RESUMO: A presente pesquisa consiste numa busca que visa concluir acerca da possibilidade ou não possibilidade de incidência da prescrição intercorrente no processo civil. Assim se pretende analisar se aquele instituto não é contraditório com os ditames do direito processual civil. Para tanto, foi necessária a conceituação do instituto da pretensão e diferenciar os direitos subjetivos dos direitos potestativos. Necessária, ainda, a diferenciação entre a prescrição e institutos análogos. Imperiosa, ainda, a distinção entre a prescrição da pretensão certificativa e a prescrição da pretensão executiva. Fez-se de suma importância a análise do regime jurídico da prescrição no direito civil. No entanto pra entender a possibilidade ou não possibilidade da incidência da prescrição intercorrente no bojo dos processos civis, foi importante conceituar e caracterizar o sincretismo processual introduzido há pouco tempo no Ordenamento Jurídico brasileiro, por isso também foi necessário o estudo do histórico do sincretismo. Porém, para se entender o sincretismo, fez-se imperioso o estudo do procedimento, conceituando-o, caracterizando-o e diferenciando-o do processo. Após toda aquela análise, se culminou no estudo da prescrição intercorrente em si. Destarte, conceituou-a e demonstrou a sua incidência em outras searas do direito, finalizando-se, pois, com o estudo da incidência da prescrição intercorrente no processo civil e o estudo acerca da abordagem deste instituto no projeto do novo Código de Processo Civil.
Palavras-chaves: Pretensão; prescrição; prescrição intercorrente; processo de conhecimento; processo de execução; sincretismo.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 DA PRESCRIÇÃO. 2.1 DA PRETENSÃO. 2.1.1 Direitos subjetivos x direitos potestativos. 2.2 CONCEITO DE PRESCRIÇÃO. 2.3 PRESCRIÇÃO E INSTITUTOS ANÁLOGOS. 2.3.1 Prescrição x decadência. 2.3.2 Prescrição x preclusão. 2.3.3 Prescrição x supressio. 2.4 PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO CERTIFICATIVA X PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTIVA. 2.5 DO REGIME JURÍDICO DA PRESCRIÇÃO NO DIREITO CIVIL. 3 DO SINCRETISMO PROCESSUAL. 3.1 TEORIA DO PROCEDIMENTO. 3.1.1 Do procedimento. 3.1.2 Do processo enquanto procedimento. 3.1.3 Características do procedimento. 3.2 SINCRETISMO PROCESSUAL. 3.2.1 Conceito. 3.2.2 Histórico. 3.2.3 Características . 4 DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE E SUA APLICABILIDADE AO PROCESSO. 4.1 CONCEITO DE PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. 4.2 A PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NO DIREITO POSITIVO. 4.2.1 Direito Trabalhista. 4.2.2 Execução Fiscal. 4.2.3 Seara administrativa. 4.3 APLICABILIDADE DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NO PROCESSO CIVIL. 4.4 A PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NO PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. 5 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
Diz o brocardo jurídico “dormientibus non sucurrit jus”, ou seja, o direito não socorre a quem dorme. Diante desta máxima percebe-se a importância do tempo para o estudo das relações jurídicas.
O tempo rege o homem em sua vida biológica, em sua vida privada, em sua vida social e, também, nas suas relações civis. É, pois, o tempo de suma importância nas relações jurídicas existentes na sociedade e, como o direito existe para regular e pacificar as relações sociais, não poderia deixar de considerar o tempo na concretização dos direitos. Ou seja, a sociedade é dinâmica, as relações se modificam com o passar do tempo. E como o Direito tem a função de regulação da sociedade e das relações deve preocupar-se com a influência do tempo nestas relações e adequar-se para melhor regular a sociedade.
A importância do tempo no estudo do direito está em conferir segurança às relações jurídicas. Por outro lado, o mesmo tempo que confere segurança as relações, que garante uma continuidade, é o mesmo que apaga os sinais dos fatos ocorridos, que altera e torna incertas as provas documentais e testemunhais e que perpetua uma relação jurídica, trazendo, assim, insegurança jurídica.
É tendo consciência deste cenário que o presente trabalho monográfico teve como ponto de partida o seguinte problema: é possível a aplicação da prescrição intercorrente no âmbito do processo civil? Destarte, foi o questionamento acerca desta possibilidade que ensejou a elaboração desta pesquisa, uma vez que há uma forte suspeita em torno de ser possível a incidência por já ser o referido instituto aplicado em diversas outras searas do direito.
Assim foi a desconfiança de ser possível a aplicação da prescrição intercorrente no bojo do processo civil que deu origem a elaboração desta pesquisa monográfica. Desconfiança esta que, por ora, trata-se, apenas, de uma suposição ainda não verificada. Em outras palavras, uma hipótese que precisa ser, ou não, confirmada. E tal confirmação será obtida com o decorrer da pesquisa que agora se inicia.
Revelada a hipótese da pesquisa, convém, desde já, justificar a elaboração deste trabalho monográfico e do tema aqui escolhido. Primeiramente, insta salientar que o estudo acerca da aplicabilidade ou não aplicabilidade da prescrição intercorrente no processo civil é de grande valia por se ter como fundamento o princípio constitucional da segurança jurídica, buscando penalizar a inércia e fixando um certo limite as relações jurídicas incertas. Isto porque o Estado busca a harmonia social, evitando, pois, a perpetuação das demandas sem resultado prático e conservando a segurança jurídica das relações sócio-jurídicas.
É, também, de suma importância a confecção deste trabalho face a circunstância da busca pelo modelo de processo, onde há a participação ativa das partes, com a efetivação do contraditório é que tornará democrática a decisão judicial. Ou seja, o exercício estatal de decidir a lide está diretamente ligado à atividade das partes de manter o processo em constante movimento. Assim não pode o processo sofrer uma delonga desnecessária por negligência de uma das partes. É, pois, a necessária razoável duração do processo mais um motivo a justificar a elaboração desta pesquisa e a escolha do referido tema.
Como instituto previsto no Ordenamento Jurídico brasileiro que é, não há motivos para a prescrição intercorrente ser aplicável em determinadas áreas e outras, não. Ou seja, se a aplicabilidade da prescrição intercorrente é de pacífica aceitação na seara do processo trabalhista, bem como no tributário, o que levaria a não sê-lo no processo civil que é tem aplicação supletiva para os demais processos.
Sendo assim, o objetivo geral desta pesquisa é verificar se é a prescrição intercorrente aplicável ao processo civil ou não e os motivos que fizeram culminar em tal conclusão. Assim será percorrida uma trajetória para alcançar tal fim. Esta trajetória inicia-se com a conceituação de pretensão, já que não há falar-se em prescrição desconhecendo o que é pretensão, o que faz, portanto, necessária a diferenciação entre direitos potestativos e direitos subjetivos.
Além disso, mister se faz, também, para chegar a uma conclusão acerca da aplicabilidade da prescrição intercorrente nos processos civis, o estudo do conceito de prescrição e a diferenciação desta em relação aos institutos análogos, quais sejam, decadência, preclusão e o instituto da supressio.
Igualmente necessário é o estudo do sincretismo processual trazido pela Lei 11.232/0 quanto ao conceito, histórico e características. Mas para tanto, faz importante o estudo acerca da teoria do procedimento, a diferenciação de procedimento e processo, bem como das características do procedimento.
E finaliza-se com a análise da prescrição intercorrente, conceituando-a e verificando a sua aplicabilidade nas outras searas do direito, bem como da sua aplicabilidade no processo civil e um breve estudo acerca da prescrição intercorrente no projeto do Novo Código de Processo Civil.
Espera-se, portanto, ao fim do presente trabalho, chegar a uma conclusão quando a discussão aqui proposta, ou seja, pretende-se chegar a uma análise conclusiva quanto à aplicabilidade ou não da prescrição intercorrente nos processos civis.
2 DA PRESCRIÇÃO
2.1 DA PRETENSÃO
Os direitos subjetivos são aqueles que ao nascerem para o seu titular, nasce também um respectivo dever jurídico para outrem. No entanto esta obrigação do terceiro enquanto vicenda não pode, ainda, ser exigida. A partir do momento em que vence e o terceiro não a adimple voluntariamente dá-se o nascimento da pretensão. Surge, pois, a pretensão quando o direito subjetivo dota-se de exigibilidade, exigibilidade esta que estava latente até o momento de vencimento da obrigação do terceiro.
Ressalte-se, porém, que o Estado ao vedar, em regra, a autotutela e monopolizar a jurisdição tomou para si a responsabilidade de prestar tutela jurídica. E o fez de forma abstrata a todos os sujeitos de direito. Assim o acesso à justiça é prestado também quando há a inadmissibilidade da ação ou quando há uma sentença de improcedência. Por isso diz-se que não é a pretensão restrita aos titulares de direito subjetivo, já que isto equivaleria a dizer que só poderia ir a juízo quem tem “razão”.
O momento do nascimento da pretensão foi discutido por duas teorias, a subjetiva e a objetiva. Segundo a primeira defendida por Levi, há uma contemporaneidade entre o nascimento da pretensão com o nascimento do direito subjetivo. Ambos nascem concomitantemente, mas a pretensão permanece latente até o momento da ocorrência da ilicitude, ou seja, até o terceiro se indispor a cumprir o seu dever. Já a teoria objetiva, adotada pela doutrina majoritária e sustentada por August Thon, informa que o nascimento da prestação somente se daria no momento do inadimplemento da prestação ao qual está obrigado o terceiro.
Resta aclarar acerca do conteúdo da pretensão. É a pretensão um poder, um conjunto de faculdades pertencentes ao titular do direito subjetivo. Mas de forma geral a pretensão é a possibilidade de exigência, de exigir de outrem determinado comportamento. Assim Pontes de Miranda concluiu que é o conteúdo da pretensão a própria exigibilidade.
Desta forma, concluiu-se que é a pretensão a exigibilidade do direito subjetivo, mas não é a pretensão direito diverso do direito subjetivo, é o mesmo direito, é o direito subjetivo dotado de dinamismo de forma a efetivar o direito subjetivo.
2.1.1 Direitos subjetivos x direitos potestativos
De pronto, deve-se diferenciar o direito objetivo do direito subjetivo. Aquele (norma agendi) diz respeito às normas estabelecidas no Ordenamento Jurídico, normas estas impostas a todos e que preveem uma sanção para o caso de transgressão das mesmas. Já o direito subjetivo é uma faculdade jurídica conferida pelo direito objetivo.
É o direito subjetivo uma faculdade de agir (facultas agendi), inerente ao individuo, dependendo, apenas, de sua mera vontade para exercitá-lo perante os demais indivíduos da sociedade. E o exercício daquele gera para o outro, uma conduta, um dever jurídico e a sua transgressão faz nascer o direito a indenização pelo dano causado ao titular do direito subjetivo.
Diante dessa elucidação resta clara a não aplicabilidade das teorias sobre a natureza jurídica do direito subjetivo consagradas na doutrina tradicional, como veremos.
São três as teorias, a da vontade de Savigny e Whindscheid, a do interesse de Ihering e a eclética de Jellinek.
Para Savigny e Whindscheid o direito subjetivo era o poder da vontade reconhecido no Ordenamento Jurídico. Ou seja, dava soberania ä vontade, de modo que era imprescindível a aplicação da norma jurídica. No entanto esta teoria não pode prevalecer. A vontade não é elemento necessário para a existência de direitos subjetivos, estes existem sem aquela, a exemplo do caso dos incapazes que, em que pese, não possuírem vontade, não são desprovidos de direitos. Não é porque não serão exercidos que se pode dizer serem inexistentes.
A segunda teoria, afirma que o direito subjetivo é o interesse juridicamente protegido pelo direito. Esta teoria também não há de prevalecer. Há direito subjetivos em que não existe qualquer interesse do titular, como por exemplo, o direito do tutor em relação ao pupilo, pois que o que se visa proteger é o direito deste e não do titular. Assim há interesses que não são direitos subjetivos, a exemplo das empresas nacionais que tem interesse na cobrança de altos impostos na importação de produtos estrangeiros, ou seja, aquelas não tem direitos subjetivos a tais impostos.
A última teoria, como o próprio nome já informa, é uma fusão das duas supracitadas. Segundo Jellinek o direito subjetivo é o poder da vontade assegurado pelo Ordenamento Jurídico que tem como objeto um bem ou um interesse. Não poderá esta teoria prevalecer, já que por ser uma junção as duas anteriores comporta todas as críticas supra.
Ressalte-se que não é do interesse do presente trabalho acadêmico tecer maiores aprofundamentos acerca das teorias supra, bem como das demais existentes. Objetiva-se, apenas, mencionar a existência dessas proposições em respeito ä pesquisa acadêmica.
Ato contínuo, mister se faz ainda a explanação acerca da classificação dos direitos subjetivos.
A primeira classificação a ser posta é a divisão em direitos subjetivos absolutos e direitos subjetivos relativos. São absolutos quando oponíveis erga omnes, ou seja, a todas as pessoas, ä coletividade. Serão relativos quando oponíveis a uma pessoa ou a um conjunto de pessoas determinadas ou determináveis, ou seja, erga singulum.
Além disso, classificam-se em patrimonial ou extrapatrimonial com vistas à presença ou não do elemento econômico. Assim possuem conteúdo econômico os direitos a propriedade e ao crédito e não o possuem, os direitos á personalidade, a honra.
Deve-se, ainda, tecer comentários acerca das características dos direitos subjetivos. Em linhas gerais, caracterizam-se: a pretensão conferida ao titular do direito subjetivo faz gerar para outrem um dever jurídico; admitem violação, ou seja, pode o terceiro não respeitar o direito subjetivo do titular, fazendo nascer assim o direito ä indenização; é coercível, pode, pois, o terceiro ser coagido pelo titular do direito subjetivo a respeitá-lo e a última característica é a dependência da vontade para o exercício do direito subjetivo.
Por fim, deve-se observar a existência de limitações ao exercício dos direitos subjetivos que consistem na boa-fé e na função social do direito. Quer dizer, a inobservância daqueles gera uma abuso do direito que se equipara a ato ilícito, gerando, portanto, o dever de reparar os danos causados.
Analisados os direitos subjetivos perceber-se-á que estes em nada se confundem com os direitos potestativos, objeto de análise das linhas a seguir.
Os direitos potestativos são poderes conferidos ao titular que por meio, unicamente, da declaração de sua vontade tem o condão de modificar ou extinguir uma relação jurídica. Assim ao exercer um direito potestativo, o titular poderá atingir a esfera de terceiro que em nada poderá se opor.
Assim como o terceiro em nada poderá se opor, o exercício de um direito potestativo pelo titular também não exige qualquer atuação daquele, senão tão somente a sujeição a aquele.
Desta forma são características dos direitos potestativos: é um poder jurídico conferido ao titular; o exercício depende, tão somente, de declaração unilateral de vontade que se realiza por si só ou mediante o Judiciário; provoca um estado de sujeição na parte contrária; influencia uma situação jurídica pré-existente e produz efeitos constitutivos, modificativos ou extintivos.
Desta forma, percebe-se que os direitos potestativos diferenciam-se dos direito subjetivos por não criarem para o sujeito passivo uma situação de obrigação, mas sim de sujeição. Diferenciam-se, também por não serem passíveis de violação, já que seu exercício depende, exclusivamente, da vontade do titular.
2.2 CONCEITO DE PRESCRIÇÃO
Prescrição é fato jurídico que se relaciona com o passar do tempo, gerando, assim o encobrimento da eficácia jurídica de determinada pretensão.
Diz-se que a prescrição é um fato jurídico stricto senso, já que não necessita de comportamento humano para que se realize. Assim a prescrição opera seus efeitos independentemente da vontade do homem e até mesmo contra a vontade daquele e criará, modificará ou extinguirá direitos.
