RESUMO: O presente artigo é fruto de pesquisas realizadas no primeiro semestre de 2014 na Faculdade de Direito Clássica de Lisboa - Universidade de Lisboa. Objetiva discorrer sobre os diversos modos de resolução pacífica de conflitos internacionais, em virtude da importância prática desses institutos, como meios legítimos a proporcionar uma solução pacífica de controvérsias entre Estados soberanos. Intenta também funcionar como resgate histórico das importantes intervenções brasileiras no cenário internacional da resolução pacífica de conflitos no século XIX.
Palavras-chave: Conflitos internacionais, Resolução Pacífica, Brasil
SUMÁRIO: Introdução. 1. Os Conflitos Internacionais. 2. As Conferências de Haia -1899 e 1907 (Antecedentes Históricos). 3. Os Métodos de Resolução Pacífica de Controvérsias Internacionais. 3.1 Negociações Diplomáticas. 3.2 Bons Ofícios. 3.3. Mediação. 3.4 Conciliação. 4. As Arbitragens Internacionais. 4.1 A Designação dos Árbitros. 4.2 O Compromisso Arbitral. 4.3 A Sentença ou Laudo Arbitral. 5. A Experiência Brasileira na Resolução de Conflitos Internacionais no Século XIX. 6. Conclusão.
INTRODUÇ?O:
O Direito Internacional, como se sabe, tem como foco promover a cooperação e a boa relação entre os diversos Estados, tendo na paz seu desiderato último, como o próprio nome esclarece, os métodos de resolução pacífica de conflitos, objetivam dirimir os conflitos internacionais, sem necessidade de se recorrer a guerras ou outras situações em que se faça uso da força.
Apresentaremos nesse artigo, o que é um conflito internacional, quais seus elementos, como se caracteriza e quais os métodos de resolução. Partiremos das Conferências de Haia e chegaremos até os contornos dos institutos na contemporaneidade.
Será realizado também um resgate histórico da participação brasileira nas grandes arbitragens do século XIX e o importante papel que o jurista Rui Barbosa teve na segunda conferência de Haia.
1. OS CONFLITOS INTERNACIONAIS
Podemos dizer que um conflito internacional é qualquer tipo de desacordo entre dois ou mais países, que evidencia diferentes percepções sobre determinado tema. Na lição do professor Francisco Rezek, conflito ou litígio internacional é todo desacordo sobre certo ponto de direito ou de fato, toda contradição ou oposição de teses jurídicas ou interesses entre dois Estados[1].
Os conflitos internacionais geralmente iniciam-se no campo diplomático, em virtude de oposições políticas, econômicas ou sociais, tratando-se de um desacordo quanto a questões que envolvam dois ou mais países, fronteiriços ou não. Poderá ter início também, quando existir interpretações diversas de pactos internacionais firmados entre Estados soberanos.
Os conflitos armados geram altos custos políticos, sociais e humanos, devendo-se então sempre que possível evitá-los. São justamente nesses momentos de tensão que o Direito Internacional desempenha um dos seus mais importantes papéis.
É uma constatação óbvia que os conflitos poderão conduzir a uma situação de beligerância, a depender dos interesses que estão em causa, no entanto, é preciso salientar que uma guerra possui alto custo humano e social, desestabilizando as relações internacionais. Por isso, há inúmeras vantagens em resolver-se um conflito de forma pacífica, reduzindo-se as perdas humanas e garantindo a paz.
Ainda no que concerne aos conflitos internacionais, podemos elencar três principais tipos de conflitos[2]. Os de ordem diplomática, que envolvem em alguma medida, questões territoriais e também diferentes concepções a cerca do Direito Internacional. Os conflitos de ordem econômica, que envolvem as relações comerciais entre dois ou mais países. Por último, conflitos de âmbito de segurança, dilemas que envolvem a garantia da paz e da tranquilidade dos residentes em determinados regiões
As divergências internacionais possuem duas faces, quais sejam, objetiva e subjetiva. O elemento objetivo, é a própria oposição de teses jurídicas, ou seja, o conflito em si. Por sua vez o elemento subjetivo são as partes que divergem em relação a algum tema, os Estados. O terceiro elemento é de natureza formal, consiste na demonstração da oposição, é a exteriorização da existência do conflito. Então, para que se caracterize um conflito internacional, é necessário que um dos sujeitos internacionais envolvidos, formalize no plano internacional sua decisão de contrapor-se oficialmente ao outro sujeito.
