RESUMO: Busca-se analisar a responsabilidade tributária dos sócios pelas obrigações tributárias da sociedade de responsabilidade limitada a partir do ordenamento jurídico vigente. As sociedades comerciais são revestidas de personalidade jurídica própria, distinta da personalidade de seus membros. Os bens particulares dos sócios não respondem pelos débitos da pessoa jurídica. Essa regra geral, todavia, é excepcionada pelos arts. 134 e 135 do CTN, os quais autorizam ao fisco, nas hipóteses delineadas, buscar nos bens dos sócios a satisfação do crédito tributário. Qualquer construção doutrinária ou jurisprudencial que extrapole seus limites agride não só o instituto da pessoa jurídica como também o princípio da segurança jurídica.
Palavras-chave: Responsabilidade tributária. Administradores. Sociedade limitada. Arcabouço legal e jurisprudencial.
INTRODUÇÃO
A sociedade por quotas de responsabilidade limitada é o tipo societário mais comum existente. Sua constituição é de relativa simplicidade, não necessitando de recursos financeiros significativos por parte de seus integrantes.
Grande número de empresas são familiares, caracterizadas pelo alto grau de parentesco de seus sócios. Muitas, inclusive, são constituídas com o fim específico de provocar evasão de tributos, cuja constituição societária não corresponde com sua verdadeira composição.
A separação patrimonial da sociedade e de seus membros, visando a proteção dos bens particulares dos sócios, é uma forma de incentivo à livre iniciativa. Todavia, em certas ocasiões, conflita com o fim almejado pelo legislador que as normatizou. A garantia dada aos bens pessoais é, ao mesmo tempo, incentivo à sonegação fiscal e ao inadimplemento tributário.
Essa separação possibilita, frequentemente, a criação de sociedades com o fim único de realizar fraudes e abusos, onde sócios e administradores auferem ganhos lesando o patrimônio público. A má utilização da personalidade jurídica, resultante de práticas de infração à legislação tributária, lesa os interesses coletivos, quer pela falta de arrecadação de tributos, quer pela concorrência desleal.
O ordenamento jurídico, prevendo a prática de atos abusivos, contrários à lei, e desvios de função da personalização societária, criaram mecanismos de responsabilização das pessoas envolvidas, respondendo estas com seus bens particulares pelos créditos tributários não pagos pela sociedade.
O objetivo deste trabalho é analisar a responsabilização tributária dos sócios, sob a óptica da norma jurídica tributária, frente às disposições normativas clássicas do nosso ordenamento jurídico. Nessa dinâmica, será necessário ponderar o alcance das normas que permitem à Fazenda Pública buscar a satisfação do crédito tributário e, ao mesmo tempo, limitam sua atuação diante da separação patrimonial da sociedade e seus membros.
Não se pretende aqui chegar a uma conclusão definitiva dos tópicos envolvidos, apenas demonstrar a existência de divergência doutrinária em relação ao tema e que se está distante de um consenso entre os doutrinadores.
DESENVOLVIMENTO
ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA NO CTN
O Código Tributário Nacional trata sobre a responsabilidade nos artigos 128 a 136, subdividindo em responsabilidade dos sucessores, responsabilidade de terceiros e responsabilidade por infrações, definindo-as da seguinte forma:
a) responsabilidade dos Sucessores (arts. 129 a 133): o sujeito passivo da obrigação originária é substituído por outra pessoa em função de aquisição do estabelecimento, imóvel, bens (obrigação se transfere ao comprador) ou por morte do devedor original (obrigação se transfere aos herdeiros). Em ambos os casos há o desaparecimento do devedor original. A sucessão pode ser em relação à pessoa ou ao objeto. Esse tipo de responsabilidade tem como antecedente o inadimplemento da obrigação pelo sucedido e a ocorrência da sucessão;
b) responsabilidade de terceiros (arts. 134 e 135): o dever de adimplir o objeto da obrigação tributária se transfere para terceira pessoa alheia ao vínculo tributário original. A responsabilidade é condicionada ao descumprimento da lei ou da obrigação tributária pela pessoa que tinha o dever de satisfazer a exigência imposta;
c) responsabilidade por infrações (arts. 136 a 138): enquanto a responsabilidade dos sucessores e de terceiros tem origem no descumprimento da obrigação tributária, a responsabilidade por infração à legislação tributária surge em função da própria infração. A infração fiscal nasce pelo não cumprimento da obrigação de dar, fazer e não fazer expressos na legislação tributária. Exprime a responsabilidade objetiva pela prática do ilícito fiscal. Ocorre a responsabilidade pessoal do infrator, excluindo dessa relação a pessoa jurídica.