Afirma-se, também, que a prescrição está relacionada com o passar do tempo. Ou seja, é a inércia do titular de determinado direito que causa o encobrimento da eficácia jurídica da pretensão decorrente daquele direito. Atente-se que este prazo é estabelecido legalmente de acordo com a importância do caso e visa atender ao princípio da segurança jurídica de modo a não perpetuar determinadas situações jurídicas.
Por fim, resta a mais acalorada discussão, qual seja sobre os efeitos jurídicos da prescrição. Autores consagrados divergem na opinião de ser o efeito da prescrição a perda da do direito de ação ou da própria ação, assim entende Maria Helena Diniz ou se a prescrição não gera a perda da pretensão advinda do direito, mas sim paralisa a eficácia daquela diante da inércia do titular do direito, entendimento este defendido por Humberto Theodoro Junior, posicionamento ao qual este trabalho monográfico se filia.
Assim a sobrevinda da prescrição não atingirá o direito em si, nem o direito de ação de forma a extingui-lo, mas sim o neutralizará e não mais poderá ser exercido, mas poderá haver, por exemplo, o adimplemento voluntário do devedor.
Não se pode olvidar que o instituto da prescrição está relacionado aos direitos subjetivos patrimoniais, ou seja, aqueles que permitem ao titular exigir determinado comportamento de outrem, havendo uma valoração econômica, diante da possibilidade de violação do seu direito. Assim não há que se falar em prescrição de direito potestativo, ante este não ser suscetível à lesão ou violação, não gerando, pois, uma pretensão para o titular de exigir determinado comportamento a outrem, não havendo, consequentemente, falar-se em prescrição. Bem como não há falar-se em prescrição de direito subjetivo extrapatrimonial, já que imprescritíveis.
Diante da explanação acima, percebe-se que, processualmente, somente as ações condenatórias são suscetíveis à prescrição. Isto porque são o único meio de defesa dos direitos subjetivos patrimoniais.
Em suma, a prescrição caracteriza-se por: existência de uma pretensão vinculada a um direito subjetivo patrimonial; inércia do titular daquela pretensão durante um lapso de tempo previsto legalmente; ausência de algum fato legal impeditivo, suspensivo ou interruptivo da prescrição.
2.3 PRESCRIÇÃO E INSTITUTOS ANÁLOGOS
2.3.1 Prescrição x decadência
A decadência, assim como a prescrição, está relacionada ao decurso do tempo. No entanto, no caso da decadência não há a neutralização da pretensão do titular do direito, como na prescrição, mas causa a extinção do próprio direito, direito este potestativo.
Está a decadência atrelada a direito potestativo por ser este exercido pela mera manifestação de vontade do titular, inexistindo a submissão de outrem. Desta forma, são insuscetíveis de violação, como são os direito subjetivos, não trazendo consigo, pois, qualquer pretensão, característica dos prazo prescricionais.
Assim ocorre a decadência quando o titular do direito potestativo não o exerce no lapso de tempo estabelecido. Em via reversa, se não há prazo estabelecido, o direito potestativo não caducará.
Falando-se em prazos, os prazos decadenciais, em regra, não se sujeitam a suspensão e interrupção, como acontece nos prazos prescricionais, como será visto linhas a frente. Há de ressaltar, no entanto, que em pese não serem suscetíveis à suspensão e interrupção, os prazo decadenciais são obstados com a mera propositura da ação.
Ainda sobre os prazos decadenciais, estes estão previstos em diversas partes do Código Civil de 2002, mas são de fácil localização. Isto porque é sabido que os prazos prescricionais encontram-se nos artigos 205 e 206 do referido código e são contemplados em números de anos, assim, por via de exclusão, de forma geral, os demais prazos referidos no Código Civil de 2002, são decadências e estão organizados em dias e meses.
Deve-se, ainda, distinguir as duas diferentes espécies de decadência. A primeira é a decadência legal. Esta é prevista em lei e assim sendo é de ordem pública e irrenunciável, podendo, portanto ser reconhecida ex officio pelo juiz. A segunda espécie de decadência é a voluntária, também conhecida como contratual ou convencional. Nesta, a previsão é contratual, advém de negocio jurídico firmado pelas partes, portanto é renunciável, não pode ser conhecida de ofício pelo juiz, bem como é suscetível a suspensão e interrupção do prazo.
Sinteticamente, pois, pode-se diferenciar a prescrição da decadência nos seguintes termos: a prescrição diz respeito a direitos subjetivos, enquanto a decadência, aos direitos potestativos; a prescrição está associada às ações condenatórias, enquanto a decadência, as ações constitutivas, porquanto são as meramente declaratórias imprescritíveis; a decadência é referente ao direito material em si, não podendo o prazo ser suspenso ou interrompido, já a prescrição é referente a pretensão, submetendo-se a suspensão e interrupção, conforme previsto em lei; os prazo prescricionais são sempre os previstos nos artigos 205 e 206 do Código Civil de 2002, enquanto que os prazo decadenciais podem ser previstos em lei ou estabelecidos pelas partes de um negócio jurídico e não havendo prazo prescricional para determinada situação, será aplicada a regra geral, perquanto não havendo prazo decadencial, o direito não caducará.
2.3.2 Prescrição x preclusão
“A preclusão é definida como a perda de uma situação jurídica ativa processual: seja a perda de poder processual das partes, seja a perda de um poder do juiz”.
Assim a primeira grande dissociação dos institutos acima é que a prescrição, bem como a decadência são institutos de direito material, enquanto a preclusão é instituto de direito processual.
A preclusão tem sua finalidade na ideia de organizar o processo. Este como um conjunto de atos jurídicos que devem desenvolver-se ordenadamente, tem que seguir regras estabelecidas, ou seja, deve haver um formalismo processual para resguardar as garantias das partes, bem como para disciplinar o poder do juiz.
Desta forma, a preclusão é como uma segurança que objetiva limitar o exercício abusivo dos poderes processuais do autor e do réu, assim como para impedir que o juiz reexamine questões já decididas, prezando, pois, pela segurança jurídica, celeridade processual, boa-fé e lealdade no curso do processo. Não há, pois, processo em que não haja a preclusão.
Há quatro espécies de preclusão, a temporal, a consumativa, a lógica e a punitiva. Em que pese apenas interessar para este trabalho monográfico, a temporal, será abordada de forma superficial as demais, somente por respeito à pesquisa.
A preclusão temporal é aquela em que há a perda de um poder processual, ante a inércia do titular deste poder. Assim o titular por não exercitar este poder no momento oportuno acaba por perder o direito de valer-se do mesmo. Aqui não há falar-se em preclusão temporal para o juiz, visto que os prazo deste são impróprios, não acarretando, pois, qualquer ônus o seu não cumprimento.
A preclusão lógica visa coibir atos contraditórios de uma mesma parte. Ou seja, é a perda de um poder processual por já ter praticado ato outro incompatível com aquele. É, pois, um substrato do venire contra factum proprium.
A preclusão consumativa é a perda de um poder processual por já ter o titular deste direito se valido do mesmo, mesmo que mal exercido. Assim exercido determinado direito não há meios para aprimorar o mesmo. É, pois, a proibição ao bis in idem.
Já a preclusão punitiva é decorrente de um ato ilícito e por isso tem caráter de sanção. Assim a perda do direito ou faculdade processual se dará ante a prática de um ato ilícito.
Assim diante das definições acima se percebe que é a preclusão um instituto que muito se assemelha a prescrição. Isto porque ambas tem elementos comuns, a inércia do titular e o transcurso do tempo.
No entanto diferenciam-se na medida em que é a preclusão endoprocessual, quer dizer, ocorre tão somente dentro do processo, referindo-se, pois, a perda de faculdades ou poderes processuais. Já a prescrição é extraprocessual, é o encobrimento da eficácia de uma pretensão, neutralizando-a, não havendo, pois, a perda de um direito ou de uma faculdade ou poder processual.
2.3.3 Prescrição x supressio
É a supressio um desdobramento do princípio da boa-fé objetiva. Aquela é conceituada como a impossibilidade de agir de determinada forma por já ter transcorrido um lapso temporal, o que criou na parte adversa uma crença de que aquela conduta não mais ocorreria. Ou seja, é a perda de determinado direito por não tê-lo exercido num período de tempo, o que fez acreditar que não mais seria exercido. Portanto aquela relação jurídica é suprimida.
Assim como o exercício de determinado direito não ocorreu no lapso temporal devido, o exercício após este período feriria a boa-fé objetiva, já que criou uma expectativa na outra parte de que a obrigação não mais seria exigida.
Em que pese ser tal instituto uma criação da doutrina, diga-se de passagem, da doutrina alemã e que foi abraçada pelos doutrinadores brasileiros, já possui grande aceitação na jurisprudência brasileira, inclusive pelos tribunais superiores.
Conceituada a supressio necessário faz-se diferenciá-la da prescrição por serem institutos aparentemente análogos.
A prescrição, como dito alhures, é instituto que por causa da inércia do titular num lapso temporal há o encobrimento da eficácia da pretensão. Desta forma diferencia-se da supressio por nesta haver um elemento a mais do que naquela. Ou seja em ambas há os elementos inércia do titular e lapso temporal, mas para configurar- se a supressio é necessária a constatação de que o conduta do titular após o decurso do tempo não é mais aceitável, já que feriria a expectativa de outrem e, portanto, a boa-fé objetiva. Diferencia-se, também, por na prescrição haver um lapso temporal determinado, enquanto na supressio não há esta determinação, deve ser aferida casuisticamente e analisar as circunstancias para aferir se o posterior exercício do direito seria inaceitável.
2.4 PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO CERTIFICATIVA X PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTIVA
O Código de Processo Civil de 1939 não previa expressamente a possibilidade de prescrição após a sentença exequenda. Mas para suprir tal lacuna o Pretório Excelso no ano de 1963 aprovou o Enunciado n. 150 da jurisprudência dominante nos termos a seguir: “prescreve a execução no mesmo prazo da prescrição da ação”. Ou seja, restou consagrado que o prazo na fase executiva seria o mesmo prazo da pretensão condenatória, já que a fase certificativa e a executiva se davam em momentos diversos.
Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 1973 continuou sendo possível a prescrição superveniente ä sentença. Contudo com a superveniência do Código Civil de 2002 e da Lei 11.232/2005, consagrando o processo sincrético, abriu-se, novamente, a discussão sobre a possibilidade da prescrição após a prolação da sentença. Assim como o artigo 202 do Código Civil enuncia que a prescrição somente pode ocorrer uma única vez, como poderia haver uma segunda prescrição? Esta, agora, após a prolação da sentença se a Lei 11.232/2005 unificou os processos certificativo e executivo? Desta forma se é um único processo e a prescrição somente pode ocorrer uma vez não haveria como falar em outra prescrição, esta após a sentença. No entanto não há como negar a existência da prescrição superveniente à sentença no Ordenamento Jurídico brasileiro, já que consagrada no artigo 475-L, inciso VI.
Assim a prescrição da pretensão executória pode ocorrer no processo civil nos casos a seguir: antes do requerimento para liquidação da sentença; durante a fase de liquidação da sentença, antes da decisão interlocutória que a julga (art. 475-H); após a liquidação ou não havendo necessidade desta, antes do requerimento para expedição do mandado de penhora e avaliação (art. 475-J); depois de requerida a expedição do mandado de penhora e avaliação, antes do encerramento da execução (art. 794).
O que se percebe é que a prescrição da pretensão executória em todas as suas possibilidades se dá por inércia do credor após a fase certificativa. Isto porque a execução, ainda que consagrado o sincretismo, não se dá pelo impulso oficial, cabe ao credor demonstrar interesse no prosseguimento do feito, em que pese não ser necessária nova citação.
No entanto se o credor der início a fase executiva, conforme previsto no art. 475-J, este requerimento interrompe a prescrição superveniente a sentença. Assim, conforme previsto no art. 617 do CPC a prescrição será interrompida com a propositura da ação deferida pelo juiz. Ressalve-se, porém, os casos em que se faz necessária a citação do devedor para liquidação ou execução, conforme o caso (art. 475-N, parágrafo único), a interrupção da prescrição restará subordinada a esta citação.
O prazo da prescrição executória, em que pese divergência doutrinária, em especial, de Pontes de Miranda, é aquela prevista da Súmula 150 Do Suprem Tribunal Federal: “prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação”. Assim o prazo da prescrição superveniente varia de acordo com o título executivo judicial ou extrajudicial, conforme o caso.
Mister esclarecer, ainda, acerca do termo inicial da prescrição superveniente a sentença. Aqui, assim como na prescrição certificativa, a prescrição inicia-se quando o direito subjetivo do titular passa a ser exigível, ou seja, quando nasce a pretensão, neste caso, a pretensão executória. Isto quer dizer, pois, que a prescrição executiva se inicia após a fluência dos quinze dias que tem o devedor para adimplir a obrigação voluntariamente.
Há quem sustente que o prazo prescricional executório é o previsto no art. 475-J, parágrafo 5º, ou seja, não sendo a execução requerida no prazo de seis meses. No entanto o que se prevê neste artigo é a causa de arquivamento dos autos e não causa da prescrição.
Mister esclarecer que neste tópico somente se aborda a prescrição executiva por ser a prescrição certificativa abordada no tópico seguinte.
2.5 DO REGIME JURÍDICO DA PRESCRIÇÃO NO DIREITO CIVIL
Diversos são os argumentos que explicam a importância do instituto da prescrição para um Ordenamento Jurídico. Contudo, há uma unanimidade doutrinária e jurisprudencial quanto ao fator segurança jurídica.
Não seria razoável perpetuar as relações de modo a tornar inexauríveis os conflitos. Assim o instituto da prescrição, bem como da decadência, diga-se de passagem, confere estabilização e segurança ás relações jurídicas.
Argumentos outros justificam a prescrição, são alguns deles a sanção ä negligência do titular do direito subjetivo ao não fazê-lo valer em tempo hábil, bem como o direito que tem o devedor de não manter este status perpetuamente. O credor tem direito a ver a obrigação adimplida, mas também tem direito o devedor de cumprir com esta obrigação e livrar-se desta.
Cingindo-se, neste momento, especificamente, ao Ordenamento Jurídico brasileiro, havia no Código Civil de 1916 uma referência ao instituto em análise, mas não de forma explícita. Assim a conceituação da prescrição ficou a cargo da doutrina e jurisprudência da época que informavam ser a prescrição, por conta de um lapso temporal, a concretização de uma lesão a um direito subjetivo.
Diante desta conceituação surgiram três teorias acerca dos efeitos decorrentes da prescrição. A primeira informava que a prescrição alcançaria a ação, mas não o direito em si; a segunda que a prescrição atingiria o direito em si, havendo a possibilidade, apenas, do titular ver seu direito guarnecido por pura liberalidade do devedor e a terceira e última afirmava que não seriam a ação, nem o direito atingidos pela prescrição, mas sim a pretensão.
Com o advento do Código Civil de 2002 consagrou-se a tese de que a prescrição atingiria a pretensão, conforme está expresso no artigo 189 do referido diploma. No entanto deixou o diploma de tecer pormenores acerca da prescrição, limitando-se a dizer o efeito. Desta forma, não esclareceu os requisitos necessários à configuração da prescrição, tarefa que ficou mais uma vez, a cargo da doutrina. Assim, de uma forma geral, informa-se que é necessária a existência de uma pretensão; a inercia do titular pelo lapso temporal definido em lei.