Podemos assinalar, que é possível coexistir relações diplomáticas e conflitos internacionais já exteriorizados, pelo menos em princípio. Quando dessa forma for, caracteriza-se uma demonstração de boa vontade entre os litigantes para uma resolução pacífica, dentro do próprio sistema jurídico internacional.
É importante mencionar, que a existência do conflito não é suficiente para a exclusão das vias diplomáticas, ao contrário, é nesse momento que a diplomacia se faz mais importante e presente, buscando-se sempre evitar que o conflito evolua e torne-se uma guerra.
2. AS CONFERÊNCIAS DE HAIA - 1899 e 1907
As conferências de Haia de 1899 e 1907, marcam um ponto de inflexão na história e no Direito Internacional, tanto pela universalização do Direito Internacional, deixando de ser um direito dividido entre América e Europa, como pela busca do diálogo internacional e da paz.
Foi marcante a presença de Estados não europeus na conferência, demonstrando assim a abertura para discussão de temas imprescindíveis ao Direito Internacional. A dinâmica anterior as conferências era especialmente regional, Direito Internacional Europeu, Americano, Oriental, não existia um diálogo aberto entre todas as nações.
É justamente nesse momento que a discussão dos métodos de resolução pacífica de conflitos internacionais ganham destaque único, na busca que se segue até os dias hodiernos pela paz, pela convivência harmônica e respeitosa dos Estados a nível internacional. Nota-se também, com as conferências uma forte inclinação pela arbitragem como principal forma de resolução pacífica de conflitos internacionais.
Todo esse movimento por trás das Conferências de Haia é uma tentativa de impor a arbitragem como o método de resolução pacífica principal, criando nesses termos uma arbitragem necessária para todos os Estados signatários do tratado, o que ao final não foi concretizado. A inovação marcante ficou por conta da criação do Tribunal Permanente de Arbitragem que apesar de não constituir-se em um Tribunal físico, representou um novo alvorecer no Direito Internacional.
Nesse momento se faz necessário abrir um parêntese para falarmos um pouco da célebre participação e contribuição do grande jurista brasileiro Rui Barbosa, na segunda conferência de Haia. O ministro das Relações Exteriores brasileiro Barão do Rio Branco, indicou o jurista baiano Rui Barbosa para representar o Brasil nos trabalhos relativos a segunda conferência de paz. O que o Barão do Rio Branco não esperava era que o Brasil com sua pequena expressão na época, frente a grandes potências mundiais, iria ser alçado ao plano principal, a partir da significativa participação do representante brasileiro.
Sua principal ideia e legado, que lhe renderam a alcunha de Águia de Haia, foi a defesa das nações exploradas a partir da consagração absoluta do princípio da igualdade entre os Estados soberanos[3]. Rui Barbosa foi um árduo defensor da resolução pacífica dos conflitos, guardava especial predileção pela arbitragem e sobretudo, defendeu a organização da justiça arbitral.
Barbosa defendeu a criação de um Tribunal permanente de arbitragem, caso contrário seriam apenas tribunais efêmeros, acidentais e de ocasião, que não conseguiriam cumprir seus fins em tempos turbulentos. Outra importante opinião do grande jurista brasileiro, foi relativa a composição do tribunal, defendendo que deveria ser paritária entre todos os Estados.
Usou de seu diferenciado poder de argumentação para defender os Estados menores, afirmando que caso a proposta de composição do tribunal pensada pelas potências europeias, saísse vitoriosa seria uma clara subjugação dos fortes em face dos mais fracos. Apesar de muitas de suas proposições não terem sido aproveitadas, trouxe-as ao debate e plantou a semente da discussão. Contribuindo para que esses e outros temas fossem discutidos e aperfeiçoados.
3. OS MÉTODOS DE RESOLUÇ?O PACÍFICA DE CONTROVÉRSIAS
3.1 - Negociações Diplomáticas
A primeira forma e também a mais comum de resolução pacífica de conflitos que vamos abordar são as negociações diplomáticas. A negociação é sempre a primeira forma de resolução de conflitos a ser intentada, pois é a mais polivalente e poderá ocorrer simultaneamente a outras modalidades de resolução pacífica.
