RESUMO: As cláusulas exorbitantes são prerrogativas especiais conferidas à Administração na relação do contrato administrativo, em virtude de sua posição de supremacia em relação à parte contratada. Como decorrência desta prerrogativa ela pode alterar unilateralmente o contrato administrativo, nas hipóteses previstas nas alíneas do art. 65, I, da Lei 8.666/1993. Nessas alíneas são elencadas as ditas alterações qualitativas e quantitativas dos contratos administrativos, cuja distinção, na praxe administrativa, nem sempre é facilmente perceptível ao intérprete. Por vezes, há uma linha tênue que separa as espécies, exigindo acuidade na análise do caso concreto. Por conta disso, buscando aportar maior praticidade no cotejo entre os institutos, buscar-se-á no presente trabalho traçar uma diferenciação entre ambos.
Palavras-chave: Licitação. Contrato Administrativo. Alterações unilaterais qualitativas e quantitativas.
ABSTRACT: The exorbitant clauses are special privileges granted to Directors in respect of the administrative contract, by virtue of their position of power in relation to the contracted party. As a result of this prerogative is the power conferred on the Administration unilaterally change the administrative contract, in the cases provided for in paragraphs of art. 65, I, of Law 8.666/1993. Those points are listed said qualitative and quantitative changes in administrative contracts. In administrative practice the distinction between these two species is not always readily apparent to the interpreter. Sometimes there is a fine line between the institutes, requiring accuracy in the analysis of the case. Because of this, seeking to contribute more practical in comparison between the institutes, will be sought in this study to draw a distinction between them.
Keywords: Bidding. Administrative contract. Qualitative and quantitative unilateral changes.
1. INTRODUÇÃO
Conforme lição cunhada pelo Professor Celso Antônio Bandeira de Mello, dois princípios constituem pedra de toque fundamental, sob a qual está assentado o regime jurídico administrativo: a supremacia do interesse público e a indisponibilidade deste interesse.
Acerca destes princípios, o autor ensina que:
a) Supremacia do interesse público sobre o privado
Trata-se de verdadeiro axioma reconhecível no moderno Direito Público. Proclama a superioridade do interesse da coletividade, firmando a prevalência dele sobre o do particular, como condição, até mesmo, da sobrevivência e asseguramento desse último.
É pressuposto de uma ordem social estável, em que todos e cada um possam sentir-se garantidos e resguardados.
No campo da Administração, deste princípio procedem as seguintes consequências ou princípios subordinados:
a) posição privilegiada do órgão encarregado de zelar pelo interesse público e de exprimi-lo, nas relações com os particulares.
b) posição de supremacia do órgão nas mesmas relações.
(...)
c) Indisponibilidade, pela Administração, dos interesses públicos
A indisponibilidade do interesse público significa que, sendo interesses qualificados como próprios da coletividade – internos ao setor público -, não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa não tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-los – o que é também um dever – na estrita conformidade do que predispuser a intentio legis. Diversamente dos direitos de defesa, mediante os quais se cuida de preservar e proteger determinada posição (conservação de uma situação existente), os direitos sociais de natureza positiva (prestacional) pressupõem seja criada ou colocada à disposição a prestação que constitui seu objeto, já que objetivam a realização da igualdade material, no sentido de garantirem a participação do povo na distribuição pública de bens materiais e imateriais[1].
Se à administração é confiada a tutela do interesse coletivo, consistindo este no somatório dos interesses individuais, segundo o renomado autor, a tutela deste valor envolve, de um lado, a delegação de prerrogativas à administração para tal fim, e de outro, a proibição de dispor acerca de um interesse que não lhe pertence.
Para que a Administração possa exercer com eficiência a tutela deste interesse (interesse público), é preciso que seja dotada de instrumentos aptos a atingir esse objetivo, garantindo-lhe prerrogativas capazes de colocá-la em posição se superioridade, em face daquele que tutela um interesse sem esse adjetivo.
É neste cenário que, no âmbito dos contratos administrativos, encontram-se as cláusulas exorbitantes.
