorizam a revisão da verba alimentar para reduzi-la como a constituição de nova família; nascimento de filho decorrente de outro relacionamento; desemprego; devedor acometido por moléstia grave e/ou prolongada impeditiva do exercício laborativo, como ensina Fabiana Marion Spengler. [37]
Em contrapartida, a mesma autora indica circunstâncias que autorizam a majoração, a exemplo de ser o alimentante acometido de doença grave de tratamento prolongado e custo elevado; ter o alimentando ingressado em instituição de ensino particular com elevação de custo para o término dos estudos; ter o alimentante sofrido alteração em sua situação financeira, passando a auferir melhor renda, possibilitando dar melhores condições de vida ao alimentante. [38]
2.4 Alimentos prestados pelo genitor em favor do descendente
O porquê é necessário os alimentos já foi enfrentado em tópico antecedente podendo ser sintetizado da seguinte forma: os alimentos são expressão do direito à vida que é o mais fundamental de todos os direitos previstos na CF/88 garantindo ao seu pretendente uma existência digna.
Necessário, nesse momento, estabelecer quando é cabível o pagamento de alimentos pelo pai em face do filho.
Incumbe aos genitores, individual ou conjuntamente, sustentar os filhos, provendo-lhes a subsistência material e moral, fornecendo-lhes alimentação, moradia, medicamentos, lazer, vestuário, educação, tudo aquilo necessário para sobrevivência deles (arts. 1.566, IV e 1.634, I, do CC/02 e art. 229, CF/88).
Há dois tipos de obrigação alimentar dos pais em face dos filhos: (i) uma oriunda do poder familiar, que perdura até os 18 anos ou até que o filho atinja 24 anos, sendo estudante; e é presumida legalmente a sua necessidade (ii) outra oriunda do parentesco, de vínculo vitalício, durante a maioridade do filho, quando comprovada a necessidade de receber alimentos.
Neste momento, cabível distinguir a obrigação alimentícia do dever de prestar alimentos. Esta decorre do exercício do poder familiar – obrigação irrestrita dos pais prestarem sustento, educação, saúde, lazer à prole. Já a obrigação alimentar, resultante da relação de parentesco em linha reta, é cabível ao filho que não seja submetido ao poder familiar (maior de 18 anos ou emancipado) quando comprovar a necessidade de receber colaboração material para se manter.
No que tange aos filhos menores, o dever de sustento decorre do exercício do poder familiar que impõe aos genitores a manutenção integral da prole. Deve a prestação ser cumprida incondicionalmente e independente do estado de necessidade do filho, ou seja, mesmo que o menor possua rendimentos e patrimônio, recebidos por herança ou doação, os pais continuam obrigados a contribuir com os alimentos, salvo se comprovarem que não tem condições de prestá-los.
Ressalte-se, a obrigação é cabível ainda diante da precariedade da condição econômica do genitor. O pai, ainda que pobre, não fica isento de contribuir para a manutenção do filho menor, devendo, com o pouco que ganha, dar alguma coisa ao filho. É essa obrigação intransferível a terceiros e, caso descumprida, acarretará a destituição do poder familiar e até a caracterização do crime de abandono material (art. 244, CP).[39]
Importante consignar que, apesar do dever de prestar alimentos ter fundamento no poder familiar, é devido mesmo com sua destituição, evitando, com isso, “a premiação daquele genitor desidioso, que coloca em cheque a própria integridade do filho. Por isso, mesmo suspenso ou destituído do poder familiar, continua o pai obrigado a contribuir para o sustento do filho.” [40]
É o que sustenta, igualmente, Yussef Said Cahali: “a perda ou a suspensão do pátrio poder não retira do filho menor o direito de ser alimentado pelo genitor destituído ou suspenso de seu exercício.” [41]
Em regra, a obrigação de sustento dos genitores aos filhos cessa quando este se emancipa ou atinge a maioridade, aos 18 anos de idade. Mas, pode ser que o maior ainda necessite dessa prestação para se manter.