O que torna a negociação peculiar, é que sua decisão deverá passar pelo crivo das partes e é baseada no consenso. Enquanto na arbitragem a decisão poderá contrariar a vontade de uma das partes, na negociação a resolução é aceita por ambas.
As negociações podem ser bilaterais, entre os dois sujeitos de direito internacional conflitantes, ou, multilaterais, quando tiver o envolvimento de vários sujeitos de direito internacional. Poderá ser consumada através de embaixadores ou negociadores extraordinários, que buscarão o consenso e um meio termo entre as pretensões dos Estados conflitantes.
Os resultados possíveis numa negociação diplomática são, desistência, aquiescência e transação. Na desistência, um dos Estados irá renunciar o direito que pretendia. Na aquiescência, uma das partes irá reconhecer o direito que a outra parte detém. Já a transação, o que na prática mais acontece, são concessões recíprocas as quais as partes se submetem, visando a resolução do conflito.
As negociações dependem da intenção das partes litigantes, o que as torna pouco eficaz. Assim, caso um dos Estados conflitantes não deseje negocias, por óbvio, esse método restará prejudicado. Em nossa visão, a maior desvantagem das negociações diplomáticas, consiste na desvantagem que os Estados menores suportam em face dos Estados maiores, com maior poder de barganha.
3.2 - Bons Ofícios
Os chamados bons ofícios se caracterizam pelo entendimento entre as partes envolvidas em um conflito, através da ação amistosa de um terceiro, mediante sponte própria (vontade própria). Esse terceiro pode ser representado pelo chefe de Estado ou de Governo, que é chamado também de prestador de bons ofícios.
Nessa modalidade, o prestador de bons ofícios limita-se a aproximar as partes, proporcionando um campo neutro para as negociações. Assim sendo, nem o oferecimento de bons ofícios e nem a sua recusa devem ser considerados um ato inamistoso. É importante mencionar que nos bons ofícios não existe uma vinculação das partes a atuação do prestador, como afirmam os professores Accioly, Casella e Nascimento[4].
Em relação a experiência brasileira, podemos citar a questão da Ilha Trindade na qual Portugal foi o Estado terceiro prestador de bons ofícios no conflito entre o Brasil e a Grã-Bretanha. O conflito girou em torno da ocupação da mencionada Ilha por Ingleses, afetando de forma direta a soberania brasileira. Nesse episódio, a Grã-Bretanha teria interesse estratégico na ilha, no entanto com a entrada de Portugal como prestador de bons ofícios o conflito foi resolvido e os sinais de ocupação inglesa na ilha foram removidos. O Brasil também já foi prestador de bons ofícios, conseguindo que em 1930 o Peru e o Uruguai reatassem as relações diplomáticas.
Como exemplo mais recente podemos trazer a baila a ação dos Estados Unidos da América no governo Carter, promovendo a aproximação entre Egito e Israel. Essa série de negociações resultou ulteriormente com a celebração do acordo de Camp David.
3.3 - Mediação
No instituto da mediação existe certa aproximação com os bons ofícios, pelo fato de existir um terceiro na relação, mas estes dois institutos não se confundem. Na mediação o mediador possui uma posição mais atuante e não meramente instrumental, como nos bons ofícios. Visto que nos casos de mediação os Estados que geralmente procuram auxílio de terceiro para resolver seu conflito. Poderá em relação ao número de Estados que a exercem, ser individual ou coletiva.
Poderá ainda classificar-se em facultativa e obrigatória. O mais comum é que seja facultativa, entretanto, algumas convenções internacionais como o Ato Geral de Berlim, proíbem a guerra antes do recurso à mediação, demonstrando assim a obrigatoriedade nesses casos.
Dessa forma, o mediador não restringe sua atuação a propor uma hipótese de negociação, propõe na verdade a base de um acordo. Residindo nesse ponto a principal diferença entre mediação e bons ofícios, já que o mediador participa ativa e regularmente nas negociações, indo além do prestador de bons ofícios.