A sociedade limitada é a forma mais comum de organização empresarial, juntamente com a sociedade anônima.
Sua criação se dá através de contrato, por escritura particular ou pública, onde os sócios contribuem para a formação de seu capital social, através de dinheiro ou bens. O capital é dividido em quotas. Cada sócio (sócio-quotista) contribui ou se obriga para sua formação, proporcionalmente a sua participação nas referidas quotas.
Ao contrário do sugerido pelo nome, a responsabilidade pelas obrigações assumidas por esse tipo societário é ilimitada. O patrimônio é a garantia dos credores. A limitação da responsabilidade, como será demonstrado, é relativa aos sócios que a criaram.
Em conformidade com o art. 1.024, os bens particulares dos sócios somente poderão ser executados por dívidas da sociedade depois de executados os bens sociais. Logo, pode-se afirmar que a responsabilidade dos sócios é subsidiária.
O art. 1.052 do Código Civil estatui que a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social faltante. O limite dessa responsabilidade, portanto, é o montante que falta para a mencionada integralização.
Seguindo os ensinamentos de Rubens Requião,
a sociedade em nome coletivo caracteriza-se pela solidariedade dos sócios entre si, no que concerne às dívidas da sociedade. Na sociedade por quotas, em princípio, inexiste essa solidariedade, pois os sócios se obrigam pela integralização de suas partes e a consequente responsabilidade limita-se à força do capital social.[1]
Portanto, ocorrida a integralização de todas as quotas pelos sócios, nenhum deles poderá responder com seus bens particulares pelas dívidas da sociedade.
Cabe, no entanto, ressaltar que as normas acerca da responsabilidade dos sócios e administradores, previstas no Código Civil, disciplinam obrigações de natureza civil, não tendo o condão de prevalecer sobre as normas de natureza tributária, pois estas são normas especiais.
O modelo societário de responsabilidade limitada é regulado pelos arts. 1052 a 1.087 do Código Civil. Nos casos de omissão do regime jurídico, o art. 1.053 estabelece que será regido pelas normas da sociedade simples. Ademais, o referido Código, no art. 1.053, prevê ainda a possibilidade de constar no contrato social a regência supletiva pelas normas da sociedade anônima (lei nº 6.404/76).
A contratualidade é a característica mais marcante da sociedade limitada. Assim, os sócios podem adotar o perfil mais personalista ou capitalista ao redigir o contrato social, adotando regras de sociedade simples e/ou das anônimas. Em princípio cabe aos sócios, no contrato social, suprir eventuais omissões da legislação. O Código permite essa liberdade. Ou seja, inexiste a exigência de se adotar as normas da sociedade simples ou anônima nos casos de omissão na parte do CC relativa às sociedades limitadas.
Cabe aos sócios, por conseguinte, conferir à sociedade limitada uma natureza personalística ou capitalista. Tudo vai depender do que estiver previsto no contrato social para caracterizar como sociedade de pessoa ou de capital.
O art. 1.057 dispõe que, na omissão do contrato social, o sócio pode ceder suas quotas desde que haja anuência dos demais sócios, os quais poderão obstá-la. Por sua vez, o art. 1.028, no caso de omissão, prevê a dissolução parcial da sociedade no caso de falecimento de sócio, com a liquidação da quota pertencente ao de cujus.
Conclui-se, assim, que, em caso de omissão, o CC deu uma feição personalística à sociedade, protegendo os sócios quanto à entrada de estranhos ao quadro social.
RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DOS SÓCIOS (ARTS. 134 E 135 DO CTN)
O Código Tributário Nacional assenta nos artigos 134 e 135 a disciplina sobre a responsabilidade tributária dos sócios, diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.
O artigo 134 dispõe que os sócios, no caso de liquidação de sociedades de pessoas, respondem solidariamente com o contribuinte, nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal, quanto aos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis.