Deixou, também, o Código Civil de 2002 de estabelecer o momento de nascimento da prescrição, ou seja, o momento de início dos prazos prescricionais. Assim a doutrina delimitou-o ao momento de nascimento da pretensão, já que é o momento em que o direito subjetivo passa a ser exigível, entendimento consagrado no Enunciado 14 da Jornada de Direito Civil. No entanto a teoria da actio nata que melhor norteia o tema é a informada pela jurisprudência que, inclusive, foi a adotada pelo Superior Tribunal de Justiça na Súmula 278. Esta adiciona ä tese da doutrina o conhecimento da lesão pelo titular do direito subjetivo. Quer dizer, não basta nascer a pretensão, o titular do direito subjetivo tem que esta ciente desta situação, resguardando-se, assim, a boa-fé.
Há, ainda, que abordar a natureza da prescrição. Como dito alhures, é a prescrição correlata aos direitos subjetivos patrimoniais, percebendo-se, pois o seu caráter de instituto da ordem privada. Com base nesta afirmação, afere-se ser a prescrição passível de renúncia e foi este entendimento esposado no artigo 191 do Código Civil vigente, podendo, ainda, ser expressa ou tácita e judicial ou extrajudicial.
A renúncia é possível, mas nunca antes da prescrição se consumar, assim é nula qualquer cláusula entre as partes que assim disponha. Isto porque não pode ser renunciado aquilo que ainda não lhe pertence e adicione-se a isso o fato de que os prazos prescricionais são expressamente previstos em lei, não podendo as partes alterá-los.
Mister esclarecer que, em pese, o código vigente permitir o conhecimento da prescrição ex officio, esta não perdeu o seu caráter privado, conforme foi afirmado no Enunciado 295 da Jornada de Direito Civil. Assim a prescrição continua sendo passível de renúncia, devendo o réu, se pretender da prescrição se valer, alegá-la como meio de defesa, na exceção.
Outro ponto a ser abordado sobre a prescrição diz respeito aos prazos prescricionais que podem ser suspensos, impedidos ou interrompidos.
As causas suspensivas estão previstas nos artigos 197, 198 e 199 do Código Civil de 2002. Estas causas geram a paralisação da contagem do prazo prescricional e com a eliminação da causa, o prazo volta a fluir exatamente de onde parou, contabilizando-se, apenas, o quantum remanescente. Assim o prazo prescricional é suspenso, in verbis:
Art. 197. Não corre a prescrição:
I - entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal
II - entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar;
III – entre tutelados ou curatelados e seus tutores curadores,
durante a tutela ou curatela
Art. 198. Também não corre a prescrição:
I - contra os incapazes de que trata o art. 3º;
obs.dji.grau.4: Decadência
II - contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios;
III - contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra.
Art. 199. Não corre igualmente a prescrição:
I - pendendo condição suspensiva;
II - não estando vencido o prazo;
III - pendendo ação de evicção
Além dos artigos citados, o STJ editou súmula com uma nova causa suspensiva, qual seja a Súmula 229. Esta informa que o pedido de pagamento de indenização ä seguradora suspense o prazo de prescrição até que o segurado tenha ciência da decisão.
As causas acima referidas nos artigos também são as chamadas causas impeditivas. Ou seja, as causas são as mesmas, o que faz diferenciar se suspensão ou impedimento é o momento em que a causa ocorreu. Desta forma se o prazo prescricional já se iniciou se houver uma dessas causas, o prazo será suspenso. Por outro lado, se no momento da ocorrência de uma dessas causa ainda não foi iniciado o transcurso do prazo prescricional, aquela será uma causa impeditiva. E como causa impeditiva obstará o início contagem do prazo de prescrição, ou seja, este não começará a fluir até que a causa se esvaia. Frise-se que as causas suspensivas e impeditivas tem caráter extrajudicial, não provindo, assim, de ato praticado em juízo.
Há, ainda, as causas interruptivas. Estas também bloqueiam o andamento do prazo prescricional, mas quando a prescrição volta a correr, volta do início, como se a contagem nunca houvesse se iniciado. Todo o período já contabilizado será descartado, dando-se início a uma nova contagem desde o princípio. E a contrário senso do dito acerca das causas suspensivas e impeditivas, as causas interruptivas decorrem de atos praticados judicialmente, ou seja, tem natureza judicial. São as causas interruptivas, in verbis:
Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á:
I - por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual;
II - por protesto, nas condições do inciso antecedente;
III - por protesto cambial;
IV - pela apresentação do Título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores;
V - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
VI - por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor.
A prescrição poderá, ainda, ser interrompida por qualquer interessado. No entanto somente opera efeitos para aquele, já que os efeitos da prescrição são pessoais, não aproveitando outros credores, por exemplo. Situação que não se aplica se for caso de solidariedade e de fiança, onde a interrupção do prazo prescricional para o devedor principal atinge também o fiador.
Quanto ao momento de alegação da prescrição, em que pese, ao réu ser obrigado alegar toda a matéria de defesa no primeiro momento que se manifestar no processo, pode se dar em qualquer grau de jurisdição. Contudo é vedada a alegação de prescrição nas instancias extraordinárias se não foi objeto de análise anteriormente. Isto porque implicaria em inovação da lide e violaria o requisito de prequestionamento. É neste sentido a súmula 153 do TST.
No entanto há corrente doutrinária que defende a possibilidade de se alegar a prescrição nas instancias extraordinárias, ainda que não alegada anteriormente. Assim defendem com base na ideia do efeito translativo dos recursos. Nesta feita, com base no artigo 516 do Código de Processo Civil admitido um recurso excepcional é porque estariam presentes todos os pressupostos específicos, sendo, possível, portanto, conhecer e julgar toda matéria de mérito, até mesmo a prescrição que ainda não foi objeto de análise, somando-se a este argumento o fato de a prescrição pode ser conhecida de ofício pelo julgador.
A prescrição também pode ser alegada em qualquer tipo de processo, seja de conhecimento, execução ou, até mesmo, cautelar, conforme afirma o artigo 180 do Código de Processo Civil.
3 DO SINCRETISMO PROCESSUAL
3.1 TEORIA DO PROCEDIMENTO
3.1.1 Do procedimento
O conceito tradicional do procedimento o meio pelo qual de desenvolve o processo. É o caráter extrínseco do processo, ou seja, é a sucessão de atos pelos quais é o processo instaurado, desenvolvido e findado.
Mas, para a doutrina atual, é enganosa a ideia acima exposta, já que como o processo foi repensado sob a perspectiva de sua natureza pública, o foi também o procedimento. Assim possui, também, o procedimento finalidade e se destina a atender objetivos e finalidades específicas.
O exercício da jurisdição depende de como foi estabelecido o procedimento em abstrato e como o é exercido na prática pelo juiz. Atualmente a função do magistrado não se restringe a subsunção da lei ao caso concreto, há de acontecer uma análise do caso prático para melhor contemplar o direito do autor e do réu a uma tutela jurisdicional efetiva.
Assim deve o procedimento o direito material em abstrato, mas também deve permitir que o juiz faça as alterações necessárias específicas para aquele caso concreto
No entanto não deve, tão somente, o procedimento vislumbrar o direito material, deve, também, vislumbrar os direitos fundamentais processuais, tal qual o contraditório. É o que se percebe, pois, nas lições de Luiz Guilherme Marinoni:
“o processo necessita de um procedimento que seja, além de adequado a tutela dos direitos, idôneo a expressar a observância dos direitos fundamentais processuais, especialmente daqueles que lhe dão a qualidade de instrumento legítimo ao exercício do poder estatal”.[1]
Desta forma, no anseio de abarcar o maior número possível de casos concretos, o legislador previu duas categorias de procedimentos para o processo de conhecimento. Há o procedimento comum que se divide em ordinário e sumário e os procedimentos especiais. Há, também, os procedimentos especiais para os processos de execução e cautelar, além dos previstos na legislação extravagante.
3.1.2 Do processo enquanto procedimento
No direito romano, o processo estava amarrado ao prévio consenso entre as partes. Estas, no direito romano arcaico, levavam o conflito ao pretor que escolhia um árbitro para decidir acerca da questão e as partes se comprometiam a acatar a decisão por aquele tomada.
O que se percebe é que o Estado não se impunha as partes, mas sim que estas que dispunham a aceitar uma decisão do terceiro para o seu conflito. Era, pois, uma visão do processo como um negócio jurídico, um contrato.
Em que pese ainda ligado a concepção de direito privado, nova doutrina se opôs a ideia de ser o processo um contrato. Assim, por ter algumas semelhanças ao contrato, mas não ter a natureza jurídica de um contrato, dizia-se ser o processo um quase-contrato.
Em ambas as doutrinas a figura principal eram as partes e não o Estado. Era, pois, o processo um negócio entre as partes e não o meio pelo qual o Estado exprime a jurisdição. Assim o processo era visto como uma sequencia de atos que permitia a aplicação do direito material em questão.
No entanto a doutrina não demorou a aperceber-se do caráter público do processo. Passou-se a perceber que a atividade de solução de conflitos era essencial para reger a vida em sociedade, que era essencial ao Estado, então processo deixou de ser visto do ponto de vista das partes.
Percebeu-se que a dissolução dos conflitos depende da atuação e da força do Estado, ou seja, da jurisdição. Assim o processo é colocado à disposição das partes, mas que, agora, se sujeitam, concordando ou não, a decisão do Estado. É, pois, o processo de caráter público porque o adequado funcionamento do direito é do Estado.
Desta forma, concluiu-se que não mais poderia ser o processo visto como uma mera sequência de atos. O processo passou a ser visto a partir da perspectiva teleológica, sendo, pois, instrumento em que se opera a jurisdição, meio pelo qual é exercido o legítimo poder.
A partir da concepção de ser o processo de natureza pública ou privada surgiram diversas teorias acerca da natureza jurídica do processo. As mais conhecidas são: as de ser o processo um contrato e um quase-contrato, como acima explanado; a teoria de ser o contrato uma relação jurídica processual; de ser uma situação jurídica e a de ser um procedimento informado pelo contraditório.
A teoria que defende ser o processo uma relação jurídica processual foi defendida por Bullow na obra Teoria dos pressupostos processuais e das exceções dilatórias. Nesta, o autor defende a existência de uma relação jurídica material que surge a partir da propositura da ação que em nada se confunde com a relação jurídica material. Assim a relação jurídica material teria sujeitos, ou seja, as partes e o Estado-juiz, objeto que é a prestação jurisdicional e pressupostos próprios , quais sejam, a propositura da ação, capacidade para ser parte e investidura na jurisdição. Com a propositura da ação, nasce a relação jurídica processual que faz surgir direitos, deveres, ônus, bônus correlatos entre os sujeitos.
A teoria de Goldschimidt defende o processo como uma situação jurídica. Diz, pois, que quando o direito assume uma dinamicidade, ou seja, quando nasce o processo, há uma mudança na sua estrutura. Assim o que era um direito subjetivo passa a ser meras possibilidades (a prática de atos a fim de que o direito seja reconhecido), expectativas (de alcançar o reconhecimento do direito subjetivo), perspectivas (da prolação de uma sentença favorável) e ônus (o encargo da prática de atos que evitem uma sentença desfavorável).
A teoria de Bullow foi muito criticada por Goldschimidt que criou a teoria da situação jurídica, mas que a derrubou, sendo a teoria da relação jurídica a de mais seguidores na doutrina brasileira.
Após estas teorias, surgiu na Itália através do autor Elio Fazzalari a teoria do processo como procedimento em contraditório. Assim é o processo um procedimento qualificado pelo contraditório.
Para chegar ao conceito de processo, Fazzalari reformulou o conceito de procedimento. Esta passa a ser considerado como uma sequencia lógica de atos numa relação de espaço e tempo em que o ato antecedente é sempre requisito para o ato subsequente e este continuação do ato anterior até chegar ao provimento final. Assim o processo seria uma espécie de procedimento, já que é uma sequencia de atos, mas que respeita o contraditório de modo a permitir a participação das partes que serão atingidas pelo provimento final.
Fazzalari afastou a ideia de distinção entre processo e procedimento, estabelecendo uma relação de gênero e espécie entre aqueles institutos. Assim quando não há o respeito ao princípio do contraditório, não há processo, mas tão somente, procedimento. Concluiu-se, pois, que é o processo o próprio procedimento realizado em contraditório.
3.1.3 Características do procedimento
Historicamente, são conhecidos três sistemas segundo os quais se deve realizar a atividade processual. São eles: o sistema da liberdade das formas; o sistema da legalidade das formas e o sistema judicial das formas processuais.
O sistema da liberdade das formas prega que não se deve estabelecer a forma pela qual o processo se desenvolve. Assim deixa a cargo das partes e do magistrado a realização dos atos processuais decidindo acerca do lugar, tempo e forma dos atos do processo. Ou seja, defende a ausência de formas pré-estabelecidas para a realização do processo. Este sistema há muito foi abandonado, já que dava margem a abusos.
O sistema da legalidade das formas, ao contrário do sistema anterior, estabelece por meio de normas toda a sequência dos atos processuais. Desta forma, o processo só atinge sua finalidade se obedecer todas as normas nas quais são previstos os modelos de conduta para as partes e para o juiz.
O sistema judicial foi concebido com o objetivo de combater o formalismo gerado pelo sistema da legalidade das formas. Isto porque o formalismo enrijece a atuação das partes, gerando inconvenientes diante do caso concreto. Desta forma se concede ao magistrado determinados poderes de direção do processo, entre os quais o de decidir, com vistas ao caso concreto, a adequação da melhor forma processual.
O Ordenamento Jurídico brasileiro, em princípio, adotou o sistema da legalidade das formas, donde as formas processuais são previstas nos códigos e leis especiais. Preveem, desta forma, os mecanismos para assegurar a continuidade da atividade; os prazos em que devem ser praticados os atos processuais; os meios pelos quais os sujeitos podem comunicar a sua vontade; os modelos de estruturas traves dos quais se desenvolve o processo e o lugar da prática dos atos processuais. Assim com vistas a uma solução célere, econômica e justa, o Estado procura estabelecer normas reguladoras de efetiva realização do processo. O legislador, pois, procura disciplinar o processo seguindo o critério da funcionalidade. Porém há determinados casos onde prevalece o poder de controle do magistrado, como por exemplo, é previsto nos artigos 125, 129, 130 do Código de Processo Civil e em outros, a regulamentação convencional das partes, a exemplo da fixação do foro na competência territorial e por valor.
Definido, assim, qual o sistema das formas procedimentais fora adotado pelo Ordenamento Jurídico brasileiro, passa-se a análise das características do procedimento.
Segundo Humberto Theodoro Júnior, pode-se distinguir as características do procedimento em objetiva e subjetiva.
Do ponto de vista objetivo, a característica do procedimento é a multiplicidade de atos que necessariamente compõem o processo. Assim é característica do procedimento a sequência de atos coordenados de forma que o anterior provoca o posterior e o subsequente é legitimado pelo ato imediatamente anterior. Todo este encadeamento com vistas a um único objetivo, qual seja, a perseguição ao provimento judicial que seja capaz de solucionar o conflito jurídico existente entre as partes.
A característica subjetiva do procedimento é que este se apresenta como obra de cooperação entre os sujeitos processuais. Isto porque somente se inicia com a iniciativa do autor, ou seja, alguém que não pertence ao órgão judiciário; somente se desenvolve com contraditório com a outra parte e a decisão judicial somente é legítima se respeitar a demanda e o contraditório, como requisitos inafastáveis desde a abertura até a conclusão do processo. Desta forma, depende das partes a existência do processo, a determinação do objeto e será a partir da cooperação das partes que o magistrado conhecerá os fatos mais relevantes que o levarão a solução do conflito. Quer dizer, pois, que as partes têm o direito de atuar amplamente em iguais condições com o fito de formar o convencimento do juiz.
Percebe-se, então, que o procedimento não se caracteriza pela autoritariedade de exercício do poder público e pela unilateralidade, ao contrário, prestigia participação das partes a bilateralidade na formação do convencimento do magistrado. Somente assim se estabelece e atinge seu objetivo, ou seja, o procedimento que não respeitar a demanda e o contraditório gerará atos viciados e resultará num provimento jurisdicional inválido.
