RESUMO: O art. 5º da Constituição Federal assegura ao servidor público civil os direitos de livre associação sindical e de greve. Apesar da existência de norma constitucional que assegure o direito de greve ao servidor público, inexiste lei regulamentando o exercício de tal direito. Ante a omissão legislativa, imprescindível compreender como o direito de greve tem sido exercido e assegurado aos servidores públicos civis.
PALAVRAS CHAVE: SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. DIREITO DE GREVE.
O direito de greve, tão caro ao regime democrático de direito, não é direito fundamental apenas dos trabalhadores do setor privado. A Constituição Federal de 1988 inovou no direito brasileiro com a garantia da livre associação sindical e direito de greve aos servidores públicos.
O legislador, nos termos do texto constitucional, incumbiu ao Congresso Nacional a tarefa de disciplinar a forma de exercício desse direito. Entretanto, o Poder Legislativo quedou-se inerte e ainda hoje não houve regulamentação do dispositivo constitucional. Neste contexto, o presente artigo se destina a analisar o exercício do direito de greve pelos servidores públicos civis.
Inicialmente cumpre esclarecer quem é servidor público. De acordo com as ilustres explanações de Celso Antônio Bandeira de Mello,
servidor público, como se pode depreender da Lei Maior, é a designação genérica ali utilizada para englobar, de modo abrangente, todos aqueles que mantêm vínculos de trabalho profissional com as entidades governamentais, integrados em cargos ou empregos da União, Estados, Distrito Federal, Municípios, respectivas autarquias e fundações de Direito Público. Em suma: são os que entretêm com o Estado e com as pessoas de Direito Público da Administração indireta relação de trabalho de natureza profissional e caráter não eventual sob vínculo de dependência (Curso de Direito Administrativo. 27ª Edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2010. P. 249).
A Constituição Federal conferiu o direito de greve e a livre associação sindical, âmbito do serviço público, apenas aos servidores públicos civis, extirpando o entendimento de que o princípio da continuidade do serviço público constitui óbice a esse direito.
O artigo 142 da Lei Maior vedou expressamente aos integrantes das forças armadas a sindicalização e a greve. Neste contexto específico, o instituto da greve agrega valores específicos, como o da rigidez disciplinar e da hierarquia militar, questões relativas à própria segurança nacional.
A omissão inconstitucional do Congresso Nacional acerca da matéria gerou inúmeros debates sobre a eficácia da norma constitucional que previu o direito de greve aos servidores públicos civis. Neste diapasão, conforme preleciona Mauricio Godinho Delgado, existem duas vertentes: uma de cunho tradicional e outra denominada de moderna. A primeira preceitua que as normas constitucionais podem ser auto-executáveis ou não auto-executáveis, estando incluída neste segundo bloco a norma estampada no art. 37, VII, da CF. A vertente moderna, por sua vez, parte do pressuposto que as normas constitucionais possuem “imediata aptidão para incidir e reger situações e relações fático-jurídicas concretas”, podendo ser classificadas como normas de eficácia plena, normas de eficácia contida ou normas de eficácia limitada. De acordo com a vertente moderna, o direito de greve dos servidores públicos civis está insculpido numa norma de eficácia contida, ou seja, de alcance restringível por diploma infraconstitucional (Curso de Direito do Trabalho. 6ª Ed. São Paulo: LTr, 2007. P. 1432).
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos Mandados de Injunção n. 670, 708 e 712, entendeu que em face da omissão normativa sobre o exercício do direito de greve pelos servidores públicos seria aplicável para esse grupo as disposições normativas da Lei n. 7.783/1989, naquilo, por óbvio, que não colida com a natureza estatutária dos vínculos laborais e até o momento que a omissão seja suprida.
Celso Antônio Bandeira de Mello, ao tecer comentário sobre o posicionamento do STF acerca da aplicação da Lei n. 7.783 para os servidores públicos, explica que há muito entendia que a norma constitucional era aplicável.
Reputávamos errônea esta intelecção por entendermos que tal direito existe desde a promulgação da Constituição. Deveras, mesmo à falta da lei, não se lhes pode subtrair um direito constitucional previsto, sob pena de não se admitir que o Legislativo ordinário tem o poder de, com sua inércia até o presente, paralisar a aplicação da Lei Maior, sendo, pois, mais forte do que ela. Mas o STF, em decisão histórica, ao apreciar o MI 708, em julgamento datado de 27.10.2010, com acórdão publicado em 31.10.2008, por maiorias, nos termos do voto do Relator, Min. Gilmar Mendes, conheceu do mandado de injunção e propôs a solução para a omissão legislativa com a aplicação da Lei 7.783, de 28.6.89, no que couber, vencidos, parcialmente, os Mins. Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, que limitavam a decisão à categoria representada pelo sindicato e estabeleciam condições específicas para o exercício de paralisações (Curso de Direito Administrativo. 27ª Edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2010. P. 287).
