RESUMO: O presente artigo visa à reflexão do atual tema de Gestão por Competências no âmbito da Administração Pública, sobretudo no que se refere à análise crítica dos obstáculos e desafios na implementação do modelo na esfera pública, diante da cultura organizacional arraigada e o direito à estabilidade. Trata-se de um tema recente para o setor público, decorrente, principalmente, da publicação do Decreto Federal nº 5.707/2006, que inovou a Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoal da Administração Pública Federal. A metodologia adotada foi o estudo de obras de autores conceituados no ramo, através de uma revisão bibliográfica, que buscou a apresentação de conceitos primordiais para o embasamento do tema, com caráter qualitativo. Concluiu-se que a Gestão por Competências é um modelo de gestão estratégica fundamental para que as instituições identifiquem as competências organizacionais que permitam o alcance dos seus objetivos, apesar de todos os entraves presentes na esfera pública.
Palavras-chave: Gestão por Competências. Conceito. Administração Pública. Desafios.
Introdução
O modelo tradicional de Gestão de Recursos Humanos atravessa uma fase de grandes modificações, sobretudo na esfera pública, diante da necessidade de adequação dos anseios da Administração, de seus servidores e da sociedade recebedora dos serviços.
A demanda pela qualidade dos serviços, em razão da complexidade e do dinamismo oriundos do mundo globalizado, tem gerado a preocupação com a excelência, através da busca pela eficiência, transparência e dinamicidade na prestação dos serviços.
Tal cenário adentrou não só o setor privado, como também o setor público, motivando uma revisão do modelo de gestão aplicado nas instituições públicas.
O presente trabalho objetiva discorrer sobre o conceito do recente modelo de Gestão por Competências, que ganhou fôlego com a publicação do Decreto Federal nº 5.707/2006, bem como identificar e analisar as dificuldades que permeiam a implantação deste modelo no âmbito da Administração Pública, diante dos entraves da cultura arraigada e organizacional e do direito à estabilidade dos servidores públicos no país.
Conforme Carbone:
A partir deste novo modelo de estratégia organizacional, a área de gestão de pessoas pode orientar suas políticas, planos táticos e ações, integrando todos os seus subsistemas em torno da aquisição das competências necessárias à consecução dos objetivos organizacionais. (CARBONE, 2009, p. 72).
Foi utilizada como metodologia a pesquisa bibliográfica, buscando a investigação do tema por meio de uma revisão literária, associando as vantagens e principais características do modelo e verificando se a Gestão por Competências é capaz de adicionar valor na busca das instituições por eficiência e eficácia.
No desenvolvimento serão apresentados o conceito, os desafios e as idéias dos estudiosos do assunto e na parte seguinte serão apresentadas as considerações finais, baseadas nos tópicos desenvolvidos anteriormente, destacando-se os pontos positivos e negativos, bem como as particularidades do tema e suas implicações na implantação do modelo na esfera pública.
Desenvolvimento
Para conceituar a Gestão por Competências é importante, a princípio, fragmentar a expressão. Gestão, por si só, consiste em gerência, administração, enquanto competência, em sua singularidade, pode ser definida pela capacidade fundada em aptidão.
O Decreto Federal nº 5.707/06, por seu turno, definiu gestão por competência como sendo: “gestão da capacitação orientada para o desenvolvimento do conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes necessárias ao desempenho das funções dos servidores, visando ao alcance dos objetivos da instituição”.
Os autores Afonso Fleury e Maria Tereza Fleury discorrem sobre a competência, definindo-a como “(...) um saber agir responsável e reconhecido que implica mobilizar, integrar e transferir conhecimentos, recursos e habilidades, que agreguem valor econômico à organização e valor social ao indivíduo (FLEURY & FLEURY, 2001, p. 30)”.
Nesse sentido, complementa o autor Ruas:
A crescente utilização da noção de competência no ambiente empresarial brasileiro tem renovado o interesse sobre esse conceito. Seja sob uma perspectiva mais estratégica (competências organizacionais, competências essenciais, seja sob uma configuração mais específica de práticas associadas à gestão de pessoas (seleção, desenvolvimento, avaliação e remuneração por competências), o que é certo é que a noção de competência tem aparecido como importante referência dentre os princípios e práticas de gestão no Brasil. (RUAS, 2005, p. 36).