3.2 SINCRETISMO PROCESSUAL
3.2.1 Conceito
O Código de Processo Civil de 1973 prevê três espécies de processo, de conhecimento, de execução e o cautelar.
O cautelar tem como objetivo o resguardo do objeto do processo principal de modo a evitar que o bem jurídico em discussão seja atingido por ameaça de perigo ou prejuízo irreparável ou de difícil reparação.
O processo de conhecimento é aquele que visa a tutela jurisdicional cognitiva, é o processo principal. Dará razão ou não ao autor que pleiteia determinado direito. Se finda com a sentença que é passível de recurso e se reformada será substituída pelo acórdão.
No processo de execução também se resguarda uma tutela jurisdicional, mas é esta, executiva. Nesta há a entrega do bem jurídico reconhecido no bojo do processo cognitivo.
O Código de Processo Civil prevê o processo de conhecimento apartado do processo de execução, de modo que ao fim do primeiro, deve-se iniciar o processo executivo. Resguarda, pois, o princípio da autonomia da Execução. Assim o sistema processual adotado pelo CPC 1973 é a de dualidade processual. São dois processos, ou seja, duas atividades jurisdicionais, mesmo diante de um único conflito social e diante da unicidade do poder jurisdicional.
Esta dinâmica há tempos era alvo de diversas críticas, sendo as mais severas delas, o crescente elevado números de processos, bem como a dúvida acerca eficácia do cumprimento da sentença.
Diante das diversas críticas e objetivando a melhora da prestação jurisdicional, bem como o respeito aos princípios processuais constitucionais da celeridade, da efetividade da prestação jurisdicional e do acesso ä justiça é que se concebeu a ideia do sincretismo processual com a sobrevinda das leis 11.187/05, 11.232/05, 11.276/05, 11.277/06 e 11.280/06.
Assim os processos cognitivo e executivo foram fundidos de forma a se tornarem fases de um mesmo processo. Nesta esteira, conceitua Carreira Alvim:
"O sincretismo processual traduz uma tendência do direito processual, de combinar fórmulas e procedimentos, de modo a possibilitar a obtenção de mais uma tutela jurisdicional, de forma simples e imediata, no bojo de um mesmo processo, com o que, além de evitar a proliferação de processos, simplifica e humaniza a prestação jurisdicional".[2]
Assim a introdução do sincretismo no sistema processual brasileiro teve como objetivo a celeridade processual, bem como a efetividade das decisões judiciais. Desta forma, após a prolação se sentença pelo magistrado, este mesmo será responsável pelo seu cumprimento, sem a necessidade de interposição de um novo processo.
Ressalte-se, porém, que o sincretismo não excluiu o principio da autonomia da execução, a exemplo das execuções autônomas de sentença condenatória contra a Fazenda Pública e contra o devedor de alimentos. Assim ambos os princípios, do sincretismo e da autonomia da execução, convivem no Ordenamento Jurídico brasileiro.
Em síntese, é o sincretismo a fusão dos processos de conhecimento e de execução num só processo. Assim não mais é necessário, após a obtenção da sentença, o início de um novo processo. Agora inicia-se, tão somente, uma nova fase, chamada cumprimento de sentença.
3.2.2 Histórico .
O processo civil romano em suas duas fases, na inicial da legis actiones e na fase per formulas, após o século II a.C. previa a mesma forma de execução. Em ambos os períodos, a execução da sentença condenatória não se dava no patrimônio, mas sim na pessoa do devedor. Com o devedor em mãos, podia o credor acorrentá-lo, vendê-lo, escravizá-lo, mas não podia retirar-lhe seu patrimônio, já que considerado o bem jurídico mais importante.
A execução pessoal foi, aos poucos, sendo substituída pela execução ao patrimônio, por meio da bonorum venditio. Esta implicava em macular a honra do devedor e transferir a totalidade dos bens daquele para o credor, tal qual uma sucessão universal. Assim mediante a bonorum praescriptio o credor era emitido na posse de todo o patrimônio do devedor, pois ainda não havia o instituto da execução parcial.
Desta forma, por meio da bonorum venditio era o a totalidade dos bens transferidor para o credor ou mediante a missio in possessionem eram estes bens transferidos para quem assumisse a dívida. O que se percebe, no entanto, é que a transferência do patrimônio, por qualquer meio que fosse, pressupunha uma sentença condenatória proferida pelo judex (um juiz privado, um cidadão comum que presidia a lide com base nas ordens do pretor). No entanto o juiz não possuía os poderes de imperium para obrigar o cumprimento da sentença.
Assim após a sentença condenatória, ao réu era imposta a obrigação de cumpri-la, era o chamado iudicatum facere oportere. Se não o fizesse num prazo de trinta dias, o autor poderia ajuizar uma nova ação. Assim para que houvesse a execução era necessária a propositura de uma nova demanda, a actio judicati. Se a impugnação a sentença fosse improcedente, era o réu condenado em dobro. Com isto, eram as defesas de má-fé evitadas, o que se evitava, consequentemente, a eternização das demandas. Isto porque eram os comandos do pretor dotados de poder de imperium e podia o magistrado, com base no seu poder discricionário, não ouvir a contestação feita de má-fé, impedindo, pois, a protelação da execução.
Posteriormente, já na fase do Império, houve a introdução paulatina da extraordinária cognitio. Nesta, a jurisdição concentrou-se na pessoa do magistrado e, assim, a sentença perdeu o caráter arbitral, passando a ser um ato de comando estatal. Assim o juiz presidia todo o processo, do início ao fim e representava o Imperador como um funcionário do Estado.
Assim surgiram, também, a appellatio, inicialmente dirigida diretamente ao imperador. Surgiu, ainda, de início, somente para pessoas ilustres, tal como senadores, a chamada bonorum distractio. Esta consistia, no caso de execução, na apreensão, apenas, de bens suficientes para satisfazer o crédito, instituto este, mais tarde, estendido a todos os cidadãos. Posteriormente, surge, ainda, a bonorum cessio que era o meio pelo qual o devedor insolvente evitava a marca da infâmia com cessão da totalidade de seus bens aos credores.
Em que pese toda esta evolução, a actio iudicati continuou a ser o meio de pleitear a execução da sentença condenatória. Assim o direito romano não entendeu a sentença como título executivo, continuando a haver a dicotomia entre actio e actio judicati, dinâmica esta que subsistiu até o fim do Império Romano por invasão dos povos germânicos.
Assim havia uma contemporaneidade entre dois pensamentos diversos, o dos povos germânicos e o dos romanos. Aqueles entendiam pelo sistema da penhora privada, fazendo justiça com as próprias mãos, havendo defesa do demandando somente posteriormente e em caráter incidental. Enquanto os romanos prezavam pelo contraditório. Mas para não haver duas leis em um só território, foi estabelecido o Código visigótico, havendo uma fusão entre os direitos romano e bárbaro.
Na Idade Média com a retomada dos estudos do direito romano, os juristas decidiram por fundir os direito romano com o dos bárbaros. Nesta esteira, mantiveram a necessidade da cognição exauriente e da sentença condenatória com o respeito ao contraditório, mas afastaram a actio iudicati, salvo em casos excepcionais, como o pedido de juros sucessivos a sentença. Ou seja, não mais era necessária a propositura de uma nova demanda para que se desse a execução. A execução se dava simplesmente per officium iudicis.
Assim a sentença passou a ter uma eficácia dantes desconhecida, a de por si só permitir a execução, sem necessidade de nova demanda e novo contraditório, era a chamada sententia habet paratum executionem. Bastava o requerimento para a execução da sentença, ou seja, era, tão somente, um ato de impulso processual com o fito de iniciar a prática dos atos executórios.
Percebe-se, pois, que a coalizão entre os direito romano e germânico fez surgir na Alta Idade Média a ideia do que hoje é conhecido como título executivo, judicial, com a exclusão da actio iudicati e, também, dos extrajudiciais. O que foi de grande relevância, já que neste momento da história foram retomadas as grandes negociações e os credores necessitavam de títulos que permitissem a obtenção do crédito sem as delongas de um processo cognitivo.
Assim rememoraram-se do ditado romanno confessus in jure pro condemnato habetur. Ou seja, o que é confessado em juízo tem sua execução autorizada. Assim passaram a atribuir a alguns instrumentos uma eficácia semelhante a da sentença. Facilitou, pois, a cobrança dos créditos, já que se dava mediante um procedimento executivo sumário com direito a defesa e a decisão ao final, era o chamado processus summarius executivus. Destarte durante séculos coexistiram a executio per officium iudicis para o caso das sentenças condenatórias e a actio iudicati para os títulos de crédito.
No entanto no início do século XIX, por influencia do direito francês, com fundamento na ideologia do liberalismo que se implantou após a Revolução Francesa, procurou-se reduzir os poderes dos magistrados que eram vistos como aristocracia de toga. Desta forma, nenhuma sentença poderia conter ordens ao jurisdicionado, não mais havendo, pois, os poderes de coerção do juiz, já que o inadimplemento sempre se convertia em perdas e danos. Assim houve uma inversão de valores e os títulos de crédito não mais tinham eficácia tal qual uma sentença, mas sim uma sentença tinha a eficácia tal qual um título de crédito. Como consequência deste pensamento todo o processo executivo foi unificado, o que acabou por excluir a execução per officium iudicis e a retomar a ideia consagrada no direito romano, a necessidade de uma nova demanda para que se iniciasse a execução.
Este sistema, pois, fez a dicotomia legal entre cognição e execução. E este modelo alastrou-se por todo o continente europeu, influenciando, inclusive, a maior parte das legislações modernas, com a diferença de que em alguns países a execução ocorre em caráter extrajudicial.
No Ordenamento Jurídico brasileiro anterior a lei 11.232 de 22 de dezembro de 2005 era o credor obrigado, necessariamente, a demandar duas vezes contra o devedor, nas obrigações de pagar, para cobrar um único crédito. Ou seja, iniciava com o processo de conhecimento para obter uma sentença condenatória favorável e, depois, com esta sentença, propunha uma nova demanda, agora para iniciar os atos executórios. Nas lições de Humberto Theodoro Junior:
“cuidava-se de um engenhoso e complexo sistema jurídico-procedimental que, sob roupagem moderna, nada mais faz do que reeditar um sistema binário similar ao do velho processo romano assentadi sobre a dupla necessidade de sentença condenatória e actio iudicati.”[3]
E continua:
No Brasil, a dicotomia é agravada pela excessiva judicialização do procedimento de execução de sentença: qualquer que seja o valor da condenação, qualquer que seja a natureza dos bens a serem expropriados para dar lugar a sanção executiva, a atividade procedimental é sempre precedida da instauração de um novo e completo processo entre as partes, sob direção do juiz.”[4]
Assim no sistema adotado pelo vigente Código de Processo Civil a sentença condenatória tinha natureza jurídica de título executivo, no entanto não era revestida de eficácia executiva por si só. Desta forma, se o devedor não adimplia a obrigação contida na sentença voluntariamente, cabia ao credor instaurar o processo executório. Instaurava, pois, uma nova relação jurídica processual, necessitava, também, de nova citação, cabendo, ainda, a ação de embargos a execução, sujeita, pois, a sentença e a novos e sucessivos recursos. Ao findar esta fase, podia, enfim, o credor alcançar os atos executórios propriamente ditos, no entanto, nas obrigações de pagar, era por meio da hasta pública, instrumento antigo, formalista e sujeito a diversas possibilidades de delongas e postergações.
Neste sentido, o magistério de Humberto Theodoro Junior:
“A dicotomia imposta pelo CPC de 1973 importa a paralisação da prestação jurisdicional após a sentença, com a desnecessária instauração de um novo processo para que o vencedor finalmente possa tentar impor ao vencido o comando contido no decisório final.”3
No sentido das lições de Humberto Theodoro Junior, foi apresentado o Projeto pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual ao Ministério da Justiça que foi encaminhado para o Congresso Nacional e com algumas alterações foi aprovado e transformado na Lei 11.232 de 2005 com vacatio legis de seis meses. Assim desapareceu a ação executiva, ficando em seu lugar por um simples incidente no bojo do próprio processo cognitivo e foi exterminada a antiga tendência de restringir a jurisdição ao processo cognitivo. Atualmente não há mais a antiga dicotomia, mas sim o reconhecimento da necessidade da integração das atividades cognitivas e executivas. Esta nova dinâmica foi nomeada de cumprimento de sentença, consagrando a ideia de que o processo não se finda com o acertamento do direito, mas somente com a entrega do bem jurídico pretendido. Como consequência lógica desta mudança, foram exterminadas, também, as ações incidentais de liquidação de sentença e de embargos a execução. Nos seus lugares ficaram meros incidentes processuais manejados por simples petição e solucionáveis por decisões interlocutórias e não mais por sentenças, sendo, pois, sujeitas a agravos de instrumento e não mais por apelações.
Neste diapasão, ensinou a doutrina que a procura por um processo executivo moderno, eficiente ao cumprimento da sentença imposta e célere desencadeou no afastamento do antigo processo que era formalista e demorado por ser através de uma ação autônoma, similar a actio jucitati do direito romano. E que a lei 11.232/05 implicou no parcial retorno ao sistema adotado na era medieval em que a execução se dava per officium iudicis. Assim a nova lei consagrou o abandono ao sistema inspirado no direito romano, retomando o sistema medieval no qual a sentença habet paratum executionem.
Entende, pois, a doutrina brasileira que a nova lei consolidou o ideal há muito buscado, qual seja, o de um processo executivo eficiente. Ou seja, a supressão da ação autônoma de execução de título judicial, passando a ser uma fase do processo de conhecimento trouxe os benefícios buscados, tal qual o respeito aos princípios constitucionais da celeridade, da efetividade das decisões judiciais e do acesso à justiça.
3.2.3 Características
Com a promulgação da lei 11.232/05, o processo passou a ser sincrético, abolinda, assim, a actio iudicati. A partir daquela lei houve diversas alterações no processo, alterações estas que, atualmente caracterizam o processo e que serão objeto de estudo do presente tópico.
A primeira diferença da reforma a ser tratada é que com a extinção da execução autônoma, a execução passou a ser uma fase do processo e esta foi nomeada como cumprimento de sentença. Assim pela nova sistemática todas as normas de efetivação da sentença passam a integrar o Livro I do Código de Processo Civil, ou seja, passam a integrar o processo de conhecimento. Percebe-se, ainda, que agora as sentenças condenatórias não tem, apenas, eficácia declaratória, mas sim uma eficácia constitutiva, ou seja, uma eficácia executiva sem que a parte vencedora precise ajuizar uma nova demanda.
Desta forma, ao proferir a sentença condenatória, se esta ordenar ao réu o cumprimento de uma obrigação de fazer ou não fazer, o magistrado já deverá determinas as providências para que seja resguardado o resultado prático equivalente ao adimplemento. Por outro lado, se a sentença for para entrega de coisa, o juiz já deve fixar prazo para o cumprimento do comando judicial. Caso não cumprido será expedido, de imediato, mandado de busca e apreensão, se bem móvel ou se imissão na posse, se imóvel. No entanto se for o réu condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, deve pagar em quinze dias, caso contrário, serão impostas medidas coercitivas e expropriativas no bojo daquele mesmo processo.
Percebe-se, pois, que com o sincretismo processual, as duas atividades, cognitiva e executiva, acontecem no bojo de uma mesma relação processual. Profere, pois, o magistrado uma sentença mandamental, ou seja, o juiz não se limita a impor a obrigação, por meio da sentença ele já se utiliza mecanismos para consagrar a efetividade daquela.
