Resumo: o presente estudo tem por escopo analisar o entendimento perfilhado pelos Tribunais acerca da concessão da aposentadoria híbrida, averiguando sobre a possibilidade ou não de seu deferimento aos trabalhadores urbanos.
Palavras – Chave: aposentadoria híbrida, trabalhador rural, equilíbrio atuarial.
Introdução:
A Lei 8213/91 estabelece no art. 48, §1° e 2° os requisitos para a concessão do benefício por idade ao trabalhador rural, bastando ao trabalhador, além do critério etário, a comprovação de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício. O tempo de labor na atividade rural deve equivaler ao número de meses de carência do benefício contributivo, ou seja, 180 meses.
Nada obstante, em inúmeras vezes o segurado acabava deixando o trabalho no campo e indo exercer atividade laborativa urbana no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, o que acabava descarcterizando a sua condição de segurado especial e, consequentemente, a não concessão do benefício previdenciário.
Com o fito de dirimir essa situação fática foi criada pela lei 11.178/2008 a aposentadoria híbrida, a qual possibilita a contagem híbrida de tempo de serviço rural com tempo de contribuição em outras categorias.
Desenvolvimento:
Com o advento da lei 11.718/2008, foi criada no ordenamento jurídico uma nova espécie de aposentadoria por idade, a denominada aposentadoria híbrida a qual possibilita ao trabalhador rural conjugar tempo rural e urbano para efeito de carência, ainda que ocorre de forma descontínua.
Nesse sentido:
Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 1o Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11. (Redação Dada pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)
§ 2o Para os efeitos do disposto no § 1o deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9o do art. 11 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11,718, de 2008)
§ 3o Os trabalhadores rurais de que trata o § 1o deste artigo que não atendam ao disposto no § 2o deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher. (Incluído pela Lei nº 11,718, de 2008) ( grifei)
A circunstância fática de o segurado especial exercer por determinado lapso temporal atividade urbana no denominado período de carência acarretava a perda de qualidade de segurado especial e, conseqüentemente, o não percebimento do benefício de aposentadoria a que faz alusão o art. 48, § 1°.
Visando a regular essa situação foi criada a aposentadoria híbrida, a qual possibilita aos trabalhadores rurais, a soma do tempo rural e urbano para cumprimento de carência. Dessa forma, os trabalhadores rurais que não lograrem êxito em comprovar o efetivo exercício de labor rural, ainda que descontínuo, no período anterior ao requerimento da aposentadoria por idade, poderão utilizar o período de contribuição ainda que sob outras categorias de segurado.
Questão objeto de controvérsia atine aos destinatários da aposentadoria híbrida, se a mesma estaria restrita apenas aos trabalhadores rurais, como estatui o art. 48, § 3°, ou qualquer outra espécie de segurado.
Castro e Lazzari apregoam que em homenagem ao princípio da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, é possível a concessão de aposentadoria por idade para qualquer espécie de segurado mediante a contagem, para fins de carência, de períodos de contribuição, tanto como segurado urbano como segurado rural.
Em sede administrativa e judicial, a autarquia previdenciária vem defendendo aplicabilidade da aposentadoria unicamente aos trabalhadores rurais, tendo-se em vista a literalidade do dispositivo legal, que faz menção unicamente ao trabalhador rural, bem como diante da ausência de fonte de custeio.
Na seara jurisprudencial, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, primeiramente, perfilhada o entendimento da impossibilidade da extensão da aposentadoria híbrida ao segurado urbano, tendo-se em vista a expressa redação do dispositivo legal.
INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO INTERPOSTO PELA RÉ. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA URBANA. CONTAGEM DE TEMPO RURAL. § 3° E 4° DO ART. 48 DA LEI 8213/91, COM REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.718/09. UTILIZAÇÃO DO PERÍODO CONTRIBUTIVO PARA EFEITO DE CARÊNCIA E CÁLCULO DA RMI.IMPOSSIBILIDADE. INCIDENTE CONHECIDO E PROVIDO. ( PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL, 2008.50.51.0012950, RELATOR: PAULO ERNANE MOREIRA BARROS)
Nada obstante, o Superior Tribunal de Justiça vem entendendo pela aplicabilidade da aposentadoria híbrida ao trabalhador urbano aduzindo que além de prestigiar o princípio da dignidade da pessoa humana, essa nova possibilidade não representa desequilíbrio atuarial, pois além de exigir idade mínima equivalente à aposentadoria por idade urbana, e, assim, maior tempo de trabalho, conta com lapsos de contribuição direta do segurado, o que não ocorre com a aposentadoria rural. Nesse sentido, elucidativo o julgado abaixo colacionado:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. ART. 48, §§ 3º e 4º, DA LEI 8.213/1991. TRABALHO URBANO E RURAL NO PERÍODO DE CARÊNCIA. REQUISITO. LABOR CAMPESINO NO MOMENTO DO IMPLEMENTO DO REQUISITO ETÁRIO OU DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. EXIGÊNCIA AFASTADO. CONTRIBUIÇÕES. TRABALHO RURAL. CONTRIBUIÇÕES.