José dos Santos Carvalho Filho, que denomina tais cláusulas como “cláusulas de privilégio”, ensina que[2]:
Cláusulas de privilégio, também denominadas de cláusulas exorbitantes, são as prerrogativas especiais conferidas à Administração na relação do contrato administrativo em virtude de sua posição de supremacia em relação à parte contratada.
Tais cláusulas constituem verdadeiros princípios de direito público, e, se antes eram apenas enunciadas pelos estudiosos do assunto, atualmente transparecem no texto legal sob a nomenclatura de “prerrogativas” (art. 58 do Estatuto). São esses princípios que formam a estrutura do regime jurídico de direito público, aplicável basicamente aos contratos administrativos (art. 54, Estatuto).
Como demonstrado no trecho colacionado, as cláusulas exorbitantes, nos contratos administrativos, estão previstas no artigo 58, no qual são arroladas uma série de prerrogativas delegadas à Administração para tutela do interesse público.
Dentre estas prerrogativas, o inciso I traz o poder conferido à Administração de modificar os contratos unilateralmente para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado.
Nas alíneas do artigo 65, I, da Lei 8.666/1993, são elencadas as diferentes espécies de alterações unilaterais dos contratos administrativos, denominadas de: qualitativas e quantitativas.
A diferenciação entre estas espécies, na praxe administrativa, nem sempre é facilmente perceptível ao intérprete. Por vezes, há uma linha tênue que separa os institutos, exigindo acuidade na análise do caso concreto. Por conta disso, é preciso desenvolver parâmetros seguros que aportem maior praticidade no cotejo entre ambos, conforme será abordado adiante.
2. ALTERAÇÕES QUALITATIVAS E QUANTITATIVAS DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS – DISTINÇÕES
A deflagração de um procedimento licitatório com vista à assinatura de um contrato administrativo deve estar estimada numa fase inicial de planejamento, na qual à Administração, com base em estudos e pesquisas, diante de projetos e memoriais descritivos, estimará o melhor modo de executar uma obra ou serviço, e determinará quanto custará aos cofres públicos.
Por meio de um planejamento adequado, detalhado, e bem executado, evita-se dispêndios desnecessários ao erário, imprimindo-se economicidade às contratações públicas.
Em vários de seus preceitos, a Lei 8.666/93 reflete a relevância acima descrita. Basta ler os seguintes dispositivos: o artigo 6º, IX e X, dispõem acerca do projeto básico e executivo; o artigo 7º e seus parágrafos, ao descrever as etapas a serem observadas nas licitações de obras e serviços, exigem para seu prosseguimento que haja projeto básico e orçamento detalhado em planilhas; o artigo 14 determina que nas compras haja adequada caracterização do objeto, e indicação dos recursos orçamentários; o artigo 40, I, §2º, I e II, estabelece como obrigatório que se indique no edital o objeto licitado, em descrição sucinta e clara, dele fazendo parte, como anexos, o projeto básico e/ou executivo, com todas as suas partes, desenhos, especificações e outros complementos, assim como orçamento estimado em planilhas de quantitativos e preços unitários; e, por fim, cita-se o artigo 55, que estabelece como cláusula necessária de todo contrato, dentre outras, a que estabeleça o objeto e seus elementos característicos.
A despeito da necessidade de um planejamento adequado, na prática administrativa, não raras são as situações em que, após assinatura e início da execução de um contrato, verifica-se a impossibilidade de continuar sua execução tal como planejado, recomendando alterações para que o objeto possa ser concretizado.
No direito privado, marcado pela horizontalidade das relações, estando as partes contratantes em pé de igualdade, vigora o princípio da autonomia da vontade. Neste ramo do direito, os contratantes podem pactuar alterações nos ajustes, desde que manifestem livremente sua intenção.
No direito administrativo, por outro lado, em razão da supremacia e indisponibilidade do interesse público que norteia as relações administrativas, tem-se uma relação de verticalidade, ocupando uma das partes posição de vantajosidade.
Tal posição permite à Administração alterar unilateralmente os contratos administrativos, mesmo não havendo aquiescência do particular. Tem-se, em verdade, um poder institucionalizado de alteração dos ajustes, delegado à pessoa jurídica de direito público.