O Brasil já participou de diversas mediações, tanto como mediador quanto como parte do conflito. A título exemplificativo, podemos citar a mediação da Inglaterra no conflito entre Portugal e Brasil, que culminou com o reconhecimento da independência brasileira, ficando conhecido como Tratado de Paz e Amizade. Em outra posição e em tempo mais recente, temos o Brasil como um dos mediadores do conflito que envolveu Bolívia e Paraguai, na Guerra do Chaco.
3.4 - Conciliação
A conciliação é outro meio pacífico de resolução de conflitos, é uma variação da mediação que se apresenta de forma mais complexa, possuindo um maior aparato formal. A grande diferença da mediação é que a conciliação é exercida de modo coletivo, não há um conciliador, mas uma comissão de conciliação.
A finalidade dessa comissão é análise do conflito e a apresentação de uma solução ao litígio. De certo modo, podemos dizer que a conciliação é uma mediação institucionalizada, sujeita a regras de procedimento.
A comissão de conciliação poderá analisar questões de fato e de direito, apresentando um relatório ao final. Durante as apurações da comissão os Estados conflitantes estarão impedidos de recorrerem a guerra. Apesar de possuir um número maior de regras a decisão da comissão não é obrigatória.
Poderá resultar a conciliação, tanto de um acordo pré-estabelecido como também ser ad-hoc entre as partes envolvidas na disputa. Ao longo da história, podemos constatar o uso desse meio de resolução de conflito diversas vezes, como no caso dos soldados poloneses e a comissão Franco-Suiça. A comissão Belgo-dinamarquesa sobre os navios Gorm e Svava.
Por fim, é digno de nota, que todas essas nuances entre a mediação, conciliação e os bons ofícios, possuem um caráter doutrinário. Na prática, esses procedimentos se coadunam e complementam-se entre si, de forma a buscar a resolução do conflito. Como esclarecido linhas acima, muitas vezes são usados mais de um dos métodos pacíficos, na tentativa de resolver os conflitos emergentes das relações entre os Estados.
4 - AS ARBITRAGENS INTERNACIONAIS
Em virtude da grande importância do presente instituto, o apartamos em tópico próprio, com a única finalidade didática, principalmente pela maior complexidade que o instituto em si exige.
A arbitragem pode ser definida como um dos modos pacíficos possíveis para a resolução de conflitos internacionais, por meio de árbitros escolhidos pelas partes em litígio, cuja decisão irá obrigar as partes e acabar o conflito de forma peremptória.
Sempre em que se fala em arbitragem internacional, o primeiro pensamento ao qual se remete é a vinculação das partes, pois é a grande diferença existente entre a arbitragem e os outros métodos de resolução. A decisão arbitral é obrigatória, ou seja, vincula as partes que se submeteram a arbitragem.
Em linhas gerais, a arbitragem se diferencia em relação as outras técnicas passivas de resolução de conflitos internacionais em função da já mencionada obrigatoriedade da decisão proferida pelo árbitro. Tem relevo também a diferença entre a arbitragem e os meios judicias de solução das controvérsias internacionais, nesse caso, a diferença consiste na falta de jurisdição permanente do tribunal arbitral.
As Cortes Judiciais Internacionais possuem uma composição fixa de juízes para a resolução das controvérsias entre Estados, o que não acontece na arbitragem, cuja a formação do Tribunal Arbitral é específica para um determinado caso concreto. Então, podemos dizer que a arbitragem é um mecanismo jurisdicional não judiciário de solução de controvérsias. Apesar das diferenças é nítida a influência das Conferências de Haia para a formatação atual do Tribunal Internacional de Justiça, movimento que iniciou com o Tribunal Permanente de Arbitragem.
Nestes termos, a arbitragem internacional baseia-se na criação de um tribunal composto por árbitros de variados Estados, selecionados pelos Estados conflitantes por seu notório conhecimento a cerca da matéria em disputa. É baseada no respeito ao Direito Internacional, será estabelecida por um instrumento chamado de compromisso arbitral, onde as partes irão entabular as regras a serem seguidas e a expressa aceitação da decisão que vier a ser tomada. Tendo sustentação no consentimento das partes que por vontade própria decidem procurar essa via de resolução, sendo normalmente composto por três árbitros, impossibilitando empate na hora de decidir.
No que tange ao compromisso arbitral, será ele que estabelecerá o procedimento arbitral a ser seguido, será nele também onde os árbitros serão designados, com seus poderes respectivos; como também a obrigação dos Estados envolvidos em cumprir o que vier a ser decidido. Consistindo o compromisso arbitral um verdadeiro tratado internacional.
