RESUMO: O reexame necessário é um instituto que condiciona a eficácia das decisões contrárias à Fazenda a uma reanálise pelo tribunal superior, nas hipóteses elencadas no art. 475 do antigo CPC, ainda em vigor, e no art. 496 do novo CPC. A doutrina e jurisprudência majoritárias, de forma acertada, vêm entendendo que a Fazenda Pública poderá interpor recurso especial de acórdão prolatado em reexame necessário, mesmo que não tenha apelado da sentença anterior, em virtude da não configuração da preclusão lógica, já que o instituto do reexame necessário devolve ao tribunal superior a possibilidade de reapreciação integral da causa.
1. INTRODUÇÃO
O reexame necessário consiste na prerrogativa da Fazenda Pública de ter as sentenças contrárias aos seus interesses reanalisadas pela instância superior. Este instituto não é um recurso e condiciona a eficácia da sentença à sua reapreciação pelo tribunal ad quem. O fato de a Fazenda Pública não recorrer da sentença prolatada em seu desfavor não a impede de interpor posteriormente recurso especial do acórdão prolatado em recurso de ofício, uma vez que este instituto devolve a análise de toda a matéria à instância superior, impedindo a configuração da preclusão lógica.
2. DESENVOLVIMENTO
O reexame necessário está previsto no artigo 475 do Código de Processo Civil (CPC) e corresponde ao instituto processual que condiciona a eficácia da sentença a uma nova apreciação pelo tribunal ao qual o juiz que a proferiu está vinculado, nos casos em que a Fazenda Pública é derrotada. Ressalte-se que o conceito de Fazenda Pública engloba a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as respectivas autarquias e fundações de direito público.
É importante frisar que o reexame necessário não é um recurso, já que não está previsto no rol taxativo do artigo 496 do CPC. Dessa forma, não contém os pressupostos peculiares dos recursos, como por exemplo, a taxatividade, a necessidade do pedido de nova decisão (regularidade formal), o atendimento ao princípio da voluntariedade, a legitimidade recursal regulada pelo art. 499 do CPC, a vinculação, a previsão de prazo para interposição, entre outros (DIDIER, 2008).
Por não atender ao princípio da voluntariedade, o reexame necessário não exige o preparo, nem admite a apresentação de contrarrazões e de recurso adesivo. Também se diferencia do recurso porque este, caso não seja impetrado no prazo legal, ensejará o trânsito em julgado da decisão, o que não ocorre com o reexame necessário, uma vez que tal instituto condiciona a eficácia da sentença à reanálise pelo órgão superior ao qual o juiz prolator da sentença está vinculado.
Apesar de não possuir natureza recursal, aplica-se ao reexame necessário a proibição da reformatio in pejus, um instituto típico dos recursos, que assegura à Fazenda Pública que sua situação não será agravada, consoante dispõe a súmula 45 do Superior Tribunal de Justiça.
Conforme mencionado, o reexame necessário possui a natureza de condição de eficácia de sentença. Assim, enquanto a decisão não for reanalisada, não ocorrerá o trânsito em julgado e, consequentemente, será incabível a ação rescisória.
O artigo 475 do CPC elenca as hipóteses em que as sentenças serão submetidas necessariamente a uma reanálise pelo tribunal ad quem, são elas: nas decisões proferidas contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público (inciso I) e nas decisões que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (inciso II). Em ambos os casos, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, tenha havido ou não apelação. Caso o magistrado assim não proceda, deverá o presidente do tribunal avocá-los.
Essa exigência do reexame necessário não alcança as decisões interlocutórias proferidas contra a Fazenda Pública, a não ser que essa decisão resolva definitivamente parte do mérito da causa. Nos termos do artigo 475, §§ 2º e 3º, do antigo CPC, ainda em vigor, o reexame necessário também não se aplica quando a condenação ou o direito controvertido for de valor certo não excedente de 60 (sessenta) salários mínimos, tanto para a sentença prevista no inciso I como para a procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa, prevista no inciso II, bem como, nos casos em que a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário ou em súmula do Supremo Tribunal Federal (STF), ou, ainda, em súmula de outro tribunal superior. Nesses casos, a reanálise do processo pelo Tribunal ad quem dependerá da interposição de apelação pela Fazenda Pública. Não havendo recurso, poderá ocorrer o trânsito em julgado da decisão já em primeiro grau (NEVES, 2011, p. 564).
Consoante previsão do art. 496 do novo Código de Processo Civil (Lei 13.105 de 16/03/2015), que entrará em vigor um ano após a sua publicação oficial, está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: I - proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público; II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução fiscal.