Dessa forma, a Gestão por Competências revela-se em um modelo de gestão planejada e estratégica que permite a identificação das competências organizacionais necessárias para que a instituição atinja seus objetivos. Ao identificar tais competências, a instituição torna-se capaz de mapear as competências humanas, fomentando o planejamento estratégico. É o momento de identificação de lacunas a serem preenchidas com o desenvolvimento do novo modelo de gestão.
A importância desta etapa é bem definida por Leme:
Identificar competências de que uma função precisa; identificar as competências que o colaborador possui; fazer o cruzamento das informações apuradas nos passos anteriores identificando o gap de treinamento e traçando um plano de desenvolvimento específico para o colaborador. (LEME, 2005, p. 01).
Importante registrar que competência interliga-se diretamente ao ambiente da administração, sob duas perspectivas, que se associam a um alicerce conceitual, sendo a primeira relacionada a uma dimensão estratégica e a segunda à gestão de pessoas.
Nesse passo, tem-se que o objetivo principal da efetivação da Gestão por Competências é o alinhamento dos conhecimentos, das habilidades e das atitudes dos servidores públicos aos valores e à missão da instituição, reduzindo a distância entre os serviços efetivos prestados pelos integrantes da organização e o desempenho que a instituição necessita.
Tal conceituação, bastante disseminada hoje em dia, ganha força nas palavras de Carvalho:
O conhecimento é um conjunto de informações articuladas e que podem ser utilizadas quando necessário. A habilidade é entendida como a capacidade de transformar o conhecimento em ação, produzindo resultados que atendam ou superem uma expectativa. As atitudes são determinadas por crenças, valores e princípios e estão relacionadas com o “querer ser” e o “querer agir”. (CARVALHO, 2008, p. 37).
Esse resultado reflete externamente na qualidade dos serviços finais entregues à sociedade, eis que potencializa a base do conhecimento, aumenta a capacidade de análise e qualifica a tomada de decisões gerenciais.
Lado outro, a Gestão por Competências tem o condão de transformar o atual modelo de Recursos Humanos de operacional em estratégico, permitindo que haja maior integração dentro da instituição.
Nesse ínterim, discorre o professor Dutra:
Na grande maioria dos órgãos públicos brasileiros, a área de RH continua limitada a esse papel, ficando conhecida como departamento de pessoal. A inexistência de definição de diretrizes gerais para as políticas de recursos humanos aliada à falta de informação faz com que a área de RH no setor público continue a possuir uma imagem burocrática, associada à ineficiência. De modo geral, acaba sendo uma gestão de problemas, emergencialista, que trabalha para “apagar incêndios” constantemente, priorizando tarefas rotineiras e emergenciais, onde atividades como definição de políticas para contratar, capacitar e remunerar ficam em segundo plano. (DUTRA, 2009, p. 38).
Para sua implementação, faz-se necessário que haja agregação entre os setores que atuam na área de gestão de pessoas e de carreira, em acordo com a estratégia organizacional. Assim, o modelo abrange diversos níveis dentro da instituição.
Entretanto, muitos ainda são os desafios para a efetivação do modelo em referência, cabendo destacar no presente artigo dois principais obstáculos.
É sabido que o servidor público, após o ingresso por concurso na instituição e o cumprimento do período de estágio probatório (03 anos), adquire a estabilidade, consistente no direito de permanência no serviço público, garantido pela Constituição Federal de 1988.
A principal da função da estabilidade é permitir que o servidor aja de acordo com os princípios da impessoalidade, moralidade e legalidade, focando no interesse público. Porém, tal instituto vem sendo distorcido para uma única realidade, a de que, independente da ação do servidor público, o vínculo com a instituição é inabalável.
Assim, a implantação da Gestão por Competências, na visão de um determinado grupo de servidores públicos acomodados, que se apóiam na imobilidade do cargo, sem se importar com a execução de suas atribuições, feriria o direito à estabilidade, uma vez que confrontaria diretamente com os novos conceitos de excelência, qualidade, resultado e eficiência.
Este desafio, se não superado, comprometerá toda a dinâmica de implantação do modelo, conforme Pires define:
O desenvolvimento de competências profissionais ou humanas é um processo de aprendizagem que visa suprir o hiato entre os conhecimentos, as habilidades e as atitudes requeridos pelo órgão público e os apresentados pelos servidores. Estabelecidas em função do cargo ou da posição ocupada pelo indivíduo na organização, essas competências remetem, sob a ótica da qualificação profissional, não apenas aos saberes cognitivos e técnicos, mas também aos saberes da ação, ou seja, à capacidade de os servidores resolverem problemas, de lidarem com situações imprevistas e de compartilharem e transferirem conhecimentos. (PIRES, 2005, p. 36).
