RESUMO: O contrato de trabalho do jogador de futebol submete-se às regras contidas na Lei n. 9.615/1998, sendo assegurado a estes atletas diversos direitos trabalhistas assegurados pela CLT. Destarte, é relevante compreender as particularidades dessa modalidade contratual, contribuindo para a definição e extensão dos direitos trabalhistas que são assegurados ao atleta jogador de futebol.
PALAVRAS CHAVE: JOGADOR DE FUTEBOL. CONTRATO DE TRABALHO. DIREITOS TRABALHISTAS.
A profissionalização das atividades desempenhadas pelo jogador de futebol tem sido cada vez mais frequente. O presente estudo tem por objetivo estudar o contrato de trabalho do jogador futebol, sob a perspectiva dos direitos trabalhistas do atleta.
O contrato especial de trabalho desportivo possui características próprias, e a legislação trabalhista é aplicável quando não houver disposição legal em contrário. Assim, serão abordados temas relacionados aos direitos trabalhistas do jogador de futebol, como jornada de trabalho, horas extras, direito de arena e de imagem, dentre outros, compreendendo as peculiaridades dessa forma de contratação.
O contrato especial de trabalho desportivo é firmado entre atleta profissional e entidade de prática desportiva, possui prazo determinado, com vigência por período não inferior a três meses nem superior a cinco anos.
Consoante o disposto no art. 27, §10, da lei n. 9.615, reputa-se entidade desportiva profissional as entidades de prática desportiva envolvidas em competições de atletas profissionais, as ligas em que se organizarem e as entidades de administração de desporto profissional.
Tais entidades normalmente são associações ou sociedades sem fins lucrativos. Contudo, podem ser constituídas sob a forma de sociedade empresária, desde que seja dos seguintes tipos: sociedade em nome coletivo, em comandita simples, limitada, anônima ou em comandita por ações.
Imprescindível esclarecer que qualquer que seja a forma jurídica adotada, os bens particulares dos dirigentes estão sujeitos à desconsideração da personalidade jurídica (art. 50 do Código Civil) para a hipótese de aplicarem créditos ou bens sociais da entidade desportiva em proveito próprio ou de terceiros. Nesta situação também incidirá o caput do art. 1.017 do CC, in verbis:
O administrador que, sem consentimento escrito dos sócios, aplicar créditos ou bens sociais em proveito próprio ou de terceiros, terá de restituí-los à sociedade, ou pagar o equivalente, com todos os lucros resultantes, e, se houver prejuízo, por ele também responderá.
Os administradores de entidades desportivas profissionais respondem solidária e ilimitadamente pelos atos ilícitos praticados, de gestão temerária ou contrários ao previsto no contrato social ou estatuto, nos termos do Código Civil.
Os requisitos do contrato especial de trabalho desportivo estão previstos expressamente no art. 28 da lei Pelé. A contratação deverá ser feita por escrito e conterá, obrigatoriamente, a cláusula indenizatória desportiva e a cláusula compensatória desportiva.
A primeira é devida exclusivamente à entidade a qual está vinculado o atleta quando houver transferência do mesmo para outra entidade, que poderá ser estrangeira, no período de vigência do contrato ou no caso do atleta retornar às atividades profissionais em outra entidade, no prazo de até 30 meses. O pagamento dessa verba incumbe ao atleta e à nova entidade empregadora, considerados devedores solidários.
A cláusula compensatória desportiva, por sua vez, é destinada ao atleta e de responsabilidade da entidade de prática desportiva, devida nas situações de rescisão indireta, inclusive por inadimplemento salarial, ou no caso de dispensa imotivada do atleta.
O contrato de trabalho formaliza o vínculo empregatício, ao passo que o registro do contrato perante a entidade administradora do desporto constitui o vínculo desportivo entre os contratantes. Dispõe o decreto 7.984 de 2013, no art. 44, §2º, que este vínculo não é condição para a caracterização da atividade de atleta profissional.
Ainda segundo a previsão legal, o vínculo desportivo é acessório ao empregatício e será dissolvido com o término do prazo do contrato ou o seu distrato, com o pagamento da cláusula indenizatória ou compensatória desportiva, com a rescisão indireta ou com a dispensa sem justa causa.