Sobre essa prerrogativa, Hely Lopes Meirelles[3] ensina que:
Nenhum particular adquire o direito à imutabilidade do contrato ou à sua execução integral, ou ainda, às suas vantagens in specie, porque isto equivale a subordinar o interesse público ao interesse individual do contratado.
Se de um lado garante-se a Administração o poder de alterar unilateralmente os contratos, de outro, lembra-se que vigora no direito administrativo o princípio da legalidade.
Na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello[4]:
(...) o princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às leis. Esta deve tão-somente obedecê-las, cumpri-las, pô-las em prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes, desde o que ocupa a cúspide, isto é, o Presidente da República, até o mais modesto dos servidores, só pode ser a de dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das disposições gerais fixadas pelo Poder Legislativo, pois esta é a posição que lhes compete no Direito brasileiro.
Michel Stassinopoulos, em fórmula sintética e feliz, esclarece que, além de não poder atuar contra legem ou praeter legem, a Administração só pode agir secundum legem.
(...)
Nos termos do art. 5º, II, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Aí não se diz “em virtude de” decreto, regulamento, resolução, portaria ou quejandos. Diz-se “em virtude de lei”. Logo, a Administração não poderá proibir ou impor comportamento algum a terceiro, salvo se estiver previamente embasada em determinada lei que lhe faculte proibir ou impor algo a quem quer que seja. Vale dizer, não lhe é possível expedir regulamento, instrução, resolução, portaria ou seja lá que ato for para coartar a liberdade dos administrados, salvo se em lei já existir delineada a contenção ou imposição que o ato administrativo venha a minudenciar.
Assim, à Administração, ao contrário do particular, não é dado fazer tudo o que a lei não veda, mas somente aquilo que estiver expressamente autorizado no diploma normativo. É na lei que o intérprete deve buscar a forma e os limites em que a alteração unilateral pela Administração terá abrigo no âmbito das contratações públicas.
Atendendo ao proclame, o artigo 65 da Lei 8.666/93 dispõe acerca da alteração dos contratos administrativos. Eis o texto do dispositivo:
Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
I - unilateralmente pela Administração:
a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos;
b) quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei;
II - por acordo das partes:
a) quando conveniente a substituição da garantia de execução;
b) quando necessária a modificação do regime de execução da obra ou serviço, bem como do modo de fornecimento, em face de verificação técnica da inaplicabilidade dos termos contratuais originários;
c) quando necessária a modificação da forma de pagamento, por imposição de circunstâncias supervenientes, mantido o valor inicial atualizado, vedada a antecipação do pagamento, com relação ao cronograma financeiro fixado, sem a correspondente contraprestação de fornecimento de bens ou execução de obra ou serviço;
d) (VETADO).
d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)
§ 1o O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinqüenta por cento) para os seus acréscimos.
§ 2º Nenhum acréscimo ou supressão poderá exceder os limites estabelecidos no parágrafo anterior.
§ 2o Nenhum acréscimo ou supressão poderá exceder os limites estabelecidos no parágrafo anterior, salvo: (Redação dada pela Lei nº 9.648, de 1998)
I - (VETADO) (Incluído pela Lei nº 9.648, de 1998)
II - as supressões resultantes de acordo celebrado entre os contratantes. (Incluído pela Lei nº 9.648, de 1998)
§ 3o Se no contrato não houverem sido contemplados preços unitários para obras ou serviços, esses serão fixados mediante acordo entre as partes, respeitados os limites estabelecidos no § 1o deste artigo.
§ 4o No caso de supressão de obras, bens ou serviços, se o contratado já houver adquirido os materiais e posto no local dos trabalhos, estes deverão ser pagos pela Administração pelos custos de aquisição regularmente comprovados e monetariamente corrigidos, podendo caber indenização por outros danos eventualmente decorrentes da supressão, desde que regularmente comprovados.
§ 5o Quaisquer tributos ou encargos legais criados, alterados ou extintos, bem como a superveniência de disposições legais, quando ocorridas após a data da apresentação da proposta, de comprovada repercussão nos preços contratados, implicarão a revisão destes para mais ou para menos, conforme o caso.
§ 6o Em havendo alteração unilateral do contrato que aumente os encargos do contratado, a Administração deverá restabelecer, por aditamento, o equilíbrio econômico-financeiro inicial.