DESNECESSIDADE.
1. O INSS interpôs Recurso Especial aduzindo que a parte ora recorrida não se enquadra na aposentadoria por idade prevista no art. 48, § 3º, da Lei 8.213/1991, pois no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo era trabalhadora urbana, sendo a citada norma dirigida a trabalhadores rurais. Aduz ainda que o tempo de serviço rural anterior à Lei 8.213/1991 não pode ser computado como carência.
2. O § 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991 (com a redação dada pela Lei 11.718/2008) dispõe: "§ 3o Os trabalhadores rurais de que trata o § 1o deste artigo que não atendam ao disposto no § 2o deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher." 3. Do contexto da Lei de Benefícios da Previdência Social se constata que a inovação legislativa trazida pela Lei 11.718/2008 criou forma de aposentação por idade híbrida de regimes de trabalho, contemplando aqueles trabalhadores rurais que migraram temporária ou definitivamente para o meio urbano e que não têm período de carência suficiente para a aposentadoria prevista para os trabalhadores urbanos (caput do art. 48 da Lei 8.213/1991) e para os rurais (§§ 1º e 2º do art. 48 da Lei 8.213/1991).
4. Como expressamente previsto em lei, a aposentadoria por idade urbana exige a idade mínima de 65 anos para homens e 60 anos para mulher, além de contribuição pelo período de carência exigido. Já para os trabalhadores exclusivamente rurais, as idades são reduzidas em cinco anos e o requisito da carência restringe-se ao efetivo trabalho rural (art. 39, I, e 143 da Lei 8.213/1991).
5. A Lei 11.718/2008, ao incluir a previsão dos §§ 3º e 4º no art.
48 da Lei 8.213/1991, abrigou, como já referido, aqueles trabalhadores rurais que passaram a exercer temporária ou permanentemente períodos em atividade urbana, já que antes da inovação legislativa o mesmo segurado se encontrava num paradoxo jurídico de desamparo previdenciário: ao atingir idade avançada, não podia receber a aposentadoria rural porque exerceu trabalho urbano e não tinha como desfrutar da aposentadoria urbana em razão de o curto período laboral não preencher o período de carência.
6. Sob o ponto de vista do princípio da dignidade da pessoa humana, a inovação trazida pela Lei 11.718/2008 consubstancia a correção de distorção da cobertura previdenciária: a situação daqueles segurados rurais que, com a crescente absorção da força de trabalho campesina pela cidade, passam a exercer atividade laborais diferentes das lides do campo, especialmente quanto ao tratamento previdenciário.
7. Assim, a denominada aposentadoria por idade híbrida ou mista (art. 48, §§ 3º e 4º, da Lei 8.213/1991) aponta para um horizonte de equilíbrio entre as evolução das relações sociais e o Direito, o que ampara aqueles que efetivamente trabalharam e repercute, por conseguinte, na redução dos conflitos submetidos ao Poder Judiciário.
8. Essa nova possibilidade de aposentadoria por idade não representa desequilíbrio atuarial, pois, além de exigir idade mínima equivalente à aposentadoria por idade urbana (superior em cinco anos à aposentadoria rural), conta com lapsos de contribuição direta do segurado que a aposentadoria por idade rural não exige.
9. Para o sistema previdenciário, o retorno contributivo é maior na aposentadoria por idade híbrida do que se o mesmo segurado permanecesse exercendo atividade exclusivamente rural, em vez de migrar para o meio urbano, o que representará, por certo, expressão jurídica de amparo das situações de êxodo rural, já que, até então, esse fenômeno culminava em severa restrição de direitos previdenciários aos trabalhadores rurais.
