RESUMO: Hipótese de incidência e fato gerador são conceitos que não se confundem. A hipótese de incidência consiste na situação geral e abstrata prevista em lei que possa indicar a capacidade contributiva das pessoas. O fato gerador, por sua vez, consiste no momento individualizado de concretização da hipótese abstratamente prevista em lei no mundo dos fatos. Embora o legislador não possa prever como hipótese de incidência uma situação ilícita, em princípio, todos os casos que configurem fato de gerador são tributáveis, ainda que decorrentes de ato ilícito, diante do que preceitua o art. 118 do CTN e da aplicação dos princípios do non olet e da isonomia fiscal.
1. INTRODUÇÃO
A relação jurídica tributária pode ser representada no tempo pelos seguintes fenômenos: hipótese de incidência, fato gerador, obrigação tributária e crédito tributário. Embora o Código Tributário Nacional (CTN) utilize de forma imprópria o termo fato gerador para denominar situações diferentes, a doutrina entende que existe uma distinção entre a nomenclatura hipótese de incidência e fato gerador, sendo o primeiro, a situação prevista abstratamente e, o segundo, a concretização da situação estabelecida na lei, que acarreta a tributação. De acordo com o CTN, o fato gerador independe da validade jurídica do ato praticado pelo contribuinte, de modo que mesmo uma atividade ilícita pode dar ensejo a uma obrigação tributária.
2. A POSSIBILIDADE DE TRIBUTAÇÃO DOS EFETITOS DE UM ATO ILÍCITO
O Código Tributário Nacional (CTN) define, em seu art. 114, o fato gerador da obrigação principal como a situação definida em lei necessária e suficiente à ocorrência da obrigação de pagar o tributo. A doutrina critica a imprecisão da nomenclatura utilizada pela lei, sob o argumento de que duas situações distintas, quais sejam, a hipótese de incidência e o fato gerador, deveriam possuir denominações diferentes.
A hipótese de incidência constitui a situação, geral e abstrata, eleita pelo legislador, como necessária e suficiente para o nascimento da obrigação de pagar o tributo (MACHADO, 2004, p. 107). Como exemplo, tem-se que a prestação de serviços consiste na situação abstrata prevista em lei que, quando de sua ocorrência, ocasiona o surgimento da obrigação de pagar o imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS).
Hipótese de incidência da obrigação principal é a situação prevista em lei que ocasiona a obrigação de pagar um tributo. Já a hipótese de incidência da obrigação acessória é o pressuposto estabelecido em lei que impõe a prática ou abstenção de ato que não constitua obrigação principal, nos termos do art. 115 do CTN.
Por sua vez, fato gerador ou fato imponível seria a materialização fática da hipótese de incidência. Também chamado de fato jurídico tributário ou hipótese de incidência realizada, ele representa o momento em que a situação prevista na lei tributária ocorre no mundo real. Dessa forma, o fato gerador possui natureza constitutiva, pois institui a obrigação de pagar o tributo. Como exemplo, a situação em que alguém recebe seu salário e, consequentemente, aufere renda é o fato gerador da obrigação de pagar o importo de renda (IR).
O fato gerador é o elemento responsável pela definição da natureza do tributo como imposto, taxa ou contribuição de melhoria, sendo irrelevante a denominação do tributo, consoante previsão do art. 4º, I, do CTN.
O momento de ocorrência do fato gerador também possui relevância na definição da lei a ser aplicada ao caso concreto, contribuindo para a aplicação do princípio constitucional da irretroatividade tributária. Em relação ao aspecto temporal, conforme o art. 116 do CTN, o fato gerador, no caso de situação fática, considera-se ocorrido, salvo disposição de lei em contrário, desde o momento em que se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias para a produção dos efeitos que normalmente lhe são próprios.
A título de exemplo, o imposto de importação (II) tem como fato gerador a entrada do produto no território nacional, mas a lei ordinária considera o fato gerador ocorrido no momento do registro da declaração de importação na repartição aduaneira.
Em situações jurídicas, o fato gerador reputa-se ocorrido desde o momento em que elas estejam definitivamente constituídas, nos termos de direito aplicável. É o que ocorre, por exemplo, com o fato gerador do imposto de transmissão de bens imóveis (ITBI), que se configura quando do registro do título aquisitivo no cartório de registro de imóveis, momento em que se considera transmitida a propriedade.
Quando o ato ou negócio for condicional, o art. 117 do CTN estabelece que o fato gerador considera-se ocorrido, havendo condição suspensiva, quando da concretização da condição, e, havendo condição resolutiva, desde o momento da prática do ato ou da celebração do negócio.
Merece ênfase o fato de que, segundo o art. 118 do CTN, para a ocorrência do fato gerador, não importa a validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como a natureza do seu objeto ou dos seus efeitos. O fato gerador também deve ser interpretado abstraindo-se dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos.
Logo, o fato gerador é interpretado objetivamente, aplicando-se a máxima da pecunia non olet, segundo a qual o dinheiro não cheira. Ainda que o ato que origine os recursos seja ilícito, os rendimentos auferidos devem ser tributados. Consequentemente, qualquer pessoa que realize o fato gerador, demonstrando capacidade contributiva, em princípio, deverá arcar com o pagamento do tributo, independentemente de o ato jurídico ser nulo, de o sujeito passivo não possuir capacidade civil ou de o ato praticado ser ilícito (ALMEIDA, 2012, p. 230).