§ 7o (VETADO)
§ 8o A variação do valor contratual para fazer face ao reajuste de preços previsto no próprio contrato, as atualizações, compensações ou penalizações financeiras decorrentes das condições de pagamento nele previstas, bem como o empenho de dotações orçamentárias suplementares até o limite do seu valor corrigido, não caracterizam alteração do mesmo, podendo ser registrados por simples apostila, dispensando a celebração de aditamento.
No artigo 65 são elencadas as diferentes hipóteses de alterações nos contratos administrativos, sejam elas unilaterais (inciso I) ou consensuais (inciso II). A redação do inciso I, de forma didática e sistemática, diferencia nas suas alíneas as diferentes hipóteses de alterações unilaterais dos contratos administrativos.
Assim, no inciso I, alínea “a”, autoriza-se a alteração contratual, pela administração, quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos. Trata-se da alteração dita qualitativa.
De outro norte, na alínea “b” do mesmo inciso, autoriza-se que a Administração altere o contrato quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos pela lei. Nesse caso, trata-se da alteração dita quantitativa.
Marçal Justen Filho[5] diferencia as espécies nos seguintes termos:
7) Modificações Qualitativas: Alteração do Projeto ou de suas Especificações
A melhor adequação técnica supõe a descoberta ou a revelação de circunstâncias desconhecidas acerca da execução da prestação ou a constatação de que a solução técnica anteriormente adotada não era mais a adequada. Os contratos de longo prazo ou de grande especialização são mais suscetíveis a essa modalidade de alteração. Não há muito cabimento para essa hipótese em contratos de execução instantânea ou cujo objeto seja simples e sumário.
A hipótese de al. “a” compreende as situações em que se constata supervenientemente a inadequação da concepção original, a partir da qual se promovera a contratação. Tal pode verificar-se em vista de eventos supervenientes. Assim, por exemplo, considere-se a hipótese de descoberta científica, que evidencia a necessidade de inovações para ampliar ou assegurar a utilidade inicialmente cogitada pela Administração.
Também se admite a incidência do dispositivo para respaldar modificações derivadas de situações preexistentes, mas desconhecidas por parte dos interessados. O grande exemplo é o das “sujeições imprevistas”, expressão clássica do direito francês e que indica eventos da natureza ou fora do controle dos seres humanos, existentes por ocasião da contratação mas cuja revelação se verifica apenas por ocasião da execução da prestação. O grande exemplo é o da falha geológica de terreno, que impede a implantação da obra tal como inicialmente prevista.
8) Modificações quantitativas.
Com redação esdrúxula, al. “b”, refere-se a alterações quantitativas do objeto contratado. A dificuldade reside em a lei utilizar como parâmetro não a prestação propriamente dita, mas o valor do contrato. Admite que a Administração introduza alterações (acréscimos e supressões) que acarretem modificação de até 25% no valor inicial do contrato, quando se tratar de obras, serviços ou compras; quando se tratar de reforma de edifício ou equipamento, o limite será de 50%. Como apurar o valor da alteração? Não haverá dificuldade quando o contrato versar sobre unidades específicas e divisíveis, cujo valor individual possa ser discriminado. Quando, porém, existir preço global, torna-se inviável estimar a dimensão econômica do acréscimo ou da supressão. Suponha-se, por exemplo, o contrato para a construção de uma edificação. Poder-se-ia afirmar que a redução de 25% da metragem da quadrada da obra corresponderia a uma redução de 25% do preço? É evidente que não. Diante dessa dificuldade, a lei determina que a ausência de preços unitários no contrato será solucionada através de comum acordo entre as partes. Logo, o problema é remetido para o âmbito negocial, escapando da prerrogativa unilateral da Administração.
Mesmo quando existirem preços unitários, continuam a existir problemas. A lei olvida os princípios básicos de uma economia de escala. Quanto maior a quantidade, tanto menor o custo unitário. Logo, não se pode cogitar de simples redução ou acréscimo em quantidades. Reduzir 25% nas quantidades não significa reduzir 25% do preço; acrescentar 25% nas quantidades não importa obrigatoriamente acrescentar 25% do preço; Em uma economia de escala, a redução ou o acréscimo nas quantidades podem não ser acompanhados de variações proporcionais e equivalentes no preço. Portanto, o particular tem direito de exigir elevação no preço unitário quando forem reduzidas as quantidades desde que demonstre que a alteração do seu preço de custo. Por igual, a Administração pode impor a redução do preço unitário quando o acréscimos reduzir o custo.