10. Tal constatação é fortalecida pela conclusão de que o disposto no art. 48, §§ 3º e 4º, da Lei 8.213/1991 materializa a previsão constitucional da uniformidade e equivalência entre os benefícios destinados às populações rurais e urbanas (art. 194, II, da CF), o que torna irrelevante a preponderância de atividade urbana ou rural para definir a aplicabilidade da inovação legal aqui analisada.
11. Assim, seja qual for a predominância do labor misto no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo, o trabalhador tem direito a se aposentar com as idades citadas no § 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991, desde que cumprida a carência com a utilização de labor urbano ou rural. Por outro lado, se a carência foi cumprida exclusivamente como trabalhador urbano, sob esse regime o segurado será aposentado (caput do art. 48), o que vale também para o labor exclusivamente rurícola (§§1º e 2º da Lei 8.213/1991).
12. Na mesma linha do que aqui preceituado: REsp 1.376.479/RS, Rel.
Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, Julgado em 4.9.2014, pendente de publicação.
14. Observando-se a conjugação de regimes jurídicos de aposentadoria por idade no art. 48, § 3º, da Lei 8.213/1991, denota-se que cada qual deve ser observado de acordo com as respectivas regras.
15. Se os arts. 26, III, e 39, I, da Lei 8.213/1991 dispensam o recolhimento de contribuições para fins de aposentadoria por idade rural, exigindo apenas a comprovação do labor campesino, tal situação deve ser considerada para fins do cômputo da carência prevista no art. 48, § 3º, da Lei 8.213/1991, não sendo, portanto, exigível o recolhimento das contribuições.
16. Correta a decisão recorrida que concluiu (fl. 162/e-STJ): "somados os 126 meses de reconhecimento de exercício de atividades rurais aos 54 meses de atividades urbanas, chega-se ao total de 180 meses de carência por ocasião do requerimento administrativo, suficientes à concessão do benefício, na forma prevista pelo art.
48, § 3º, da Lei nº 8.213/1991".
17. Recurso Especial não provido.
(REsp 1407613/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/10/2014, DJe 28/11/2014)(grifei)
Diante de o entendimento exarado pelo Superior Tribunal de Justiça, a turma nacional de uniformização reviu o seu entendimento passando a admitir a aposentadoria também para o segurado urbano. Nesse sentido:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA MISTA OU HÍBRIDA. CONTAGEM DE TEMPO RURAL PARA APOSENTADORIA URBANA. APLICAÇÃO EXTENSIVA DO ATUAL DO ARTIGO 48, § 3º E 4O. DA LEI DE BENEFÍCIOS. DIRETRIZ FIXADA PELA SEGUNDA TURMA DO SUPERIOR TRIBUNA DE JUSTIÇA NO RECURSO ESPECIAL 1.407.613. ISONOMIA DO TRABALHADORRURAL COM O URBANO. APOSENTADORIA POR IDADE NA FORMA HÍBRIDA PERMITIDA TAMBÉM PARA O URBANO QUANDO HOUVER, ALÉM DA IDADE, CUMPRIDO A CARÊNCIA EXIGIDA COM CONSIDERAÇÃO DOS PERÍODOS DE TRABALHO RURAL. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO CONHECIDO E PROVIDO. ( PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL N° 50009573320124047214, JUIZ FEDERAL BRUNO LEONARDO CÂMARA CARRÁ).
Conclusão:
Diante do exposto, em que pese a inicial dissonância jurisprudencial, prevalece hodiernamente, tanto na Turma Nacional de Unificação, quanto no Superior Tribunal de Justiça, que a aposentadoria híbrida é um direito de qualquer segurado e não apenas do trabalhador rural.
Referências Bibliográficas:
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial: 1.376.479 Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 08 de abril de 2015.
BRASIL. Turma Nacional de Uniformização. Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei Federal: 2008.50.51.0012950 Disponível em: <http:// www2.jf.jus.br/phpdoc/virtus/>. Acesso em 07 de abril de 2015.
BRASIL. Turma Nacional de Uniformização. Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei Federal: 0009573320124047214 Disponível em: <http:// www2.jf.jus.br/phpdoc/virtus/>. Acesso em 07 de abril de 2015.
BRASIL. Lei Ordinária nº 8.213 / 1991. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br >. Acesso em 10 de abril de 2015.
CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 16. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014.
Assistente Jurídico da Procuradoria Geral do Estado. Pós-Graduado em Direito Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SCHNEIDER, Luiz Miguel. Análise Jurisprudencial da Aposentadoria Híbrida Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 maio 2015, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44188/analise-jurisprudencial-da-aposentadoria-hibrida. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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