O direito de greve não é absoluto, devendo ser exercitado com observância de alguns limites. Genericamente, Celso Antônio Bandeira de Mello elenca que não é dado aos servidores públicos paralisar completamente qualquer serviço ou atividade. Nesta perspectiva, a ação mais escorreita consiste em trabalhar em regime de plantão para viabilizar o atendimento a situações particulares. Estas situações se enquadrariam como urgentes ou com alto potencial lesivo à coletividade (capazes de gerar danos graves ou irreparáveis). Em seguida, o autor concorda com a opinião de Lúcia Valle Figueiredo, segundo a qual “o direito de greve não pode esgarçar os direitos coletivos, sobretudo relegando serviços que ponham em perigo a saúde, a liberdade ou a vida da população (Ibid., P. 287.)”.
Tendo em vista a impossibilidade de negociação coletiva por parte dos servidores e empregados públicos, a única solução viável é a heterocomposição por meio do ajuizamento de dissídio coletivo. Mas a qual esfera judicial incumbe a competência para apreciar as demandas daí decorrentes?
Quanto ao empregado público a competência é da Justiça do Trabalho, haja vista os termos dos incisos I e II do art. 114 da CF. O julgamento do mandado de injunção n. 708, por maioria de votos, firmou entendimento no sentido de ser aplicável, em se tratando de greve, aos servidores públicos civis as Leis n. 7.783/89 e 7.701/88. O referido julgamento delineou parâmetros de competência constitucional para apreciação no âmbito da Justiça Federal e da Justiça Estadual até a edição da legislação específica pertinente.
Dessa forma, foram definidas situações provisórias de competência constitucional para a apreciação desses dissídios no contexto nacional, regional, estadual e municipal.
Sendo a paralisação de âmbito nacional, ou se ela compreender mais de uma unidade da Federação ou, ainda, se abranger mais de uma região da Justiça Federal, a competência para processar e julgar o dissídio de greve será do STJ.
Se a controvérsia estiver adstrita a uma única da região da Justiça Federal, a competência será do Tribunal Regional Federal respectivo.
No contexto estadual ou municipal, se a controvérsia estiver adstrita a uma unidade da Federação, a competência será do respectivo Tribunal de Justiça.
As greves de âmbito local ou municipal serão apreciadas pelo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal com jurisdição sobre o local da paralisação, conforme se trate de greve de servidores municipais, estaduais ou federais.
Esta competência refere-se, ainda, ao poder de decidir acerca da abusividade, ou não, da greve, do pagamento, ou não, dos dias de paralisação. A regra geral é que os salários dos dias de paralisação não deverão ser pagos, salvo quando a greve tenha sido provocada justamente por atraso no pagamento aos servidores públicos civis, ou por outras situações excepcionais que justifiquem o afastamento da premissa da suspensão do contrato de trabalho.
Entende-se que essas regras são aplicáveis a todos servidores públicos civis porque se o fosse apenas para o caso concreto o STF teria explicitado. Ademais, seria ilógico, diante da omissão inconstitucional do Congresso e das inúmeras justificativas do STF em dar efetividade ao mandado de injunção, a Corte não estender este entendimento aos servidores públicos à margem do dissídio.
Tendo em vista o quanto exposto, percebe-se que o direito de greve dos servidores públicos necessita de regulamentação legal. Embora o STF tenha suprido, em parte, a lacuna legislativa, a matéria relativa à competência para apreciar o dissídio de greve ainda gera grandes dúvidas. Entende-se que o STF tentou ao máximo evitar disciplinar a matéria face as reiteradas decisões anteriores que apenas reconheciam a omissão inconstitucional do legislativo, assinavam prazo para a edição da lei, porém não possuíam efetividade. E o direito sem efetividade é instrumento materializador da injustiça social.
O Poder Judiciário não pode jamais negar direito reconhecido aos cidadãos. Por conseguinte, corretíssimo o posicionamento da Suprema Corte no sentido de dar efetividade aos direitos dos servidores públicos civis.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 27ª Edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2010. P. 249.
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Edições JusPODIVM, 2008.
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 6ª Ed. São Paulo: LTr, 2007.
GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti.A greve no serviço público. Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 3, p. 57-72, fevereiro/2009. Disponível em: <http://www.iedc.org.br/REID/arquivos/00000072-06.pdf>. Acesso em: 01 dez. 2010.
MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2010.
Advogada formada pela Universidade Federal da Bahia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: REIS, Taíse Macêdo. Direito de Greve do Servidor Público Civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 abr 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44088/direito-de-greve-do-servidor-publico-civil. Acesso em: 23 dez 2024.
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