A lei estabeleceu algumas hipóteses em que se configura a nulidade de pleno direito de determinadas cláusulas de contratos ajustados entre as entidades de prática desportiva e terceiros, ou entre estes e atletas. Enquadram-se nestas situações as disposições que possam intervir ou influenciar na transferência de atletas ou as que interfiram no desempenho do atleta ou da entidade de prática desportiva, salvo se objeto de negociação coletiva.
Feitas essas basilares considerações acerca do contrato especial de trabalho desportivo, torna-se necessário perquirir sobre as obrigações dos contraentes. Incumbe à entidade de prática desportiva empregadora, nos termos do art. 34 da lei n.9.615, proporcionar aos atletas profissionais as condições necessárias à participação nas competições desportivas, treinos e outras atividades preparatórias ou instrumentais, além de submeter os atletas profissionais aos exames médicos e clínicos necessários à prática desportiva.
O atleta profissional, por sua vez, tem por dever participar dos jogos, treinos e sessões prévias de competições com a dedicação compatível com suas condições psicofísicas e técnicas. Também é de extrema importância que preserve as condições físicas que lhes permitam competir em campeonatos, devendo se submeter aos exames médicos e tratamentos clínicos imprescindíveis à prática desportiva. Por fim, terá que cumprir as regras da modalidade desportiva e observar as normas relativas à disciplina e à ética desportivas.
Ao lado dessas obrigações recíprocas, específicas para essa forma de contratação, encontram-se os direitos trabalhistas do jogador de futebol, que também está disciplinado pela lei n.9.615.
Segundo o art. 28 da lei n. 9.615, ressalvadas as disposições especiais constantes de seu texto, ao atleta profissional são aplicáveis as normas gerais da legislação trabalhista e da Seguridade Social.
O repouso semanal remunerado do jogador de futebol também deve ter a duração mínima de vinte e quatro horas ininterruptas, devendo ocorrer preferencialmente no dia subsequente à partida jogada, quando a mesma ocorrer em final de semana.
A jornada de trabalho do jogador também coincide com a dos demais trabalhadores, totalizando quarenta e quatro horas. As férias, sempre acrescidas do abono, duram trinta dias e devem coincidir com o recesso das atividades desportivas.
É bastante comum, no dia-a-dia dos jogadores de futebol, a ocorrência da concentração, situação em que os atletas permanecem em local específico, praticamente isolados do resto do mundo, às vésperas de uma partida. “A concentração tem por finalidade o resguardo da condição do atleta para que ele obtenha melhor rendimento e interação com a equipe” (BELMONTE, p. 88).
A concentração está vinculada à conveniência da entidade de prática desportiva, tendo como duração máxima o intervalo de três dias consecutivos por semana. Está adstrita à programação de alguma partida de futebol, amistosa ou oficial. Ressalta-se que o atleta deve ficar à disposição do empregador por ocasião da realização de competição fora da localidade onde tenha sua sede.
O atleta faz jus a acréscimos remuneratórios, previstos no instrumento contratual, decorrentes de períodos de concentração, viagens, pré-temporada e participação em partida.
A lei permite que o tempo de concentração seja ampliado no caso do jogador de futebol estar à disposição de entidade de administração do desporto, independentemente de pagamento adicional.
No que se refere ao salário do jogador de futebol, esclarece-se que deverá ser pactuado livremente, desde que se respeite o salário mínimo vigente. Quando os salários, no todo ou em parte, do atleta estiverem atrasados em dois ou mais meses ele poderá se recusar a competir pela entidade empregadora. Em se tratando de atleta cedido temporariamente, quando houver atraso no pagamento dos salários por mais de dois meses, ele deverá notificar a entidade de prática desportiva cedente para, querendo, purgar a mora no prazo de 15 dias.
Se a entidade cessionária não pagar ao atleta o salário e contribuições previstas em lei, por 2 (dois) meses, haverá a rescisão do contrato de empréstimo e será devida a cláusula compensatória desportiva acordada, a ser paga ao atleta pela entidade de prática desportiva cessionária. Rescindido o contrato, o atleta deverá cumprir o seu contrato junto à entidade cedente. As demais peculiaridades dos direitos do jogador de futebol serão feitas em tópicos diversos.
As horas que ultrapassarem a jornada semanal de 44 horas deverão ser pagas como extras, haja vista a inexistência de previsão constitucional ou legal que exclua este profissional do regime de horas extras.