Outra característica é que, como não mais se precisa de um processo de execução autônomo, a execução inicia-se, tão somente, com um requerimento do credor. Desta forma, não mais é necessária uma nova citação, mas sim a mera intimação do executado na pessoa do seu patrono.
Outra característica é a extinção da possibilidade do devedor se defender através da ação de embargos do devedor. Atualmente, a defesa se dá por meio de impugnação aos atos executórios no prazo de quinze dias, ou seja, mediante uma atividade incidental, o que não gera uma nova relação jurídica processual.
Não se pode olvidar, porém, que a entrada em vigor da lei 11.232/05 extinguiu o processo autônomo de execução de título judicial, mas não extinguiu o processo executivo autônomo por natureza, ou seja, o de titulo executivo extrajudicial, nem o processo autônomo de liquidação no caso de sentença penal condenatória, sentença arbitral e sentença estrangeira.
4 DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE E SUA APLICABILIDADE AO PROCESSO
4.1 CONCEITO DE PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE
O instituto da prescrição pode ser definido, de forma sintética, como a neutralização do direito de ação, diante da inércia do titular durante certo lapso de tempo determinado em lei.
Forma diversa de conceituar a prescrição também é a distinção do instituto semelhante, a decadência. Assim diz-se que será caso de prescrição quando o prazo estabelecido em lei se referir a ações condenatórias, por outro lado, quando se referir a ação constitutiva com estabelecimento de prazo para a propositura da ação, será caso de decadência.
A justificativa para a criação do instituto da prescrição é a segurança jurídica. Tem como objetivo impedir que uma ação que não fora proposta durante anos, o seja. Desta forma quis o legislador evitar a eternização da incerteza jurídica e privilegiar a paz social.
Com aquele mesmo objetivo foi criada a prescrição intercorrente. Esta é conceituada como a prescrição que ocorre após proposta a ação. Ou seja, tem seu início após a citação e se dará diante da inércia daquele que deveria prezar pelo regular andamento do processo, o autor. Assim a paralisação do processo deve se dar exclusivamente por culpa do autor. Assim o é porque o sistema processual vigente não premia a inércia, ao contrario, pune aquele que assim age. Exemplos disto é a norma prevista no artigo 267, incisos II e III do Código de Processo Civil.
Não se pode permitir, por exemplo, que um processo de execução arquivado há muitos anos por falta de bens do executado a serem penhorados, seja desarquivado para dar continuidade a execução. O que se espera do credor é diligencia, que este desarquive o processo de tempos em tempos para demonstrar o seu real interesse em receber o crédito. Caso contrário se estaria prestigiando a insegurança jurídica e evitando a estabilização das lides.
Percebe-se, pois, que a prescrição intercorrente pode ocorrer tanto no processo de conhecimento, como no de execução, como alhures explicado na diferenciação entre a prescrição no processo cognitivo e a prescrição no processo de execução.
Em todos os casos, a prescrição intercorrente encontra seu fundamento no artigo 202 do vigente Código Civil que tem a mesma redação do artigo 173 do Código Civil de 1916. Ambos os textos preveem a mesma norma, qual seja “a prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último do processo para a interromper”. Assim deve-se entender por “’ultimo ato” o ato derradeiro anterior a paralisação do processo ou a sentença que finaliza o processo.
A expressão utilizada nos artigos supracitados “qualquer interrupção da prescrição” não se refere a interrupção causada pela propositura da ação. Refere-se a interrupção que ocorra no bojo do processo. Isto é, a cada ato processual há a renovação da situação de interrupção da prescrição em relação a pretensão, ou seja, a cada ato do processo se interrompe a prescrição. Assim somente com a inércia do autor na prática de determinado ato processual é que se dará a prescrição intercorrente.
Assevere-se que para que ocorra a prescrição intercorrente, deve o autor permanecer inerte pelo mesmo prazo para a prescrição da ação ou para a execução, conforme interpretação analógica da Súmula 150 do Supremo Tribunal Federal. Desta forma, se verificada a paralisação do processo por inércia do autor por prazo superior ao da prescrição da pretensão, a prescrição se consumará e poderá o interessado alega-la, conforme disposto no artigo 193 do Código de Processo Civil: “a prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita”.
Mister salientar que a norma contida no artigo 202 do Código de Processo Civil que afirma que a interrupção da prescrição somente poderá ocorrer uma única vez refere-se a interrupção antes de iniciado o processo. Isto porque objetiva que, mesmo que ocorra novamente a prescrição, possa ser promovido o processo judicial. Ou seja, tal norma não é aplicável ao instituto da prescrição intercorrente.
4.2 A PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NO DIREITO POSITIVO
4.2.1 Direito Trabalhista
Neste tópico será analisada a prescrição intercorrente em determinadas áreas do direito que tem sua aplicabilidade aceita. Não se pretende aqui esgotar o assunto em tela, haja vista ser uma temática extensa e controversa.
A primeira área do direito a ser analisada acerca da prescrição intercorrente é a trabalhista. Nesta seara, a prescrição intercorrente é conceituada tal como dito alhures, como uma prescrição endoprocessual, ou seja, ocorre durante o processo e é devido a inércia do credor. Assim se a inércia é causada pelo juízo ou pelo devedor não há falar-se em prescrição intercorrente. Ademais somente haverá prescrição intercorrente em ações condenatórias ou na execução.
A questão da prescrição intercorrente na seara trabalhista é controvertida diante do fato de haver duas súmulas de teor diversos. Assim há mais de uma construção jurisprudencial no direito brasileiro acerca do tema.
O Supremo Tribunal Federal editou a súmula 327 afirmando ser cabível a prescrição intercorrente no direito laboral. Assevere-se que, ä época da edição da súmula em comento, era de competência da corte constitucional a apreciação dos recursos extraordinários em ações trabalhistas.
No entanto, posteriormente o Tribunal Superior do Trabalho editou a súmula 114. Esta informa não ser cabível a prescrição intercorrente no direito do trabalho. Porém, há notícias de que a própria corte especializada tem mitigado a aplicação daquela, reconhecendo expressamente, em determinados casos, a prescrição intercorrente, a exemplo da decisão no Recurso de Revista a seguir:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. prescrição intercorrente. VIOLAÇÃO CONSTITUCIONAL. Dá-se provimento a agravo de instrumento quando configurada no recurso de revista a hipótese da alínea "c" do artigo 896 da Consolidação das Leis do Trabalho. Agravo conhecido e provido. RECURSO DE REVISTA. NULIDADE POR AFRONTA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. Afasta-se a alegação de nulidade, por violação ao artigo 5º, II da Constituição Federal, quando o Tribunal a quo, rejeitando os embargos de declaração, expõe, de forma clara e explícita, as razões pelas quais entendeu que o posicionamento adotado não malferiu os preceitos de lei e da Constituição Federal invocados pela parte. In casu, eventual ofensa à Constituição somente poderia ocorrer de forma indireta, a depender do prévio exame da legislação infraconstitucional, sem margem para o acesso à via extraordinária do recurso de revista. Recurso de revista não conhecido. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. Esta Justiça Especializada já pacificou o seu entendimento no sentido de que é inaplicável a prescrição intercorrente no processo do trabalho, por isso que a execução, mero desdobramento do processo de conhecimento, pode ser promovida por qualquer interessado, ou "ex officio" pelo próprio juiz ou presidente ou tribunal competente, salvo ante a inércia do credor, a teor do disposto no art. 878, da CLT. A exceção só se verifica na hipótese em que o procedimento não poder impulsionado pelo Juízo, como se dá na liquidação por artigos. Recurso de revista conhecido e provido.
( RR - 231600-42.1989.5.17.0002 , Relator Juiz Convocado: Luiz Carlos Gomes Godoi, Data de Julgamento: 20/10/2004, 2ª Turma, Data de Publicação: DJ 26/11/2004)
Em outros julgados há o reconhecimento da prescrição intercorrente na justiça do trabalho, mas de forma implícita, como no exemplo a seguir:
RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. Não obstante esta Corte Superior entenda que não se aplica ao Processo do Trabalho a prescrição intercorrente, conforme se depreende da Súmula n.º 114, certo é que, Recurso de Revista em fase de execução, somente é admitido em se tratando de violação direta, frontal e literal de dispositivo constitucional, nos termos art. 896, § 2.º, da CLT, c/c a Súmula n.º 266 desta Corte. Recurso de Revista não conhecido.
( RR - 135186-03.2002.5.20.0920 , Relatora Ministra: Maria de Assis Calsing, Data de Julgamento: 20/06/2007, 4ª Turma, Data de Publicação: DJ 03/08/2007)
O que se percebe é que há uma clara incompatibilidade entre as súmulas. No entanto, ambas continuam vigentes, restando a dúvida acerca da qual deve prevalecer. Isto porque a vigência de súmulas que se contrariam é uma anomalia que merece severas críticas, como informado por Eça:
“Súmula contrária ä súmula é fator de instabilidade democrática, de multiplicação de recursos e processos, além de gerar jurisprudência ilegítima, porquanto constitucionalmente inadequada, na medida em que não respeita os princípios e a integridade do sistema.”[5].
Contudo para parte da doutrina trabalhista não há que se falar em conflito de súmulas. Isto porque quando o Tribunal Superior do Trabalho tornou-se competente para processar e julgar os recursos de revista adquiriu a competência que era do Supremo Tribunal Federal. Assim, ao se tornar competente, não ficou compelido a observar as súmulas do Supremo Tribunal Federal acerca desta temática, mesmo que ainda vigentes, já que não é a súmula 327 vinculante. Diante disto, defendem que a súmula da Corte Superior, apenas, demonstra o entendimento anterior a edição da súmula 114 do Tribunal Superior do Trabalho, sendo esta a que trata atualmente da temática acerca da prescrição intercorrente.
Outra corrente doutrinária entende ser cabível a prescrição intercorrente na justiça laboral. A argumentação é no sentido de que, em pese a súmula 114 do Tribunal Superior do Trabalho, a prescrição que pode ser alegada na fase da execução somente pode ser a intercorrente. Isto porque após o transito em julgado da sentença não mais se pode alegar a prescrição não alegada na fase de conhecimento, como previsto nos artigos 879 %1 e 836 da Consolidação das Leis do Trabalho. Ou seja, a prescrição autorizada para a fase de execução é a intercorrente.
Argumentam, ainda, que a Emenda Constitucional 45 instituiu o princípio da razoável duração do processo judicial. Isto porque é uma preocupação do Direito Constitucional brasileiro imprimir efetividade de suas normas ao direito infraconstitucional. O que acaba por fomentar a ideia da aplicabilidade da prescrição intercorrente, inclusive na justiça do trabalho.
Outro argumento favorável a aplicação da prescrição intercorrente no direito laboral é a norma contida no artigo 889 da Consolidação das Leis do Trabalho. Esta autoriza, em caso de omissão ou lacuna no processo de execução trabalhista, a utilização subsidiária da Lei de Execuções Fiscais, na qual é prevista, expressamente, a prescrição intercorrente, inclusive podendo ser declarada ex officio pelo magistrado.
Outra corrente, esta mais ponderada, defende a aplicabilidade da prescrição intercorrente no direito do trabalho apenas em determinadas situações. De logo argumentam que as súmulas do Tribunal Superior do Trabalho não têm força vinculante, aquelas são, tão somente, orientações para o jurisdicionado acerca do entendimento do Tribunal. Assim não admitem a súmula como um limitador da ocorrência da prescrição intercorrente na justiça do trabalho.
Argumentam, ainda, que o motivo que levou a Colenda Corte especializada a editar a súmula 114 foi, entre outros, o artigo 765 do regime consolidado do trabalho. Este preceitua que a direção do processo decorre do impulso oficial do magistrado, especialmente porque os dissídios individuais e coletivos não exigem o patrocínio de advogado. Perceba-se que o impulso oficial não é um dever do juiz, mas sim uma faculdade legal que visa prestigiar o jus postulandi pessoal das partes. Isto porque como não tem a parte obrigação de ter conhecimento técnico de direito, poderia acabar prejudicada por não saber requerer diligências necessárias em momentos oportunos no decorrer do processo. Assim não é de bom alvitre que o magistrado se utilize do impulso oficial quando for a parte assistida por advogado. Atente-se, porém, que sobrevinda da lei 5584/70 e seu artigo 4 limitou o impulso oficial a dissídios de alçada não superior ao dobro do salário mínimo vigente ou aos quais as partes postulem pessoalmente. Desta forma, como a motivação da súmula 114 era impossibilitar a prescrição intercorrente porque havia nos processos o impulso oficial, mas este agora é limitado aos processos de alçada inferior a dois salários mínios ou aos que a partes se valham do jus postulandi, não há porque, fora destas hipóteses, não se aceitar a possibilidade da prescrição intercorrente.
Concluem, pois, que nos processos em que a alçada for fixada em quantia superior ao dobro do salário mínimo vigente ou em que as partes forem assistidas por advogado não há falar-se em impulso oficial, sendo, pois, aplicável a prescrição intercorrente. E arrematam afirmando que, nos processo de alçada exclusiva de Junta de Conciliação e Julgamento ou quando as partes se acudirem do jus postulandi é cabível a prescrição intercorrente, desde que o ato, que deveria ser praticado pelo autor, não possa ser efetivado pelo juízo através do impulso oficial.
4.2.2 Execução Fiscal
Outra seara do Direito na qual se discute acerca da aplicabilidade da prescrição intercorrente é a execução fiscal. Nesta, a expressão prescrição intercorrente é utilizada nas situações em que a prescrição, anteriormente interrompida, volta a correr no bojo do processo, completando, assim, o fluxo de seu prazo. Desta forma, não se pode confundi-la com a prescrição iniciada antes do ajuizamento da ação e decretada pelo magistrado no curso da execução fiscal. Assim a prescrição intercorrente, dentro da execução fiscal, tem o dies a quo e o dies ad quem já fixados.
A execução fiscal, regida pela Lei 6830/80 é uma espécie do processo de execução por quantia certa. Aquela é utilizada para buscar a satisfação do crédito da União, Estados, Municípios e suas respectivas autarquias, tributários ou não, desde que inscritos em dívida ativa. Tal meio de satisfação de crédito surgiu com o fito de dotar os entes públicos de um procedimento mais célere e eficaz, já que se trata de dinheiro público. Outra motivação foi a ideia de não ser a execução fiscal, apenas, um meio arrecadatório, mas principalmente, uma forma de indução ao pagamento dos tributos pela via administrativa, coibindo a sonegação e a inadimplência. Desta forma, a execução fiscal diferencia-se da execução por quantia certa por conta de existência de algumas prerrogativas, tais quais a auto constituição do título executivo, a presunção de liquidez e certeza do título, a preferencia do crédito em relação aos demais e outras.
Assim como nas demais áreas do Direito, a prescrição intercorrente na execução fiscal, também está ligada a inércia do credor que deixa de cumprir com determinados ônus processuais. Isto porque a execução forçada é promovida no interesse do credor, então lhe cabe uma série de ônus processuais, tais como a localização de bens penhoráveis, a indicação do endereço do devedor para citação. Então se algum destes atos deixa de ser praticado por um longo lapso temporal, submetem o devedor e a sociedade as decorrências prejudiciais da litispendência. No entanto pode acontecer de, em que pese o esforço do exequente, o mesmo não logra êxito na prática de determinados atos, o que acaba por frustrar a satisfação do crédito.
Na execução fiscal, tanto no caso de inércia do credor, nos casos de inexistência de bens penhoráveis ou de não localização do executado não pode o magistrado extinguir o processo, regra esta do artigo 40 da Lei de Execuções Fiscais. Tal artigo determina o arquivamento dos autos, sem a baixa na distribuição. Ou seja, nesses casos não ocorre a prescrição. Se decorrido o prazo máximo de um ano sem que seja localizados bens penhoráveis ou o devedor o magistrado ordenará o arquivamento dos autos. SE da decisão que ordenou o arquivamento decorrer o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá ex officio, decretar a prescrição intercorrente.