É importante ressaltar que liquidação não se confunde com dissolução. Nos dizeres de Fábio Ulhoa Coelho[2], “à dissolução total seguem-se a liquidação e a partilha (...)”. De Plácido e Silva assim define:
LIQUIDAÇÃO DAS SOCIEDADES - Na técnica do Direito Comercial, assim se entende a soma de operações promovidas em uma sociedade, após resolvida a sua dissolução, com o objetivo de realizar seu ativo e resgatar seu passivo, apurando-se, afinal, o que deve caber a cada um dos sócios, para pagá-los e extinguir a comunidade.[3]
Correto é o entendimento de que os atos e omissões, a que se refere a legislação (art. 134), são relativos à venda dos bens e direitos da sociedade, para o pagamento das dívidas. A responsabilidade surge pela inobservância de critérios lícitos de realização do ativo e o resgate das dívidas fiscais, ou seja, a distribuição dos bens em favor dos sócios ou de credores em detrimento da fazenda pública. Se o ativo não for suficiente para a satisfação das dívidas fiscais, mas, concomitantemente, for observada a preferência dos créditos tributários, não é possível responsabilizar subsidiariamente os sócios, há licitude em tal procedimento e ausência de culpa.
A regra é imprecisa ao prever a responsabilidade solidária entre o contribuinte e terceiros. Se ao terceiro cabe o cumprimento da obrigação apenas quando não adimplida pelo contribuinte, não é caso de solidariedade, porém de responsabilidade subsidiária. A solidariedade existe apenas entre os responsáveis.
Como visto, a norma condiciona a responsabilidade dos sócios a dois requisitos: à impossibilidade do cumprimento da obrigação principal e à prática de atos comissivos e omissivos de deveres previstos em leis fiscais, nos casos de liquidação de sociedades. Se dos atos praticados ou das omissões perpetradas resultar na impossibilidade do pagamento dos tributos, pagarão subsidiariamente esses e as multas de caráter moratório.
Para Aliomar Baleeiro, não se aplica o art. 134 do CTN nas sociedades limitadas. “Sociedades de pessoas, no art. 134 do CTN, são as em nome coletivo e outras, que não se enquadram nas categorias de sociedades anônimas ou por quotas de responsabilidade limitada”.[4] Não há inovação em relação às leis comerciais, pois estas já previam responsabilidade pessoal e solidária pelos débitos sociais. Segundo este autor, os sócios das sociedades por cotas de responsabilidade limitada não são obrigados, pessoalmente, ao pagamento dos tributos, pois que essas são sociedades de capital.
Outros autores, como Sacha Calmon Navarro Coelho, seguem a mesma orientação de Baleeiro, quanto o caráter não pessoal das sociedades por cotas limitadas, devendo-se aplicar o art. 134 no seguinte caso:
Uma sociedade de pessoas – onde o que importa é a idoneidade dos sócios, e não o capital social - entra em liquidação, sendo que os ativos não são suficientes para pagar os credores. Os sócios ficam responsáveis pelos débitos, inclusive fiscais, contraídos pela sociedade (são sociedades de capital as sociedades anônimas e as sociedades por cotas de responsabilidade limitada, em que os sócios só respondem com o montante de suas cotas e ações)”.[5] Grifou-se.
O professor Marçal Justen Filho[6] critica o Inciso VII do artigo 134 do CTN, alegando inconstitucionalidade. Para ele, o direito positivo deu menos ao fisco do que deveria dar, violando a isonomia entre o fisco e o sujeito passivo, porquanto a responsabilidade subsidiária dos sócios ocorre apenas em caso de liquidação irregular da sociedade. O autor defende que a responsabilidade deveria ser também nos casos de liquidação regular.
Se o ativo da sociedade for insuficiente para cobrir seus débitos, os sócios serão obrigados a pagar a diferença. Isso se passa na sociedade em nome coletivo (relativamente a todos os sócios), na sociedade em comandita simples (relativamente aos sócios comanditados) e na sociedade de capital e indústria (relativamente aos sócios capitalistas).[7]
Para Kiyoshi Harada[8], apesar de a doutrina não concordar com as decisões judiciais, a jurisprudência admite a responsabilização de todos os sócios no caso de dissolução irregular da sociedade. Conclui que a responsabilização dos sócios é condicionada à impossibilidade de o contribuinte satisfazer a obrigação principal e a vinculação indireta, através de atos ou omissões, com a situação que compõe o fato gerador da obrigação tributária. Não se pode empregar o art. 134, inciso VII, sem a observância de tais requisitos. Assegura ainda que:
Por conta dessa interpretação equivocada, a jurisprudência já construiu, de forma quase irreversível, a teoria da responsabilidade de todos sócios na hipótese de cessação da atividade do contribuinte sem arquivamento do distrato na Junta Comercial, o que caracterizaria dissolução irregular da sociedade, adjetivação esta, aliás, desnecessária ao teor do dispositivo sob comento, que não distingue liquidação regular da irregular.[9]
Enquanto o art. 134 do CTN regula a responsabilidade nos casos de liquidação de sociedade, o art. 135 do CTN alberga as demais situações.