Nesses casos, não interposta a apelação no prazo legal, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, sob pena de, não o fazendo, os autos serem avocados pelo presidente do respectivo tribunal para julgamento da remessa necessária. Ainda de acordo com o novo CPC, não se aplicará a remessa necessária quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a: I - 1.000 (mil) salários-mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações de direito público; II - 500 (quinhentos) salários-mínimos para os Estados, o Distrito Federal, as respectivas autarquias e fundações de direito público e os Municípios que constituam capitais dos Estados; III - 100 (cem) salários-mínimos para todos os demais Municípios e respectivas autarquias e fundações de direito público.
Desse modo, o novo CPC manteve a essência da remessa necessária, restringindo, contudo, as hipóteses de seu cabimento de acordo com a força econômica de cada ente.
Também não se aplicará o reexame de ofício quando a sentença estiver fundada em: I - súmula de tribunal superior; II - acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; III - entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; IV - entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa.
Diante do instituto do reexame necessário, surge na doutrina e na jurisprudência pátria a questão sobre o cabimento de Recurso Especial manejado pela Fazenda Pública de acórdão proferido em reexame necessário, nos casos em que a Fazenda Pública não apelou da sentença de primeiro grau.
Parte da doutrina e da jurisprudência vinha entendendo pela não possibilidade da apresentação de Recurso Especial pela Fazenda Pública, caso esta não apelasse da sentença de primeiro grau, em virtude da configuração do instituto da preclusão lógica, que corresponde à perda de um direito ou faculdade processual por quem tenha realizado atividade incompatível com o respectivo exercício. Nesse sentido, se posicionou o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento dos Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 1.036.329 – SP, relator Min Humberto Martins, 14/10/2009.
Todavia, a corte do STJ afastou a tese da preclusão lógica e passou a adotar o entendimento de que seria possível à Fazenda Pública interpor recurso especial, ainda que não houvesse apelado da sentença de primeiro grau que lhe foi desfavorável, conforme julgamento no RESP 905.771 CE, relator Ministro Teori Zavascki, 29.06.2010.
Ademais, o STJ editou a súmula 325 que é clara ao mencionar que a remessa oficial devolve ao Tribunal o reexame de todas as parcelas da condenação suportadas pela Fazenda Pública, inclusive dos honorários de advogado. Desse modo, percebe-se que, mesmo que a Fazenda Pública não apele, a matéria é devolvida por completo à instância superior.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal também vem se manifestando sob a alegação de que o recurso de ofício devolve ao tribunal o conhecimento integral da causa, impedido a configuração do instituto da preclusão lógica da decisão, conforme julgado no RE 540508 AgR - RJ. 2ª Turma, relatora Ministra Ellen Gracie, DJE de 22/11/2008.
Dessa forma, não se verifica qualquer conduta desleal da Fazenda Pública ao não recorrer nos casos em que se aplica o reexame necessário, pois, ao deixar de interpor apelação, a Fazenda está se valendo de uma regra que lhe garante a reanálise da decisão pelo tribunal.
3. CONCLUSÃO
Portanto, considerando que o reexame necessário condiciona a eficácia da decisão à reanálise pelo tribunal ad quem e que devolve à instância superior a análise integral da causa, a Fazenda Pública, ainda que não apele da decisão de primeiro grau, poderá interpor recurso especial do acórdão prolatado em sede de recurso de ofício, conforme entendimento que prevalece na doutrina e nos tribunais superiores. Nesse caso, não há que se falar em preclusão lógica, pois a Fazenda Pública apenas estará utilizando em seu favor o instituto que lhe assegura o reexame da sentença.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 2ª ed. São Paulo: Dialética, 2005.
DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. 5ª ed. Salvador: JusPodivm, 2008.
DIDIER JR, Fredie e CARNEIRO DA CUNHA, Leonardo José. Admissibilidade de recurso especial em reexame necessário. Novo entendimento do STJ. Editorial 109 – 21/09/2010. Disponível em: http://www.frediedidier.com.br/editorial/editorial-109/. Acesso em 15/02/2014.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 3ªed. São Paulo: Método, 2011.
NUNES, Allan Titonelli. As prerrogativas da Fazenda Pública e o Projeto de Lei nº 166/10 (Novo Código de Processo Civil). Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2742, 3 jan. 2011. Disponível em: Acesso em: 5.1.2014. . Material da 3ª aula da Disciplina: Fazenda Pública em Juízo, ministrada no Curso de Pós Graduação em Direito Público - Anhanguera-Uniderp | Rede LFG, 2014.
Pós-Graduada em Direito e Processo do Trabalho, Pós-Graduada em Direito Público e Analista Judiciário no Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOARES, Aline Reis Fonseca. Remessa necessária no novo CPC e o cabimento de recurso especial pela fazenda pública de acórdão em reexame necessário mesmo em caso de não apelação da sentença originária Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 maio 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44185/remessa-necessaria-no-novo-cpc-e-o-cabimento-de-recurso-especial-pela-fazenda-publica-de-acordao-em-reexame-necessario-mesmo-em-caso-de-nao-apelacao-da-sentenca-originaria. Acesso em: 23 dez 2024.
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