O atleta profissional é empregado, devendo também observar o inciso XIII do artigo 7.º da Constituição, ou seja, trabalhar 8 horas diárias e 44 semanais. O que exceder esse período será considerado como hora extra, pois o artigo 28 da Lei n.º 6.354/76 manda aplicar ao atleta profissional de futebol as normas gerais da legislação trabalhista. O inciso XIII do artigo 7.º da Lei Maior não exclui o jogador de futebol de suas regras. (MARTINS, p. 4)
A Jurisprudência do TST entende que durante o período de concentração não são devidas horas extraordinárias. O fundamento repousa na atribuição de caráter especial à obrigação de participar da concentração, reputando-se como não integrante da jornada de trabalho o tempo de concentração.
O art. 28, §4º, III, da lei n. 9.615, com a redação dada pela lei n. 12.395 de 2011, estabelece que o jogador de futebol tem direito a acréscimos remuneratórios em razão de períodos de concentração, conforme previsão contratual. Havendo previsão contratual destes acréscimos, a situação fica esclarecida. Se o contrato nada estipular, o TST entende que, em regra, não há serviço extraordinário durante a concentração.
O direito de arena consiste na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, fixação, emissão, transmissão, retransmissão ou reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo. A titularidade desse direito pertence às entidades de prática desportiva.
O direito à participação na exploração econômica da imagem está assegurado no art. 5º, XXVIII, “a”, da CRFB. Goza da proteção jurídica contra a exposição de sua imagem como pessoa pública que é, podendo se insurgir contra a reprodução desautorizada (BELMONTE, p. 89).
O parágrafo primeiro do art. 42, da lei n.9.615, dispõe que 5% da receita decorrente da exploração de direitos desportivos audiovisuais devem ser distribuídos de forma igualitária entre os jogadores de futebol que participaram da partida.
O percentual poderá ser alterado mediante convenção coletiva de trabalho, sendo que tais valores deverão ser repassados pela emissora detentora dos direitos de transmissão diretamente às entidades sindicais de âmbito nacional da categoria, responsável pelo pagamento aos atletas.
Ressalte-se, ainda, que o repasse para os jogadores deverá ser feito no prazo de sessenta dias, nos termos do art. 46 do decreto n. 7.984, de 08 de abril de 2013. Existe expressa previsão legal quanto à natureza jurídica do direito de arena, possuindo tal parcela caráter civil. Contudo, no julgamento do Recurso de Revista n. 1396-91.2010.5.03.0021, em 26/11/2012, a 6ª Turma do TST entendeu que tal verba tem natureza salarial.
O direito ao uso da imagem do jogador, diferentemente do direito de arena, pode ser cedido ou explorado pelo próprio atleta. Para tanto, é necessário que se faça um contrato de natureza civil, com a fixação dos direitos, obrigações e condições que não se confundem com o contrato especial de trabalho desportivo (art. 87-A da lei n.9.615, incluído pela lei n. 12.395, de 2011).
O posicionamento do TST é que esse contrato é acessório ao de emprego, razão pela qual o inadimplemento reiterado do pagamento das verbas decorrentes da cessão do uso da imagem gera a rescisão indireta do contrato de trabalho. Além disso, esse contrato jamais poderá ser utilizado para mascarar o pagamento de verbas salariais.
Assim como a maior parte dos trabalhadores, o jogador de futebol também pode sofrer acidente do trabalho ou ser acometido por doença ocupacional. Eles são segurados obrigatórios da Previdência Social, haja vista que o art. 28, §4º, da Lei Pelé, estabelece que a eles aplicam-se as normas gerais da Seguridade Social.
Presentes os requisitos legais, será devida indenização por dano moral ao jogador que sofrer acidente do trabalho ou que for acometido por doença profissional. O valor da indenização dependerá da extensão do dano e das suas consequências, observado o parâmetro da razoabilidade. Importante transcrever decisão do TST sobre o tema:
RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL. ATIVIDADE DE JOGADOR DE FUTEBOL. AGRAVAMENTO DE DOENÇA PREEXISTENTE. CONCAUSALIDADE.
1. São concausas, equiparáveis ao acidente de trabalho, outras causas que, juntando-se à principal, contribuam diretamente para a morte do segurado, para a redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou para produzir lesão que exija atenção médica para a sua recuperação (art. 21, I, Lei nº 8.213/91), como um erro médico, a superveniência de infecção hospitalar ou a preexistência de diabetes complicadora do quadro geral da vítima. O empregador responde pelo resultado, independentemente de não ter sido o causador das concausas. (BELMONTE, Agra Alexandre, Responsabilidade por Danos Morais nas Relações de Trabalho. Rev. TST, Brasília, Vol. 73, nº 2, abril/junho 2007).