Nesse caso, deixa de existir o dever de sustento decorrente do poder familiar para surgir a obrigação alimentar, decorrente do parentesco (art. 1.694, CC/02). Essa obrigação está sujeita a comprovação dos pressupostos da necessidade e da possibilidade, pois aqui as necessidades não são presumidas como no dever de sustento. E, o Código não fixa prazo para término da prestação alimentícia, fixando apenas motivos que importam na sua cessação, podendo essa obrigação durar até a morte.
Diante disso, verifica-se ser possível o pagamento de alimentos em favor do filho capaz que não tem como se manter. É comum a manutenção dessa prestação ao filho capaz, porém ainda em formação acadêmica, se preparando para enfrentar o concorrido mercado de trabalho, ou então do que, embora trabalhando, não tem como se manter com o próprio salário.
Mas, atente-se, o pensionamento é destinado aos estudantes e não aos profissionais do estudo universitário. Logo, cessa o direito aos repetentes contumazes e aos que buscam sucessivos cursos superiores visando, assim, postergar a obrigação. [42]
Cabe ainda mais uma observação quanto ao filho estudante. Existe entendimento no sentido da obrigação alimentar cessar quando o filho atinge a idade de 24 anos, aplicando, por analogia, o limite etário da legislação sobre o imposto de renda. Entretanto, prevalece a posição da não-cessação imediata, sendo necessária a análise do caso concreto.
É o caso, por exemplo, dos alunos do curso de medicina, graduação mais extensa e mais demorada de passar no vestibular por conta da alta concorrência, assim como dos que fazem pós-graduação para obter melhor currículo e poder concorrer a uma vaga no mercado de trabalho.
É esse o entendimento do Superior Tribunal de Justiça que editou a Súmula 358: “O cancelamento de pensão alimentícia de filho que atingiu a maioridade está sujeito à decisão judicial, mediante contraditório, ainda que nos próprios autos.” Logo, conclui-se que o cancelamento do encargo alimentar não é automático, dependendo de ordem judicial.
3 Conclusões
Neste artigo enfrentamos o porquê é necessário os alimentos podendo ser sintetizado da seguinte forma: os alimentos são expressão do direito à vida que é o mais fundamental de todos os direitos previstos na CF/88 garantindo ao seu pretendente uma existência digna.
Também, foi examinado quando é cabível o pagamento de alimentos pelo pai em face do filho. Incumbe aos genitores, individual ou conjuntamente, sustentar os filhos, provendo-lhes a subsistência material e moral, fornecendo-lhes alimentação, moradia, medicamentos, lazer, vestuário, educação, tudo aquilo necessário para sobrevivência deles (arts. 1.566, IV e 1.634, I, do CC/02 e art. 229, CF/88).
Há dois tipos de obrigação alimentar dos pais em face dos filhos: (i) uma oriunda do poder familiar, que perdura até os 18 anos ou até que o filho atinja 24 anos, sendo estudante; e é presumida legalmente a sua necessidade (ii) outra oriunda do parentesco, de vínculo vitalício, durante a maioridade do filho, quando comprovada a necessidade de receber alimentos.
Por todo o exposto, concluí-se que buscamos nesse artigo o reconhecimento de um direito que deveria ser o normal, qual seja, o de todo pai prover o sustento material e moral do filho. Deve o Estado garantir esse direito ao jovem, sob pena de chancelar a impunidade dos pais biológicos e deixar periclitar a vida digna de uma criança ou adolescente.
REFERÊNCIAS
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[1] RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 373, vol. VI.
[2] Enunciado n. 344 do CJF/STJ: “A obrigação alimentar originada do poder familiar, especialmente para atender às necessidades educacionais, pode não cessar com a maioridade.”
[3] Cf. TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. São Paulo: Método/GEN, 2011, p. 1163-1164, vol. único.
[4] BEVILÁQUA, Clóvis. Direito de Família. 7. ed. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos; São Paulo: Livraria Editora Freitas Bastos, 1943, p. 383.
[5] GOMES, Orlando. Direito de Família. 13. ed. rev. e atual. por Humberto Theodoro Júnior. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 427.
[6] CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. Salvador: Jus Podivm, 2008, p. 639-640.
[7] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 197.
[8] CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 16.
[9] Nesse sentido, FARIAS, Cristiano Chaves de. Alimentos decorrentes do parentesco. In: PERREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). Família e responsabilidade: teoria e prática do direito de família. Porto Alegre: Magister/IBDFAM, 2010, p. 25.