É tratado por uma corrente doutrinária como instituto da substituição tributária. Outros defendem ser caso de responsabilidade tributária.
Marçal Justen Filho[10] assinala que não se trata de substituição ou responsabilidade, mas apenas de regra sobre a figura do destinatário legal tributário. “Trata-se de norma que incide não sobre a determinação subjetiva do mandamento, mas sobre o aspecto pessoal da hipótese de incidência”.[11] Afirma, ainda, o envolvimento de assunto de representação (do direito privado). Ao se verificar a ocorrência no mundo fático a hipótese de incidência, em função de conduta ilícita, abusiva, dolosa ou culposa de um representante, vai se identificar, no aspecto pessoal, não o representado, mas o próprio representante. Com isso, o fato imponível é atribuído única e exclusivamente ao representante. “O resultado é, então, a definição de quem é o sujeito da conduta que corresponde ao núcleo da hipótese de incidência. Essa pessoa assumirá a posição de sujeito passivo por decorrência de ter sido considerado o único destinatário legal tributário”.[12] Desse modo, o representante não é nem substituto nem responsável, mas o próprio contribuinte.
Nos termos do art. 135 do CTN, estabelece-se a responsabilidade pessoal dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.
Kiyoshi Harada alerta para a necessidade de verificação da culpa dos representantes da pessoa jurídica, pois “o dispositivo não cuida de responsabilidade objetiva, aliás, restrita ao Poder Público em geral e às empresas concessionárias (§ 6º do art. 37 da CF). O nosso sistema jurídico não agasalha a teoria da responsabilidade sem culpa subjetiva, pelo que algumas disposições esparsas, em sentido contrário, são, na verdade, ineficazes”.[13] Este autor admite que o não pagamento do tributo é infração de lei, todavia é irrelevante para responsabilizar pessoalmente o gerente. Acrescenta, ainda, que grande parte da doutrina não aceita a premissa de que o não recolhimento de tributo basta para caracterizar infração à lei e a responsabilidade pessoal dos gerentes, diretores, administradores e representantes da pessoa jurídica.
Para Sacha Calmon Navarro Coelho[14], a responsabilidade pelos atos com excesso de poderes ou infração da lei (art. 135) não é objetiva e sim subjetiva, onde o dolo é elementar. O não-recolhimento do tributo é infração de lei, pois é um descumprimento de dever imposto por lei. Acrescenta, ainda, que o dolo e a má fé devem ser provados. Quando ocorrer apenas culpa, a análise deve ser em relação ao art. 134 do Código, nos atos em que intervierem e pelas omissões em que forem responsáveis. Ocorrendo a infração dolosa a responsabilidade do referido artigo se transfere inteiramente para os terceiros, sendo pessoal plena e exclusiva, liberando o representado.
Misabel Derzi[15] refere-se ao art. 135 como de responsabilidade por substituição, ficando apenas o responsável no polo passivo no lugar do próprio contribuinte. Havendo ilicitude dolosa o terceiro vai responder da forma do art. 135. A responsabilidade de terceiros, para fins do art. 134, é espécie de sanção por ato ilícito, supondo apenas a culpa no cumprimento dos deveres, em relação aos atos em que intervier ou em relação às omissões perpetradas. Acrescenta, ainda que o art. 134 não traz nenhuma modificação em relação às leis comerciais, onde os sócios já são obrigados solidariamente e pessoalmente pelos débitos sociais. A ausência de recolhimento de tributo não configura ilícito para fins do art. 135, mas apenas em relação ao art. 134. As hipóteses do art. 135 supõem a prática de atos com excesso de poderes, ou infração de lei, contrato social ou estatuto. Para a autora, o terceiro age contra os interesses do contribuinte, violando não a lei tributária, mas a comercial e a civil. O ato ilícito é prévio ou concomitante ao surgimento da obrigação e não posterior como acontece com o não pagamento do tributo (art. 134), justificando a parte da norma que menciona “obrigações resultantes de atos praticados com excesso de poderes, infração de lei, contrato social ou estatuto”.