4.1 - A Designação dos Árbitros
A escolha dos árbitros deve ficar ao livre critério das partes, no entanto, nada impede que as partes escolham terceiros, que por sua vez escolherão os árbitros. Assim, por exemplo, nada impede que que as partes escolham uma associação ou comitê científico (terceiros) para que este por sua vez escolham os árbitros que atuarão no caso.
Como dito anteriormente, as atribuições e os poderes inerentes aos árbitros constarão de forma expressa no compromisso arbitral, que os Estados constituíram para nortear suas atividades. Ainda relativamente a figura do árbitro, criou-se o hábito de no passado, indicar chefes de Estados, Soberanos ou Presidentes da República, no entanto, essa tese nunca foi unanimidade, pois alguns pensadores acreditavam que a melhor indicação seria a técnica.
Nessa discussão, a simpatia pela escolha de juristas é pelo fato de que os chefes de Estados, Soberanos e Presidentes, desempenham papel de relevo em seus países o que restaria pouco tempo para cuidar de fato das arbitragens em que seriam árbitros. Saliente-se que essa discussão já foi ultrapassada, sendo pacífico que o papel arbitral deve ser exercido por quem detenha notório saber na área do conflito.
Em relação aos poderes dos árbitros, podemos afirmar que é vedada a extrapolação de competência, não poderá haver uma interpretação extensiva do compromisso arbitral em prejuízo as partes, bem como do Direito em vigor no momento. Caso o árbitro se exceda no exercício de suas funções, a sentença por ele proferida, carecerá de validade, competindo as partes rechaça-la.
Questão que suscita dúvidas é a relativa a questão temporal, ou seja, até quando o árbitro permanecerá no pleno exercício de suas funções. Uma vez concretizado o julgamento arbitral, os árbitros serão imediatamente desligados de suas funções, cabendo agora as partes a obrigação de cumprirem fielmente aquilo que a sentença definiu.
4.2 - O Compromisso Arbitral
O compromisso arbitral é o documento que tem o papel de legitimar a arbitragem, geralmente vem veiculado sob a forma de cláusula arbitral em um tratado internacional. Nesses casos, a finalidade é dirimir os conflitos, dúvidas e litígios por ventura existentes em relação a interpretação desse tratado. A hipótese apresentada não extingue outras possibilidades, podendo assim vir expresso cuja a única função é a de estabelecer mecanismos pacíficos para a solução de controvérsias. Poderá ainda vir expresso em acordos bilaterais celebrados pelas partes com a finalidade de dirimir conflitos que elas mesmas não conseguiram solucionar por outros meios
A aposição da chamada cláusula arbitral num tratado tem por finalidade obrigar os seus Estados-partes a recorrerem à arbitragem na solução de suas pendências internacionais, quer para resolverem divergência relativa a interpretação do acordo, quer para criar meios mais céleres de se executar o compromisso firmado, quer ainda para deixar expresso que todos os litígios porventura existentes entre as partes deverão ser submetidos ao arbitramento.
Os Estados não estão obrigados a se submeterem a arbitragem, como falamos, a base desse instituto é o consentimento, no entanto o descumprimento ao compromisso arbitral é um sério atentado ao Direito Internacional. Logo, o descumprimento do compromisso significa o descumprimento de norma convencional obrigatória entre as partes. Daí que a esmagadora maioria das sentenças arbitrais são integralmente cumpridas.
O compromisso arbitral deve então conter de forma expressa, o objeto do litígio, o compromisso dos Estados em submeter-se a decisão, o método para escolha dos árbitros, as regras de procedimento e de direito que serão utilizadas. Sempre que subsistir quaisquer dúvidas relativas a arbitragem será o compromisso arbitral que irá clarear, todo o procedimento será pautado em seus ditames.
A competência para firmar um compromisso arbitral é atribuída pelo ordenamento jurídico interno de cada país, no caso brasileiro, essa competência é do poder executivo, através do Presidente da República. Embora seja de competência do poder executivo, a decisão pela arbitragem internacional estará sujeita a aprovação pelo Congresso Nacional, nos moldes procedimentais da celebração de tratados internacionais.