[10] Cf. SPAGNOLO, Juliano. Uma visão dos alimentos através do prisma fundamental da dignidade da pessoa humana. In: PORTO, Sérgio Gilberto e USTÁRROZ, Daniel (org.). Tendências Constitucionais no Direito de Família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 142-146.
Ingo Sarlet também formula definição para a dignidade da pessoa humana afirmando ser esta: “a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, nesse sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.” (SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 62).
[11] Ibid., p. 45 e 64.
[12] Nesse sentido, SPAGNOLO, Juliano. Uma visão dos alimentos através do prisma fundamental da dignidade da pessoa humana. In: PORTO, Sérgio Gilberto e USTÁRROZ, Daniel (org.). Tendências Constitucionais no Direito de Família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 147-152.
[13] FARIAS, Cristiano Chaves de, ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 670.
[14] GOMES, Orlando. Direito de Família. 13. ed. rev. e atual. por Humberto Theodoro Júnior. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 432.
[15] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 628, vol. V.
[16] FARIAS, Cristiano Chaves de, ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 674.
[17] Ibid., p. 673.
[18] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 508.
[19] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 621, vol. V.
[20] CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 95.
[21] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5. ed. São Paulo: RT, 2009, p. 466.
[22] FARIAS, Cristiano Chaves de, ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pg. 676.
[23] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 621-623, vol. V.
[24] FARIAS, Cristiano Chaves de, ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 675.
[25] GOMES, Orlando. Direito de Família. 13. ed. rev. e atual. por Humberto Theodoro Júnior. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 432.
[26] GOMES, Orlando. Direito de Família. 13. ed. rev. e atual. por Humberto Theodoro Júnior. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 432.
[27] FARIAS, Cristiano Chaves de, ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 691.
[28] No mesmo sentido: TJ/SP, Agravo de Instrumento 394.691-4/7-00/SP, 5ª Câmara de Direito Privado, Rel. Silvério Ribeiro, j. 06.07.05.
[29] Nesse sentido, GOMES, Orlando. Direito de Família. 13. ed. rev. e atual. por Humberto Theodoro Júnior. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 430.
[30] RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 382, vol. VI.
[31] MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito de Família. 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 1947, p. 201, vol. III.
[32] Nesse sentido, ANDRIGHI, Fátima Nancy. Alimentos – os espinhos do processo. In: BASTOS, Eliene Ferreira; DIAS, Maria Berenice (coord.). A Família além dos mitos. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 230.
[33] PEREIRA, Caio Mario da Silva. Institutos de Direito Civil: Direito de Família. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 498.
[34] RODRIGUES, Sílvio apud CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.725.
[35] O tema da formação ou não da coisa julgada material na sentença que fixa os alimentos não é pacífico na doutrina civilista e processualista. Porém, o presente trabalho não analisará essa questão, porquanto não se insere no objetivo.
[36] CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 887.
[37] SPENGLER, Fabiana Marion. Coisa Julgada, Revisão e Exoneração de Alimentos. Revista Brasileira de Direito de Família, n. 16, vol. 5, jan./mar., 2003, p. 36-37.
[38] SPENGLER, Fabiana Marion. Coisa Julgada, Revisão e Exoneração de Alimentos. Revista Brasileira de Direito de Família, n. 16, vol. 5, jan./mar., 2003, p. 36.
[39] Art. 244, CP: Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de dezoito anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de sessenta anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente gravemente enfermo: Pena – detenção, de um a quatro anos, e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País.
[40] FARIAS, Cristiano Chaves de. Alimentos decorrentes do parentesco. In: PERREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). Família e responsabilidade: teoria e prática do direito de família. Porto Alegre: Magister/IBDFAM, 2010, p. 34.
[41] CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 527.
[42] Cf. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 490.
Advogada formada pela UNIFACS - Universidade Salvador. Pós-Graduada em Direito do Estado pela Juspodivm.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Joanna Massad de. Obrigação alimentar entre ascendente e descendente Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 abr 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44061/obrigacao-alimentar-entre-ascendente-e-descendente. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: MARIANA BRITO CASTELO BRANCO
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