O que se percebe é que a aplicação daquele artigo, em regra, sujeita o devedor a litispendência eterna, já que não há a baixa dos autos, mesmo decorrido o prazo de um ano. Traz-se, pois, a tona a questão da aplicabilidade ou não da prescrição intercorrente neste caso. Isto porque, a execução fiscal, por suas peculiaridades, pode ultrapassar o limite da duração razoável por não poder o juiz extinguir o processo, ante a inexistência de bens penhoráveis ou pelo abandono do processo pelo exequente.
Ocorre, porém, que a eternização da litispendência, além de ser uma ameaça as situações jurídicas já consolidadas, é um ônus pesado para a sociedade e para o executado que foi posto nesta situação sem consulta a sua vontade. Isto porque a execução fiscal possui como peculiaridade a sua promoção com base em um único título executivo extrajudicial, unilateralmente produzido e que goza de presunção de certeza e liquidez.
No entanto, em que pese ser este o entendimento adotado pela maioria da doutrina, qual seja, a de ser possível a aplicação da prescrição intercorrente na execução fiscal, há vozes no sentido contrário.
Toda a discussão doutrinária acerca da aplicabilidade da prescrição intercorrente na execução fiscal perpassa pela interpretação do termo “interrupção”, a interrupção da prescrição. Ela pode ser interpretada como o fim do prazo prescricional que não mais poderia voltar a correr durante o processo ou poderia se interpretada, também, como o fim do prazo prescricional anterior com a possibilidade de inicia-se um novo prazo que poderia se consumar no curso da execução.
A doutrina majoritária afirma ser a prescrição intercorrente, efeito próprio e obrigatório da prescrição. Isto porque, uma vez prevista em lei, a intercorrência seria característica própria da prescrição. Além de ser a prescrição intercorrente, consequência lógica do princípio da sucessividade de interrupções. Segundo este princípio, verificada uma causa de interrupção, o prazo é reiniciado, podendo consumar-se no curso da execução.
No entanto, há uma minoria que discorda, afirmando não ser possível a existência da prescrição intercorrente. Isto porque, para esta parte da doutrina, ajuizada a demanda e citado o réu, a prescrição já fora interrompida, não podendo mais falar em inércia do autor. Afirmam, ainda, que quem defende da possibilidade de prescrição intercorrente na execução fiscal confunde processo com ação. Isto porque o objeto da prescrição seria o direito de ação do fisco e não o processo de execução fiscal. Assim a ação se consumaria pelo ajuizamento da demanda, não mais, podendo cogitar prescrição.
Contudo, deve-se perceber que o valor constitucional protegido pela prescrição é o da segurança jurídica e o da estabilidade das relações jurídicas. Assim a excessiva e injustificada duração do processo provoca instabilidade no Ordenamento Jurídico. Ou seja, imaginar após interrupção do prazo prescricional, esta não mais possa ser renovado é admitir que o processo e o direito material nele deduzido se eternizem, o que fere o princípio constitucional da segurança jurídica. Assim faz valer o entendimento esposado pela maioria doutrinária: interrompida a prescrição, o prazo prescricional decorrido até o momento é perdido, desconstituído, podendo, no entanto, ser iniciada a contagem de um novo prazo, este no curso do processo.
Assim a doutrina majoritária e a jurisprudência já se posicionaram no sentido de ser sim possível a aplicação da prescrição intercorrente nas execuções fiscais. Diante de tal constatação, resta a dúvida acerca do dies a quo da contagem do início da prescrição intercorrente.
Em que pese os diversos entendimentos acerca da data que marca o início da contagem do prazo da prescrição intercorrente, se sobressai o entendimento a seguir: da constituição do crédito (artigo 164 do Código Tributário Nacional) inicia-se o prazo o ajuizamento da ação e a citação válida do réu interrompe a prescrição. Haverá o reinício da contagem do prazo quando houver mais de cinco anos para que ocorra a penhora dos bens do executado. Tal entendimento se sobressai por ser o mais difundido na doutrina por esta entender que o Código Tributário Nacional, por ser uma lei complementar, deve prevalecer sobre as normas da Lei de Execuções Fiscais que é uma lei ordinária Este é o caso das execuções fiscais que tiveram as petições iniciais despachadas até antes do dia 09 de junho de 2005.
Para as execuções fiscais iniciadas a partir de 09 de junho de 2005, ou seja, após a vigência da Lei Complementar 118 que alterou a redação do artigo 174 do Código Tributário Nacional, não mais se considerará a citação para a interrupção da prescrição e seu reinício, mas o próprio despacho. Desta forma despachada a inicial inicia-se o prazo de cinco anos para que haja a citação e a penhor a dos bens do executado.
Desta forma, transcorrido o prazo em uma das formas acima citadas e verificada a inércia do exequente poderá ser reconhecida a prescrição intercorrente. Neste ponto há certa divergência na doutrina. Isto porque com a edição da Lei 11.051/2004, que adicionou um parágrafo ao artigo 40 da Lei de execuções fiscais, a prescrição intercorrente passou a ser reconhecível de ofício pelo magistrado.
Art. 40 § 4º (...) Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de oficio, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.
Porém não é este o ponto de divergência. O que a doutrina discute é se o referido parágrafo alterou o termo inicial de contagem do prazo da prescrição intercorrente para a data que ordenou o arquivamento. Ou seja, se o termo inicial da prescrição intercorrente é a data do arquivamento, conforme interpretação literal do artigo acima ou se se dará após decorridos cinco anos da decisão que ordenou o arquivamento (cinco anos porque é este o prazo para a prescrição da ação – artigo 174 do Código Tributário Nacional e conforme entendimento sumulado do Supremo Tribunal Federal – Súmula 150 – de que prescreve a execução do mesmo prazo de prescrição da ação).
Perceba-se que a Lei 11.051/2004 é uma lei ordinária e, por isso, não pode tratar do tema prescrição, pois é este tema restrito a lei complementar, de acordo com o artigo 146, III, b da Constituição Federal de 1988. Assim, por ser lei ordinária, o veículo adequado para tratar, em matéria processual, da competência do juiz para reconhecer, de ofício, a prescrição. Ou seja, a referida lei somente alterou a Lei de Execuções Fiscais para permitir o reconhecimento de ofício da prescrição intercorrente, mas não para alterar a data de início da sua contagem.
Assim verificada a inércia do exequente poderá a prescrição intercorrente ser reconhecida mediante provocação. Mas se da data da decisão que ordenou o arquivamento dos autos tiver transcorridos cinco anos, nascerá para o magistrado poder-dever de reconhecer ex officio da prescrição intercorrente na execução fiscal, conforme se verifica na jurisprudência pátria:
TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. DECRETAÇÃO DE OFÍCIO. DIREITO PATRIMONIAL.
POSSIBILIDADE, A PARTIR DA LEI 11.051/2004.
1. A jurisprudência do STJ sempre foi no sentido de que "o reconhecimento da prescrição nos processos executivos fiscais, por envolver direito patrimonial, não pode ser feito de ofício pelo juiz, ante a vedação prevista no art. 219, § 5º, do Código de Processo Civil" (RESP 655.174/PE, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 09.05.2005).
2. Ocorre que o atual parágrafo 4º do art. 40 da LEF (Lei 6.830/80), acrescentado pela Lei 11.051, de 30.12.2004 (art. 6º), viabiliza a decretação da prescrição intercorrente por iniciativa judicial, com a única condição de ser previamente ouvida a Fazenda Pública, permitindo-lhe argüir eventuais causas suspensivas ou interruptivas do prazo prescricional. Tratando-se de norma de natureza processual, tem aplicação imediata, alcançando inclusive os processos em curso, cabendo ao juiz da execução decidir a respeito da sua incidência à hipótese dos autos.
3. Recurso especial a que se dá parcial provimento, sem prejuízo da aplicação, por analogia, da legislação superveniente, uma vez cumprida a condição nela prevista.
(REsp 926.871/PE, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/08/2007, DJ 13/09/2007, p. 174)
Diante de todo o assunto esposado, percebe-se que, em pese a existência de algumas divergências doutrinárias acerca de determinados prazos, a aceitação da aplicabilidade da prescrição intercorrente nas execuções fiscais é uníssona tanto da na doutrina quanto na jurisprudência brasileiras.
4.2.3 Seara administrativa
Assim como nos processos judiciais, a prescrição intercorrente também está presente nos processos administrativos. A aplicação daquela nesta seara tem plena aceitação pela jurisprudência prestigiando o antigo Decreto nxxxx e, ainda, a lei 9873/99 para os entes públicos federais.
Assim a Medida Provisória n 1708 de junho de 1998 foi convertida na Lei 9873/99 em 23 de novembro de 1999 com seguidas alterações, estabelecendo prazo de prescrição de três anos para o exercício da ação punitiva pela Administração Pública Federal direta e indireta. Neste caso, se a Administração permanecer inerte por mais de três anos, estando o processo paralisado por pendencia no julgamento ou despacho, os autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada.
Já na exposição de motivos da Medida Provisória informava quais os motivos de aplicabilidade da prescrição intercorrente no âmbito administrativo. Informava, assim que não podia o administrado ficar submetido a embaraços por conta de ato reputado ilícito cometido há anos, prestigiando, pois, a norma constitucional de inexistência de pena perpetua e que se somente são previstos como imprescritíveis os crimes de racismo e ação de grupos armados, não há porque o ilícito administrativo ser imprescritível. Ressalve-se, porém, que tal previsão não se aplica aos processos de punição funcional, nem aos processos tributários.
Outra argumentação favorável a aplicação da prescrição intercorrente nos processos administrativos advém do princípio administrativo da impulsão. Hely Lopes Meireles o conceitua como o dever que tem o Poder Público em movimentar os processos administrativos, mesmo que instaurados pelo administrado. Isto porque, uma vez iniciado o processo, este passa a pertencer a Administração que deve impulsioná-lo até a decisão final. Desta forma se o Poder Público age com desídia no decorrer do processo infringe o princípio da oficialidade.
A prescrição intercorrente da Lei 9873/99 está pautada em uma pretensão punitiva da Administração Pública Federal direta ou indireta. Sendo aplicada desde a abertura do processo administrativo para investigação de determinada conduta tida como ilícita até o momento em que a decisão é tomada na seara administrativa. Ou seja, pode a prescrição intercorrente ser aplicada em qualquer processo em que a Administração Pública Federal direta ou indireta atue no exercício do poder de polícia apurando ilícitos, mesmo em processos que não se discute a aplicação de multa pelo descumprimento de lei, ou seja, em processos administrativos que ensejam punição de alguma maneira, a exceção as questões funcionais e tributárias.
Neste sentido, segue jurisprudência:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. NOMEM IURIS VERSUS NATUREZA DA CAUSA. DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO FISCAL. CABIMENTO. PROCESSO ADMINISTRATIVO MULTA DE NATUREZA ADMINISTRATIVA APLICADA PELO IBAMA. OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. LEI Nº 9.873/99, ARTIGO 1º, PARÁGRAFO PRIMEIRO. EXTINÇÃO COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. I. O prazo prescricional aplicável às multas administrativas, decorrentes do poder de polícia da Administração Pública, é qüinqüenal, tanto para as infrações posteriores à Lei 9.873/99, cujo art. 1º fixou tal prazo para a ação punitiva da administração pública federal, quanto para os atos infracionais anteriores àquele diploma normativo, a teor do disposto no Decreto 20.910/32. II. "Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso."(parágrafo 1º, do artigo 1º, da Lei nº 9.873/99) III. No caso dos autos constata-se a ocorrência da prescrição administrativa intercorrente, prevista no parágrafo 1º, do artigo 1º, da Lei nº 9.873/99, tendo em vista que houve inércia da Administração na cobrança da multa administrativa, posto que desde outubro de 2000 foi detectada a necessidade de juntada da planta topográfica da área desmatada, havendo notícia que a solicitação para que fosse providenciada a referida juntada não havia sido atendida e, apenas em 15.12.2003, analista ambiental do IBAMA cientificou que a referida solicitação, efetivada via ofício 335/00, ainda não tinha sido atendida. IV. Apelação provida, para reconhecer a ocorrência da prescrição intercorrente no Processo Administrativo nº 01.016.000.761/98-41, extinguindo a presente demanda com resolução de mérito.(TRF-5 - AC: 472981 PB 0002980-35.2007.4.05.8200, Relator: Desembargadora Federal Margarida Cantarelli, Data de Julgamento: 21/07/2009, Quarta Turma, Data de Publicação: Fonte: Diário da Justiça - Data: 12/08/2009 - Página: 220 - Nº: 153 - Ano: 2009)
4.3 APLICABILIDADE DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NO PROCESSO CIVIL
A prescrição intercorrente, com dito alhures, surgiu com o intuito de, após proposta a demanda, combater a negligência do autor diante dos seus ônus processuais. Visa, pois, o acatamento à segurança jurídica, a paz social, a tranquilidade social, evitando a perpetuação das demandas.
O instituto em análise tem previsão legislativa no processo do trabalho e no direito tributário, mas não é prevista expressamente no Código de Processo Civil. No entanto, através do Código Civil de 2002 no parágrafo único do artigo 202 encontra-se um dos fundamentos para a aplicabilidade da prescrição intercorrente na esfera cível que prevê: “A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper”.
Perceba que o dispositivo citado prevê a prescrição intercorrente. Isto porque estabelece a possibilidade de o prazo prescricional voltar a correr da data do último ato do processo. Sabe-se que a citação válida interrompe o curso da prescrição e esta, somente, pode ocorrer uma única vez. Destarte se o autor agir com contumácia ou deixar de demonstrar interesse em exercer os poderes-deveres que lhe cabem, o prazo prescricional recomeça a correr, mas agora, do último ato praticado no processo.
Desta forma, depreende-se do parágrafo único do artigo 202 do Código Civil que não só há a incidência da prescrição intercorrente no processo civil, como aquela ocorrerá sempre que o autor, depois de propor a demanda, permanecer inerte pelo mesmo prazo previsto para prescrição da ação.
Como dito alhures, o artigo do Código Civil é, apenas, um dos fundamentos para a afirmação acerca da prescrição intercorrente no âmbito civil e processual civil. Isto porque o instituto não está previsto expressamente no Código de Processo Civil, mas isto não quer dizer que não há a previsão. Quer dizer, no referido diploma não há o termo “prescrição intercorrente”, mas há passagens em que se pode inferir a previsão do referido instituto. Ou seja, a prescrição intercorrente não está prevista expressamente, mas o está implicitamente no Código de Processo Civil.
Há, ainda, que se considerar o Ordenamento Jurídico como um todo, nao podendo haver contradições em seu seio. As normas devem estar em harmonia dentro do contexto geral do sistema jurídico. Ou seja, os preceitos jurídicos não devem ser entendidos isoladamente, ao contrário devem ser estudadas com vistas às exigências globais do sistema. O não respeito a este tipo de interpretação leva a grandes disparidades no sistema jurídico. Assim na busca pelo significado de qualquer texto normativo deve o intérprete considerar todo o sistema jurídico constitucional, enxergando-o como um todo uno, coerente e harmônico. É nesta linha de pensamento que se consagra a chamada interpretação sistemática que é considerada na doutrina o método, por excelência, da hermenêutica jurídica.
Perceba-se, portanto, que se é possível a aplicação da prescrição intercorrente na seara trabalhista que tem como princípio máximo a hipossuficiência do reclamante, que é, possivelmente, o credor, ou seja, é possível aplicar uma sanção ao hipossuficiente diante de sua inércia, tirando-lhe o crédito a que teria direito se fosse diligente, não há porque não sê-lo no Direito Civil e no seu processo.