4.3 - A Sentença ou Laudo Arbitral
A sentença proferida pelo tribunal arbitral, também chamada de laudo, tem valor jurídico e deve ser fielmente cumprida pelos Estados em conflito. O laudo arbitral põe fim ao processo e resolve definitivamente a controvérsia, sendo o mesmo obrigatório e vinculante para as partes envolvidas no conflito. Devem cumprir todos os quesitos do compromisso arbitral, possuindo critérios formais, quais sejam, fundamentação, data, assinatura e publicidade. Cumpridos todos os requisitos, a sentença fará coisa julgada em relação ao objeto e as partes em litígio
É notório, que o correto cumprimento da sentença dependerá da boa-fé das partes envolvidas, sob pena de incorrerem num grave ilícito internacional. Nesses casos de incumprimento, o Estado desobediente será responsabilizado pelos prejuízos que fez sofrer o outro de boa-fé.
As sentenças arbitrais não admitem recurso, sendo consagrada a irrecorribilidade das mesmas, por isso possuem caráter definitivo e obrigatório. Esse fenômeno da irrecorribilidade não impede contudo, os chamados pedidos de interpretação, que constituem num direito das partes de ver clareado algum ponto obscuro da sentença, no entanto, esse instrumento não tem natureza recursal. Geralmente as obscuridades giram em torno de erros de cálculo, de grafia, que apesar de não mudarem o teor da decisão podem causar incerteza e atrapalhar seu cumprimento.
A Conferência de Haia 1899, previu que no compromisso arbitral, as partes poderão pedir a revisão da sentença. Nesse caso o próprio tribunal poderá rever a sentença, unicamente quando surgir um fato novo, aquele que surge após o fim da parte instrutória. A parte que alega o fato novo deverá provar que não tinha acesso anteriormente, como também o Tribunal deverá pronunciar-se a cerca do fato, revendo ou não a sentença.
As partes também poderão suscitar a nulidade da sentença. São casos de anulação da sentença arbitral: atuação do tribunal fora da competência estabelecida pelo compromisso, deslealdade e denegação de justiça por parte dos árbitros, violação aos princípios fundamentais do processo, decisão contrária ao direito internacional, se os árbitros guardarem interesse de qualquer natureza na causa, se as partes e árbitros agiram de má fé, se as sentenças fossem fundamentadas em questões secundárias, se a sentença trata-se de questões não demandadas.
5 - A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA NA RESOLUÇ?O DE CONFLITOS INTERNACIONAIS DO SÉCULO XIX
A experiência brasileira no relativo a resolução pacífica de controvérsias é prioritariamente consagrada nas arbitragens, tanto como parte do conflito, quanto como árbitro nas controvérsias de terceiros. O Brasil recorreu a arbitragem internacional em vários casos, o primeiro que abordaremos aqui é a questão da independência brasileira.
Logo após a proclamação da independência brasileira, houve a necessidade de reconhecimento do Brasil como um Estado soberano, no entanto, Portugal relutou em aceitar a perda da sua mais próspera colônia. Alguns estados do norte e nordeste brasileiro continuaram fiéis a monarquia portuguesa, professando subordinação a Portugal, causando imenso transtorno ao novo governo, que não poderia demorar a tomar uma medida que acalmasse os ânimos.
O medo de que outras colônias seguissem o exemplo do Brasil, contribuiu para que as outras potências não dessem importância aos argumentos defendidos pelo Brasil. Com a situação desse jeito, fez-se necessária uma arbitragem internacional entre Brasil e Portugal a fim de resolver os termos da independência, sendo o árbitro o Rei da Inglaterra, que deu ganho de causa ao Brasil.
Em nova situação o Brasil voltou a recorrer a arbitragem, dessa vez em conflito com a Inglaterra que ficou conhecido como questão Christie, recebendo esse nome por causa do embaixador britânico no Brasil William Dougal Christie. Com o naufrágio do navio inglês Prince of Wales, a população saqueou o navio, carregando boa parte da carga transportada.