2. O Tribunal Regional, ao transcrever o laudo pericial, admite que o dano sofrido foi agravado pela função exercida pelo empregado-recorrente no Clube-recorrido, restando caracterizada a concausa, o que atrai a responsabilidade do empregador, uma vez que ele era conhecedor dos riscos inerentes à atividade de atleta e a sua natureza, não se preocupando em manter a higidez física do empregado.
3. Uma vez provados o dano e a relação de concausalidade existente entre a doença congênita e a atividade laboral do empregado, estão configurados os requisitos autorizadores do deferimento da indenização por danos morais e materiais. Recurso de revista conhecido por divergência jurisprudencial e no mérito provido. Recurso de Revista n° 137900-46.2009.5.12.0003. Ministro Relator: Alexandre Agra Belmonte. Brasília, 26 de Setembro de 2012.
A lei não excluiu o jogador de futebol do regime do FGTS, razão pela qual a entidade empregadora deve efetuar o recolhimento desses valores no prazo legal. O não recolhimento do FGTS caracteriza a mora contumaz do empregador.
Apesar da obrigatoriedade do recolhimento de tal verba, a rescisão do contrato por parte do empregador não implica o pagamento da indenização de 40% do FGTS. Isso porque o atleta terá direito à cláusula compensatória desportiva ou aos valores previstos no art. 479 da CLT.
Consoante exposto nos tópicos anteriores, o contrato de jogador de futebol deve ser firmado por prazo determinado, admitida a ocorrência de contratos sucessivos com o mesmo empregador. Ao lado disso, foi esclarecido que o jogador de futebol faz jus aos direitos trabalhistas vigentes no país, ressalvando-se apenas determinadas particularidades, como a previsão contratual das cláusulas compensatória e indenizatória desportivas.
Alguns dos direitos trabalhistas dos jogadores são mais questionados no TST, como o direito de imagem e de arena e horas extraordinárias. Apesar da regulamentação legal da prática desportiva profissional e dos direitos trabalhistas do atleta, percebe-se relevante importância da Justiça do Trabalho na função de definir o alcance de determinadas normas.
BELMONTE, Alexandre Angra. Direito Desportivo, Justiça Desportivae principais aspectos jurídico-trabalhistas darelação de trabalho do atleta profissional. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, Rio de Janeiro, v. 21. n.47. p. 77-97. jan./jun. 2010. Disponível em: <http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1& ved=0CCoQFjAA&url=http%3A%2F%2Fportal2.trtrio.gov.br%3A7777%2Fpls%2Fportal%2Furl%2FITEM%2F9D0A35FB814483F1E0405F0A2FF0372B&ei=RbjVUcLMIdOC0QG_pIHwAQ&usg=AFQjCNHs4DS_DkGfSi2Yxu3x1z-2095B5w&bvm=bv.48705608,d.dmQ>. Acesso em: 10 jun. 2013.
MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho. São Paulo, SP: Saraiva, 2010.
MARTINS, Sérgio Pinto. Direitos Trabalhistas do Atleta Profissional de Futebol. Disponível em: <http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd =6&ved=0CEYQFjAF&url=http%3A%2F%2Fwww.trt18.jus.br%2Fportal%2Farquivos%2F2012%2F03%2Fartigo_001-pmartins-futebol.pdf&ei=hbXVUbOvNea80AHKpIHwDQ&usg=A FQjCNEcdb1SoXKvediSks5UMmghStMyHg&bvm=bv.48705608,d.dmQ>. Acesso em: 07 maio 2013.
MOURA, Marcelo. Consolidação das Leis do Trabalho para Concursos. 2. ed. Salvador: Juspodium, 2012.
Advogada formada pela Universidade Federal da Bahia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: REIS, Taíse Macêdo. O contrato especial de trabalho desportivo do jogador de futebol Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 abr 2015, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44076/o-contrato-especial-de-trabalho-desportivo-do-jogador-de-futebol. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Ronaldo Henrique Alves Ribeiro
Por: Marjorie Santana de Melo
Por: Leonardo Hajime Issoe
Por: STJ - Superior Tribunal de Justiça BRASIL
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