Ainda, se é possível a incidência da prescrição intercorrente nas execuções fiscais também deve sê-lo no processo civil. Ou seja, o instituto em comento é admitido nos casos em que se discute o erário público, assim se um valor que beneficiaria toda a sociedade pode ser perdido diante da inércia do credor, Fazenda Pública, prevalecendo a segurança jurídica, não há motivos que levem a entender não prevalecer aquele princípio no âmbito puramente privado, prevalecendo o interesse privado sobre o público.
Percebida, pois, a aplicabilidade da prescrição intercorrente no processo civil, diga-se que aquela pode ser operacionalizada, tanto no processo de conhecimento, como no processo de execução. E, ainda, no processo de execução, independe de se cumprimento de sentença ou execução de título extrajudicial. Para tanto, basta o preenchimento dos requisitos previstos no Código Civil, quais sejam: que o autor/credor permaneça inerte, deixando de praticar atos no processo e que esta inércia perdure pelo prazo estabelecido para a prescrição da ação, como previsto na Súmula 150 do Supremo Tribunal Federal.
Entenda-se que para a caracterização da prescrição intercorrente é necessária a inércia do autor no bojo do processo e que esta inércia deve dar-se por culpa exclusiva daquele. Isto porque é a sua pretensão que sucumbirá, sendo-lhe, pois, dever cumprir o ônus processual permanente que lhe cabe, ou seja, demonstrar interesse no prosseguimento do feito até o seu término.
Após constata a possibilidade de incidência da prescrição intercorrente no processo civil, faz-se necessário o exame das hipóteses de ocorrência daquela.
A primeira hipótese ocorre quando o vencedor do processo de conhecimento deixa de dar prosseguimento ao feito, não iniciando a fase de cumprimento de sentença. Assim se o credor, após o transito em julgado, deixar transcorrer o prazo de seis meses estabelecidos pelo Código de Processo Civil, o processo será arquivado.
Há, ainda, a necessidade do impulso do credor em dar início as atividades executivas, em que pese a vigência da nova dinâmica acerca do sincretismo processual. Por isto, depois de transitada em julgada a sentença deverá o credor, no interesse de receber o crédito a que tem direito, demonstrar interesse no prosseguimento do feito.
Desta forma, como prevê o parágrafo 5 do artigo 475-J do Código de Processo Civil, o exequente terá o prazo de seis meses para dar inicio a execução. Este prazo inicia-se no primeiro dia útil subsequente ao fim do prazo de quinze dias que tem o devedor de cumprir voluntariamente a obrigação. Porém se após o prazo de seis meses, o credor não cumprir com os ônus processuais que lhe são cabíveis, o processo será arquivado. Perceba-se que não são previstas, para o caso da inércia do credor, as hipóteses dos incisos II e III do artigo 267 do Código de Processo Civil, quer dizer, não é o caso de extinção do feito sem julgamento do mérito, já que já há sentença.
Após a determinação de arquivamento, inicia-se o transcurso do prazo da prescrição intercorrente, já que o credor permaneceu inerte. E se assim permanecer pelo mesmo prazo previsto para a prescrição da ação, se dará a prescrição intercorrente.
Mister salientar que há na doutrina quem sustente que, o início da contagem do prazo de prescrição intercorrente se dá a partir de findo o prazo que tem o devedor de adimplir a obrigação voluntariamente e não da decisão que ordenou o arquivamento dos autos.
No entanto, em que pese a divergência doutrinária acerca do marco da contagem do prazo, nenhum dos dois posicionamentos anula a incidência da prescrição intercorrente no âmbito do processo civil, ao contrário, ambas defendem, apenas, divergem quanto ao início da contagem do prazo. Porém a presente pesquisa monográfica não se propôs a analisar prazos, apenas o fazendo por respeito ao debate jurídico propôs-se, sim, a investigar se haveria a incidência ou não da prescrição intercorrente nos processos civis.
Assim argumento que sustenta a ocorrência da prescrição intercorrente na hipótese de inércia do credor em iniciar as atividades executórias é o inciso VI do artigo 475 do Código de Processo Civil que prevê:
Art. 465-L – A impugnação somente poderá versar sobre:
VI – qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que superveniente ä sentença.
Assim, poderá o executado, ao opor impugnação ao cumprimento de sentença, alegar a ocorrência da prescrição. Porém há a ressalva que seja a causa extintiva da obrigação superveniente ä sentença. Ou seja, se a há a permissão para alegação de prescrição já na fase executiva, esta prescrição não é relativa a pretensão cognitiva, já que esta já transitara em julgado.
Portanto dúvidas não restam de que o citado artigo prevê a prescrição intercorrente para o caso de inércia do credor na promoção do cumprimento de sentença.
Perceba-se, ainda, que o mesmo vale para a execução de título extrajudicial. Ou seja, iniciado o processo de execução e citado o executado, se o credor permanece inerte, permanecendo o processo paralisado pelo tempo previsto para a prescrição da ação, incidirá a prescrição intercorrente, conforme se depreende da jurisprudência pátria:
APELAÇÃO CÍVEL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO NOS TERMOS DO ART. 269, IV DO CPC. DESÍDIA DO CREDOR. INOCORRÊNCIA. CARTA PRECATÓRIA EXPEDIDA QUE NUNCA RETORNOU AOS AUTOS. VÁRIAS PETIÇÕES DO APELANTE PELA NORMALIZAÇÃO DO FEITO, SEM SUCESSO. FEITO CONCLUSO ENTRE 2003 E 2007. INTIMAÇÃO DO EXEQUENTE PARA DAR PROSSEGUIMENTO AO FEITO E INFORMAR INTERESSE. RESPOSTA PELO INTERESSE E PEDIDO DE REALIZAÇÃO DE NOVA PENHORA SEGUIDO DA SENTENÇA DE EXTINÇÃO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NÃO CONFIGURADA. SENTENÇA ANULADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1 - O âmago da questão aventada reside na configuração, ou não, da prescrição intercorrente proveniente da paralisação do feito por longo período. 2 - A prescrição intercorrente pressupõe sempre diligência a ser cumprida pelo autor, ou seja, a prática de atos indispensáveis ao prosseguimento do feito. Destarte, somente se deve cogitar a superveniência de prescrição nos casos em que, verificando-se a possibilidade de se dar prosseguimento ao feito, a parte, a quem este aproveita, não toma as medidas necessárias. 3 - Depreende-se, da análise dos autos, que o ora apelante ajuizou ação de execução por título executivo extrajudicial em face do apelado em 29/11/1984, sendo que em 10/12/1984 foi expedida CARTA PRECATÓRIA de fls. 11, pelo juízo da vara cível da comarca de Guanambi/BA, ENTRETANTO NÃO HÁ NOS AUTOS NOTÍCIA DO RETORNO DA REFERIDA CARTA PRECATÓRIA BEM ASSIM SE HOUVE OU NÃO SEU CUMPRIMENTO, seguindo-se de várias petições do apelante requerendo informações sobre a carta precatória, e ofícios ao Juízo deprecado, todos infrutíferos. Depreende-se portanto que o executado não foi sequer citado. Eis que, em que pese a ausência da prestação jurisdicional, no sentido de providenciar citação do executado, o juízo intimou exequente sobre interesse no prosseguimento do feito, fls. 22, tendo o mesmo se pronunciado, no prazo legal, fls. 29, pelo prosseguimento do feito, tendo inclusive requerida a expedição de nova carta precatória, razão esta que afasta a alegação de inércia da parte apelante, visto que, no caso dos autos, o prazo da prescrição intercorrente somente se iniciaria após a devida intimação do autor da ação de execução sem o seu pronunciamento. - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO, para anular a sentença, afastando o reconhecimento da prescrição intercorrente, devendo ocorrer o retorno dos autos ao juízo de origem para que o processo executivo siga o seu regular trâmite. (TJ-BA - APL: 00002085520078050088 BA 0000208-55.2007.8.05.0088, Relator: Daisy Lago Ribeiro Coelho, Data de Julgamento: 14/08/2012, Terceira Câmara Cível, Data de Publicação: 17/11/2012) (grifos nossos)
A segunda hipótese de incidência da prescrição intercorrente no processo civil é, tendo o credor dado início a fase de cumprimento de sentença, o processo fica paralisado, ante a não localização ou insuficiência de bens a serem penhorados.
Perceba-se que, não há na fase executiva, provas a examinar, nem sentença de mérito a ser proferida. Assim a falta de bens a serem penhorados do devedor importa na suspensão da execução. Ou seja, a falta de bens penhoráveis não acarreta a definitiva frustração da execução, mas inviabiliza, mesmo que momentaneamente, o prosseguimento daquela fase. No entanto a execução pode voltar a ser viável com o aparecimento de bens penhoráveis no patrimônio do devedor. Isto porque a responsabilidade patrimonial na execução por quantia certa abrange tanto os bens atuais, como os bens futuros, conforme prega o artigo 591 do Código de Processo Civil. É a partir deste artigo que se compreende a motivação do referido código em não extinguir a execução, ante a falta de bens penhoráveis. Ou seja, preferiu o código suspender a execução e aguardar o aparecimento de bens no patrimônio do devedor que possam ser executados, preferindo aguardar uma possível melhora da situação patrimonial do executado no futuro.
Mas esta escolha do legislador gera alguns impasses. O primeiro impasse a se saber é quanto tempo poderá perdurar a paralisia do processo e segundo, saber o que ocorrerá com a execução se a suspensão da execução durar mais que o prazo legal da prescrição da obrigação. Estes impasses existem por, em que pese a lei prever a suspensão do processo, não previu o prazo para esta suspensão, assim, em princípio, pode perdurar indefinidamente.
Acontece que, a eternização de demandas não é compatível com as garantias constitucionais, tais como a duração razoável do processo, a segurança jurídica e da rápida solução dos litígios. A prescrição foi idealizada para evitar a inércia do credor de modo a eternizar uma demanda, e, no caso em comento, não há inércia do credor, mas persistem os inconvenientes da eternização da litigiosidade. Assim não é aceitável a suspensão eterna do processo porque expõe o devedor que tem uma responsabilidade patrimonial, aos efeitos permanentes da litispendência.
Assim não há razão bastante, nem base legal para desconsiderar o decurso do tempo durante a suspensão do processo de execução pela falta ou insuficiência de bens penhoráveis. Ou seja, suspenso o processo pela inexistência ou insuficiência de bens a penhorar, seja execução de título judicial ou extrajudicial, a prescrição da pretensão a executar, interrompida com o deferimento da execução, reinicia imediatamente. Incide, portanto, a prescrição intercorrente, uma vez implementado o prazo, extinguindo, pois, o processo.
Há na doutrina e jurisprudência vozes no sentido de não ser aplicável a prescrição intercorrente nestes casos por não haver desídia do credor e, portanto, não poderia ser a ele aplicada uma sanção, conforme se verifica no julgado a seguir:
EXECUÇÃO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. A PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE PRESSUPÕE A INÉRCIA DO AUTOR. NÃO OCORRE SE A EXECUÇÃO ESTÁ SUSPENSA PORQUE NÃO ENCONTRADOS BENS SUSCETÍVEIS DE PENHORA. APELAÇÃO PROVIDA.(TJ-DF - APL: 289923619998070001 DF 0028992-36.1999.807.0001, Relator: JAIR SOARES, Data de Julgamento: 29/04/2009, 6ª Turma Cível, Data de Publicação: 06/05/2009, DJ-e Pág. 222).
No entanto há de se perceber que, mesmo que o prosseguimento do feito não dependa da prática de atos pelo credor, este permanece inerte. Quer dizer, não há motivos para que aquele não desarquive, de tempos em tempos, o processo para requerer o reforço da penhora ou, até mesmo, voltar a procurar por bens penhoráveis.
Ademais, o parágrafo único do artigo 202 do Código Civil/02 preexclui o princípio da perpetuação das demandas independentemente de negligência do credor. Ademais a suspensão do processo se dá por razões de ordem prática e a inatividade processual leva ao implemento do prazo prescricional, seja por negligência ou não. O que deve prevalecer é o respeito aos princípios constitucionais. Outra argumentação é que o devedor sofre diversas limitações em sua vida na sociedade por causa da litispendência, sendo a principal, a dificuldade em conseguir crédito, contrariando, também, o princípio da dignidade da pessoa humana.
Há, ainda, que se considerar a contradição existente no Código de Processo Civil. Isto porque, em que pese não prever, expressamente a prescrição intercorrente e, por isto, dar a entender pela eternização do processo, caso não sejam encontrados bens penhoráveis, prevê um fim para aquela que seria a espécie maia gravosa de execução, a contra o devedor insolvente. Na aludida espécie de execução coletiva, após a arrecadação e venda judicial dos bens do devedor, faz-se o pagamento dos credores habilitados tanto o quanto possível, extinguindo-se, na sequencia, o processo. No período de cinco anos qualquer bem que o devedor vier a adquirir poderá servir para o pagamento da dívida restante. Mas, ultrapassado este período, são declaradas extintas todas as obrigações do devedor. Ou seja, como há de se considerar que pode o devedor insolvente ver-se livre das obrigações e não sê-lo o solvente.
Há, ainda, na doutrina quem defenda a não aplicabilidade da prescrição intercorrente no processo civil diante da exegese do artigo 793 do Código de Processo Civil. Este estabelece que, suspensa a execução, não é possível a prática de qualquer ato processual, providencias cautelares urgentes. Assim seria justificável a inércia do credor.
No entanto, deve-se perceber que atos processuais urgentes são aqueles que visam resguardar direitos e interesses para que não pereçam. Ou seja, os atos tendentes a demonstrar interesse no prosseguimento do feito e com o fito de receber o crédito e evitar a prescrição intercorrente são atos processuais urgentes.
Com efeito, a indefinição da suspensão do processo de execução gera um estado de insegurança jurídica, ao mesmo tempo em que, multiplica a quantidade de processos que congestionam a Justiça sem qualquer expectativa de atingir o objetivo ao qual se destinam. Gera, pois, não só o prolongamento indefinido do estado de devedor para aquela pessoa, como, também, um custo administrativo para a máquina judiciária.
Não há dúvidas de que, a melhor solução para tal impasse seria o legislador suprir a lacuna normativa e estabelecer um prazo para a suspensão da execução, ante a inexistência ou insuficiência de bens penhoráveis. Porém, enquanto isto, cabe ao intérprete do Direito aproveitar-se da melhor opção do lhe é dada pelo sistema. E, portanto, conforme a melhor doutrina, o melhor é aproveitar-se do regramento dado para as Execuções Fiscais no artigo 40 da Lei 6830/1980, cujo crédito aqui, reputa-se de maior relevância.
Outras hipóteses de incidência da prescrição intercorrente no processo civil são ventiladas na doutrina, contudo, com menor expressividade do que as duas acima citadas. No entanto merecem ser citadas para um aprofundamento no tema.
Assim, uma dessas hipóteses é a determinação de arquivamento do feito de ofício ou a requerimento. É uma hipótese genérica atinente a qualquer circunstância, seja em execução de título judicial ou extrajudicial que, pela inércia do autor, leve o juiz a determinar o arquivamento dos autos. Neste caso, contar-se-á o prazo a partir do último arquivamento do feito e o prazo será o estabelecido para a ação ou execução.
Outra hipótese de incidência da prescrição intercorrente no processo civil é a não localização do executado pata receber a citação na execução de título extrajudicial. Neste caso, o exequente não consegue localizar o executado para citá-lo e não tomas providencias outras para localizá-lo. Para a configuração da prescrição intercorrente é necessário o transcurso do tempo previsto para a prescrição da execução. Tal hipótese, informa a doutrina, é consequência lógica das normas dos artigos 202 de Código Civil e 219 do Código de Processo Civil. Ou seja, enquanto não for efetivada a citação, não há falar-se em interrupção da prescrição.