Segundo o professor Geraldo Ataliba (2004), a hipótese de incidência corresponde à previsão abstrata e genérica de situações lícitas que se submetem à tributação. Logo, a lei não pode descrever, como hipóteses de incidência, situações ilícitas. Entretanto, é possível haver a tributação mesmo que o fato gerador decorra de situações ilegais.
Dessa forma, a realização de uma atividade ilícita não pode constituir uma hipótese de incidência abstrata para a cobrança de um tributo, pois, nos termos do art. 3º do CTN, tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. Do contrário, não haveria a instituição de um tributo, mas de uma penalidade. No entanto, pode haver a tributação dos efeitos de um ato ilícito, desde que esses efeitos representem a ocorrência um fato gerador (MACHADO, 2004, p. 71).
A título de exemplo, um traficante de drogas que aufere renda terá que pagar o imposto de renda (IR), seja em virtude do princípio da isonomia, seja em razão de sua capacidade contributiva. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do HC77530-4/RS, analisando a sonegação fiscal praticada por traficantes de drogas, assim se manifestou sobre a questão:
EMENTA: Sonegação fiscal de lucro advindo de atividade criminosa: “non olet”. Drogas: tráfico de drogas, envolvendo sociedades comerciais organizadas, com lucros vultosos subtraídos à contabilização regular das empresas e subtraídos à declaração de rendimentos: caracterização, em tese, de crime de sonegação fiscal, a acarretar a competência da Justiça Federal e atrair pela conexão, o tráfico de entorpecentes: irrelevância da origem ilícita, mesmo quando criminal, da renda subtraída à tributação. A exoneração tributária dos resultados econômicos de fato criminoso – antes de ser corolário do princípio da moralidade – constitui violação do princípio de isonomia fiscal, de manifesta inspiração ética. (HC 77530, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 25/08/1998, DJ 18-09-1998 PP-00007 EMENT VOL-01923-03 PP-00522).
Verifica-se, pois, que o STF firmou o entendimento de que é possível a tributação de renda obtida em razão de conduta ilícita, com base no princípio do non olet, haja vista que, o não pagamento do tributo proveniente de ato ilegal consistiria no locupletamento da própria torpeza em detrimento do interesse da coletividade.
Do mesmo modo, no julgamento do HC 94240/SP (rel. Min. Dias Toffoli, 23.8.2011), o STF entendeu pela aplicação do princípio do non olet, manifestando-se pela possibilidade de tributação da renda decorrente conduta ilícita consistente na prática do jogo do bicho. Segundo o STF, seria contraditório permitir a desoneração tributária nos casos de rendas provenientes de atividade ilegal, pois haveria um enriquecimento ilícito em prejuízo da necessidade de arrecadação de recursos para satisfação das necessidades coletivas.
Na oportunidade, ressaltou-se que o não pagamento de imposto de renda, mesmo que proveniente de ato ilícito, configura a prática de sonegação fiscal, uma vez que a definição legal do fato gerador deve ser analisada de forma abstrata, independendo da validade jurídica da atividade praticada, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos.
Logo, segundo parâmetro fixado pelo STF, em respeito aos princípios da moralidade e da isonomia fiscal, ainda que a renda auferida tenha origem ilícita, deverá nascer a obrigação tributária. Do contrário, haveria um desrespeito ao art. 118 do CTN e aos princípios da isonomia fiscal e da capacidade contributiva.
3. CONCLUSÃO
Portanto, uma atividade ilícita não pode constituir uma hipótese de incidência tributária, pois os tributos não constituem sanção de ato ilícito. Contudo, um fato gerador pode ocorrer em circunstâncias ilícitas, caso em que incidirá a tributação, uma vez que, não tem sentido que a renda auferida licitamente por um contribuinte seja tributada e a recebida por atividade ilícita de outro contribuinte seja beneficiada com a desoneração. Desse modo, em atenção aos princípios da pecunia non olet e da isonomia fiscal, é possível cobrar tributo sobre os efeitos de um ato ilícito.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Edvaldo Nilo de. Direito Tributário: Sistema Constitucional e Código Tributário Nacional. 2ª ed. Salvador: JusPodivm, 2012.
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. São Paulo: Malheiros, 2004.
CONTIPELLI, Ernani. Ensaio Sobre Relação Jurídica e Tributação. Publicado na REVISTA TRIBUTÁRIA E DE FINANÇAS PÚBLICAS – VOL. 94/116 – set/out/2010 (editora RT). Material da 1ª aula da disciplina Direito Tributário, ministrada no curso de pós-graduação lato sensu em Direito Público – Anhanguera-UNIDERP/ Rede LFG, 2014.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 25º Ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
SABBAG, Eduardo. Direito Tributário. 12ª edição rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
Pós-Graduada em Direito e Processo do Trabalho, Pós-Graduada em Direito Público e Analista Judiciário no Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOARES, Aline Reis Fonseca. A possibilidade de cobrança de tributo sobre os efeitos de um ato ilícito Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 maio 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44179/a-possibilidade-de-cobranca-de-tributo-sobre-os-efeitos-de-um-ato-ilicito. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Precisa estar logado para fazer comentários.