Os tripulantes sobreviventes contactaram o embaixador inglês para que ele pleiteasse junto ao governo brasileiro uma indenização pela carga saqueada, prontamente foi negada qualquer indenização por parte do Imperador Dom Pedro II. No ano de 1862, um ano após esse incidente, marinheiros britânicos foram presos por envolvimento em uma briga com brasileiros. A justiça brasileira solicitou as autoridades inglesas que os mesmos fossem colocados a disposição das autoridades do Brasil. Em face desses desentendimentos a Inglaterra voltou a exigir a indenização do navio saqueado e a situação piorou entre os dois países, beirando um conflito bélico.
A situação era delicada e o povo brasileiro estava revoltado com essa sucessão de acontecimentos, ameaçando os ingleses que viviam no Brasil naquela época. Em face dessa tensão, os dois países cortaram relações diplomáticas e um final terrível para o Brasil poderia se suceder.
Os dois países decidiram submeter o problema à arbitragem do Rei Leopoldo da Bélgica, que deu ganho de causa ao Brasil, em 1863. Posteriormente, o rei de Portugal exerceu a mediação entre os dois países e em 1865 a Inglaterra restabeleceu relações diplomáticas com o Brasil.
O Brasil recorreu novamente a arbitragem, dessa vez em face da Bolívia, tendo como objetivo a anexação do território da região que hoje é o Acre. A Bolívia exigia que os brasileiros extratores de borracha saíssem dessa região, pois pertencia ao território boliviano. A região apesar de constituir-se num território da Bolívia, foi paulatinamente ocupada por brasileiros, que extraiam a borracha para sobreviverem.
Com o mal estar que essa situação gerou o Brasil buscou uma vez mais uma resolução pacífica através da arbitragem do núncio apostólico no Brasil, decidindo a causa em favor dos brasileiros. Firmou-se o Tratado de Petrópolis, e o Acre foi definitivamente incorporado ao território brasileiro, permanecendo até a presente data. O causídico brasileiro na arbitragem foi o Barão do Rio Branco, que imortalizou-se dando seu nome a capital do Estado Acreano.
6 - CONCLUS?O
Isto posto, não resta dúvidas quanto aos benefícios da resolução pacífica de conflitos internacionais. As proporções humanas, sociais, econômicas e financeiras que uma guerra acarreta aos países beligerantes é terrível, a história ensina com lição dura as desvantagens de um conflito armado. O fim último do Direito Internacional será sempre perseguir a boa convivência entre os países, sem dúvida o contributo máximo será prevenir a guerra e preservar a paz.
Apesar de todos os avanços, as Conferências de Haia não evitaram as duas grandes guerras, mas sem dúvida sedimentaram vários avanços no relativo aos métodos de resolução pacífica de conflitos. Observa-se a criação da ONU, do Tribunal Internacional de Justiça e do Tribunal Penal Internacional, sem dúvida avanço que vem sendo construído desde as conferências de Haia. Ao olharmos a experiência brasileira e estrangeira, podemos concluir pela eficácia e eficiência da arbitragem internacional, tanto pelo cumprimento das sentenças arbitrais, quanto pelo elevado número de conflitos bélicos evitados ao longo do tempo.
REFERÊNCIAS:
Accioly, Hildebrando. Casella, Paulo. Nascimento, Geraldo. Manual de Direito Internacional Público. São Paulo, 2014.
Bueno, Clodoaldo. Política externa da Primeira República. São Paulo: Paz e Terra, 2003.
Freitas, Pedro Caridade de. Portugal e a Comunidade Internacional. Lisboa: Quid Juris, 2012.
Mazzuoli, Valerio de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2011.
Rezek, Francisco. Direito Internacional Público – Curso Elementar. São Paulo: Editora Saraiva, 2007.
[1] Rezek, Francisco. Direito Internacional Público – Curso Elementar. São Paulo: Editora Saraiva, 2007.
[2] Mazzuoli, Valerio de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2011.
[3] Bueno, Clodoaldo. Política externa da Primeira República. São Paulo: Paz e Terra, 2003.
[4] Accioly, Hildebrando. Casella, Paulo. Nascimento, Geraldo. Manual de Direito Internacional Público. São Paulo: 2014.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PAIVA, João Vitor Freitas de. Os métodos pacíficos de solução dos litígios internacionais e a experiência brasileira no Século XIX Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 abr 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44145/os-metodos-pacificos-de-solucao-dos-litigios-internacionais-e-a-experiencia-brasileira-no-seculo-xix. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Guilherme Waltrin Milani
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