Também seria uma outra hipótese de aplicação da prescrição intercorrente no processo civil o fato de serem os autos retirados do cartório pelo advogado e este permanecer em poder daqueles por prazo superior ao designado para a prescrição da ação ou execução, conforme se depreende do julgado a seguir:
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. RETENÇÃO DOS AUTOS MEDAINTE CARGA PELO ADVOGADO DO AUTOR POR LÁPSO SUPERIOR AO DA PRESCRIÇÃO TRIENAL. PRESCINDIBILIDADE DA INTIMAÇÃO PESSOAL DA PARTE AUTORA PARA DAR PROSSSEGUIMENTO AO FEITO (ART. 267, III, § 1º, DO CPC). NATUREZA MATERIAL DA NORMA PRESCRICIONAL. FLUÊNCIA DO PRAZO. RECONHECIMENTO EX OFFICIO. Não se cogita da necessidade prévia de intimação da parte para dar andamento no processo, conforme previsão do § 1º, do art. 267, em alusão ao inciso iii, porque no caso dos autos a própria parte manteve a ... (TJ-RS - AC: 70043037969 RS , Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Data de Julgamento: 20/07/2011, Nona Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 25/07/2011)
COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. NOTA PROMISSÓRIA EM GARANTIA DE CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA-CORRENTE. AVALIAÇÃO DE BEM PENHORADO. INTIMAÇÃO DO CREDOR. MAIS DE QUATRO ANOS SEM MANIFESTAÇÃO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE DA CAMBIAL APLICADA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. EXEGESE. I. Intimado o credor a se pronunciar sobre a avaliação do bem penhorado e transcorrido mais de quatro anos para tanto, retirando os autos com carga, sem que o feito estivesse suspenso, denota falta injustificada de diligência. Dessa forma, devidamente aplicada a prescrição intercorrente, haja vista transcorrido o prazo de três anos em relação à cambial. II. Ademais, o prazo prescricional de vinte anos do contrato de abertura de crédito em conta-corrente (art. 177 do antigo Código Civil), cuja força executiva foi repudiada pelo Tribunal estadual em decisão irrecorrida, tornou-se, por este fato, indiferente na solução da controvérsia (Súmula n. 233/STJ e 283/STF). III. Recurso especial não conhecido. (STJ - REsp: 777305 CE 2005/0142174-8, Relator: Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Data de Julgamento: 09/03/2006, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 24.04.2006 p. 408LEXSTJ vol. 201 p. 209)
Desta forma, para que se premie o equilíbrio e a estabilidade do direito, a segurança jurídica, a razoável duração do processo, deve a prescrição intercorrente operar no processo civil, inclusive, nos casos de suspensão do processo. Assim dar-se-á a prescrição intercorrente se suspenso o processo, o credor não pratique um único ato para a continuidade da execução, durante o mesmo período estabelecido para a prescrição da ação ou da execução.
Percebe-se, pois que a prescrição intercorrente tem como objetivo evitar a perpetuação do poder de punir da Administração, impedindo, assim, que aquela tenha o controle sobre a prescrição por ato potestativo seu, ou seja, sua incúria em dar andamento aos processos, causando, pois, insegurança jurídica e prestigiando a concretização do princípio da segurança jurídica. Isto porque o maior dos interesses públicos é a estabilização das relações jurídicas.
Estabelecido, pois, que é sim possível a incidência da prescrição intercorrente no âmbito do processo civil, faz-se necessário analisar a forma de arguição daquela.
O Código de Processo Civil estabelece que deve ser a matéria relativa ä defesa fundada em prescrição superveniente á coisa julgada, invocada na impugnação ao cumprimento de sentença e nos embargos a execução contra a Fazenda Pública.
No entanto, é consignada, no atual direito positivo brasileiro, que é possível a decretação, oficio, pelo magistrado da prescrição, inclusive a intercorrente no âmbito do processo trabalhista. Assim não são aqueles os únicos meios de defesa com base na prescrição na execução. São, apenas, algumas das oportunidades que tem o executado.
Desta forma, com a possível decretação ex officio pelo magistrado percebe-se que é possível a alegação a qualquer tempo e por simples petição. E assim o é com base no próprio direito material que dispõe por meio do artigo 193 do Código Civil que a prescrição pode ser alegada a qualquer tempo e grau de jurisdição, conforme se percebe na doutrina e jurisprudência:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL.EXECUÇÃO FISCAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. ARGÜIÇÃO DEPRESCRIÇÃO. PRAZO PRESCRICIONAL QÜINQÜENAL.
I - A argüição da prescrição não precisa ser obrigatoriamente em sede deembargos do devedor, podendo ser suscitada por outro meio processual, inclusive na exceção de pré-executividade, ou por petição nos autos quando ao executado é dado falar no feito. Precedentes: REsp nº 388.000⁄RS, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ de 18⁄03⁄2002 e REsp 537617⁄ PR Ministro Relator TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ de 17⁄02⁄2004.
II - "Inadmissível estender-se o prazo prescricional por prazo indeterminado,devido à suspensão do processo por período superior a cinco anos. Orientaçãoconsagrada pela Eg. 1ª seção corroborando o entendimento das Turmas que aintegram" (REsp nº 194.296⁄SC, Relator Ministro FRANCISCO PEÇANHAMARTINS, DJ de 01⁄08⁄2000). Precedentes: REsp nº 125.504⁄PR, Rel. Min. JOÃOOTÁVIO DE NORONHA, DJ de 12⁄05⁄2003; AGREsp nº 439.560⁄RO, Rel. Min.PAULO MEDINA, DJ de 14⁄04⁄2003 e AGEDAG nº 446.994⁄RJ, Rel. Min. JOSÉDELGADO, DJ de 10⁄03⁄2003.
III - Agravo regimental improvido
STJ - REsp: 638190 BA 2004⁄0009478-6, Relator: MINISTRO FRANCISCO FALCÃO, Data de Julgamento: 28⁄09⁄2004, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 28 de setembro de 2004p. 408LEXSTJ vol. 201 p. 209).
No processo de conhecimento, cabe ao réu alegar as causas extintivas da pretensão no momento da contestação, porém não o fazendo, não o priva da causa extintiva. No entanto terá que arcar, no momento da alegação, com as despesas processuais supervenientes e privado da verba sucumbencial advocatícia. Este paralelo também deve ser feito para a alegação da prescrição intercorrente na execução. Assim se o executado alegar a prescrição intercorrente em momento diverso da dos embargos a execução ou da impugnação a sentença, será apenado nos mesmos moldes.
Como dito alhures, o prazo para a incidência da prescrição intercorrente é o mesmo prazo estabelecido para a ação ou execução, conforme a Súmula 150 do Supremo Tribunal Federal. Resta saber o dies a quo deste prazo.
O início da contagem do prazo da prescrição intercorrente será, em regra, o dia da decisão que ordenar o arquivamento do processo por falta de bens penhoráveis. No entanto, se houver omissão do juiz em determiná-lo, da data que deveria tê-lo determinado, já que a suspensão decorre de imposição legal, de modo que seus efeitos devem se manifestar mesmo quando não há pronunciamento do magistrado a respeito.
4.4 A PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NO PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Após a conclusão acerca de que é possível o reconhecimento da ocorrência da prescrição intercorrente no âmbito do processo civil no sistema jurídico atual, passa-se a análise da aplicabilidade da prescrição intercorrente no projeto do novo Código de Processo Civil.
Com efeito, já se esperava há muito pela previsão expressa da prescrição intercorrente para os processos civis. E assim o fez o projeto do novo Código de Processo Civil nos artigos 937 e 940.
O artigo 940 é claro ao permitir a incidência da prescrição intercorrente na execução civil:
Art. 940 – Extingue-se a execução quando:
(...)
V - ocorrer a prescrição intercorrente;
Art. 937 – Suspende-se a execução:
(...)
III – quando o executado não possuir bens penhoráveis;
IV – se a alienação dos bens penhorados não se realizar por falta de licitantes e o exequente, em quinze dias, não requerer a adjudicação nem indicar outros bens penhoráveis.
(...)
1 Na hipótese do inciso III, o juiz suspenderá a execução pelo prazo de um ano, durante o qual se suspenderá a execução;
(...)
4 Decorrido o prazo de que trata o 1 sem manifestação do exequente, começa a correr o prazo de prescrição intercorrente. O juiz, depois de ouvidas as partes, no prazo de quinze dias, poderá, de ofício, reconhecer esta prescrição e extinguir o processo.
O referido projeto inova prevendo expressamente a prescrição intercorrente como meio de extinção da execução. Inova, também, ao trazer a prescrição intercorrente para o caso de suspensão do processo por falta de bens penhoráveis ou infrutífera a alienação.
Assim, na execução civil, a teor do artigo 937 do Código projetado, serão necessários os seguintes requisitos para fixar o dies a quo da contagem do prazo da prescrição intercorrente: primeiro, o devedor não possuir bens penhoráveis; segundo, ter havido a suspensão do processo e, por isso, o arquivamento do feito, pelo prazo de um ano, período este durante o qual não será contada a prescrição intercorrente; e terceiro, a inércia do autor, após o decurso do prazo anteriormente referido, caso em que será decretado o arquivamento.
Portanto, se após o transcurso de um ano, o credor permanecer inerte, o juiz determinará o arquivamento, momento este em que começará a contagem do prazo da prescrição intercorrente. Assim o magistrado intimará as partes e, depois de ouvi-las, poderá decretar a prescrição intercorrente de ofício. Ou seja, se, após intimado, o credor não praticar qualquer ato que, ao menos em tese, dê prosseguimento ao feito, o prazo da prescrição intercorrente transcorrerá até que aquela seja implementada.
Perceba-se que o prazo no qual a prescrição intercorrente se consumará está disposto no direito material. Destarte, variam de acordo com a natureza da pretensão a ser satisfeita.
Desta forma, em que pese a doutrina e a jurisprudência já previrem a prescrição intercorrente no processo civil no sistema atual, é de suma importância a previsão explícita no novo Código de Processo Civil, evitando, pois, dúvidas e questionamentos.
5 CONCLUSÃO
A prescrição é um fato jurídico stricto senso. Desta forma não é necessário qualquer comportamento humano para que se realize. Está a prescrição relacionada com o passar do tempo. Assim a inércia do titular de um direito causa o encobrimento da eficácia jurídica da pretensão decorrente daquele direito. O efeito da prescrição é a paralisação da eficácia daquela diante da inércia do titular do direito. Assim a sobrevinda da prescrição não atingirá o direito em si, nem o direito de ação de maneira a extingui-lo, mas sim o neutralizará de forma que não mais poderá, o titular do direito, exercê-lo. Destarte o instituto da prescrição pode ser definido, de forma sintética, como a neutralização do direito de ação, diante da inércia do titular durante certo lapso de tempo determinado em lei.
A justificativa para a criação do instituto da prescrição é a segurança jurídica. Portanto, tem como objetivo impedir que uma ação que não fora proposta durante anos, o seja. Evita-se, assim, a eternização da incerteza jurídica e privilegia a paz social.
Com aquele mesmo objetivo foi criada a prescrição intercorrente. Esta é conceituada como a prescrição que ocorre após proposta a ação. Ou seja, tem seu início após a citação e ocorrerá diante da inércia do autor, ou seja, a paralisação do processo deve se dar exclusivamente por culpa do autor. Assim o é porque o sistema processual vigente não pune a inércia.
O que se espera do autor/ credor é diligencia. Que este promova o andamento do processo a fim de demonstrar o seu real interesse em receber na demanda, de modo a evitar a insegurança jurídica. Percebe-se, pois, que a prescrição intercorrente pode ocorrer tanto no processo de conhecimento. Em todos os casos, a prescrição intercorrente encontra seu fundamento no artigo 202 do vigente Código Civil que tem a mesma redação do artigo 173 do Código Civil de 1916. Ambos os textos preveem a mesma norma, qual seja “a prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último do processo para a interromper”. Assim deve-se entender por “’ultimo ato” o ato derradeiro anterior à paralisação do processo ou a sentença que finaliza o processo.
Desta forma, depreende-se do parágrafo único do artigo 202 do Código Civil que não só há a incidência da prescrição intercorrente no processo civil, como aquela ocorrerá sempre que o autor, depois de propor a demanda, permanecer inerte pelo mesmo prazo previsto para prescrição da ação.
O Código Civil é, apenas, um dos fundamentos para a afirmação acerca da prescrição intercorrente no âmbito civil e processual civil. Isto porque o instituto não está previsto expressamente no Código de Processo Civil, mas isto não quer dizer que não há a previsão. Ou seja, no referido diploma não há o termo “prescrição intercorrente”, mas há passagens em que se pode inferir a previsão do referido instituto. Portanto, a prescrição intercorrente não está prevista expressamente, mas o está implicitamente no Código de Processo Civil.
Há, ainda, que se considerar o Ordenamento Jurídico como um todo, nao podendo haver contradições em seu seio. As normas devem estar em harmonia dentro do contexto geral do sistema jurídico. Ou seja, os preceitos jurídicos não devem ser entendidos isoladamente, ao contrário devem ser estudadas com vistas às exigências globais do sistema. Caso contrário se levaria a grandes disparidades no sistema jurídico. Assim na busca pelo significado de qualquer texto normativo deve o intérprete considerar todo o sistema jurídico constitucional, enxergando-o como um todo uno, coerente e harmônico. É nesta linha de pensamento que se consagra a chamada interpretação sistemática que é considerada na doutrina o método, por excelência, da hermenêutica jurídica.
É possível a aplicação da prescrição intercorrente na seara trabalhista que tem como princípio máximo a hipossuficiência do reclamante, que é, possivelmente, o credor, ou seja, é possível aplicar uma sanção ao hipossuficiente diante de sua inércia, tirando-lhe o crédito a que teria direito se fosse diligente, não há porque não sê-lo no Direito Civil e no seu processo. É, também, possível a incidência da prescrição intercorrente nas execuções fiscais. Assim também deve sê-lo no processo civil. Ou seja, o instituto em comento é admitido nos casos em que se discute o erário público, assim se um valor que beneficiaria toda a sociedade pode ser perdido diante da inércia do credor, Fazenda Pública, prevalecendo a segurança jurídica, não há motivos que levem a entender não prevalecer aquele princípio no âmbito puramente privado, prevalecendo o interesse privado sobre o público.
Percebida, pois, a aplicabilidade da prescrição intercorrente no processo civil, diga-se que aquela pode ser operacionalizada, tanto no processo de conhecimento, como no processo de execução. E, ainda, no processo de execução, independe de se cumprimento de sentença ou execução de título extrajudicial. Para tanto, basta o preenchimento dos requisitos previstos no Código Civil, quais sejam: que o autor/credor permaneça inerte, deixando de praticar atos no processo e que esta inércia perdure pelo prazo estabelecido para a prescrição da ação, como previsto na Súmula 150 do Supremo Tribunal Federal.
Entenda-se que para a caracterização da prescrição intercorrente é necessária a inércia do autor no bojo do processo e que esta inércia deve dar-se por culpa exclusiva daquele. Isto porque é a sua pretensão que sucumbirá, sendo-lhe, pois, dever cumprir o ônus processual permanente que lhe cabe, ou seja, demonstrar interesse no prosseguimento do feito até o seu término.
Resta, portanto, provada a incidência da prescrição intercorrente no bojo dos processos civis. E, esclareça-se, que esta ideia é defendida pela melhor doutrina brasileira, bem como é aceita pela jurisprudência pátria.
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Advogada pós graduada em Direito Processual Civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Marta Fernanda Menezes de. Da prescrição intercorrente no processo civil. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 abr 2015, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44095/da-prescricao-intercorrente-no-processo-civil. Acesso em: 23 dez 2024.
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