Um segundo desafio, não menos relevante, é a cultura organizacional pública do país.
Toda mudança no âmbito da Administração Pública é lenta e gradual. Devido ao costume arraigado, há uma complexidade que não permite a alteração de rotinas de forma pontual.
É necessário que haja um interesse na mudança, que tanto os subordinados quanto os superiores conheçam o novo modelo e tenham interesse em vê-lo aplicado ao cotidiano.
Nesse ponto, certeira a colocação abaixo:
Esses relacionamentos geram valores, normas que promovem e controlam a integração e interação de seus membros entre si e reflete externamente, é o cerne da Organização, e conhecida como cultura organizacional. A cultura organizacional é um padrão de aspectos básicos compartilhados – inventados, descobertos ou desenvolvidos por um determinado grupo que aprende a enfrentar seus problemas de adaptação externa e integração interna, - e que funciona bem a ponto de ser considerado válido e desejável para ser transmitido aos novos membros como a maneira correta de perceber, pensar e sentir em relação àqueles problemas. (SCHEIN, 1992 apud CHIAVENATO, 2004b, p. 171).
Portanto, diante deste contexto, o processo torna-se lento e gradual, pois, primeiro, a cultura sedimentada deve ser alterada, para depois o novo modelo ser aplicado. Assim, além de todo esse processo, é necessário vencer a resistência à mudança, encarada, muitas vezes, como afronta a direitos adquiridos e rotinas já estabelecidas.
Conclusão
De todo o exposto, foi possível perceber o quão importante é a implantação no serviço público da Gestão por Competências e, ao mesmo tempo, o quão desafiador se torna a efetivação deste modelo.
O tema, que vem sendo amplamente estudado e discutido atualmente, ainda se mostra pouco difundido no âmbito do funcionalismo público, devido aos desafios discorridos no presente trabalho, bem como a outros, que aqui não foram expostos, mas que também dificultam a introdução da nova sistemática, como por exemplo, a pouca efetividade da legislação vigente.
Como toda mudança no âmbito da Administração Pública deve ser lenta e gradual, decorrente da resistência à mudança e da dificuldade em se modificar o que já se apresenta consolidado e estável, a implementação de um novo modelo de gestão de recursos humanos deverá também seguir este ritmo, sob pena de se tornar inócua.
É imperioso que a Administração promova ampla divulgação do novo modelo, através do conceito, da aplicabilidade e das melhorias que a Gestão por Competências pode trazer, sobretudo a longo prazo. Deve existir o apoio da alta administração e o espírito aberto ao debate.
Por mais que existam obstáculos e desafios, a implantação efetiva da Gestão por Competências pode transformar, aos poucos, a realidade do nosso serviço público, haja vista que ele pode se tornar mais eficiente, seja na qualidade dos serviços prestados, bem como na qualificação dos agentes públicos, de acordo com as habilidades e comportamentos.
Conclui-se, por fim, que é possível verificar na sociedade, que mesmo diante de todos os desafios, o tema vem sendo amplamente estudado e divulgado, o que é o primeiro e grande passo para a mudança paulatina de cultura.
REFERÊNCIAS
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_______. Decreto 5.707 de 23 de Fevereiro de 2006. Institui a Política e as Diretrizes para o Desenvolvimento de Pessoal da Administração Pública Federal Direta, Autárquica e Fundacional, e regulamenta os dispositivos da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2206/2006/Decreto/D5707.htm. Acesso em 23 de Janeiro de 2015.
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Bacharel em Direito formada pela PUC/MINAS, Servidora do Ministério Público Estadual de Minas Gerais, Especialista em Direito Processual pelo Instituto de Educação Continuada da PUC/MINAS, em Direito Público pela ANAMAGES e em Gestão de Pessoas pela UCAM Prominas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LUCAS, Fernanda de Castro. Gestão por competências na Administração Pública: conceito e desafios Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 maio 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44282/gestao-por-competencias-na-administracao-publica-conceito-e-desafios. Acesso em: 23 dez 2024.
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