Hugo de Brito Machado[16] afirma que os sócios, no caso de liquidação da sociedade, são responsáveis subsidiários, desde que tenham participado do ato que configure o fato gerador do tributo ou tenham se omitido em relação a ele. “É preciso que exista uma relação entre a obrigação tributária e o comportamento daquele a quem a lei atribui a responsabilidade”.[17] Destaca que, nos termos do art. 135, existirá responsabilidade pelos créditos tributários, das pessoas lá enumeradas, originados de obrigações tributárias desde que surgidas pela prática de atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos. Deve-se ressaltar sua posição contrária à maioria da doutrina, ao afirmar que as pessoas relacionadas no art. 135 são pessoalmente responsáveis, mas não os únicos e que a exclusão do contribuinte do pólo passivo deveria ser expressa.
A responsabilidade do contribuinte decorre de sua condição de sujeito passivo direto da relação obrigacional tributária, independe de disposição legal que expressamente a estabeleça. Assim, em se tratando de responsabilidade inerente à própria condição de contribuinte, não é razoável admitir-se que desapareça sem que a lei o diga expressamente.[18]
Como visto, parte significativa dos doutrinadores discorda quanto à responsabilidade objetiva dos sócios, gerentes e demais pessoas relacionadas no art. 135 do CTN.
CONSIDERAÇÕES QUANTO À RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DOS SÓCIOS SOB A ÓTICA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Analisando-se a jurisprudência majoritária do Superior Tribunal de Justiça (STJ), pode-se extrair que a responsabilização patrimonial dos diretores, gerentes ou representantes pelos débitos das sociedades limitadas tem caráter de exceção (STJ AgR-AREesp 42.985).
Somente é possível atingir os bens pessoais dos sócios na hipótese de a Fazenda Pública demonstrar que estes agiram com excesso de poder ou de infração a lei, contrato social ou estatuto (STJ AgR-AREsp 128.924). O simples inadimplemento da obrigação tributária, por si só, não caracteriza infração legal para fins de responsabilização do administrador, necessário se faz comprovar que este agiu com excesso de poder ou de infração à lei (STJ Resp 1.101.728). Ademais, o avanço sobre os bens pessoais apenas é viável quando verificada a existência de dolo do administrador (STJ AgR-AREsp 172.623).
Para a jurisprudência dominante, igualmente é possível alcançar os bens pessoais dos administradores nos casos de dissolução irregular da sociedade (STJ AgR-Resp 1.368.205), atribuindo-se aos responsáveis pela dissolução a prova da regularidade do encerramento da empresa. Há, como visto, inversão do ônus da prova. Nesse caso, a responsabilização é do sócio ou administrador que administrava a empresa na época do encerramento das atividades, uma vez que a circunstância fática que implicou em infração legal foi a de paralisar as atividades, fechando as portas do estabelecimento e abandonando as instalações sem observar as normas legais para liquidação da sociedade.
O enunciado da Súmula nº 435 do STJ, que autoriza o redirecionamento da execução fiscal, por presumir dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal sem as devidas comunicações aos órgãos competentes, não alcança os ex-sócios que já não constavam no quadro social à época da dissolução, salvo se comprovada sua responsabilidade, consoante artigo 135 do CTN (STJ REsp 824.503).
Conforme anteriormente anunciado, o objetivo deste trabalho não é alcançar uma conclusão definitiva dos tópicos envolvidos, mas sim demonstrar a divergência em torno do tema, trazendo, resumidamente, as considerações pessoais a que se chegou após o estudo sobre a Responsabilidade tributária nas Sociedades Limitadas.
Nas sociedades limitadas, a responsabilidade dos sócios é limitada ao montante do capital social. Cada sócio responde pela sua parte. Uma vez integralizadas as quotas, os bens particulares não respondem pelas dívidas sociais.
Não se aplica o princípio da separação patrimonial quando os sócios deliberarem contra o contrato social ou à lei. Da mesma forma, o sócio gerente responderá pessoalmente perante terceiros e perante a sociedade quando agir com excesso de mandato ou contrário à lei ou ao contrato social.
A sociedade de responsabilidade limitada pode ter natureza de pessoa ou de capital, cabe aos sócios defini-la, através das cláusulas no contrato social. Em casos de omissão, prevalece a natureza pessoal.