Nada obstante as importantes colocações do autor, diferenciando as espécies de alteração unilateral, na praxe administrativa essa distinção nem sempre é facilmente perceptível ao intérprete. Por vezes, há uma linha tênue que separa os institutos, exigindo acuidade na análise do caso concreto.
Por conta disso, buscando aportar maior praticidade no cotejo entre os institutos, é de grande valia os critérios trazidos pelo Tribunal de Contas da União no julgamento do Acórdão nº 215/1999-plenário.
Naquela ocasião, valendo-se do ensinamento de Eros Roberto Grau, o Tribunal exemplificou, de modo didático, a diferença entre alteração qualitativa e quantitativa tomando como exemplo a pavimentação de 100 quilômetros de uma rodovia.
Explicou o Tribunal, em suma, que se o objeto contratado é a pavimentação de 100 quilômetros de uma rodovia, e, por determinado motivo (a fim de atingir o interesse público), a Administração resolve pavimentar mais 10 quilômetros dessa rodovia, nesse caso, tem-se uma alteração quantitativa. Altera-se a dimensão do objeto contratado (o qual, no caso, é acrescido).
Por outro lado, se durante a fase de planejamento a Administração previu que para executar a pavimentação de 100 quilômetros da rodovia eram necessários 1.000m³ de terraplanagem, mas, por circunstâncias supervenientes, constatou-se que seriam necessários 1.200m³ (para a realização dos mesmos 100 quilômetros de rodovia), tem-se, nesse caso, uma alteração qualitativa.
Desta explanação se extrai que a alteração qualitativa é uma condicionante para realização do próprio objeto contratado. Ela não serve como mecanismo para acrescer ou diminuir o objeto inicialmente previsto, mas como instrumento para que ele possa ser atingido.
Já a alteração quantitativa, a seu turno, constitui alteração no próprio objeto contratado, acrescendo-o ou diminuindo-o. Se não realizada, o objeto inicialmente ajustado será concluído, mas nos moldes delineados no escopo originalmente planejado.
Nesse sentido, é o entendimento cunhado pelo Tribunal de Contas da União na decisão já citada:
Contudo, nas modificações quantitativas, a dimensão do objeto pode ser modificada dentro dos limites previstos no § 1.º do art. 65 da Lei
8.666/93, isto é, pode ser adquirida uma quantidade de bicicletas maior do que o originalmente previsto, desde que o acréscimo, em valor, não ultrapasse 25% do valor inicial atualizado do contrato.
As alterações qualitativas, por sua vez, decorrem de modificações necessárias ou convenientes nas quantidades de obras ou serviços sem, entretanto, implicarem mudanças no objeto contratual, seja em natureza ou dimensão.
(...)
Além de consensuais, sustentamos que tais alterações devem ser
necessariamente qualitativas. Estas, diferentemente das Quantitativas -
que não configuram embaraços à execução do objeto como inicialmente avençado -, ou são imprescindíveis ou viabilizam a realização do
objeto.
Sem a implementação das modificações qualitativas não há objeto e, por conseguinte, não há a satisfação do interesse público primário que
determinou a celebração do contrato. Relembrando o exemplo de
alterações qualitativas que aduzimos, verifica-se que, sem o acréscimo dos serviços de terraplanagem, não seria possível a realização dos
100km de pavimentação.
Distinta é a situação, quando a modificação contratual visa a aumentar a extensão da via de 100 para 150km - alteração quantitativa. Nesse
caso, a não-alteração do contrato não impede a realização do interesse público que determinou a sua celebração, pelo menos parcialmente, uma
vez que não configura óbice à execução dos 100km da via, inicialmente contratados.
Alterações qualitativas são também aquelas decorrentes de modificações de projeto ou de especificações, para melhor adequação técnica aos
objetivos da Administração (art. 65, I, a). Objetivo da Administração é a satisfação do interesse público.