A excepcionalidade em responsabilizar os sócios administradores quanto aos débitos tributários está prevista nos arts. 134 e 135 do CTN.
O legislador foi impreciso ao utilizar o instituto da solidariedade, pois se os sócios vão responder apenas no caso da impossibilidade do cumprimento pelo contribuinte, a responsabilidade é subsidiária. A solidariedade é aplicável apenas entre os responsáveis.
A responsabilidade tributária dos sócios, prevista no art. 134, VII do CTN, ocorre por ocasião da liquidação da sociedade e quando houver a prática culposa de atos ou omissões por parte de seus integrantes. A solidariedade prevista no caput não se refere à responsabilidade entre o contribuinte e terceiros, mas apenas entre os responsáveis.
O caput do artigo 134, juntamente com o inciso VII, atribui responsabilidade aos sócios apenas por ocasião da liquidação da sociedade.
A dissolução irregular da sociedade pressupõe a liquidação irregular, acarretando a responsabilidade de todos os sócios (art. 134 do CTN).
Se a liquidação for efetuada diretamente pelos sócios, a estes cabem a responsabilidade pessoal, quando observada a prática culposa de atos ou omissões contrárias à lei. Essa observação é igualmente aplicada quando a liquidação for efetuada por pessoa estranha à sociedade.
A responsabilidade pessoal prevista no artigo 134, VII, não incide apenas aos gerentes. Aplica-se a todos os quotistas que de alguma maneira se omitiram ou praticaram algum ato culposo.
Conforme entendimento de Marçal Justen filho, “não se confundem, então, as regras dos arts. 134 e 135. É que esse último incide sobre o momento da concretização do fato imponível, enquanto aquele dispõe sobre o momento do adimplemento da prestação tributária”. A responsabilidade, para fins do art. 134 é originária de obrigações já nascidas e não pagas, resultantes de atos normais no exercício da atividade empresarial.
A responsabilidade tributária dos sócios independe de já ter sido integralizado o capital social. O entendimento de que, uma vez integralizadas todas as quotas, não pode compelir o sócio a qualquer outra prestação suplementar, não se aplica às questões tributárias.
A incidência da norma prevista no art. 135 do CTN é condicionada ao nascimento do fato jurídico tributário decorrente de ato da administração praticado com excesso de poder ou infração da lei ou contrato social.
O artigo 135 do CTN, por sua vez, prescreve a responsabilidade pessoal das pessoas indicadas pelos créditos originados de obrigações procedentes de atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto. Não se trata apenas do não pagamento de tributos. É o não recolhimento dos tributos desde que estes sejam originados de atos contrários à lei e ao contrato social. Nesse caso, é importante saber a origem da obrigação. Se o crédito tributário corresponde à obrigação com origem em atos regulares não se aplica à responsabilidade do art. 135. A responsabilidade pelos débitos fiscais da sociedade se define caso haja vinculação entre o fato gerador e o ato de administração praticado com excesso de poder, ou infração da lei e do contrato social. Somente a partir dessa observação é que poderá ser atribuída a responsabilidade pessoal aos sócios, sócios-gerentes, enfim, as pessoas relacionadas nos incisos I a III. É importante salientar que as irregularidades apontadas devem ser provadas para resultar em responsabilidade pessoal. Sem isso não se pode deslocar a sujeição passiva do contribuinte ao responsável.
A dissolução irregular da sociedade impõe a responsabilização dos sócios pelos débitos fiscais. Parte da jurisprudência indica a aplicação do art. 135, III, por ser infração de lei. Não resta dúvida quanto à ilegalidade de tal comportamento. Todavia, o dispositivo não é o mais correto. A dissolução irregular resulta na liquidação irregular da sociedade, ou seja, a realização do ativo em prejuízo da Fazenda Pública. Nesse caso, a responsabilidade é apurada pela aplicação do disposto no art. 134 do CTN.
Há divergências doutrinárias quanto à natureza jurídica da responsabilidade prevista no art. 135. Para a maioria, trata-se de responsabilidade por substituição, excluindo o contribuinte do polo passivo. Outros defendem que não há previsão legal para exonerar o contribuinte. Há os que defendem não ser caso de responsabilidade, mas de sujeição passiva direta.
BIBLIOGRAFIA
ALMEIDA, Amador Paes de. Execução de bens dos sócios: obrigações mercantis, tributárias, trabalhistas: da desconsideração da personalidade jurídica (doutrina e jurisprudência). Saraiva, 2000.
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária, 5ª edição, 6ª tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 1997.
BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11ª ed. atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
BITTAR FILHO, CARLOS ALBERTO. A responsabilização tributária dos sócios na hipótese de falência da sociedade. RT – 757/98.
BITTAR FILHO, Carlos Alberto. A responsabilização tributária dos sócios como instrumento da efetividade da execução fiscal. Instituto de Pesquisas Jurídicas Bonijuris nº 404/2000.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 1991.
CARRAZA, Antônio Roque. Curso de Direito Constitucional Tributário, 9ª edição, São Paulo, Malheiros Editores, 1997.
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 10ª edição. São Paulo: Saraiva, 1999.
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 1995.
FISCHER, Octavio Campos. A contribuição ao PIS. São Paulo: Dialética, 1999.
FRIGERI, Márcia Regina. A responsabilidade dos sócios e administradores, e a desconsideração da pessoa jurídica. RT-739/97.
HARADA, Kiyoshi. Repertório IOB de Jurisprudência – nº 15/2000.
HUBERT, Beno Frederico. Desconsideração da pessoa jurídica nos tribunais. JM Editora, 1999.
JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro. Editora Revista dos Tribunais, 1987.
JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição passiva tributária, Belém: Ed. Cejup, 1986.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, 11ª edição, São Paulo, Malheiros Editores, 1996.
MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial,22ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
MARTINS, Ives Gandra da Silva (coordenador). Responsabilidade tributária. São Paulo: Editora Resenha Tributária, 1990.
MEIRELES, Edilton. Legitimidade passiva do sócio na execução judicial. GENISIS, julho/setembro de 1998.
MELO, José Eduardo Soares de. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 1997.
MELO, José Eduardo Soares de. ICMS teoria e prática. São Paulo: Dialética, 2000.
COELHO, Sacha Calmon Navarro; NASCIMENTO, Carlos Valder do. (coordenador); MARTINS,Ives Gandra da Silva. [et al.]. Comentários ao código tributário nacional: (Lei nº 5.172, de 25.10.66), Rio de Janeiro: Forense, 1997.
PACHECO, José da Silva. Comentários à lei fiscal de execução fiscal. São Paulo: Saraiva, 1996.
QUEIROZ, Luís Cesar Souza de. Sujeição passiva tributária. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
QUEIROZ, Luiz Cesar Souza de. Sujeição passiva tributária. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Curso de Direito Empresarial, o Novo Regime Jurídico-Empresarial Brasileiro. Salvador: Edições JusPOSIVM , 2008.
REQUIÃO, Requião. Curso de direito comercial, 18ª edição, São Paulo: Saraiva, 1988.
SILVA, Alexandre Couto. Aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro. LTr, 1999.
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, Rio de Janeiro: Forense, 1987.
SILVA, Francisco Gomes da. Monografia: Responsabilidade dos sócios nas obrigações tributárias das sociedades por quotas de responsabilidade limitada. (art. 135, III, do CTN). Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Cascavel. Cascavel 2000.
[1] REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial, p. 356.
[3] SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, volume III e IV, p. 96.
[4] BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro, p. 753.
[5] COELHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários ao código tributário nacional, p. 318.
[6] JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição passiva tributária, p. 312-313.
[7] JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição passiva tributária, p. 312.
[8] HARADA, Kiyoshi. Repertório IOB de jurisprudência – nº 15/2000, p. 397.
[9] HARADA, Idem ibidem.
[10] JUSTEN FILHO, Marçal. Idem, Ibidem.
[11] Idem, Ibidem, p. 315.
[12] JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição passiva tributária, p. 316.
[13] HARADA, Kiyoshi. Repertório IOB de jurisprudência - nº 15/2000, p. 395.
[14] COELHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários ao Código Tributário Nacional: Lei nº 5.172 de 25.10.1966, p. 317-323.
[15] DERZI, Misabel. Direito tributário brasileiro, p. 753-757.
[16] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, p. 109-113.
[17] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, p. 109.
[18] Idem, Ibidem, p. 113.
Procurador da Fazenda Nacional.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FACHINELLO, Jackson Paulo. Responsabilidade tributária dos sócios nas sociedades de responsabilidade limitada Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 abr 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44135/responsabilidade-tributaria-dos-socios-nas-sociedades-de-responsabilidade-limitada. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Precisa estar logado para fazer comentários.