A modificação do projeto ou especificação pode ser necessária
independentemente de o fato motivador ser superveniente ou de
conhecimento superveniente. Tal fato, comungando a opinião de ANTÔNIO CARLOS CINTRA DO AMARAL (ob. cit., pp. 128/129), pode ser um 'fato da
natureza quanto outro', desde que extrínsecos à relação contratual,
pode ser, ainda, o 'domínio de nova tecnologia mais avançada' ou a
'disponibilidade de equipamentos tecnicamente mais aperfeiçoados'.
Talvez a solução delineada no exemplo não seja capaz de equacionar todas as situações em que o intérprete se deparar com a necessidade de diferenciar as alterações qualitativas e quantitativas. Não se quer, de modo algum, aportar uma solução simplista, de modo que a distinção entre os institutos passará pela análise da alteração ser indispensável, ou não, à consecução do objeto contratado. O que se quer é facilitar a compreensão entre os institutos, alargando o espectro de interpretação a depender da situação colocada em tela. Na verdade, em situações mais complexas, é a análise detida do caso concreto quem dirá qual a solução a ser adotada pelo intérprete.
3. CONCLUSÃO
As cláusulas exorbitantes são prerrogativas especiais conferidas à Administração na relação do contrato administrativo, em virtude de sua posição de supremacia em relação à parte contratada.
Como decorrência desta prerrogativa ela pode alterar unilateralmente o contrato administrativo, nas hipóteses previstas nas alíneas do art. 65, I, da Lei 8.666/1993. Nessas alíneas são elencadas as ditas alterações qualitativas e quantitativas dos contratos administrativos, cuja distinção, na praxe administrativa, nem sempre é facilmente perceptível ao intérprete. Por vezes, há uma linha tênue que separa as espécies, exigindo acuidade na análise do caso concreto.
Viu-se neste trabalho que as alterações qualitativas visam concretizar o objeto inicialmente ajustado, sem alteração de sua natureza ou dimensão, alterando-se as obras ou serviços complementares, necessários à sua execução.
Por sua vez, as alterações quantitativas modificam o próprio objeto contratado, alterando-o, acarretando mudanças na equação econômico-financeira originalmente ajustada.
Nos ditames do artigo 65, I, a alteração qualitativa se dá nos casos de modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos. Já a alteração quantitativa, será a simples alteração na dimensão do objeto contratado, acarretando modificação do valor inicialmente ajustado.
De outro norte, ressalta-se que essa diferenciação não é capaz de equalizar todas as situações envolvendo os institutos, de forma que a distinção entre ambos tenha de passar, necessariamente, pela análise da alteração ser indispensável, ou não, à consecução do objeto contratado. Os parâmetros definidos no presente trabalho tiveram o desiderato de facilitar a compreensão entre os institutos, abrangendo o espectro de interpretação a depender da situação colocada em tela. Na verdade, em situações mais complexas, é a análise detida do caso concreto quem dirá qual a solução a ser adotada pelo intérprete.
REFERÊNCIAS
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Tribunal de Contas da União, Acórdão nº 215/1999-plenário.
[1] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 21ª Ed. Malheiros, São Paulo, 2006. Pg. 66/70.
[2] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo, Atlas, 2014. Pg 193.
[3] MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. 11ª Ed. Malheiros, São Paulo, 1996. Pg 164.
[4] DE MELLO, Celso Antônio Bandeira, Curso de Direito Administrativo, 21ª ed., São Paulo, 2006, ed. Malheiros, pgs 94-98.
[5] Justen Filho, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 10ª ed. São Paulo: Dialética, 2004, fls. 525/526.
Advogado da União. Especialista em Direito Público e Direito Administrativo. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria/RS. Assistente da Coordenação-Geral de Assuntos Estratégicos da Consultoria Jurídica do Ministério da Integração Nacional.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JUNIOR, Sadi Tolfo. Alterações qualitativas e quantitativas dos contratos administrativos - distinções Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 maio 2015, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44273/alteracoes-qualitativas-e-quantitativas-dos-contratos-administrativos-distincoes. Acesso em: 23 dez 2024.
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